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APONTAMENTOS SOBRE
A
“COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL”
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
EM CONTROLE CONCENTRADO
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
rescisória.
8
Para realizar nosso intento, dividimos este estudo em quatro capítulos, nos
seu conceito, sua natureza jurídica e suas manifestações formal e material, bem como
das leis e atos normativos do Poder Público e seus efeitos, sintetizando diversas e relevantes
opiniões doutrinárias.
parágrafos primeiro e quinto aos artigos 475-L do CPC e 884 da CLT, respectivamente,
inconstitucionalidade.
tutela jurisdicional assim dispensada, tornando a solução dada à crise jurídica imune a futuros
ou, mais precisamente, “a imutabilidade da sentença (coisa julgada formal) e de seu conteúdo
1
O que se diz, neste trabalho, sobre sentença é igualmente válido para acórdão.
2
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil
brasileiro. In: ______. Temas de direito processual. 1 série. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 97.
3
Segundo Couture,“a coisa julgada é [...] uma exigência política e não propriamente jurídica; não é de razão
natural, mas sim de exigência prática”. COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil.
Campinas: Red, 1999. p. 332.
4
Ibid., p. 99.
5
Sustenta Liebman que “o verdadeiro problema da coisa julgada, característico e único da atividade
jurisdicional: o de que se possa um outro ato da mesma autoridade reexaminar o caso já decidido e julgar de
modo diferente, sem infirmar assim a validade do ato precedente, mas criando um conflito entre duas decisões,
com todos os seus conhecidos inconvenientes que daí promanam”. LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e
autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 49.
6
Ibid., idem.
7
Art. 6º, § 3o da Lei de Introdução do Código Civil.
8
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v. I. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998, p.
416. Especialmente relevante é a crítica lançada pelo autor contra a lição de Liebman, para quem a coisa
julgada implicaria a imutabilidade dos efeitos da sentença: estes podem se alterar a qualquer tempo, conforme
salienta o processualista carioca, bastando que se pense na hipótese de o devedor cumprir o comando da
sentença condenatória – tal comando, em si mesmo considerado subsistiria, mas não a sua eficácia.
11
jurídica da coisa julgada: para a primeira, trata-se de um efeito da sentença; para a segunda,
a eficácia de uma sentença não pode por si só impedir o juiz posterior, investido
também ele da plenitude dos poderes exercidos pelo juiz que prolatou a sentença, de
reexaminar o caso decidido e julgá-lo de modo diferente. Somente uma razão de
utilidade política e social intervém para evitar essa possibilidade tornando o
comando imutável quando o processo tenha chegado à sua conclusão, com a
preclusão dos recursos contra a sentença nela pronunciada.11
que “a coisa julgada nada mais é que essa indiscutibilidade ou imutabilidade da sentença e dos
seus efeitos, aquele atributo que qualifica e potencializa a eficácia que a sentença
amparando-se em Barbosa Moreira, Alexandre Câmara para quem “com o trânsito em julgado
da sentença, surge uma nova situação, antes inexistente, que consiste na imutabilidade e
9
Ibid, op. cit. p. 417.
10
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. v. III. Campinas: Bookseller, 1998. p. 94
e 249 (referências, respectivamente, à coisa julgada material e formal). O Código de Processo Civil consagra
essa posição teórica, conforme se extrai da redação do art. 467.
11
LIEBMAN, op. cit. p. 55.
12
Idem, p. 53. Parece ser esse, também, o pensamento de Carnelutti, quando afirma que “a fórmula da coisa
julgada emprega-se para significar [...] a decisão dotada de tal [vinculativa] eficácia”. Cf. CARNELUTTI,
Francesco. Instituições do processo civil. v. I. Campinas: Servanda, 1999. p. 185.
13
CÂMARA, op. cit. p. 418.
14
Ibid., p. 418.
