Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Porto Alegre
2007
Igor Natusch Vieira
Porto Alegre
2007
DEDICATÓRIA
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 7
1 DISTRIBUIÇÃO: A BUSCA PERMANENTE PELO PÚBLICO.............. 12
1.1 DISTRIBUIÇÃO CINEMATOGRÁFICA .................................................. 13
1.2 DISTRIBUIÇÃO CINEMATOGRÁFICA NO BRASIL .............................. 15
1.3 DISTRIBUIÇÃO ATRAVÉS DA WEB ..................................................... 20
2 INTERNET: UMA NOVA DIMENSÃO DO HUMANO............................. 27
2.1 PROCESSOS BÁSICOS ........................................................................ 28
2.2 A IMAGEM NA INTERNET .................................................................... 36
3 DESCRIÇÃO DOS SITES SELECIONADOS ........................................ 42
3.1 CRITÉRIOS DE ESCOLHA DOS SITES ............................................... 42
3.2 YOUTUBE .............................................................................................. 45
3.2.1 Histórico ................................................................................................ 45
3.2.2 Navegação e conteúdo ........................................................................ 47
3.3 PORTA CURTAS ................................................................................... 50
3.3.1 Histórico ................................................................................................ 50
3.3.2 Navegação e conteúdo ........................................................................ 52
3.4 CURTA O CURTA .................................................................................. 54
3.4.1 Histórico ................................................................................................ 54
3.4.2 Navegação e conteúdo ........................................................................ 56
4 ANÁLISE DOS SITES PESQUISADOS ................................................ 60
4.1 CRITÉRIOS E PROCESSOS DE AVALIAÇÃO ..................................... 60
4.2 DESCRIÇÃO DOS VÍDEOS ESCOLHIDOS COMO AMOSTRAGEM ... 64
4.2.1 Vídeos hospedados no YouTube ........................................................ 64
4.2.2 Vídeos hospedados no Porta Curtas ................................................. 66
4.2.3 Vídeos hospedados no Curta O Curta ............................................... 68
4.3 ANÁLISE COMPARATIVA DOS VÍDEOS PRESENTES NOS SITES ... 69
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 83
ANEXO A – VISUALIZAÇÃO DE PÁGINAS DO SITE YOUTUBE (I) .. 88
ANEXO B – VISUALIZAÇÃO DE PÁGINAS DO SITE YOUTUBE (II) 89
ANEXO C – VISUALIZAÇÃO DE PÁGINAS DO SITE YOUTUBE (III) 90
ANEXO D – VISUALIZAÇÃO DE PÁGINAS DO SITE YOUTUBE (IV) 91
ANEXO E – VISUALIZAÇÃO DE PÁGINAS DO SITE YOUTUBE (V) 92
ANEXO F – VISUALIZAÇÃO DE PÁGINAS DO SITE YOUTUBE (VI) 93
ANEXO G – PÁGINA INICIAL DO SITE PORTA CURTAS (I) ............. 94
ANEXO H – PÁGINA INICIAL DO SITE PORTA CURTAS (II) ............ 95
ANEXO I – VISUALIZAÇÃO DA JANELA DE EXIBIÇÃO DO SITE
PORTA CURTAS ................................................................................... 96
ANEXO J – VISUALIZAÇÃO DE PÁGINAS DO SITE CURTA O
CURTA (I) .............................................................................................. 97
ANEXO K – VISUALIZAÇÃO DE PÁGINAS DO SITE CURTA O
CURTA (II) ............................................................................................. 98
ANEXO L – VISUALIZAÇÃO DE PÁGINAS DO SITE CURTA O
CURTA (III) ............................................................................................ 99
7
INTRODUÇÃO
determinar pontos nos quais essas experiências possam ser úteis para guiar ações
futuras nesse sentido. Buscaremos igualmente perceber o uso que é feito da
linguagem cinematográfica nos trabalhos disponíveis na Rede, concentrando nossa
atenção em elementos formais e narrativos. Como a projeção de filmes em longa-
metragem via web ainda é inviabilizada por limitações técnicas, deteremos nosso
olhar sobre o universo dos produtos cinematográficos em curta-metragem, que
encontram em domínios da Internet um espaço aparentemente favorável para sua
exibição.
Para orientar essa apreciação, usaremos os estudos de Manuel Castells e
Pierre Lévy sobre a World Wide Web, explorando especialmente os conceitos de
sociedade em rede do primeiro e os estudos de intertextualidade do segundo.
Autores como Dominique Wolton e Lucia Santaella serão igualmente vistos por nós
no decorrer das observações sobre a Internet. A partir destes conceitos, buscaremos
atingir a realidade atual da tecnologia digital aplicada ao cinema, tendo como base o
trabalho de Luiz Gonzaga de Luca sobre o tema. Analisaremos igualmente os
estudos de Paulo Sérgio Almeida, Pedro Butcher e Aletéia Selonk sobre o panorama
cinematográfico brasileiro, concentrando nosso foco de análise em suas
considerações a respeito da distribuição e exibição. Paralelamente, traçaremos um
breve apanhado histórico a respeito da exibição de vídeo na Internet – uma
realidade que, se tomamos como ponto de partida o surgimento do pioneiro
YouTube, tem ao todo menos de três anos de existência.
Tendo estabelecido sobre essa bibliografia as bases de nossa análise,
abordaremos o problema da exibição via Internet por meio de três diferentes portais
dedicados a conteúdos em vídeo: YouTube <http://www.youtube.com>, Porta Curtas
<http://www.portacurtas.com.br/index.asp> e o site Curta O Curta <
http://www.curtaocurta.com.br/>. Utilizando os recursos de medição que cada um
dos domínios oferece, é possível saber quais vídeos obtêm maior repercussão, e a
partir daí determinar quais características dos filmes analisados melhor ou mais
eficientemente se ajustam à “janela” Internet. Cada um dos domínios tem critérios
diferentes para aceitação, exibição e medição qualitativa dos vídeos que
apresentam, e esses elementos serão igualmente descritos no presente trabalho.
Em termos de metodologia, a idéia inicial direcionava-se a um uso conjunto
da análise de conteúdo dos sites e de entrevistas com realizadores cujos produtos
estivessem disponíveis em um ou mais dos domínios escolhidos para o estudo. No
10
2
Conforme visto no domínio <http://www.acdcrocks.com/>, 22 out. 2007.
