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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

PROJETO HISTÓRIA ORAL

MEMÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

ENTREVISTADO: Dr. José Carlos Moreira Alves

ENTREVISTADORA: Profª. Ms. Teresa Paiva-Chaves

TRANSCRIÇÃO: Kavianne Almeida

REVISÃO: Juliana de Almeida Nunes

DATA: 1º de março de 2005

LOCAL: Brasília/ DF

NÚMERO DE PÁGINAS: 25
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 2

INFÂNCIA .............................................................................................................. 3

CASAMENTO E FAMÍLIA ...................................................................................... 4

CURSO DE DOUTORADO.................................................................................... 5

CHEGADA EM BRASÍLIA E PROCURADOR-GERAL .......................................... 6

CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO DA PROCURADORIA............................... 6

RELACIONAMENTO INTERINSTITUCIONAL ...................................................... 8

DIGNIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO .............................................................. 8

PERÍODOS DIFÍCEIS .......................................................................................... 11

FUSÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E GUANABARA............................ 13

CASSAÇÃO DE DEPUTADO .............................................................................. 14

CONCESSÃO DE LIMINAR................................................................................. 17

OCUPAÇÃO DOS TRÊS POSTOS MÁXIMOS DOS TRÊS PODERES.............. 18

PROCURADOR-GERAL ELEITORAL ................................................................. 19

PROFESSOR UNIVERSITÁRIO.......................................................................... 20

MINISTÉRIO PÚBLICO ATUAL........................................................................... 22

ATIVIDADES ATUAIS.......................................................................................... 23

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 25

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APRESENTAÇÃO

Hoje é primeiro de abril, estamos aqui com o ministro José Carlos Moreira Alves.
Ministro o senhor poderia dizer o seu nome completo?
Meu nome completo é José Carlos Moreira Alves.

Onde e quando o senhor nasceu?


Eu nasci em Taubaté, no estado de São Paulo, no Vale do Paraíba, em 19 de abril de 1933.
Residi em Taubaté nos meus três a quatro primeiros anos. Meu pai, naquela época, era
funcionário do Banco do Brasil. Foi transferido para Santos, onde passamos pouco tempo.
De Santos fomos para São Paulo, de São Paulo fomos para o Rio, por volta de 1940. Aí
morei no Rio de Janeiro até 1968, quando fiz concurso, naquele tempo, para Catedrático
de Direito Civil da universidade,da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e
me transferi para São Paulo. E uma coisa curiosa. Eu fiz esse concurso, justamente, porque
eu, naquela época, eu, advogado do Banco do Brasil e sabedor de que a consultoria
jurídica do Banco do Brasil, onde eu trabalhava, viria para Brasília. Eu para não vir para
Brasília [risos], fiz concurso em São Paulo, até porque a Faculdade Federal do Rio de
Janeiro, naquela época, estava com os concursos trancados. E... ganhei e achei que
ficaria... não teria a possibilidade, portanto, de vir para Brasília. Mas foi uma coisa
curiosa. A força do destino é impressionante, porque isso ocorreu em agosto de 1968,
quando fui para São Paulo para tomar posse na faculdade de Direito e, portanto, começar a
dar aula. Em 69, o professor Alfredo Buzaid, que eu conhecia na Faculdade de Direito,
muita gente pensa que ele foi meu professor, mas, não, nós fomos colegas de congregação.
Ele, sabendo que eu tinha morado muitos anos no Rio de Janeiro, me convidou para ficar
na chefia do gabinete dele no Rio de Janeiro. Eu então com isto, eu fiquei durante bastante
tempo na ponte aérea Rio, Rio - Brasília, São Paulo, enquanto que minha senhora e meus
dois filhos ficaram em São Paulo. E essa época foi uma época de bastante trabalho, até
porque eu que a princípio ia para ser chefe de gabinete no Rio de Janeiro, fiquei como
responsável pelo movimento daquela época de reformulação de vários códigos. O que foi
muito interessante, porque tive contato com grandes juristas brasileiros que participaram
desse trabalho de reforma, do qual afinal só resultou o Código de Processo Civil. Mas o
que é certo é que eu depois fiquei como chefe de gabinete do professor Rosário aqui em
Brasília, me afastei, um pouco mais tarde, da parte administrativa do ministério, fiquei
apenas nesse programa de reforma dos códigos, quando, em 1972, ele me telefonou

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dizendo que precisava falar comigo. E ai então ele me transmitiu o convite para
Procurador-Geral da República. Eu confesso que nunca tinha sido membro do Ministério
Público. Tinha sido advogado, professor de Direito. Eu a princípio recusei. Disse que não
me senti a vontade para ser Procurador-Geral da República, mas ele insistiu dizendo que
ele tinha confiança em mim neste cargo, e eu depois de pedir vinte e quatro horas para
pensar a respeito, convoquei a família, que dizer, convoquei minha mulher, porque as
crianças eram pequenas, e disse: “_Você gostaria de ir para Brasília?” Ela me perguntou:
“_Para você isso é bom?”. Eu disse: “_Bem, eu posso ou liquidar-me por fracassar ou
chegar até ministro do Supremo Tribunal Federal”. Hoje eu penso, felizmente, a segunda
alternativa é que foi a verdadeira. De modo que com isso nós viemos para Brasília e
estamos aqui, desde 1972, até hoje.

INFÂNCIA

Que lembranças o senhor tem do Rio de Janeiro da sua infância?


O Rio de Janeiro passei a maior parte da minha infância, vamos chamar assim, infância
consciente no Rio de Janeiro. Onde estudei principalmente num...naquela época era um
grande colégio, o Instituto Lafaiete. Eu aí fiz o quarto ano primário [interrompe: Não. Isto
não é nada. Caiu ali]. Eu fiz o quarto ano primeiro, depois o exame de admissão nesse
Instituto Lafaiete, em seguida os quatro anos de ginásio, três anos de científico, até fazer o
vestibular para a Faculdade de Direito, que era, então, Faculdade Nacional de Direito da
Universidade do Brasil. Nesse período, eu morava, evidentemente, com meus pais, e nós
morávamos no Rio Comprido. De modo que as recordações que eu tenho são as
recordações comuns de uma vida comum, mas que se orientou sempre no sentido de
estudo. Eu fui o primeiro aluno da turma desde o começo do ginásio até o final, até o
científico. Lá, desde o quarto ano primário, fui colega de minha mulher, minha atual
mulher. De modo que eu brinco com ela que nós já fizemos bodas de diamante de
conhecimento. E comigo aconteceu um fato curioso. É que eu, a minha...o meu
pensamento de vocação era de ser médico. Até que no final do segundo ano científico, eu
cheguei a conclusão de que tenho horror a sangue. [risos] Daí a razão pela qual resolvi
estudar Direito. E hoje fico muito satisfeito em ter tomado essa deliberação, porque como
médico eu deveria ser um fracasso completo. [risos]

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O senhor me disse que o Direito de alguma certa forma se encaixava com seu
temperamento, né? Porque...
Eu sempre tive um temperamento combativo desde o colégio. Desde os tempos de colégio,
em debates e tal... Sempre tive esse temperamento. Por outro lado, eu sempre gostei de
letras. Eu... no momento em que eu desisti de estudar medicina e me empenhei para fazer
o vestibular de Direito, eu me dediquei, de tal forma, que fui primeiro colocado no
vestibular, inclusive com a maior média em latim, sendo que o segundo colocado era um
professor adjunto de latim do Pedro II. [risos]

CASAMENTO E FAMÍLIA

O senhor disse que o senhor conhece a sua mulher desde o quarto ano primário?
Nós fomos colegas. O meu quarto ano primário foi um fato curioso porque eu tinha vindo
de um colégio próximo de casa no Rio Comprido onde fizeram... passara pouco tempo.
E... tive que fazer, então, um exame de verificação de conhecimento para saber se podia ir
para o quarto ano primário. Fiz o exame, e me colocaram no quarto ano onde havia três
séries de mesas: havia as mesas dos muitos bons, as mesas dos mais ou menos e as mesas
dos maus. Eu fiquei na mesa dos mais ou menos com a que hoje é a minha senhora. [risos]
E aí é que nos conhecemos, porque sentávamos na mesma mesa que era como eu disse,
essa mesa média. De modo que o nosso conhecimento data daí. E depois, ela foi... Naquele
tempo, o Instituto Lafaiete tinha um departamento feminino e um departamento
masculino. Eu fui para o masculino, e ela foi para o feminino. Aí nos afastamos. Mas no
científico, voltamos a nos encontrarmos, porque, novamente, havia, as turmas eram mistas.
E depois fizemos o vestibular de Direito, ambos passamos, cursamos o curso de Direito e
quando acabamos nós nos casamos em 1956.