12
coisa julgada, razão da admoestação de Barbosa Moreira, de que “definir a natureza da coisa
julgada material [...] se trata de uma controvérsia a cujo respeito só mesmo o juízo final é que
dará uma palavra de pacificação; e mesmo esse talvez comporte, pelo menos, embargos de
declaração”.15
estabilidade e a imutabilidade atinjam somente a sentença como ato processual, quer atinjam
ela própria e também seus efeitos, haverá sempre coisa julgada, o que revela, diante da
distinção entre coisa julgada formal e material, “somente que a imutabilidade é uma figura de
qualquer sentença é vocacionada a adquirir a autoridade da coisa julgada formal, pois o efeito
15
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Antecedentes da reforma processual e sistemática geral do novo código de
processo civil. In: ______ Estudos sobre o novo código de processo civil.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1974.
p. 38.
16
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. III. São Paulo: Malheiros,
2001. p. 296. De toda sorte, geralmente emprega-se a expressão coisa julgada, isoladamente, no sentido de
coisa julgada material. Daí a advertência de que “quando se quer [...] referir à coisa julgada formal, é
necessário que se o diga expressamente”. Cf. WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato
Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 1. v. 2. ed. São Paulo: RT, 1999. p.
626.
17
GUERRA, Marcelo Lima. Execução forçada: controle de admissibilidade. 2. ed. São Paulo: RT, 1998. p.
12. CÂMARA, op. cit. p. 426.
18
DINAMARCO, op. cit. p. 297.
13
mérito19.
jurisdicional que resolve o mérito da causa, gerando, nos limites do que foi decidido, a
É à coisa julgada material que refere-se o art. 467 do CPC como “a eficácia,
que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário”.
se à coisa julgada material como “a qualidade, que torna imutável e indiscutível o efeito da
sentença, não mais sujeita a recursos ordinário ou extraordinário”, revelando, assim, a adesão
de seu idealizador, Alfredo Buzaid, ao pensamento de Enrico Tullio Liebman, para quem,
como já visto, a coisa julgada é uma qualidade, não um efeito ou eficácia da sentença.
modo pelo qual se manifestam ou se produzem os efeitos da sentença”, e que, por haver na
naquele ato”.20
significado de “eficácia” e “qualidade” ou “modo de ser”, o que faria com que a discussão a
19
Ibid., p. 297.
20
BUZAID, Alfredo apud MOREIRA, José Carlos Barbosa. La definizione di cosa giudicata sostanziale nel
codice di procedura civile brasiliano. Revista de Processo, São Paulo, n. 117, p. 42-48, set./out. 2004. A
tradução foi livremente feita a partir do seguinte trecho: “Il codice impiega la parola efficacia nel senso di
qualità o modo in cui si manifestano o si impiega gli effetti della sentenza stessa; o, in altre parole, posto Che
la sentenza abbia um comando, la sua immutabilità si identifica com l’efficacia dell’effeto dichiarato in
quell’atto”.
14
que dedicou-se Liebman por tantos anos se resolvesse “em uma simples e anódina querelle de
mots”.21
Seja como for, o importante é ter em mente que a coisa julgada material faz
da decisão e de seu conteúdo imutáveis, motivo pelo qual a sentença dotada da autoridade da
coisa julgada material, apreciando “total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da
autoridade da coisa julgada material, mas somente as definitivas, que ensejam a extinção do
Insta, ainda, salientar que art. 469 do CPC afasta a autoridade da coisa
julgada dos motivos, da verdade dos fatos e da apreciação incidental de questão prejudicial,
indiscutíveis os preceitos imperativos emitidos pelo julgador sobre o objeto do processo 23,
contidos no decisório24. Delineiam-se, desta forma, os limites objetivos da coisa julgada, cuja
21
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Antecedentes da reforma processual e sistemática geral do novo código de
processo civil, op. cit. p. 46-47.
22
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.
89.
23
O objeto do processo, no direito processual civil brasileiro, identifica-se com o pedido, uma vez que apenas o
pronunciamento jurisdicional sobre este pode solucionar ou influir na solução da crise que atormenta as
partes. Confira-se a lição de Barbosa Moreira: “A providência a que se visa é a prestação jurisdicional
consubstanciada na sentença definitiva. O contorno dessa providência – e portanto a sua maior ou menor
extensão – é fixado, como se sabe, pelo pedido do autor, ao qual corresponde, na linguagem da doutrina, o
objeto do processo” (grifo no original). MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação declaratória e interesse. In:
______. Direito processual civil: ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. p. 11. No mesmo
sentido, adverte Dinamarco que “somente o pronunciamento do juiz sobre o pedido (e não sobre a causa de
pedir) é que tem uma imperativa eficácia preceptiva sobre a vida dos litigantes; somente esse pronunciamento
ficará coberto pela autoridade da coisa julgada material (CPC, art. 469)”. DINAMARCO, Cândido Rangel.
Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 35.
24
Relembra Dinamarco que “só no decisum se formulam preceitos destinados a produzir efeitos sobre a vida
dos litigantes ou sobre o processo mesmo” e que “na motivação [...] residem somente os pressupostos lógicos
em que se apóia o decisório, mas sem autonomia, eles próprios, para projetar efeitos sobre a vida do processo
15
autoridade “não pode jamais exceder os contornos do petitum”25, uma vez que, de acordo com
o art. 128 do CPC, “o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sedo-lhe defeso
conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”.26
julgamento são postas sob os efeitos da coisa julgada, impedindo a renovação de demanda
com idêntico pedido, ainda que sob fundamento diverso daquele em que o julgador se baseou
para chegar à solução da controvérsia. Fala-se, assim, em eficácia preclusiva da coisa julgada
exame do mérito, não faz senão coisa julgada formal, de sorte que, quanto a essa espécie de
que se extingue, sem repercussão na vida das pessoas em suas relações exteriores”. 28 Por
terminativas, algumas outras também não recebem o selo da coisa julgada material. É o caso
ou das pessoas”. E arremata: “por isso é que de modo expresso a lei brasileira exclui a incidência da
autoridade da coisa julgada sobre os motivos da decisão (art. 469, incs. I-II)”. DINAMARCO, Cândido
Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2002. p 16.
25
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os limites objetivos da coisa julgada no novo código de processo civil. In:
______ Temas de direito processual. 1 série. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 91.
26
Conforme ressaltado na segunda parte do Capítulo III da Exposição de Motivos do CPC, lide, aqui, tem o
significado carneluttiano de “conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela
resistência do outro”.
27
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil
brasileiro, op. cit. p. 106.
28
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. p. 296.
29
É o que dispõe o art. 268 do CPC, que excepciona apenas a hipótese de extinção do processo sem julgamento
do mérito prevista no inciso V do art. 267: acolhimento da alegação de perempção, litispendência ou de coisa
julgada.
16
são invalidadas ou substituídas por acórdão em reexame da causa pelo tribunal, mesmo que
nenhum recurso tenha sido interposto pela parte sucumbente32: é o que dispõe o art. 475 do
CPC acerca das sentenças proferidas em desfavor da União, o Estado, o Distrito Federal ou o
Município, ou suas autarquias e fundações de direito público, bem como das sentenças de
Ainda quanto às sentenças que não fazem coisa julgada material, Teresa
Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina ressaltam as chamadas sentenças
inexistentes, entre as quais arrolam aquelas em que o pedido é julgado sem que estejam
inexistência jurídica da sentença [...] porque [...] torna o ato irreconhecível como sentença,
vez que o mesmo não contém decisão (o que, como parece óbvio, é elemento constitutivo
30
DINAMARCO, op. cit. p. 308-309.
31
Nos termos do inciso III do art. 103 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), se a ação visar à
defesa de direitos individuais homogêneos, a sentença de improcedência não faz coisa julgada, ainda que o
legitimado extraordinário tenha produzido provas.
32
DINAMARCO, op. cit. p. 310. Ressaltando a substituição da sentença pelo acórdão – o que, insta relembrar,
ocorre inclusive quando o tribunal “confirma” o provimento de primeiro grau (CPC, art. 512) –, o mestre da
escola paulista de direito processual assevera que as sentenças sujeitas a reexame necessário “não têm a
mínima possibilidade de obter coisa julgada, quer formal, quer material”, somente podendo adquirir tal
autoridade o acórdão que desse reexame sobrevier.
33
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de
relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 28. Não nos parece, contudo, que tais exemplos refiram-se
verdadeiramente a sentenças inexistentes, mas respectivamente a decisões passíveis de invalidação e de plano
ineficazes. O tema será abordado no item referente aos vícios da sentença eivada de inconstitucionalidade.