3
Dispositivo móvel utilizado para o transporte de arquivos, que tem um princípio de funcionamento
semelhante ao hard disk (HD) de um computador.
21
sonoros e visuais realçados nas salas de exibição – os que ainda mobilizam maiores
fatias de público e que rendem lucros mais significativos aos exibidores. Atualmente,
são esses produtos os que garantem as maiores bilheterias nas salas de cinema –
compreensível, portanto, que sejam os que recebem investimentos mais vultosos
para sua realização e divulgação.
Ainda que não seja vista pelas grandes produtoras e distribuidoras como uma
“janela” nos mesmos moldes da televisão ou da indústria de DVDs, a Internet tem
sido utilizada nos grandes mercados especialmente como uma ferramenta de
divulgação das produções cinematográficas. Um grande número de sites adota o
cinema como seu tema principal, e acabam servindo como espaço para a divulgação
das produções recentes dos grandes estúdios, apresentando chamadas
publicitárias, notícias e fotos de bastidores e de sets de filmagem. Uma breve
procura através de ferramentas de busca listará literalmente centenas de sites
dedicados ao cinema, não só em suas realizações mais recentes como também no
resgate de antigas produções e até mesmo funcionando como bancos de dados. Um
dos mais conhecidos e acessados sites sobre cinema é o Internet Movie Database
(ou IMDb) – que, embora lide com notícias e informações sobre filmes recentes, tem
como principal chamariz a inclusão quase enciclopédica de fichas técnicas e outros
dados relativos a centenas de milhares de filmes, oriundos de todas as épocas e de
praticamente todos os países do globo.
Além disso, ocorre na Rede a divulgação de teasers (pequenas chamadas de
cerca de trinta segundos, com imagens de filmes ainda em produção) e de trailers,
antes restritos às salas de exibição e que agora são apresentados também na
Internet. Com isso, um número maior de pessoas é atingido do que seria possível
apenas com a veiculação na abertura das sessões tradicionais. O portal da empresa
Apple, especializada em produção de computadores e sistemas ligados à Internet,
possui uma extensa seção dedicada à exibição de trailers, enquanto domínios como
o ComingSoon.net o Movie-List.com especializaram-se na hospedagem de
conteúdos semelhantes, com boa aceitação dos usuários. No Brasil, o site Omelete
– que não se limita ao cinema, hospedando conteúdo ligado à cultura pop em geral –
oferece a visualização de trailers de produções ainda inéditas no País, enquanto
provedores de Internet como o Terra e o UOL oferecem em suas páginas variadas
opções para quem deseja assistir a esse tipo de conteúdo. Essa política segue de
certo modo a lógica dos trailers incluídos no início das fitas VHS, e lida mais
24
4
O papel dos trailers foi, sem dúvida, redefinido de forma profunda pelo advento das tecnologias
digitais e pela popularização da Internet, sofrendo praticamente uma reinvenção em suas atribuições
e funcionalidades. Atualmente, nos parece possível falar de uma estética dos trailers, bem como do
surgimento e gradativa consolidação de um público específico, que consome os trailers não apenas
como uma antecipação das salas de cinema, mas praticamente como um produto cultural encerrado
em si mesmo. Isso para não citarmos o surgimento e consolidação dos teasers, praticamente
impensável no tempo das salas de exibição e da locação de fitas VHS. É um panorama de grande
atualidade, que tem sido negligenciado pelos meios acadêmicos – e que, embora não seja alvo do
trabalho que ora desenvolvemos, é merecedor de uma apreciação mais detida pelos estudiosos de
cinema e de Internet.
5
Conforme visto no domínio <http://www.simpsonsmovie.com/main.html?cid=br> em 11 nov.2007.
25
6
Tecnologia que permite o envio de dados multimídia através da Internet, muito utilizada em arquivos
envolvendo áudio e vídeo.
26
surgiu com a tecnologia digital, mas que existe desde o surgimento da linguagem –
afinal, a qualquer conteúdo que absorvemos se aplica nossa bagagem intelectual,
nossa capacidade interpretativa, e se estabelece uma série de ligações com
conhecimentos e conceitos que trazemos conosco desde antes deste contato inicial
(1996, p.36-37). O extraordinário da Internet estaria na capacidade de potencializar
essa relação, processo que só se torna efetivo na medida em que o elemento
subjetivo da interpretação humana é inserido no processo tecnológico que
disponibiliza os conteúdos. Seria, no caso, ler o que se quer ler, na ordem em que
se deseja e na lógica de conteúdo de nossa preferência – um processo, parece-nos
oportuno frisar, não inédito, mas potencializado pelos links e pelo websurfing7 de
maneira que nenhum outro aparato tecnológico havia conseguido anteriormente.
A aplicação da lógica do hipertexto no processo funcional dos domínios
dedicados à reprodução de vídeos é mais clara, talvez, do que parece a princípio.
Não mais é o espectador uma pessoa que apenas assiste a programas dentro de
uma grade de possibilidades e preso à disponibilidade de tempo: ele pode selecionar
o que deseja em um leque de opções muito mais amplo, na hora que for mais
propícia para si, e através de links pode entrar em contato com vários conteúdos que
não tencionava assistir, ou nem mesmo sabia que estavam à sua disposição. Além
disso, passa a ser oferecida a possibilidade de ele mesmo postar vídeos e criar
links, ligando esse material a outros conteúdos. Estabelece-se um processo
constante de escolha, de seleção ativa da informação com participação direta e
fundamental do usuário:
7
Hábito de “navegar” pela Internet, acessando uma série de páginas em uma mesma sessão.
30
centro de tal conceito encontra-se a idéia de que a Internet é muito mais do que uma
tecnologia ou uma mídia, sendo na verdade um elemento capaz de concentrar em si
“os processos sociais, os interesses sociais, os valores sociais, as instituições
sociais” (2004, p.286). Trata-se de uma série de relações constituídas em círculos
virtuais, com dimensões e instituições que transcendem o tempo e o espaço (1999,
p.427), nas quais se baseia nada menos do que uma nova forma societária. De
modo mais claro, a Internet seria o suporte para uma série de relações sociais dos
mais variados tipos – pessoais, econômicas, políticas, culturais – protagonizando ou
potencializando modificações em todas essas áreas. Praticamente todas as esferas
da atividade humana seriam contempladas, em diferentes níveis, pela Internet, e é
tal abrangência que concederia à Rede o caráter de modelo organizacional de nossa
sociedade atual.