E se casaram depois de quantos anos de namoro?


Não, não. Foi namoro efetivo... Foi período do científico, depois na faculdade, logo depois
que nos formamos é que nos casamos. Nós nos formamos em dezembro e nos casamos em
janeiro. Eu, naquele, tempo tinha, em 1953, eu tinha feito concurso para escriturário do
Banco do Brasil e, portanto, já tinha... E, naquele tempo, os vencimentos do Banco do
Brasil já permitiam, mesmo no começo de carreira, que a gente se casasse.

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CURSO DE DOUTORADO

Depois da graduação, o senhor faz mestrado e doutorado também?


Não, não. Naquele tempo, não havia mestrado. Naquele tempo só havia doutorado que era
um curso de dois anos. E ambos, eu e minha senhora, fizemos. Sendo que ela,
infelizmente, porque que aí já vem nascimento de filhos, não pôde defender tese. Eu
defendi e me doutorei em março de 1961. Ano, aliás, que foi um ano marcante na minha
vida intelectual, porque em março eu me doutorei; em agosto eu fiz a livre docência de
Direito Romano, fui aprovado; em setembro fiz concurso para Catedrático de Direito
Romano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo enfrentando três livres
docentes da faculdade. Fiquei em segundo lugar, tendo perdido para o filho do ex-
catedrático. E aí, houve, houve... Foi um concurso muito agitado. Inclusive os estudantes
jogaram moeda e marmelada encima da banca, a congregação se reuniu, e por doze votos a
zero se manifestou pela anulação do concurso que não foi anulado, porque, naquele tempo,
era preciso que dezesseis professores assistissem a todas as provas. Neste caso, só doze é
que haviam assistido a todas as provas. Mas essa unanimidade. Eu entrei com um recurso
contra o concurso, perdi no conselho Universidade de São Paulo por quinze votos, por
catorze votos a cinco, mas o governador do estado que, na época, era o presidente do
Tribunal de Justiça, desembargador Ciro Cintra, que estava substituindo o governador, que
estava fazendo campanha política para as próximas eleições, ele anulou o concurso. O
primeiro colocado impetrou mandato de segurança, eu fui litis consórcio do governador, lá
ganhei por unanimidade e, afinal, por cinco votos a um perdi no Supremo. O que de certa
forma foi muito bom, porque alguns anos depois, em 1968, eu fazia ainda na Faculdade
Nacional de Direito, aliás, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, embora
residindo no Rio Janeiro, eu faria o concurso para Catedrático de Direito Civil, e aí ganhei
a cadeira.

E esse tempo, 1968, era um tempo agitado?


Ah sim. Foi o tempo do AI5 (Ato Institucional número 5). Foi um tempo bastante agitado,
inclusive nos meios universitários. A tal ponto que quando eu fui tomar posse na
Faculdade de Direito no largo de São Francisco, a faculdade estava totalmente em greve.
Os alunos haviam colocado uma parede simbólica para fechar as portas, de tijolo [parede
de tijolo]. E eu tive que tomar posse na casa do diretor, porque senão eu perderia o prazo
dos trinta dias para posse. Ele reuniu toda a congregação e me deu posse lá, lavrando uma

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ata dizendo que eu tomava posse fora da faculdade, porque a faculdade estava interditada
pelos alunos em greve. Foi um período bastante agitado.

CHEGADA EM BRASÍLIA E PROCURADOR-GERAL

O senhor chega em Brasília como Procurador-Geral em 72, né?


Foi. Em 72, como eu disse, eu estava no ministério apenas nessa, nesse departamento
relativo a elaboração de projetos de reforma de código, quando o professor Buzaid foi o
condutor do convite para [eu] ser Procurador-Geral da República. E eu depois, como disse,
depois de uma certa hesitação, aceitei e vim para Brasília. Fui nomeado no dia 18 de abril
de 1972. Na véspera do meu aniversário quando eu fiz trinta e nove anos. E... tomei posse
no dia 24 de abril, sendo que a minha família veio para cá no iniciozinho de maio.

CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO DA PROCURADORIA

E quais que eram as condições de funcionamento da Procuradoria naquele


momento?
Absolutamente precárias. Eu me lembro de que quando eu cheguei a Procuradoria, ela
funcionava no quarto andar de um edifício na esplanada dos ministérios onde... que era
destinado ao DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público). Nós tínhamos um
andar cedido pelo DASP. Quando eu cheguei, encontrei no meu gabinete, [de] Procurador-
Geral, encontrei: um datilógrafo, um funcionário que já estava para retornar para sua
lotação originária; e havia um corpo administrativo bastante diminuto. O problema estava
de tal ordem que eu fui obrigado a conseguir, já que nós não tínhamos nem funcionários e
nem verba para o preenchimento dessas vagas, eu fui obrigado a obter um empréstimo de
uma funcionária da prefeitura de Osasco, e o meu chefe de gabinete foi um promotor de
São Paulo que me foi cedido também pelo Ministério Público de São Paulo: o doutor
Romeu Recúpero, que hoje, aliás, é juiz de São Paulo, é desembargador do Tribunal de
Justiça. Mas a Procuradoria, não apenas, ela era de uma pobreza franciscana, quer em
funcionários e quer em meios materiais, o que de certa forma eu já sabia! Porque um
antigo professor meu de Direito Administrativo, professor Alcino de Paula Salazar, que
tinha sido Procurador-Geral da República, certa vez contara que precisou, já que o carro,
um dos pneus do carro da Procuradoria era preciso ser trocado, que quem trocou com o
dinheiro dele foi ele mesmo, Procurador–Geral, porque não havia verba para isso. E por

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outro lado, o número de procuradores era absolutamente diminuto. Eu logo que tomei
posse, encontrei um problema que foi o seguinte: o procurador que me antecedera e que,
como eu, havia sido advogado do Banco do Brasil, e que ele... deixará o cargo de
Procurador-Geral para ser ministro do Supremo, hoje ministro aposentado também,
Francisco Xavier de Albuquerque, ele sentindo as dificuldades materiais da Procuradoria e
o número exíguo de procuradores pelo Brasil em que uma boa parte dos procuradores
eram cedida por Ministérios Públicos, já que o... a lotação do quadro estava absolutamente
defasada, uma vez que, se não me falha a memória, sendo sessenta e sete vagas, aliás,
cargos de procurador, e nós não tínhamos mais... não tínhamos, talvez, setenta
procuradores em exercício, aliás, procuradores efetivos, ele tinha iniciado o primeiro
concurso que houve na Procuradoria. A prova foi uma prova... aqueles questionários em
que eu brincava: “São aqueles questionários que a gente coloca a cruzinha para acertar ou
errar a questão que era feita”. E aconteceu que houve um fato curioso. Depois de
corrigidas as provas, verificou-se que como a correção se fizera pelo computador, que
muitos dos candidatos na hora de fazerem a marcação das cruzinhas, não calcaram com
suficiente força num instrumento que era justamente para marcar, a fim de que o
computador pudesse computar o certo e o errado. E com isso, então, se teve então que
anular o resultado da prova escrita que era uma prova eliminatória. E aí o primeiro
problema que eu encontrei foi justamente este: foi o de que tivemos que fazer a correção
manual de todas as provas. E, em seguida, veio então... foram eliminados aqueles que
tinham sido reprovados. Restaram alguns, relativamente poucos, tanto que não deu para
preencher o quadro, e veio então o exame oral. E dessa turma vários, procuradores depois
chegaram ao Supremo Tribunal Federal_ ministro Resek que foi dessa turma_ e ao antigo
Tribunal Federal de Recursos, hoje Superior Tribunal de Justiça. Esse foi o primeiro
problema que eu tive e que eu, aliás, me lembro de uma passagem de até certa forma
curiosa. É que quando os procuradores tomarão posse, tomarão posse perante o ministro
da Justiça no Ministério da Justiça, e eu fiz o discurso e comentei, comentei não, nesse
discurso salientei que eles eram os primeiros procuradores que entravam pela porta da
frente da instituição e não pela porta dos fundos, o que desgostou muitos daqueles que
tinham sido aproveitado anteriormente. Mas se foram aproveitados é porque não havia
outra forma de acesso. Mas, de qualquer forma, foi a introdução do sistema que eu acho
que, ainda que possa apresentar falhas, é, sem dúvidas, o melhor sistema para aferição
daqueles que devem ocupar cargos públicos. O mais democrático porque é aberto a todos.

