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FAÍSCA VITAL

12-08-2007

+ Marcelo Gleiser

Faísca Vital
Mary Shelley mostra como a ciência influencia o imaginário

MARCELO GLEISER,
é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover
(EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

"Eu havia dissecado um sapo, deitando-o sobre uma mesa onde


encontrava-se também uma máquina elétrica, distante do sapo.
Quando um dos meus assistentes acidentalmente encostou a ponta
do bisturi num nervo exposto da perna do sapo, seus músculos
contraíram-se. Meu outro assistente percebeu que uma faísca havia
escapado da máquina elétrica no momento em que o bisturi
encostou na perna do sapo. Repetimos o experimento. Encostei
meu bisturi na perna do sapo e instruí meu assistente a gerar
faíscas. Quando elas surgiram, o animal entrou em convulsão como
se estivesse com tétano. [Texto adaptado.]"

Assim escreveu o anatomista italiano Luigi Galvani em um artigo


sobre suas experiências em torno de 1790, que revelaram uma
ligação entre eletricidade e movimento muscular. Galvani chegou a
pendurar sapos mortos em varais, com pequenos pára-raios nas
pernas para investigar se raios surtiriam o mesmo efeito. Os sapos
dançaram como se estivessem vivos. Seria, então, a eletricidade o
segredo da vida eterna? Se sapos mortos dançavam quando
eletrificados, quem sabe seria possível reanimar um cadáver do
mesmo jeito? O sonho da imortalidade é bem mais antigo do que a
ciência moderna.

As múmias egípcias são uma tentativa de preservar o corpo para a


jornada que se inicia após a vida. O mito do vampirismo atribui a
imortalidade à ingestão de sangue, com uma pequena ajuda do
Diabo, claro. Os alquimistas da Idade Média buscavam pelo "Elixir
da Longa Vida", uma substância misteriosa capaz de prolongar
indefinidamente a vida de uma pessoa. Mas quando a possibilidade
de sobrepujar o tempo finito que temos vem da ciência, tudo muda.

Mito passa a ser realidade, o sobrenatural passa a ser natural.


As descobertas de Galvani causaram uma sensação na Europa. Em
maio de 1816, a jovem Mary Shelley, então com 17 anos, casada
com o famoso poeta inglês Percy Shelley, foi passar férias com
amigos na casa de outro grande poeta, Lord Byron, às margens do
Lago Genebra, na Suíça. O ano de 1816 é conhecido como o "ano
sem verão": no norte dos EUA, por exemplo, havia neve ainda em
julho.

A Europa também sofreu com a anomalia climática. O grupo de


amigos acabou tendo que passar grande parte do verão dentro de
casa. Como diversão, resolveram fazer um concurso de contos de
terror. Mary Shelley havia acabado de ler sobre as experiências de
Galvani. Segundo ela conta, durante uma caminhada teve uma
visão, na qual um pálido doutor via sua criatura fantasmagórica, um
cadáver feito de vários corpos diferentes, erguer-se semivivo, após
ser eletrificado com raios numa tempestade.

Nascia então o clássico livro Frankenstein, na minha opinião o


primeiro romance de ficção científica. Como subtítulo, Shelley
escolheu "Prometeu Moderno", usando o mito de Prometeu como
suporte moral: na Grécia Antiga, Prometeu foi o Titã que criou o
homem e ensinou-lhe a usar o fogo, enfurecendo Zeus. Como
punição, Zeus acorrentou Prometeu a uma rocha e ordenou que
uma águia devorasse seu fígado. Como o Titã era imortal, o fígado
se regenerava e o sofrimento se perpetuava dia após dia: existem
certos segredos que não devem ser revelados aos homens.

A ligação entre Galvani e Mary Shelley é um exemplo extraordinário


da influência da ciência de ponta sobre a imaginação popular.

Idéias científicas com dimensões míticas inspiram cientistas e


artistas. Deles aprendemos que devemos tomar muito cuidado com
nossas invenções, para que não se transformem em pesadelos.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth
College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1208200701.htm

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