Em nível econômico, a Internet influencia em dois sentidos. Por um lado, o
centro da economia mundial está ligado aos mercados financeiros globalizados, nos
quais as conexões entre computadores exercem papel preponderante – uma relação
que, embora não necessariamente inserida na web, converge para ela (2004, p.269-
270). Por outro, a Rede acaba influenciando também os meios de valoração
econômica, através das transações baseadas em capital de risco – muitas vezes
sustentadas em idéias que usam a Internet como veículo ou suporte fundamental.
Podemos citar brevemente as empresas Google e Yahoo! como exemplos visíveis e
bem-sucedidos desta associação.
Em nível social, movimentos utilizam a World Wide Web como forma de ação
e organização, aproveitando as características da Rede para a criação e
sustentação de entidades que, ao mesmo tempo em que são estruturalmente
flexíveis, contém em si a organização e a mobilização necessárias para sua
manutenção. Apesar de admitir a idéia de que a Internet desenvolve modos
particulares de exclusão social (como, por exemplo, a divisão entre os “que têm” e
os “que não têm” acesso à Internet), Castells considera que a situação está em
processo de mudança – e atribui ao ambiente virtual a capacidade de articular
movimentos alternativos locais e a união de comunidades que usam de forma
correlata a sociabilidade real e a virtual. Da mesma forma, contesta Castells a noção
de que a Internet seria um ambiente superficial, onde se fala de qualquer coisa e se
permite a proliferação de todo o tipo de bobagem e mesquinharia. Para o autor, não
é a Internet que é tola em si mesma; é seu caráter absolutamente livre, capaz de
32
“quanto ao que é essencial a Net não é uma mídia” (2003, p.101) e ao designá-la
como um sistema de transmissão de informações – talvez mais eficiente do que a
maioria dos outros, mas que não os tornaria obsoletos pelo simples fato de superá-
los de algum modo. ‘Mídia', segundo o autor, é um conceito que remete a uma
relação de emissor e público, o que não ocorreria necessariamente na Internet, cujo
maior potencial acaba sendo o de transmitir e permitir acesso a informações de todo
o tipo. Explicando de outra maneira, a Internet não definiria a priori um público -
posto que qualquer pessoa com acesso à rede, de qualquer cultura ou função social,
poderia em teoria acessar qualquer informação - enquanto um dos pontos
constituintes de uma mídia seria justamente a definição de um público.
Questão igualmente pertinente refere-se ao tipo de diferenciação social que a
Internet, na visão de Wolton, acaba por promover. Para o autor, a democracia no
acesso à informação é apenas aparente: embora teoricamente todo o conteúdo da
Internet possa ser acessado por todos os usuários, o uso das ferramentas para
localização da informação e a própria interpretação que se faz dela acabam sendo
tolhidos pela necessidade de especialização. Vistos por essa ótica, meios mais
“arcaicos” como o rádio e a televisão seriam até mais democráticos, pois pelo menos
ofereceriam o mesmo conteúdo a todos os usuários indistintamente (2003, p.96).
Segundo o autor, é real o risco de se criar uma nova e até mais perigosa forma de
segregação social através da Internet, causada:
a) pela capacidade financeira – em um sentido no qual o acesso ao conteúdo
informativo seria mais simples ou mais pleno para as pessoas que possuíssem o
maquinário mais avançado ou os recursos para pagar pela informação –;
b) pela segmentação social – apresentando informações de um modo que
apenas determinados estratos possam compreender plenamente;
c) pela dificuldade de acesso para determinadas regiões geográficas ou
classes sociais.
São preocupações constantemente presentes na argumentação do autor, e
que oferecem um claro contraste com a visão por vezes quase idílica oferecida por
outros teóricos.
Wolton questiona com firmeza a visão esperançosa muitas vezes aplicada
sobre a Internet. Embora admita o potencial da web na disseminação de
informações e atribua ao mundo virtual a capacidade para sediar novas formas de
solidariedade, é defendida em seus trabalhos a idéia de que o grande objetivo da
35
A Web não cria nenhum conceito novo. Ela oferece, por outro lado, uma
extensão considerável tanto à informação narrativa quanto à informação
funcional (...) Simplesmente, na web está tudo misturado em proporção ao
extraordinário volume de informações e de comunicação que ela gera
(WOLTON, 2003: 102-103).
temporal e espacial. De fato, o cinema já foi descrito como a primeira forma artística
a de fato tratar o tempo como uma categoria significante, como parte integrante e
indissociável de sua representação. Arlindo Machado (1993, 1997), embora não
critique de todo essa visão, propõe questões que nos parecem dignas de menção.
Para o autor, a própria constituição do cinema como uma sucessão de fotogramas
estáticos reproduzidos de modo a gerar a ilusão de movimento é contrária a tal
concepção – afinal, não existe nos fotogramas em si a captura do movimento, e a
sucessão temporal entre eles só se torna clara quando são exibidos na ordem e na
velocidade corretas. Citando Bergson, Machado diz que, de certo modo, o
movimento não está no filme, e sim no aparelho utilizado para sua reprodução – e
que ele não está nas imagens, e sim que através dele somos capazes de imprimir
sentido a elas (1993, p.101-102). E, mesmo que o cinema brinque com
manipulações do tempo – editando cenas em ordem reversa, usando flashbacks,
acelerando ou diminuindo a velocidade dos movimentos – nenhuma dessas
trucagens atinge a imagem em si, que continua cristalizada no tempo, apesar dos
fotogramas serem ordenados ou apresentados de modo diferente do usual. Apenas
com o advento do digital a imagem passa a ser manipulável em suas características
constituintes – e, portanto, passível de infinitas modificações e reposicionamentos
espaciais e temporais.