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RELACIONAMENTO INTERINSTITUCIONAL

O senhor teve alguma dificuldade de relacionamento com os outros órgãos e com as


pessoas que chefiavam os outros órgãos?
Não, não tive. Não cheguei a ter nenhuma dificuldade. Houve uma passagem, foi uma
passagem, uma questão de entendimento. É que, naquela época, o então ministro da
Fazenda achou que os procuradores tinham direito a uma percentagem sobre a dívida ativa
pelo trabalho que eles tinham tido. E eu entendia que não, porque a Constituição havia
afastado essa possibilidade. Com isso eu entrei em choque com muitos procuradores que
já tinham, como se dizia na época, “gasto por conta”. De modo que foi, realmente, foi um
embate que eu tive com o ministro da Fazenda, mas que, afinal, a Presidência da
República resolveu esse embate, considerando que eu tinha razão, e que,
conseqüentemente, essas importâncias não deveriam ser pagas. É certo que,
posteriormente, alguns Procuradores impetraram mandado de segurança no Tribunal
Federal de Recursos contra o ministro da Fazenda que nas suas informações alegou que
acha que eles tinham razão, mas que o Procurador-Geral da República entendera que não
tinha, e eles obtiveram ganho... obtiveram o deferimento do mandado de segurança pelo
voto do presidente, que desempatou, do Tribunal Federal de Recursos. Houve um recurso
extraordinário e no Supremo Tribunal Federal se manteve aquela decisão que eu havia
tomado no sentido de que não era devido aquela verba aos procuradores. Isso, é claro,
trouxe descontentamento naquele momento. Mas passado isso, posteriormente, tudo
entrou nos eixos e não tive mais problema nenhuma com relação a esse convívio, a esse
relacionamento com os procuradores, nem com demais poderes. Era, naquele tempo,
ministro chefe da Casa Civil, o ministro Leitão de Abreu, com tive muito bom contato. O
ministro da Justiça era o professor Alfredo Buzaid, que era meu colega de faculdade e que
fora quem me trouxera para o ministério, que eu também tinha bom relacionamento. E
com os outros ministérios sempre tive bom relacionamento. De modo que, felizmente, não
tive problema maior.

DIGNIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

É, eu já escutei, mais de uma vez, as pessoas com quem eu tenho conversado dizer
que o senhor seria responsável pela dignidade do Ministério Público. A que o senhor
atribuiria isso?

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Isto a senhora sabe que... Isto eu atribuo a bondade dos amigos [risos], primeiramente.
Porque a minha orientação na Procuradoria sempre foi esta, eu sempre fui legalista. Eu
quando achava que tinha razão eu era a favor, quando achava que não tinha, eu era contra.
E por outro lado, me esforcei bastante para melhorar as condições humanas do Ministério
Público, no sentido, inclusive, de se conseguir preencher as vagas do Ministério Público e
o Ministério Público atuar efetivamente pelos seus procuradores. Por isso mesmo que além
de terminar aquele primeiro concurso, eu realizei um segundo e um terceiro concurso que
fez com que quando eu saísse da Procuradoria, eu tivesse deixado, lá, o quadro que,
naquela época, não era grande, mas, em todo caso, o quadro completamente preenchido.
Por outro lado, na minha atuação junto ao tribunal, eu sempre primei, já que, naquela
época, o Ministério Público também exercia as funções de Advocacia da União, eu sempre
primei pela defesa da União como dever que tinha e, obviamente, pela função como
Ministério Público de fiscal da lei. Por isso mesmo, naquela época, alguns diziam que eu
falava demais, porque eu geralmente eu sustentava as posições do Ministério Público e da
Advocacia da União nas sessões plenárias do Supremo Tribunal Federal de que eu
participava como Procurador-Geral. Isso talvez tenha sido, inclusive, a circunstância que
me levou a uma das grandes surpresas da minha vida. Que foi, justamente, quando o
presidente Médici, ele estava para transferir o cargo de Presidente da República para o
general Geisel, eu já tinha preparado todas as coisas que trouxera para Brasília para voltar
para São Paulo, e aí pedi ao ministro da Justiça, encaminhei ao ministro da Justiça um
pedido de demissão, obviamente. O ministro da Justiça me telefona, no final da tarde,
dizendo: “_O presidente Médici disse que ele não vai assinar, vai deixar para o novo, para
o outro Presidente da República. E eu fiquei preocupadíssimo. Disse ao ministro: “_Mas
como é que eu vou fazer? Quando tomar posse o novo ministro da Justiça, eu vou chegar
para ele e vou dizer: eu ainda sou o Procurador-Geral da República. O senhor há de convir
que é uma situação delicada”. Ele disse: “_Bem, mas o que eu posso fazer? O presidente
não assinou”. Eu também não posso fechar as portas e entregar a chave. E, realmente,
ocorreu um fato curioso, o que, aliás, um parêntese, foram dois fatos curiosos que
ocorreram comigo. Primeiro, quando eu fui apresentado ao presidente Médici, logo pouco
depois dele ter tomado posse. E depois com o presidente Geisel como eu vou salientar.
Com relação ao presidente Médici, ocorreu o seguinte fato: ele era absolutamente fechado
e ele não me conhecia. Por indicação do ministro da Justiça me nomeara. E quando me
viu, eu naquele, tinha recém feito trinta e nove anos, ainda tinha uma aparência de homem
moço, ele olhou para mim, franziu a testa e disse: “_Mas é o senhor o Procurador-Geral da

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República?”. Eu percebi que ele estava me achando muito moço. E... confesso que... Disse
[na verdade, ele quer dizer pensei]: “Bem, agora o que eu vou responder?”. Mas aí é
aquela história. Parece que a mão de Deus baixou. Eu me virei para ele e disse:
“_Presidente, o senhor, pelo menos, de uma coisa pode ter certeza: os trinta e cinco anos
mínimos exigidos pela Constituição foram respeitados”. Foi o primeiro e talvez o único
sorriso que eu tenha visto do presidente Médici com relação a mim. Com referência ao
presidente Geisel, como eu disse, eu tinha pedido demissão, não fora assinado o meu
pedido de demissão, não fora concedido a minha decisão, e eu tive que me apresentar no
dia da posse do ministro Armando Falcão, que tinha sido nomeado ministro da Justiça, e
me apresentei e disse: “_Eu vim aqui cumprimentá-lo pela sua posse, e também te pedir
que encaminhe, o mais rápido possível, se possível amanhã, ao Presidente da República o
meu pedido de exoneração que está em cima da sua mesa, porque eu ainda estou como
Procurador-Geral da República”. Aí para imensa surpresa minha, ele se virou para mim e
disse: “_Eu preciso muito conversar com o senhor. O senhor pode ir amanhã cedo ao meu
gabinete?”. Eu disse: “_Pois não”. Cheguei em casa e comentei com minha mulher. Eu
disse: “_Bem, eu não sei o que está havendo, porque disse que precisa muito conversar
comigo. Para eu amanhã cedo ir ao gabinete dele”. E fui. Lá chegando, ele foi muito
correto comigo. Virou-se para mim e disse: “_Eu queria dizer ao senhor, de início, que o
senhor não era meu candidato a Procurador-Geral da República. Eu tinha um candidato,
levei ao presidente Geisel, disse a ele quem era, ele virou-se pra mim e disse: mas eu tenho
também um candidato e o meu candidato prefere ao do senhor. O senhor convide o atual
procurador para continuar no cargo”. E aí ele me perguntou: “_O senhor aceita?”. Eu
disse: “_Bem, depois do que o senhor me disse... eu nunca na minha vida vi pessoalmente
o presidente Geisel, ele nunca na vida dele me viu pessoalmente e tem uma atitude dessas
para comigo, eu, evidentemente, seria o último dos homens se dissesse ao senhor que não
aceitaria. E com isso, continuei como Procurador-Geral da República no outro governo,
onde todo o ministério, todo o primeiro escalão tinha saído, exceto o ministro Reis Veloso,
que era um homem ligado ao general Médici. De modo que foi uma das grandes surpresas
da minha vida.