34
CÂMARA, Alexandre Freitas, op. cit. p. 392. No mesmo sentido, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim;
MEDINA, José Miguel Garcia, op. cit., p. 84.
35
SLAIB FILHO, Nagib. Sentença cível. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 495. POLONI, Ismair
Roberto. Técnica estrutural da sentença cível: juízo comum e juizado especial. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p. 60.
17
sentença, ainda que de mérito, jamais haverá coisa julgada, já que esta pressupõe decisão,
obviamente, existente.
juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativamente à mesma lide, salvo “se,
direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.
conclusão de que a sentença que disciplina relação jurídica continuativa é imune à coisa
julgada. Contudo, a leitura mais atenta revela que a modificação do estado de fato é
originária. Em outras palavras: há um novo pedido, fundado em uma nova causa de pedir, isto
é, uma nova demanda, cujo ajuizamento somente será necessário diante de determinadas
hipóteses, que a lei especifica36. Afinal, toda sentença está sujeita à cláusula rebus sic
36
V.g., alimentos e aluguéis fixados por sentença.
37
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: RT, 2001. p.
89. Ao sustentar a subordinação da eficácia da sentença à cláusula rebus sic standibus com amparo em lições
que remontam a James Goldschmidt, relembra o aludido autor que, se uma sentença declara que uma certa
empresa está sujeita a uma específica contribuição social, bastará que uma lei superveniente revogue a
anterior ou conceda isenção fiscal àquela empresa para que se esvaziem os efeitos da decisão; bem como que
a cura do beneficiário do auxílio-doença faz cessar os efeitos da sentença que condena o INSS ao pagamento
do benefício. Em ambos as hipóteses, a despeito da continuidade da relação entre as partes, a sentença tem
seus efeitos automaticamente cassados em virtude da quebra da cláusula rebus sic standibus.
18
sentença, contudo, pode não ser suficiente para que seus efeitos se extingam. Assim é que,
alimentos”38.
De qualquer forma, apesar de, nesse caso, não bastar a alteração das
premissas fáticas e jurídicas que lhe servem de fundamento, a sentença que fixa alimentos 39
também é passível de ter sua eficácia suprimida em virtude de tal fato. Diferentemente dos
casos que não contam com tal exigência legal, apenas não se prescinde, aqui, do ajuizamento
de uma nova demanda, por meio da qual essa alteração possa se fazer conhecida do órgão
julgador.
38
A propósito da coisa julgada, o art. 15 da Lei 5.478/68 já era emblemático, pois dispunha que “a decisão
judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação
da situação financeira dos interessados”.
39
O mesmo pode ser dito em relação à sentença que fixa o valor de aluguéis, na forma da Lei 8.245/91.
40
FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. A coisa julgada. Ajuris, Porto Alegre, n. 52, p. 5-33, jul. 1991.
19
(Gründnorm) implica uma sistematização hierárquica que permite que, a partir de um ato ou
de uma norma jurídica, chegue-se, por fim, ao fundamento do próprio ordenamento vigente: a
Constituição.42 Assim, todas as leis e atos normativos que se deparem com o vazio ou com a
contrariedade invencíveis no percurso que leva à Constituição hão de ser tidos como
retirada de tais normas do mundo jurídico, quer revelem-se incompatíveis com a norma
Daí o porquê de a Constituição ser qualificada de soberana diante das demais normas.
41
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 1. v. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p.
86. PEÑA, Guilherme. Direito constitucional: teoria da constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.
128.
42
Não se perca de vista que, de acordo com Kelsen, a Constituição jurídico-positiva, ou posta, também possui o
seu fundamento, chamado “norma hipotética fundamental”, o qual prescreve obediência à primeira
Constituição histórica. Por Constituição histórica, entenda-se aquele texto fundamental cuja elaboração não se
encontra prevista em nenhuma disposição normativa anterior, não tendo os seus editores sido investidos de
competência por nenhuma outra norma jurídica. Assim, a atual Constituição da República – norma
fundamental posta – estaria hipoteticamente fundamentada no Ato Institucional n. 5/68. De observar, contudo,
que tal fundamento encontra-se cingido a uma perspectiva dinâmica – relacionamento das normas a partir das
regras de competência e daquelas reguladoras da sua produção – e não estático, que diz respeito ao
relacionamento das normas a partir de seus conteúdos. Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. 3.
ed. São Paulo: Max Limonad, 2.000. p. 24.