Trata-se de uma diferença bastante importante para que se tornem
compreensíveis as modificações que a Internet trouxe ao acesso e visualização de
imagens. A imagem que uma pessoa vê em um livro ou em uma tela de cinema não
é nunca a mesma que está sendo vista em outro local qualquer, mesmo que esta
seja uma reprodução perfeita daquela. A imagem que vejo em um livro não é a
mesma que um eventual antípoda vê em outro livro igual, porque são livros
diferentes – do mesmo modo que a cópia de um filme sendo exibido em uma cidade
é diferente da cópia sendo assistida em uma sala de outro município. A menos que
estejamos todos na mesma sala, olhando para o mesmo livro ou a mesma tela de
projeção, estaremos vendo representações imagéticas diferentes, mesmo que
referentes à mesma imagem original. A Internet elimina esse conceito: afinal,
milhares de pessoas podem acessar no mesmo instante o mesmo endereço virtual,
e selecionarem para exibição a mesma foto ou o mesmo vídeo em streaming. O que,
à primeira vista, interpretamos como um suporte – no caso, o computador ligado à
Internet – na verdade não mais carrega em si a imagem como os meios anteriores:
39
ao invés disso, serve como modo de acesso ao endereço onde ela se encontra, este
sim o verdadeiro “suporte” do conteúdo acessado. Quando assisto a um vídeo a
partir de um site especializado nesse tipo de conteúdo, ele só está no meu
computador na medida em que o equipamento cria arquivos temporários que
permitem a decodificação de dados e, a partir daí, a visualização – na verdade, o
vídeo está hospedado no servidor que estou acessando, e pode ser assistido ao
mesmo tempo por quantas pessoas acessem o site até o limite de sua capacidade
de banda. Trata-se, por assim dizer, da eliminação do espaço físico entre a imagem
e o observador – conseqüência direta do hipertexto e da virtualidade, e uma
modificação profunda de nossas concepções a respeito do acesso a conteúdos.
Outro aspecto digno de consideração refere-se às cada vez mais amplas
possibilidades de manipulação de imagens, tornadas possíveis pela tecnologia
digital. Muito além da formação de fractais (manifestação de ordem matemática
tornada visível através do advento da computação), surge uma gama de softwares
destinados à edição de imagens móveis ou estáticas, permitindo não só o acréscimo
ou supressão de elementos visuais como a criação de imagens absolutamente
novas, geradas sem qualquer intervenção que não as envolvidas no próprio
ambiente virtual. Uma foto, por exemplo, pode ser modificada em praticamente todos
os seus elementos: suas cores podem ser trocadas por outras, pode-se aumentar ou
diminuir a iluminação, eliminar ou incluir elementos, corrigir todo tipo de
imperfeições. Tudo isso através de softwares acessíveis a qualquer usuário e
passíveis de serem instalados em qualquer computador pessoal. A indústria das
imagens em movimento, por sua vez, já há tempos passou a utilizar essas
tecnologias de manipulação digital, tornando possíveis inúmeros tipos de trucagens
e efeitos especiais que durante décadas eram praticamente inatingíveis.
Para Louise Poissant, Ph.D. em filosofia e professora da Universidade de
Quebec, Canadá, a manifestação mais completa desta possibilidade de criação de
imagens sintéticas encontra-se na animação. Segundo o trabalho de sua autoria
publicado em 1997, as ferramentas oferecidas pela virtualidade para desenhar ou
pintar ainda não conseguem substituir a gama de opções e as sensibilidades da
criação nos moldes tradicionais - enquanto na área da animação, ao contrário, as
possibilidades de criação de imagens sintéticas, de moldagem de figuras (morphing)
e de modificação quase ilimitada de modelos e características acabam abrindo um
leque criativo inimaginável até pouco tempo atrás. De fato, embora seja uma
40
8
Na verdade, sabemos que a idéia de eternidade do material contido na Internet é ilusória; de fato,
basta que uma página seja retirada do ar para que o conteúdo que ela apresentava seja apagado e
se torne a partir daí inacessível. A idéia, aqui, é de que o código pode ser salvo fora do ambiente
virtual – e, a partir daí, retornar à Internet um número ilimitado de vezes, podendo manter
indefinidamente suas características particulares.
41
para nós apenas na medida em que com ela interagimos. Embora ela não “exista”,
por não ser necessariamente materializada, ela é real; e, ainda que a interpretemos
com nossa consciência e nosso intelecto, a imagem só se torna interpretável na
medida em que projetamos nosso imaginário sobre a máquina que nos serve de
meio de interação.
9
Por certo não desconhecemos a quantidade cada vez maior de sites dedicados a exibir conteúdos
em vídeo, bem como a crescente especificidade de conteúdos e abordagens que muitos deles
apresentam. Parece-nos que há, a nível internacional, uma tendência à postagem de conteúdos
temáticos, visando públicos mais segmentados do que o atingido por YouTube e Google Video, os
mais bem sucedidos sites de vídeo até o momento. Como exemplos, podemos citar domínios com
vídeos violentos ou chocantes (NothingToxic e UselessJunk), conteúdo mais direcionado a subgrupos
específicos (Danerd e AnimeEpisodes) ou mesmo por vídeos de cunho sensual e/ou pornográfico
(como o PornoTube, que tem uma interface diretamente inspirada nos mecanismos do YouTube e até
imitando parte da sua identidade visual). É discussão bastante interessante e atual, que não cabe nos
limites do trabalho aqui apresentado, mas que acreditamos merecer atenção em estudos futuros
sobre o tema.
43
descreveremos daqui por diante, que o que antes era o centro da atividade do site (a
exibição de curtas nacionais) tornou-se apenas um de vários serviços oferecidos – e
que o caráter virtual da atividade do portal presta-se atualmente como chamariz para
atividades que, embora ligadas ao mundo digital, não convergem necessariamente à
Internet de onde surgiram. Boa parte dos trabalhos apresentados no Curta O Curta
foram realizados com os serviços prestados pela própria empresa que comanda o
portal, sendo bem menos numerosos os casos de curtas-metragens que se servem
do site apenas como meio de exibição. Temos, portanto, uma abordagem bastante
diferenciada das duas anteriormente citadas, o que nos parece justificar a inclusão
do Curta O Curta no presente estudo.