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PERÍODOS DIFÍCEIS

Na nossa conversa anterior, o senhor tinha colocado para mim que esses dois
períodos, esses dois governos teriam sido períodos difíceis. Por quê?
Foram períodos difíceis porque foram períodos revolucionários em que ao lado da
Constituição havia, ao lado que dizer, integrando a constituição e afastando a aplicação
dela havia os atos institucionais. E, por outro lado, a Procuradoria tendo um contingente de
pessoal pequeno, de modo que não havendo uma disponibilidade maior de pessoal, e...e
também as questões que surgiram na época que foram várias, de modo que tudo isso fez
com que fosse um período realmente difícil, em período delicado. Principalmente pela
circunstância de que em virtude da emenda constitucional de 1965 que introduziu em
nosso Direito Constitucional a representação de inconstitucionalidade, que nada mais era
do que uma ação direta de inconstitucionalidade contra a lei em tese, se deu ao
Procurador-Geral da República, se deu a ele a única legitimidade para propor essa ação.
De modo que a ele cabia verificar se realmente aquela provocação que se lhe fazia,
entidades... ,enfim, pessoas que lhe faziam, ou mesmo por verificação dele próprio, se
deveria ou não entrar com a representação de inconstitucionalidade. E nesse momento,
evidentemente, era um momento delicado, porque muitas vezes havia problemas...
Problemas de natureza política, problemas aos quais eu que nunca na minha vida tive
tendência política, portanto que a senhora nunca ouviu falar de mim como homem
dedicado à política ou com inclinações políticas, eu sempre procurei pautar-me no sentido
de que se me convencesse que era inconstitucional, eu representaria, mas a senhora sabe
que isso também desgosta muita gente, quando se representa, ou quando não se representa.
E já tinha havido até anteriormente a minha ida para a Procuradoria, tinha havido já
problemas com o procurador anterior, que é hoje o ministro Xavier de Albuquerque, que
deu margem inclusive a aposentadoria requerida pelo ministro Adauto Lúcio Cardoso
quando ele entendeu que hoje o ministro Xavier deveria, naquela época, ter ingressado
com uma representação com relação a qual ele não ingressou. E com isso, então, ele tirou
a toga, deixou em cima da cadeira e em seguida pediu a sua aposentadoria. Então,
evidentemente, isso tudo eram problemas que surgiram. Como houve alguns casos, no
caso de grande repercussão, problemas nas ações penais. Naquela época, eu me lembro de
uma ação penal em que havia como acusado o ministro... o senador que depois ficou
conhecido como senador que foi quem introduziu o divórcio no Brasil pela sua pertinácia,
que foi o senador Nelson Carneiro. Houve um problema penal com relação a ele, uma

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troca de tiros no plenário. Eu me lembro que o advogado de defesa era o advogado Sobral
Pinto, que era um homem altamente combativo. Eu me recordo que devo ter causado a ele
uma surpresa total, porque como Procurador-Geral, eu sempre fui tido como um homem
muito rigoroso em acusações. E, nesse dia, ele depois de encher aquela tribuna de que ele
falava de livros para fazer sustentação, ele jamais pensou na vida dele que o Procurador-
Geral da República, que era eu, pedisse absolvição do réu, tendo em vista que não ficara
provado quem disparara o primeiro tiro. [risos] De modo que isso, inclusive,sempre foi a
minha posição. Eu estava absolutamente convencido...Confesso que não, nunca tive amor
a cargo. Acho que na vida da gente, o nome da gente vale muito mais do que o cargo que a
gente venha a ocupar. De modo que quando estava convencido de que tinha razão, eu
sustentava ardorosamente. Quando não estava, também não fazia a sustentação. De modo
que essa... isso, talvez, seja um dos pontos que me tenham colocado de uma maneira
razoavelmente boa, até sustentar a Procuradoria- Geral da República

O senhor podia contar para a gente o episódio quando o senhor estava sustentando a
extradição de um estrangeiro...
Ah, sim. Essa foi uma passagem altamente curiosa. O ministro Balieiro era um homem
muito curioso sobre um aspecto: ele, geralmente, até por certos acontecimentos de
natureza social, ele, muitas vezes, ia a almoços no Itamarati, enfim, ele chegava no
Supremo e a gente tinha a impressão de que ele fechava os olhos e a gente tinha a
impressão que ele estava dormindo. E eu um dia fazendo a sustentação numa extradição
em que a defesa alegava que o extraditando não tinha sido citado regularmente e pedia,
então, que o Supremo não extraditasse porque a citação era nula e eu sustentava o
contrário, dizendo que , evidentemente, nós não podíamos em matéria de extradição, não
poderíamos examinar unidade processual no país estrangeiro, até porque se pudéssemos
teríamos que requisitar os autos e convocar o advogado, membro do Ministério Público
para fazer um verdadeiro processo no Brasil, e quando estava no auge da sustentação nesse
sentido, ministro Balieiro abriu os olhos e me disse: “_Dr. Procurador-Geral da República,
Vossa Excelência me permite um aparte?”. Confesso a senhora que não caí da cadeira,
porque a cadeira [risos] que eu estava sentado solidamente... Porque nunca tinha ouvido
falar que um ministro do Supremo pedisse um aparte ao Procurador-Geral fazendo uma
sustentação. Eu respondi: “_É claro, Você Excelência tem direito ao aparte”. E ele me
disse: “_Dr. procurador”. Um parêntese. Naquele tempo, era muito famosa a figura de um
escritor soviético, Boris Pasternack, que tinha escrito um livro, Arquipélago de Gulak,

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que tinha fugido da Rússia, tinha saído da Rússia. E...o ministro Balieiro então me fez esta
pergunta: “_Vossa Excelência, se soubesse que o Dr. Boris Pasternack tinha vindo para o
Rio de Janeiro, que aqui no Brasil já estava a bastante tempo e que a Rússia solicitasse a
extradição dele dizendo que ele havia sido citado lá no mês passado. Vossa Excelência
continuaria mantendo sua opinião?”. Eu digo: “_Sem dúvida alguma, porque aqui o
problema é absolutamente técnico”. Disse: “_Ah, foi por isso que o Dr. Boris Pasternack
não veio para o Brasil, porque ele sabia que ia encontrar Vossa Excelência como
Procurador-Geral da República”. [risos]

FUSÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E GUANABARA

Eu gostaria que o senhor contasse um pouco também de um outro episódio quando


da fusão do estado do Rio de Janeiro com Guanabara.
Esse foi um episódio delicado em função das circunstâncias da época. Uma das meninas
dos olhos do presidente Geisel era justamente a fusão do Estado da Guanabara com o
estado do Rio de Janeiro. Ele fez essa fusão. Em virtude dessa fusão, fundiram-se os
tribunais, os tribunais de justiça. Naquela época, o que havia eram tribunais de justiça.
Fundiram-se os tribunais e se representou à Procuradoria Geral da República pela
inconstitucionalidade de um dispositivo que havia sido estabelecido nesta fusão pelo
Tribunal do Rio de Janeiro, ou seja, o de que para cada juiz, aliás, para um juiz do estado
do Rio de Janeiro promovido por antigüidade, as duas vagas seguintes por antigüidade
seriam de juiz do estado do Rio Janeiro, aliás, do Estado da Guanabara. E com isso, então,
nós teríamos dois para Guanabara, para um para o Rio de Janeiro. E eu considerei que isso
era absolutamente inconstitucional. Com isto, sabendo que era um problema político
delicado, um problema de estrutura até do nosso... de unidade federadas, eu fui ao general
Golbery e disse a ele _ naquele tempo o Procurador-Geral não era por mandato, era um
homem da confiança do Presidente da República _, eu disse: “_General, eu vim aqui para
lhe dizer que, amanhã, se eu continuar Procurador-Geral da República, eu entrarei com a
ação, com representação de inconstitucionalidade contra esse tipo de fusão dos tribunais
do Rio e da Guanabara. Agora, como eu sou um servidor da confiança do Presidente da
República, eu vim lhe dizer isso porque se o presidente quiser exonerar-me, me exonere.
Agora se eu não for exonerado, amanhã entrarei com esta representação. Estou lhe dizendo
isso, porque estou indo agora para conversar com o ministro da Justiça, que era ministro
Armando Falcão, o Procurador-Geral do Estado da Guanabara, o presidente do tribunal,

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que seria o tribunal do novo Estado, e o vice-presidente. Se eles me convencerem de que
eu estou errado, eu não entrarei também, mas se não me convencerem, amanhã eu entrarei,
e isso pode até causar um problema sério aí para a fusão”. O general olhou para mim e
disse: “_O Presidente da República tem absoluta confiança no senhor. O senhor faça
aquilo que entender que deve fazer”. Eu fui, então, para essa reunião com o ministro da
Justiça e com esses membros da Procuradoria Geral da cidade do Rio de janeiro, que era o
Estado da Guanabara, e o presidente e vice-presidente também do Estado da Guanabara. E
lá não encontrei nenhum argumento capaz de me convencer que não havia
inconstitucionalidade nessa desproporção entre dois estados em que deveriam eles fundir-
se, evidentemente, para cada juiz de um Estado por antigüidade, seria promovido um outro
do Estado também por antigüidade. E no dia seguinte, eu entro com a representação de
inconstitucionalidade, e alguns jornais do Rio de Janeiro disseram que eu ia ser demitido.
E, curiosamente, algum tempo mais tarde, pouco tempo mais tarde, eu era indicado para
ministro do Supremo Tribunal Federal pelo próprio presidente Geisel.

CASSAÇÃO DE DEPUTADO

Houve também um outro episódio na sua gestão que foi um episódio importante, um
episódio que apareceu muito na imprensa também, que era com relação a cassação
do deputado Francisco Pinto, né?
O problema não era problema de cassação, o problema era de ação penal. Porque o então
general Pinochet tinha vindo ao Brasil a convite do presidente Geisel em virtude,
justamente, da ascensão dele a presidente. E o deputado baiano, Francisco Pinto, fizera um
discurso na Câmara dos Deputados em que... fizera uma carga muito grande contra o
presidente. Inclusive, não como homem, mas como presidente do Chile. E o presidente
Geisel achou que aquilo configuraria crime. O ministro da Justiça me telefona, me pediu
que eu examinasse a matéria, eu examinei e disse: “_Bem, eu acho que realmente as
ofensas que foram ditas ao general Pinochet, como Presidente da República, são um crime
contra a segurança do Estado, e, portanto, se aplica a lei de segurança nacional”. E ele
perguntou: “_E qual é o tribunal competente?”. Eu digo: “_Eu não tenho dúvidas nenhuma
de que é o Supremo. Até porque há uma antiga jurisprudência do Supremo no sentido de
que o Supremo é que... seria, nesses casos, o tribunal, mesmo com relação a lei de
segurança, seria o tribunal competente, e não a justiça militar, o STM, o Superior Tribunal
Militar”. E... houve até um fato curioso. É que um antigo ministro desse STM que era

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amigo do Presidente da República, esteve com ele e disse: “_Eu acho que o Procurador-
Geral está errado!”. O ministro da Justiça me telefonou preocupadíssimo. Eu digo [disse]:
“_Não. Eu vou representar junto ao Supremo e estou convencido de que ele vai receber a
denúncia, porque eu estou convencido de que, realmente, houve crime. E crime contra a
segurança nacional”. E realmente o Supremo recebeu por onze votos a zero. E aí, então,
começou um processo. Um processo penal que teve grande repercussão na época.
Processo penal esse em que o advogado do deputado era o, então, ex- senador Josafat
Marinho que, aliás, foi de um comportamento exemplar durante o processo, porque,
realmente, não transformou aquilo num espetáculo político, ficou no espetáculo jurídico,
ficou na posição jurídica. No decorrer desse processo, houve... O deputado, ele reproduziu
seu discurso numa estação de rádio de que ele era proprietário em Santana do Livramento,
aliás, em Feira de Santana, perdão; e eu apresentei uma nova denúncia dizendo que ele
estava reincidindo. O tribunal não recebeu como aditamento a primeira denúncia, mas
recebeu como um novo processo penal. O que de certa forma, afinal, até prejudicou o
deputado porque quando houve o julgamento, foi um julgamento longo, demorou várias
horas. Naquele tempo, o procurador fazia a sustentação em uma hora e os advogados
também faziam a defesa em uma hora. Sendo que, no caso, a defesa estava dividida entre o
ex-senador Josafat e, se não me falha a memória, era o senador, hoje ministro Paulo
Brossard. Dividiram o tempo, mas, afinal, o hoje ministro Paulo Brossard, abriu mão do
tempo dele em favor do Josafat Marinho. E o julgamento se prolongou até bem tarde da
noite. Depois o tribunal se reuniu em sessão secreta, também demorou bastante para
decidir, e, afinal, quando veio o resultado, o resultado veio no sentido de que ele era
condenado, mas condenado por crime comum, o que reduzia a pena. Realmente a pena da
lei de segurança era uma pena era muito alta. Pena mínima de dois anos, enquanto que na
legislação comum era de seis meses. O tribunal, então, o condenou a seis meses, mas lhe
negou o sursis, tendo em vista a circunstância de que como ele reproduzira o discurso, isso
indicava que ele seria capaz de reincidir e, conseqüentemente, com isso não lhe deu o
sursis. E mais: o condenou a crime comum. De modo que quando veio a anistia,
posteriormente, ele não foi anistiado pois tinha sido condenado por crime comum. Isso
teve repercussão na justiça eleitoral e ele não pode concorrer às eleições, tendo em vista
que, em virtude dessa condenação... E aí se deu um fato curioso. Ele tinha recorrido da
condenação e, portanto, não tinha transitado em julgado. Tinha recorrido da parte com
relação a pena detentiva de liberdade, mas não pagara... não pagara a pena de multa. Não
satisfizera a pena de multa. E o tribunal eleitoral, em face da legislação da época, com

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isso não pode registrar a candidatura dele para um novo período como deputado. Esse foi
realmente um episódio que teve grande repercussão. Eu me lembro que na imprensa
fizeram uma fotografia curiosa sobre certos aspectos, hilariante para outros e para mim,
constrangedora, porque no plenário do Supremo havia um quadro enorme que tinha sido
pintado por um pintor aqui de Brasília que era uma alegoria desde o descobrimento do
Brasil até Brasília em que havia uma índia, uma figura grande de uma índia com dois
exuberantes seios. E fotografaram eu com o dedo em riste, na sustentação, e com a cabeça
exatamente embaixo do seio da índia. [risos] Posição absolutamente esdrúxula.

Mas o senhor na época...


Na época, não. Hoje a gente ri, mas a senhora sabe que tudo aquilo que, muitas vezes, a
gente acha que é desgraça na época, mais tarde se torna hilariante. [risos]

Acaba sendo engraçado, né? Depois então o senhor vai para o Supremo Tribunal?
Foi. Como eu disse, em 1975, eu fui indicado, o meu nome foi para o senado. Na época até
se comentava que talvez fosse recusado, porque tinha denunciado vários senadores e com
isso era capaz de haver problemas para o meu nome passar...

E essas denúncia de senadores eram...


O Supremo é que tinha... o problema

Denunciados senadores enquanto Procurador-Geral?


Sim. Como Procurador-Geral tinha denunciado.

E esses casos eram por quê?