Um critério um tanto óbvio, mas que requer uma breve explicação, refere-se à
necessidade de exibir produções realizadas em território brasileiro, produzidas e
dirigidas por realizadores nacionais. Tanto o Porta Curtas quanto o Curta O Curta
restringem-se a conteúdo realizado no Brasil e por brasileiros – ao contrário do
YouTube, que por sua própria proposta aceita vídeos de todo o mundo. No entanto,
optamos por concentrar nossa apreciação do YouTube em conteúdos de origem e
realização claramente identificados com o Brasil, de modo que nossa idéia original
de contemplar o cinema independente brasileiro não resultasse comprometida.
Considerando as diferenças (e semelhanças) entre os três portais que
escolhemos para constituírem a amostragem do trabalho, nos parece que temos
bem representadas boa parte das características apresentadas pela exibição de
vídeos na Internet. Da mesma forma, já em uma comparação superficial dos três
sites investigados surgem questões interessantes, desenhadas brevemente acima e
que pretendemos aprofundar neste capítulo e no próximo. A seguir, faremos uma
descrição mais detida de cada um dos domínios escolhidos, apresentando um
histórico e analisando em detalhe os mecanismos de navegação e os conteúdos –
em vídeo ou não – oferecidos por cada um deles.
45
3.2. YOUTUBE
3.2.1. Histórico
10
Conforme visto em <http://www.alexa.com/site/ds/top_500>, em 11 nov. 2007.
47
11
Codificação de arquivos de áudio ou vídeo em forma de texto. Permite a mescla de diferentes
arquivos, e o transporte rápido de arquivos que seriam muito mais volumosos. Os protocolos mais
conhecidos do tipo são o XML e o XSL.
48
3.3.1. Histórico
Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado produziram “Barbosa”, que conta uma história
de ficção baseada na final da Copa do Mundo de futebol de 1950 – jogo graças ao
qual o goleiro que dá nome ao filme acabou tornando-se uma espécie de anti-herói
nacional. Quando do falecimento de Barbosa, em abril de 2000, surgiu a idéia de
incluir na notícia divulgada pela Internet um link que levasse a uma reprodução do
curta-metragem baseado na sua história. Um dos envolvidos – o realizador Julio
Worcman – tirou do incidente a inspiração para um projeto que permitisse a
distribuição de curtas-metragens através da Rede Mundial de Computadores. Em
2002, tal projeto se concretizaria na forma do Porta Curtas.
Desde sua idealização, o projeto responsável pelo Porta Curtas se destina a
duas finalidades paralelas. Por um lado, há a preocupação com a exibição de vídeos
propriamente dita; por outro, um interesse no desenvolvimento de uma catalografia
da produção nacional – que de início se restringe aos filmes de curta-metragem,
mas que em breve deve ser estendida a toda a realização cinematográfica brasileira.
Está presente desde um primeiro momento, portanto, uma preocupação documental
e de preservação da memória, gerada pela noção de que informações importantes
eram perdidas pela falta de um ambiente que as centralizasse – e que se manifesta,
ainda hoje, não só na existência do catálogo como na própria inclusão, em
streaming, de realizações não-recentes, muitas delas lançadas há cerca de vinte
anos ou mais.
O patrocínio da Petrobras foi e continua sendo fundamental para a
viabilização do portal e das atividades a ele ligadas. O aporte oferecido pela
empresa estatal de energia é majoritário, representando 57% da receita utilizada
pelo Porta Curtas em suas diversas atividades. A maior parte do valor restante é
obtida através das leis nacionais de incentivo à cultura. Embora possa parecer um
montante não tão significativo em uma análise superficial, o fato é que o patrocínio
oferecido pela Petrobras constitui-se na única fonte de receita não-variável,
mantendo a segurança necessária para que as atividades do projeto se mantenham
de forma constante e ininterrupta.
No momento de seu surgimento, o portal apresentava cem filmes para serem
assistidos. Em dez meses de atividades, a quantidade de reproduções dos filmes
disponíveis superava a marca de quinhentos mil acessos – um sucesso descrito
pelos administradores do site como inesperado. A evolução do domínio e
informações técnicas (como a quantidade de vídeos exibidos ou catalogados e o
52
Por ser um domínio que apresenta uma série de conteúdos além da exibição
de filmes propriamente dita, o Porta Curtas pode parecer de início um pouco
confuso. É necessário alguma procura na página para encontrar as indicações que
garantam o acesso ao que se deseja, e um usuário iniciante pode ficar bastante
perdido em um primeiro momento. Basicamente, os conteúdos são divididos em três
53
colunas: a primeira com links diretos para os vídeos; a do meio com informações
sobre as atrações do site e notícias sobre o cinema nacional (“Curtinhas”), e a da
direita apresentando parte dos projetos paralelos ligados ao portal, bem como links
para sites semelhantes – o Curta O Curta está relacionado, inclusive. Uma visão
parcial da página inicial do Porta Curtas está presente nos Anexos G e H.
Os vídeos disponíveis no arquivo do Porta Curtas podem ser acessados
através de uma ferramenta de busca, ou por links diretos como os que aparecem
nas listas de mais acessados ou nas estréias do período. Abrem em uma nova
janela (pop-up) e são hospedados no formato Windows Media (.wmv). Antes da
exibição de todos eles, há uma vinheta de cerca de dez segundos mostrando a
marca da Petrobras – o que evidencia ainda mais a ligação do portal com a
instituição que o promove. Ao lado do espaço onde é exibido o vídeo, estão
dispostos pequenos ícones, indicativos dos prêmios recebidos pelo trabalho ou de
sua exibição em grandes festivais de cinema. A janela é relativamente pequena (240
x 180 pixels) e não está configurada para mudanças no tamanho ou definição da
imagem – o espaço de exibição é menor do que o disponível no YouTube, por
exemplo. No entanto, outros recursos comuns aos demais sites estão presentes,
como a possibilidade de postagem de comentários e atribuição de notas ao filme –
no caso, em uma escala de uma a cinco estrelas. Uma visão da janela de exibição
está apresentada no Anexo I.