Esses casos são vários. Problemas eleitorais, pequenos problemas. Naquela época não
houve nenhum caso mais sério. Mas tinha que denunciar por que teve um momento em
que dava noticias criminis e se entendia que havia a possibilidade de realmente ter
ocorrido uma infração penal. O que é certo é que se falava nisso. Inclusive, o então
ministro da Justiça, que era o Petrônio Portela, ele certa feita disse a um amigo em
comum: “_Só coloca o nome do Moreira Alves para votação no senado quando tivermos
mais do que maioria absoluta presente”.[risos] Mas aí aconteceu um fato curioso em que
pelo menos uma das pessoas está viva, que participou. Eu, um dia mais tarde, me encontrei
com o que na época era senador Paulo Brossard, depois foi meu colega de Supremo e

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grande amigo meu, e o Brossard virou-se para mim e disse: “_Moreira Alves, eu quero lhe
mostrar uma carta que eu recebi do Balieiro”. Eu sempre achei que o ministro Balieiro não
devia gostar muito de mim, porque ele me achava um promotor público muito severo, e
ele era muito liberal. [risos] De modo que eu disse: “_Bem, ele deve estar achando, vem aí
um juiz severo, não é da minha linha liberal”. Mas me disse, me mostrou, o Paulo
Brossard, uma carta dele em que ele me pedia, a minha inteira revelia, ele nunca me falou
isso, pedia que ele examinasse o nome e tal e votasse pela minha, sim, aprovando a
indicação. E por isso, me foi uma coisa curiosa, que o Brossard na Comissão de
Constituição e Justiça, ele proferiu um voto a descoberto quando, na época, os votos eram
secretos. E aquilo me tocou profundamente, porque o ministro Balieiro, inclusive nessa
carta, fazia alusão ao que ele sofrera quando quase tivera o nome dele recusado para
ministro do Supremo, porque muitos colegas dele de parlamento, achavam que ele era um
político muito exacerbado e seria um mau juiz. E passou realmente com um voto de
diferença ou dois votos. Foi muito apertado. E isso me marcou bastante. E me emocionou
realmente, porque foi uma coisa absolutamente espontânea, a minha inteira revelia, e ele
nunca me disse isso. Eu sei que afinal não foi colocado em votação, e eu passei com trinta
e cinco votos, contra catorze abstenções [risos], de modo que felizmente não tinha voto
contra, mas as abstenções, evidentemente, não eram favoráveis. E aí tomei posse. Isso
foi... O nome foi aprovado em junho, em seguida veio a nomeação e eu tomei posse no dia
20 de junho de 1975. Na última sessão plenária do tribunal no, primeiro semestre de 1975.

CONCESSÃO DE LIMINAR

Durante, nesse momento, 75, né? Seria nesse momento que houve o episódio da sua
atuação para que o tribunal concedesse liminar?
Não, isso foi antes, foi bem antes. Isso, aliás, foi um episódio importante, inclusive pela
minha atuação junto ao tribunal. Porque quando eu cheguei ao tribunal...

Então isso foi como Procurador-Geral?


Como Procurador-Geral. Quando eu cheguei ao tribunal, naquele tempo, as representações
de inconstitucionalidade que decorriam dessa emenda de 1965, elas não davam margem a
pedido de liminar. E havia problemas sérios porque, às vezes, a inconstitucionalidade era
de tal ordem que se não se obtivesse uma liminar para suspender a vigência de um
determinado ato normativo, a decisão final poderia tornar-se inócua. E num dado

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momento, numa dessas questões em que haveria inocuidade da decisão final, ainda que
dando provimento à representação para efeito de declarar inconstitucional a lei, o que é
certo é que eu então resolvi e fiz o pedido de liminar na inicial da representação,
sustentando que se tratava de uma providência em que o tribunal poderia tomar pelo seu
poder jurisdicional, e que era, no caso, absolutamente necessária. Houve uma grande
discussão no tribunal, houve até votos contrários. Um deles do então ministro Bilac Pinto,
mas, afinal, o tribunal, por maioria, entendeu que era cabível e concedeu a liminar. Com
isso, a partir desse momento, o tribunal, concedia ou negava liminar, mas admitia o pedido
e, muitas vezes, a concedia. Até que veio a emenda constitucional número 7 de 1977, e aí
transplantou para o texto constitucional o instituto da liminar na representação de
inconstitucionalidade.

OCUPAÇÃO DOS TRÊS POSTOS MÁXIMOS DOS TRÊS PODERES

No tribunal também... No tribunal não, no governo Sarney, o senhor acaba ocupando


os três postos máximos, os três poderes...
Isso, sabe... são aquelas voltas do destino, as circunstâncias fortuitas desse meu destino.
Eu era presidente do Supremo Tribunal Federal, quando o presidente Sarney foi em visita
oficial a Itália. E nesse momento o presidente da Câmara dos Deputados, já que o
presidente Sarney não tinha vice-presidente, uma vez que ele era o vice-presidente que
tinha ascendido à presidência, então o primeiro substituto era o deputado Ulisses
Guimarães. E o deputado, se ele assumisse, ele não poderia concorrer a um novo mandato
de deputado, pelo fato de que haveria impedimentos, se ele assumisse o cargo de
Presidente da República. Por outro lado, o senador Frageles, José Frageles, ele também
não podia assumir por uma razão: ele estava à véspera de uma viagem oficial a China,
viagem essa que tinha sido frustrada uma primeira vez, de modo que ele ficou numa
situação realmente delicada de novamente não fazer a viagem. E com isso então, eu como
terceiro substituto, eu fui o substituto do presidente Sarney durante três dias e meio.
Portanto, assumi, além da presidência do Supremo, a Presidência da República. Mais
tarde, pouco antes de terminar meu mandato como presidente do Supremo, vieram a essa
casa, o deputado Ulisses Guimarães e um outro deputado que agora não me recordo e me
comunicaram que tinha sido aprovado uma emenda constitucional pela qual o presidente
do Supremo, ele presidiria as duas primeiras sessões da Assembléia Nacional Constituinte,
que nada mais era do que o Congresso Nacional transformado em Assembléia Nacional

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Constituinte. E eu realmente instalei a Assembléia, numa primeira sessão, que foi assim,
vamos dizer assim, foi uma sessão festiva. E no dia seguinte, eu presidi a sessão em que
houve, em primeiro lugar, uma questão delicada que foi a de saber se os senadores
biônicos da época que não tinham sido eleitos, porque estavam naquele período de... já
tinham cumprido quatro, mas faltavam ainda quatro anos, se eles seriam ou não
constituinte. E aí, então, foi realmente uma questão delicada em que eu decidi no sentido
favorável: admiti recurso para plenário. Muita gente achou que os senadores iam ser
cassados. Mas afinal, por trezentos e noventa e poucos votos contra centos e poucos, o
plenário manteve a minha decisão, e com isso ficou, então, tudo pacificado no sentido de
que todos os parlamentares eram constituintes. E em seguida houve a eleição para
presidência efetiva da assembléia, tendo sido eleito o deputado Ulisses Guimarães.

PROCURADOR-GERAL ELEITORAL

Eu gostaria que o senhor falasse um pouquinho da sua atuação como procurador


eleitoral, que dizer, voltando lá atrás. Isso ficou faltando.
Como Procurador-Geral Eleitoral, naquele tempo, era ele que atuava sozinho no tribunal,
tendo apenas um procurador que o assessorava na parte criminal. Mas a imensa maioria
das questões, quem dava parecer era o procurador. Eu confesso que quando eu cheguei
aqui... eu tive que... eu me impus, a mim mesmo, um período de estudo em matéria
eleitoral, porque não era da minha especialidade. Por isso mesmo é que um
Subprocurador-Geral da República, o Dr. Oscar Pina, ele continuou me substituindo, no
início, logo que eu assumi a Procuradoria Geral da República e, conseqüentemente, a
Procuradoria Geral Eleitoral. Eu passei um mês, mais ou menos, enfanhando a legislação
da época. Até porque essa legislação eleitoral, naquele tempo, e, ainda hoje, ela é muito
mutável. De modo que a gente... Mesmo aqueles que tinham um trato maior com ela
necessitavam, vamos dizer, de uma atualização com relação a legislação vigente. E o que é
certo é que um mês e pouco depois, eu assumi efetivamente a Procuradoria Geral
Eleitoral, atuando junto ao tribunal. E isso foi justamente por ocasião das primeiras
eleições gerais, que eram as eleições para todos os cargos da República e nos três âmbitos.
E as eleições gerais em que... foram municipais e estaduais. As eleições para Presidente da
República eram indiretas, né? Mas todos os cargos.

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Mas depois de algum tempo a primeira eleição para governador?
Foi. Para governador, para prefeito, enfim, foram eleições gerais. E foi a primeira eleição
geral, em que começava a vigorar a lei complementar número 5, de 1975. Portanto, não
tinha praticamente sido ainda utilizada, e, conseqüentemente, haviam muitos problemas.
Eu me lembro que foi um período terrível, porque tribunal tinha quinze dias para julgar os
processos eleitorais. Naquela época, eu dei, aproximadamente, trezentos e cinqüenta
pareceres e mais de cem pareceres orais e tive uma satisfação: que a grande maioria dos
pareceres foram acolhidos pelo tribunal. A ponto de um advogado, que está vivo hoje, é
um advogado muito atuante, o Dr. José Guilherme, certa feita fez uma brincadeira com
relação a qual eu brinquei com ele: “_Você está me colocando numa posição delicada”.
Em que um advogado de fora ia levar um memorial para um dos ministros do tribunal e
ele se virou para ele e disse: “_Colega, primeiro passe no Procurador-Geral, porque os
pareceres dele, geralmente, são os projetos de acórdão, porque ele tem sido acolhido na
grande maioria dos casos”. Mas foi uma experiência realmente muito boa, embora um
período terrivelmente de trabalho intensíssimo. Porque, além desse trabalho, ainda tinha a
Procuradoria Geral da República. E, como disse, o único auxílio que se tinha era em
matéria de habeas corpus por um procurador, até porque não se tinha mais gente para isso.
De modo que foram realmente tempos trabalhosos.

PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

Eu gostaria também que o senhor falasse um pouco da sua experiência como


professor aqui em Brasília na UnB.
A minha experiência como professor é uma experiência que vem de longa data. Eu
comecei no Rio de Janeiro em 1957, dois anos depois de formado_ naquela época eu tinha
vinte e três para vinte e quatro anos_ como professor de Direito Civil numa faculdade,
numa universidade suburbana, que era... que existe até hoje: a Universidade Gama Filho.
E lá tive o primeiro grande problema na minha vida de professor, porque eu assumi em um
momento em que a turma já tinha, era uma turma noturna que já tinha tido três
professores, um após o outro, que não tinham podido continuar, e eu era o quarto
professor. E como eu já estava bem mocinho com vinte e três, vinte e quatro anos e como
a turma noturna era uma turma noturna em que o mais velho tinha mais de setenta, quando
eu entrei para dar aula, a turma se levantou e se retirou. E eu... alguns poucos ficaram
ainda entre retirar-se, e ficar... Eu disse: “_Bem, eu acho que eu mereço pelo menos uma

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consideração dos senhores. Os senhores não me conhecem, nunca me viram, de modo que
vamos fazer o seguinte: “Vamos ver se os senhores convencem seus colegas a voltarem
para que eu dê a aula e se for ruim, eu mesmo saberei isso, de modo que eu mesmo não
voltarei mais aqui. Ou se eu não tiver esse bom senso, os senhores tem o direito pleno de
não mais pôr os pés na minha turma, de modo que os senhores me demitiram da minha
função de professor”. E está foi uma satisfação que eu tive, porque, a partir daí, cheguei a
conclusão de que tinha nascido, talvez, mais para professor do que para qualquer outra
coisa, porque eu dei uma aula que foi a aula mais sofrida da minha vida, mas felizmente
me sai bem. E saí debaixo de uma salva de palmas dos estudantes. E com isso nunca mais
tive problema com turma nenhuma, [risos] porque foi justamente aquela prova de fogo:
“Ou a gente se aniquila, ou a gente é aprovado”. Depois, no Rio de Janeiro ainda, eu
lecionei como professor Catedrático interino, eu era livre docente de Direito Romano.
Naquele tempo era Direito Romano e Direito Civil. Eu lecionei na Faculdade Nacional de
Direito onde me formara na antiga Universidade do Brasil, lecionei na Católica, lecionei
no doutorado da Católica Direito Romano; no bacharelado, Direito Processual Civil,
depois, Direito Civil; lecionei na Faculdade Cândido Mendes, Direito Romano; lecionei na
fundação Getúlio Vargas e instituições de direito público e privado. De modo que quando
eu ganhei o concurso em São Paulo e me transferi para São Paulo, eu já tinha uma larga
experiência de ensino. Eu cheguei a dar seis horas de aula por dia, o que era uma loucura
completa. Além de ser advogado do Banco do Brasil, onde eu tinha que estar presente à
tarde. Dava três aulas de manhã, três aulas à noite e, à tarde, era advogado. Depois,
quando fui para São Paulo, portanto, já tinha essa experiência bastante larga. Lá eu
lecionei quatro anos na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, porque
mesmo quando eu assumi... Eu assumi a Procuradoria em 1972... Eu lecionei de 68 até 72,
porque quando estive no ministério, eu estava na ponte aérea. De modo que no início da
semana e no fim, eu estava em São Paulo e podia lecionar na minha turma, nas minhas
turmas. Tanto que um dos atuais ministros do Supremo, que foi meu colega lá, ministro
Celso de Mello, foi meu aluno na primeira turma que eu fui professor na Faculdade de
Direito de São Paulo, no segundo semestre de 1968, quando eu lecionei Direito das
Sucessões. Portanto, em São Paulo, além de ter lecionado na Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, eu lecionei também no Mackenzie Direito Civil. Quando vim
para Brasília como Procurador-Geral, eu parei. Eu fiquei em licença por dois anos, uma
vez que vim aqui pra voltar no final de 73 para começo de 74. E, conseqüentemente, não
ia ter nem requisição da Universidade de Brasília. E mais: eu assumi um cargo altamente

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trabalhoso que era o de Procurador-Geral, num momento difícil, como eu disse, em que
havia uma falta enorme de procuradores e uma falta, inclusive, uma carência de material
também muito grande. Enfim, inúmeros problemas. Por isso eu fiquei licenciado esse
tempo. Quando em 74, quando eu fui reconduzido a Procuradoria, aí a universidade de São
Paulo me pôs a disposição de Brasília. E essa colocação a disposição se foi reiterando ano
a ano e, às vezes, de três em três anos, porque houve períodos em que a Universidade de
Brasília pedia que eu fosse posto a disposição dela. Depois se espaçou por três anos. E aí
eu fiquei de 74 até o ano de 2003, quando me aposentei. De modo que aqui na
Universidade de Brasília, eu tive uma larga atuação, quer no bacharelado, principalmente,
na cadeira de teoria geral do direito privado, quer no mestrado onde lecionei algumas
matérias de direito público. E até matérias mesmo de direito privado, embora num curso
de direito público. Mas foi realmente uma experiência bastante frutífera, porque eu estou
convencido de que professor quando pára não volta mais. E professor que tem vocação
para professor, é professor de bacharelado. É professor junto à rapaziada. Até porque tem
uma vantagem: é que a gente custa mais para envelhecer por dentro, porque aquele, o
convívio com os mais moços como que transfundem mocidade para gente.