Para os cadastrados no site, são oferecidos serviços especiais como a
Cinemateca, que consiste na seleção e rápido acesso aos filmes favoritos e a
informações contidas no catálogo de curtas-metragens. Os dados são guardados e
organizados pelo usuário em pastas, que podem ser acessadas rapidamente a
qualquer momento e enviadas por e-mail para outros usuários, multiplicando os
acessos a uma cinemateca particular. Ocorre igualmente o envio de boletins via e-
mail (newsletters) com notícias e informações sobre os vídeos incluídos mais
recentemente. É permitido igualmente aos cadastrados colocar vídeos em sites
pessoais e blogs, sem nenhum ônus. Há ainda uma ferramenta chamada Roleta,
que faz uma busca aleatória (random) no arquivo do site e exibe automaticamente o
curta-metragem selecionado no processo.
Um dos projetos desenvolvidos pela equipe Porta Curtas – e que recebe
posição de destaque no site – é o Curta Na Escola, que atua junto a escolas de
ensino fundamental de todo o País. Atuando desde 2006, o projeto tem como meta
54
3.4.1. Histórico
Nesta página, são exibidas informações sobre a firma jurídica Curta O Curta, além
de gráficos demonstrativos do crescimento de acessos e das áreas mais visitadas
pelos usuários do site.
Outra área coberta pela equipe da empresa está relacionada com a
distribuição de curtas-metragens propriamente dita. Através de um serviço especial,
o realizador interessado pode garantir a inscrição de seu trabalho em uma série de
festivais nacionais, ficando por conta da empresa contratada os custos de inscrição,
produção de cópias e envio de material. O contratante pode conferir sempre que
desejar a efetividade do serviço por meio de um painel de controle (disponibilizado
no site), e o contrato pode ter a duração de até dois anos. A inclusão da obra no
acervo do portal é apenas um opcional do contrato em questão, sendo perfeitamente
possível a aquisição do serviço de distribuição sem que o trabalho fique disponível
para visualização ou mesmo que seja listado no arquivo do Curta O Curta.
Quanto aos critérios para inclusão de vídeos, o Curta O Curta adota,
atualmente, uma postura mais comercial do que a seguida pelo Porta Curtas ou
mesmo pelo YouTube. Grande parte dos vídeos incluídos no acervo são realizações
envolvidas de modo total ou parcial com a empresa Curta O Curta, seja em
produção e direção propriamente ditas, ou na utilização de serviços de captação ou
edição de imagens. E o espaço no arquivo permanente do portal é alvo de transação
comercial: para hospedar o vídeo e financiar os trabalhos de conversão, o produtor
deve pagar uma taxa de cem reais (R$ 100,00) ao ano (que aumenta de valor caso
a duração do trabalho exceda os dez minutos) e assinar uma autorização em duas
vias com firma reconhecida em cartório. Embora ainda haja uma avaliação prévia
dos filmes enviados para que atendam a critérios específicos de qualidade e
conteúdo (por exemplo, não é aceita a inclusão de cenas de sexo ou de violência
explícita), a concessão de um espaço no site tornou-se mais um dos negócios da
empresa, que comercializa esse serviço em condições bastante claras com seu
cliente – o realizador de curtas-metragens. Parece-nos um ponto decisivo para
diferenciar o Curta O Curta dos outros portais aqui analisados: a utilização de seus
recursos de exibição em um contexto econômico – não como um serviço gratuito ou
uma espécie de prêmio para trabalhos de qualidade superior, mas sim como um
espaço comercial cedido por meio de contrato entre as partes. Contrato que é
regido, inclusive, por condições semelhantes às que orientam outras janelas de
59
exibição como a televisão, vídeos para locação, ou mesmo o modelo clássico das
salas de cinema.
Tendo sido estabelecidas as particularidades de cada um dos domínios
inclusos na pesquisa que aqui apresentamos, bem como explicitadas as diferenças
de abordagem no tocante ao recurso de exibição de vídeos pela Internet, chega o
momento de entrarmos na parte final de nosso estudo: a análise dos conteúdos
distribuídos através de cada um dos sites pesquisados. No capítulo a seguir,
trabalharemos com parte dos conteúdos mais acessados pelos visitantes de cada
portal, analisando suas particularidades e procurando identificar elementos capazes
de explicar sua aceitação nesse espaço de constante mudança que é a Internet.
60
12
Conforme visto em <http://br.youtube.com/watch?v=6rMloiFmSbw>. Consultado em 02 out. 2007.
65
13
Conforme visto em <http://br.youtube.com/watch?v=Ibow_K7fqF0>. Consultado em 02 out. 2007.
14
Dados revisados pela última vez em 04/11/2007, às 22h.
15
Conforme visto em <http://br.youtube.com/watch?v=ubO3taHEHig>. Consultado em 02 out. 2007.
66
ultrapassa as 500 mil exibições no site e já foi notícia até em revistas semanais de
informação, de modo que sua inclusão no presente trabalho acaba sendo inevitável.
16
Conforme visto em <http://br.youtube.com/watch?v=JffmWtjxVq8>. Consultado em 02 out. 2007.
17
Conforme visto em <http://br.youtube.com/watch?v=aP2TnodSXoI>. Consultado em 02 out. 2007.
18
Conforme visto em <http://portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=1484>. Consultado em 02 out. 2007.
67
sua vida. É, atualmente, o vídeo mais assistido de todo o acervo do Porta Curtas –
curiosamente, um filme que teve uma repercussão modesta em festivais e salas de
cinema, alcançando apenas na Internet sua repercussão mais plena.
- A CASA22 (2004, cor, 3 minutos). Animação dirigida por Andrés Lieban, que
usa a clássica música de Vinícius de Moraes (era uma casa muito engraçada...)
19
Conforme visto em <http://portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=52>. Consultado em 02 out. 2007.
20
Conforme visto em <http://portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=2033>. Consultado em 02 out. 2007.
21
Conforme visto em <http://portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=200>. Consultado em 02 out. 2007.
22
Conforme visto em <http://portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=2038>. Consultado em 02 out. 2007.
68
como base para seu roteiro. Mostra um mímico que vai aos poucos construindo uma
casa, com elementos que pertencem ao reino da imaginação. Um dos poucos
curtas-metragens do Porta Curtas realizados diretamente em suporte digital, é um
trabalho visualmente bastante simples, mas singelo, e que foi exibido com destaque
também no festival Anima Mundi de 2004.
23
Conforme visto em <http://www.curtaocurta.com.br/curta/258/>. Consultado em 02 out. 2007.
24
Conforme visto em <http://www.curtaocurta.com.br/curta/28/>. Consultado em 02 out. 2007.