MINISTÉRIO PÚBLICO ATUAL

É verdade. Eu também acho isso. E gostaria também que o senhor colocasse um


pouco é.. que o senhor falasse um pouco desse Ministério Público atual. Do
movimento todo para a constituinte e depois da lei orgânica que vai estabelecer a
organização deste ministério.
O Ministério Público atual é bem diferente do Ministério Público de que eu fui titular
como Procurador-Geral. Primeiro porque houve a separação da advocacia do estado com
relação ao Ministério Público propriamente. Essa fusão, essa reunião de funções, muitas
vezes, até quase que conflitante e, às vezes, até conflitante, acarretava dificuldades sem
dúvida alguma. Principalmente em face daquelas deficiências de pessoal e de material.
Mas hoje houve essa separação. Por outro lado, o Procurador-Geral hoje, ele tem muito
mais estabilidade do que tinha o procurador da época, porque o procurador da época era
admissível ad nutum. Era um servidor da confiança do Presidente da República. Hoje o
procurador é do quadro, ele é indicado pelo Presidente da República, mas recebe um
mandato depois da votação no Senado Federal e com isso, só pode ser afastado da função,
se houver a concordância do Senado. E ademais disso, hoje a Procuradoria pela sua

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atuação e pela importância que lhe foi dada na Constituição de 1988, o que obviamente
acarreta também encargos muito maiores, o que é certo é que hoje ela é um vasto órgão da
República. Hoje nós temos várias centenas de procuradores. E quando eu me lembro de
que quando eu cheguei aqui, nós tínhamos no Rio Grande do Sul um procurador que era
dado como presente pelos juízes por absoluta impossibilidade de não fazê-lo em cinco
audiências, ao mesmo tempo, como se ele tivesse o dom da obliqüidade [risos] e pudesse,
portanto, ocupar fisicamente cinco espaços diferentes ao mesmo tempo. Mas o que é certo
é que hoje ela é um vasto órgão da República, já tendo realizado inúmeros concursos, e,
sem dúvida alguma, tem uma atuação marcante pela importância que a Constituição lhe
deu, Constituição de 88, e, conseqüentemente, pela importância das atribuições que ela
tem. Agora, como disse, é bem diferente do meu tempo. É bem diferente do meu tempo.
Embora, embora naquele momento houvesse uma circunstância que hoje é um membro
necessário da classe que sai. E naquele tempo... [toca celular] Enquanto que naquele
tempo, o Procurador-Geral da República, por via de regra, era um homem que tinha se
destacado em algum setor... do terreno. [toca celular] Como disse então, naquele tempo
não era um procurador do quadro, e, conseqüentemente, em geral,vinha como Procurador-
Geral da República, alguém que se destacasse de alguma forma em algum setor do campo
jurídico. Por isso mesmo tivemos nomes como o do professor Aroldo Valadão, que era um
nome nacional, e outros nomes nacionais, de modo que isso também acarreta uma
diferença grande. Uma diferença bastante grande, porque o universo da escolha, embora
não seja um universo também bastante grande, porque a classe é bastante grande... O
universo não é tão grande, quanto era o universo anterior, mas isso foi uma posição que a
Constituição adotou e considerou que, tendo em vista as funções do Ministério Público,
deveria ser assim e, conseqüentemente, está muito bem como está hoje.

ATIVIDADES ATUAIS

Atualmente, qual é a atividade a que o senhor se dedica?


Eu, atualmente, tenho dado umas aulas num instituto de direito público que eu brinco que
agora também tem que ser direito privado, porque eu tenho dado umas aulas...
intermitentes. Não é um curso normal no sentido de uma ocupação permanente, mas são
módulos. Isso para não perder o hábito professoral. Tenho dado alguns pareceres,
pareceres eminentemente de direito privado, até porque eu me coloquei numa quarentena
ética. Eu, como ministro do Supremo, fui relator por um acórdão em que se julgou

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procedente uma ação direta de inconstitucionalidade que declarou a inconstitucionalidade
de um dispositivo do antigo estatuto da ordem que dizia que os membros da judicatura, da
magistratura, portanto, eles quando se aposentassem ou se exonerassem do seu cargo de
juiz, eles ficariam impedidos de advogar durante dois anos em todo território nacional. O
ministro relator, era o ministro Néri da Silveira, que julgou constitucional o dispositivo.
Eu pedi vista e dei um longo voto entendendo que era inconstitucional por ser
desproporcional e desrazoado o princípio. Uma vez considerava que seria absolutamente
correto que se estabelecesse esse impedimento junto ao tribunal de que se participara, de
que se tivera participação, mas não com relação ao Brasil inteiro porque dizia: “_Não é
possível que alguém, por exemplo, assuma um cargo de juiz no Amapá, três dias depois se
arrependa, peça demissão, e fique impedido por dois anos de advogar no Arroio Chuí
sobre alegação de que ele tinha grande influência na judicatura do Rio Grande”. E mais, os
deputados e os senadores podem advogar durante a deputância e a senatória. O Presidente
da República no dia seguinte podia. E dei até um exemplo. Naquele tempo, cargos em
comissão, mesmo em sociedade de economia mista, podiam gerar impedimentos. Então fiz
uma verdadeira brincadeira na época. Disse: “_Bem, se um contínuo do Banco do Brasil é
nomeado, é comissionado como porteiro do banco, vai ficar impedido de advogar por dois
anos”. Aí, brinquei: “_Por certo, ele terá mais prestígio do que um ex- Presidente da
República. [risos] De modo que com isso, eu dei um voto no sentido da
inconstitucionalidade , e o tribunal por maioria me seguiu. Por dez a um foi declarado a
inconstitucionalidade. Em razão disso, eu digo: “_Não, agora eu fico, pelo menos dois
anos, eu fico, eticamente, em quarentena com relação a questões de direito público junto
ao Supremo Tribunal Federal. Não tenho dado pareceres, praticamente nenhum, com
relação a direito público. Uma ou outra vez nas questões que não vão diretamente ao
Supremo. Até a pouco tempo, o ministro Aldir Passarinho, que já aposentou já há muito
tempo e advoga, advogando junto ao Supremo Tribunal Federal com relação a um
dispositivo do código civil que estabelecia um quorum bastante elevado para certas
deliberações das assembléias, das associações privadas, eu tinha dado um parecer com
relação a um time de futebol para sustentar que a Constituição com referência as entidades
e associações desportivas tinha dado autonomia a elas para se organizarem. E eu tinha
dado um parecer, então, que essa autonomia, era uma autonomia... dei, dei porque havia
uma questão interna de eleição de presidente nesse clube de futebol, me pediram um
parecer. E eu dei sustentando que essa autonomia só podia ser normativa, porque não tinha
cabimento autonomia financeira e nem administrativa em se tratando de uma entidade de

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direito privado, ao contrário do que ocorreria se fosse uma entidade de direito público. E
que essa autonomia, portanto, deveria ser entendida como uma autonomia normativa e,
conseqüentemente, os estatutos no que dissesse respeito a sua organização. E uma das
formas de organização era justamente essa: relativa a suas assembléias, e a como
funcionara suas assembléias. Ela [entidade privada] podia no seu estatuto, ela podia afastar
o código civil. O código civil só se aplicaria subsidiariamente. O ministro Aldir Passarinho
fez uma alusão numa ação direta de inconstitucionalidade em que se discute esse problema
em geral, não apenas com relação a esse clube e muito menos com relação ao meu parecer
que foi dada como uma questão interna do clube. Ele salientou na tribuna, até alguns que
assistiram disseram que ele quase falou mais a esse respeito do que sobre a questão em
causa, ele salientou justamente isso: que aquele parecer não fora dado para aquela causa.
Aquele parecer fora dado para este clube, e este clube cedera o parecer, já que o parecer
tinha sido dado para ele, cedera para que ele se utilizasse dele na sustentação. Então, por
isso, eu tenho dado alguns pareceres, mas só em matéria de direito privado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

E tem alguma coisa mais que o senhor gostaria de colocar?


Em face do adiantado da hora, em face da circunstância de que a senhora hoje já teve um
dia altamente movimentado em matéria de entrevista e pela circunstância também de que
eu fui Procurador-Geral já praticamente... Foi em 75, eu fui para o Supremo, de modo que
foi em junho, nós estamos em abril de 2005, portanto,[há] , praticamente trinta anos, eu
deixei de sê-lo. A senhora sabe que a memória, por mais vivaz que seja, ela não é tão
vivaz capaz de ainda apresentar mais fatos que tenham uma certa curiosidade ou que
tenha uma certa importância numa entrevista dessa natureza. De modo que se a senhora
acha... estiver satisfeita, eu lhe agradeço a sua gentileza e peço desculpa por alguma falha
que tenha tido.

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