25
Disponível em <http://www.pedrolobito.com/exp_senhores_da_guerra.html>. Acessado em 11 nov.
2007.
69
e outros conteúdos. Mais do que isso, o usuário da Rede pode simplesmente não
estar disposto a investir tanto tempo em um único conteúdo. Praticamente todos os
autores utilizados na construção dos conceitos teóricos de Internet concordam que o
multimídia prevê acesso instantâneo, multiplicidade de conteúdos e a navegação
rápida entre os diferentes pólos de informação (websurfing). De fato, já é
praticamente senso comum associarmos a Internet a esses conceitos. Vídeos de
duração menor não só seriam tecnicamente mais fáceis de assistir, como se
adequariam melhor aos interesses do próprio público consumidor da web –
oferecendo entretenimento rápido e que logo abre espaço para que o usuário
busque outros conteúdos, outras possibilidades de informação. Um trabalho de
quinze minutos pode ser breve para os padrões do cinema – mas não esqueçamos
que o ambiente da projeção cinematográfica prevê a imersão, o mergulho da
consciência em um mundo à parte onde nada deve distraí-lo do espetáculo oferecido
a seus olhos e ouvidos. Duas horas de filme é uma duração adequada para uma
sala de projeção, mas possivelmente jamais o seja para a tela de um computador –
de fato, talvez mesmo uma duração de vinte minutos já se mostre demasiado longa
neste caso. Em resumo, um trabalho mais extenso pode não só não ser adequado
ao formato da Internet, mas igualmente falhar em relação ao público da Internet –
razão pela qual as produções mais breves alcançariam maior êxito no presente
estágio de utilização da web.
A produção de histórias mais curtas e de trabalhos menos extensos é uma
prerrogativa que parece bastante adequada ao âmbito da animação – o que nos
conduz a outra característica perceptível na amostragem que analisamos. De fato, e
desde o seu surgimento, a animação apresenta um elo que a une aos formatos de
menor duração – basta lembrarmos que originalmente os desenhos animados eram
destinados a preencher espaço entre as sessões de cinema, oferecendo
entretenimento por alguns minutos enquanto o filme de longa-metragem não
iniciava. Cinco dos quinze trabalhos escolhidos são animações, realizadas com
diferentes graus de complexidade – e um sexto trabalho, “Senhores da Guerra”,
pode talvez ser incluído na conta, uma vez que apresenta uma série de imagens
estáticas (stills) que só ganham sentido quando dispostas em ordem e com o tema
musical ao fundo. De qualquer modo, é nada menos do que um terço dos vídeos
selecionados – uma porcentagem que nos parece significativa, e que encontra
72
CONSIDERAÇÕES FINAIS
não seriam incluídos no acervo deles. Já quem visita o YouTube, na maior parte das
vezes, busca simplesmente entretenimento em vídeo – possivelmente entrando em
contato com os trabalhos de curta-metragem de maneira muito mais casual.
Há, portanto, uma divisão de público que se insinua nesse momento – e que
pode ser de interesse para quem invista na distribuição via Internet. No Porta Curtas
e no Curta O Curta, o público é mais específico, pessoas de fato interessadas em
produções de cunho cinematográfico e na linguagem estética e textual, geralmente
aplicada ao cinema. Já no YouTube, a fórmula é livre, quase anárquica – fórmula
que, de qualquer modo, produz os melhores resultados práticos em termos de
público. O que interessará mais ao distribuidor, a partir daí, é uma decisão dele –
que talvez não seja consoante com os interesses do diretor ou das demais pessoas
envolvidas com a produção de um material audiovisual, de qualquer modo.
Acreditamos ser igualmente digno de menção o tratamento dado por cada um
dos portais ao espaço de exibição dos vídeos – ou seja, à janela de exibição
propriamente dita. O Youtube é, dos três sites, o mais versátil – permitindo que o
usuário assista ao vídeo em dimensões tanto maiores quanto menores do que o
tamanho original. Do mesmo modo que o Curta O Curta, o YouTube oferece a opção
de tela inteira (full screen), de visualização mais agradável quando a imagem
apresenta boa definição. O Porta Curtas, infelizmente, está na contramão dos outros
dois portais, e oferece os vídeos em um tamanho fixo, bastante pequeno e que se
torna desconfortável após poucos minutos de exibição. Ou seja, o portal soma às
dificuldades inerentes ao ato de assistir a filmes no computador – tela pequena e de
luminosidade que agride à visão, assentos pouco confortáveis, som de baixa
fidelidade – um empecilho extra, que dificulta a imersão e acaba se tornando quase
um convite ao abandono do vídeo e à procura de outros sites de entretenimento.
Considerando o estudo que desenvolvemos até aqui, o problema mostra-se bem
mais grave do que poderia parecer em um primeiro momento – ainda mais por tratar-
se de vídeos que não foram feitos para a plataforma virtual, e que acabam sofrendo
ainda mais se exibidos em um espaço incapaz de realçar suas qualidades
imagéticas. Parece-nos importante que o Porta Curtas reveja o formato e as
dimensões da janela de exibição dos vídeos, sob pena de distanciar-se mais ainda
do público que assiste a filmes na web.
Outro ponto que se evidencia é a limitação que atinge o Porta Curtas e o
Curta O Curta devido ao idioma que utilizam para a navegação. São sites em
80
português, focados no público brasileiro, e que não oferecem opções para usuários
de outras línguas. O YouTube, ao contrário, tem no inglês a sua língua matriz, e
oferece opções de navegação em outros idiomas – inclusive em português. Ou seja,
já se mostra de imediato mais aberto ao público da Internet do que os outros dois
portais estudados aqui – um público que, é importante frisar, não está contido pela
maior parte das barreiras nacionais na hora de escolher o que deseja acessar na
Internet. Uma das maiores potencialidades da Internet está justamente em suas
possibilidades interativas, na utopia que transforma todo conteúdo em material
acessível a qualquer um – e a utilização exclusiva do português é uma evidente
inadequação, especialmente se levarmos em conta que o material incluído nos sites
destina-se à apreciação do maior número possível de pessoas. Parece-nos que a
opção de navegação em inglês ou a inclusão de arquivos com legendas nesse
idioma – coisa que alguns realizadores já fazem no YouTube por conta própria –
poderia modificar consideravelmente os números obtidos por Porta Curtas e Curta O
Curta até o momento.
Seja como for, acreditamos serem naturais essas dificuldades de
compreensão da Internet enquanto suporte para cinema – especialmente por
refletirem uma indefinição muito maior e que, de diferentes maneiras, se manifestou
no decorrer de nosso estudo. Talvez inconscientemente, carregávamos no começo
de nosso trajeto a idéia de que o cinema, de algum modo, podia encontrar na
Internet um espaço para sua disseminação – e agora temos elementos que, embora
não exatamente a refutem, são capazes de abalar essa certeza. Àqueles que acham
que basta colocar um vídeo na Internet para atingir os benefícios de exposição em
um espaço sem fronteiras, somos levados a dizer que, a julgar pelo aqui exposto, as
coisas não são bem assim. O que dá certo na Rede, de certo modo, é o que não é
cinema – ou, pelo menos, o que reinventa o cinema a ponto de em certos casos
torná-lo quase irreconhecível. A linguagem que nos acostumamos a apreciar em
salas de projeção ou mesmo no conforto de nosso lar não é, na maior parte do
tempo, a mesma que encontramos em sites de vídeo, entre visitas a algum blog ou
conferindo as novas mensagens em nossa caixa de e-mails. O que será essa
linguagem, no fim das contas, é difícil dizer, e vai além dos objetivos que traçamos
para esse trabalho. Mas a idéia de distribuir cinema pela Internet, que foi a maior
motivadora do nosso esforço de compreensão, acaba posta sob suspeita: afinal, se
os conteúdos de maior sucesso são os que se distanciam do modelo
81
cinematográfico padrão, pode ser que para um distribuidor acabe não sendo
interessante distribuir, no fim das contas, o que nos acostumamos a chamar de
cinema.
Nesse momento, sentimos-nos seguros para indagar: afinal de contas, o que
quer o público que assiste a vídeos pela Internet? Com base nos dados que
coletamos e analisamos, evidencia-se que a maioria não está diretamente
interessada em cinema, pelo menos não nos moldes clássicos que nos
acostumamos a associar a ele. Trata-se, como fica claro no decorrer do nosso
estudo, de um espaço diferente, que por vários motivos não pode ser diretamente
comparado ao que existia antes dele – e nada mais natural que o público atingido
por essa renovação seja, ele próprio, renovado também. Assim, não estamos
tratando a priori com o mesmo tipo de espectador que paga ingresso para ir a uma
sala de cinema ou que divide com a família o aluguel de um DVD para assistir em
casa – e, mesmo que sejam muitas vezes as mesmas pessoas, nada nos dá a
entender que elas busquem na web o mesmo que buscam no cinema ou nas
locadoras. Pelo contrário: os resultados de nosso estudo apontam em outro sentido.
Se as respostas obtidas pelos vídeos nos servem de referencial - e acreditamos que
sirvam – temos um público que prefere atrações de poucos minutos de duração,
com mensagens de fácil apreensão, e que não dá tanta atenção a requintes
narrativos ou de linguagem visual. Um público que quer, sim, rir ou se emocionar,
mas que não parece disposto a esperar muito tempo por isso – mesmo porque
existe muita informação em outros lugares da web, e ele deseja estar livre o mais
rápido possível para acessá-los. E, além disso, trata-se de um público que tende a
crescer, na medida em que se democratiza o acesso a conexões de banda larga e
vão se sofisticando os processos tecnológicos envolvidos na transmissão de vídeos
pela Rede Mundial de Computadores.
Ou seja, a realização cinematográfica só poderá usar a Internet a pleno na
medida em que compreender não só seus mecanismos, mas também o público que
nela navega – e, a partir de tal conhecimento, planejar suas ações no sentido de se
adequar à web, e não ficar esperando que aconteça o contrário. Acreditamos,
tomando como base a nossa pesquisa, que a fórmula até aqui utilizada pelas
empresas cinematográficas – ou seja, a liberação do mesmo filme para uso nas
demais janelas de exibição, no máximo com algum material extra no caso dos DVD’s
– tende a não reproduzir os mesmos resultados caso seja aplicada na Rede sem
82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Livros:
COUCHOT, Edmond. O embarque para Cíber: Mitos e realidades das artes em rede.
In: LEÃO, Lucia (org.) O chip e o caleidoscópio. Reflexões sobre as novas mídias.
São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005.
LUCA, Luiz Gonzaga Assis de. Cinema digital. Um novo cinema? São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Cultura – Fundação Padre Anchieta,
2004.
84
Dissertações de mestrado:
Documentos eletrônicos:
FACCHINI, Claudia. Cinema no sofá eleva venda de DVD em 60%. Disponível em:
<http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/valor/2006/02/10/ult1913u46041.jhtm>.
Acessado em: 09 set. 2007.
Fãs acham que novo CD do Radiohead vale entre R$10 e R$16. Disponível em:
<http://cifraclub.terra.com.br/noticias/6484-fas-acham-que-novo-cd-do-radiohead-
vale-entre-r10-r16.html>. Acessado em: 23 out. 2007.
SILVA, Daniel. O vídeo "O dia em que o Brasil foi Invadido" e o filme "Sede,
Invasão Gota a Gota". Disponível em: <
http://www.duplipensar.net/artigos/2007s1/video-o-dia-em-que-o-brasil-foi-invadido-
filme-sede-invasao-gota-a-gota.html>. Acessado em: 04 out. 2007.
Revistas e periódicos:
NAUGHTON, John. Os 15 reis do clique. Carta Capital, São Paulo, Ano XIII, nº 408,
p. 10-18, ago. 2006.
SANCHES, Pedro Alexandre. A marca da pantera. Carta Capital, São Paulo, Ano
XIII, nº 408, p. 06-07, ago. 2006.
SOUSA, Ana Paula. Já vi esse filme... Carta Capital, São Paulo, Ano XIII, nº 408, p.
58-60, ago. 2006.
Entrevistas:
WORCMAN, Júlio. Sem censura. Entrevistadora: Leda Nagle. Rio de Janeiro: TVE /
Rede Brasil, 2003. Disponível em
<http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=1534>. Acessado em: 14 out. 2007.
88