20
constituinte originário, sobre as demais normas, inclusive sobre aquelas emanadas do poder
aqueles previstos na Constituição da República – pode ser debelada por juízos de qualquer
o que assegura o art. 5o, XXXV, da Constituição da República. Mas a faceta do controle
jurisdicional que, por ora, mais interessa para os fins deste estudo é aquela que diz respeito ao
constitucionais – e os atos normativos do poder público, o qual tem por escopo assegurar a
exceção ou defesa, é aquele no qual a todo e qualquer juiz ou tribunal é permitida, na análise
43
O poder constituinte originário – “distinto, anterior e fonte de autoridade dos poderes constituídos” – é aquele
que estabelece a Constituição de um novo Estado. Já o derivado “está inserido na própria Constituição, pois
decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais
expressas e é passível de controle de constitucionalidade”. O poder constituinte derivado, sempre limitado
pelas normas emanadas do originário, subdivide-se em reformador, com competência para alterar o texto
constitucional, e decorrente, relativo à aptidão dos Estados-membros para se auto-organizarem por meio de
constituições estaduais. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p.
53-55.
44
PEÑA, op. cit. p. 128.
45
Cf. ZAVASCKI, op. cit. p. 13. Também PEÑA, op. cit. p. 128.
46
Teori Albino Zavascki, invocando Cappelletti, ressalta o significativo destaque que esse poder fiscalizador
merece no âmbito da jurisdição constitucional, graças ao caráter institucional do “embate que provoca ao
confrontar dois poderes do Estado”. Ibid. p. 16.
21
Constituição. Nessa hipótese, a declaração que vier a negar a aplicação da norma tida por
normativo com efeitos erga omines, até mesmo porque a declaração de inconstitucionalidade
suspensiva da norma.49
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, e tem aptidão para desfazer o ato “juntamente
47
MORAES, op. cit. p. 565
48
A expressão “suspensão da execução” não é tecnicamente correta, pois, conforme já observado pelo STF, a lei
não se sujeita à execução, mas ao fenômeno da incidência sobre fatos (RE 78533-SP, 2. T., rel. Min Firmino Paz,
j. 13.11.1981, DJU 26.02.1982). Na verdade, a Resolução do Senado que “suspende a execução” da lei confere
eficácia vinculante e erga omnes à decisão proferida pelo Supremo em controle difuso, importando
“reconhecimento estatal de que a norma em questão jamais teve aptidão para incidir e, portanto, jamais incidiu
em qualquer situação”, como “se houvesse uma ‘revogação’ ex tunc” (ZAVASCKI, op. cit. p. 94).
49
Ibid. p. 567-568.
50
Ibid. p. 17.
22
com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos
ato normativo, cuja declaração – seja ela positiva ou negativa – põe a salvo a supremacia da
enunciadas:
51
MORAES, op. cit. p. 599.
52
Sobre a relação entre a segurança jurídica e o princípio-valor da segurança, confira-se SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos
fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro [mensagem pessoal].
Mensagem recebida por <tenebras@uol.com.br> em 10 de jan. 2004. Esse texto, que nos foi gentilmente
remetido por correio eletrônico por seu notável autor, encontra-se publicado na obra coletiva organizada pela
professora Cármen Lúcia Antunes Rocha, Constituição e segurança jurídica, Editora Fórum, Belo
Horizonte, cuja primeira edição saiu do prelo no ano de 2004.
53
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha, apud VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Da jurisdição constitucional:
aspectos inovadores no controle concentrado de constitucionalidade. In: CALMON, Eliana. BULOS, Uadi
Lammêgo (Coord.). Direito processual: inovações e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 173.
54
MORAES, op. cit. p. 565.
23
execução de lei declarada inconstitucional pelo STF por via de controle difuso, para os fins
interventiva (art. 36, III), a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 36, §2º) e a
ação declaratória de constitucionalidade (parte final da alínea “a” do inciso I do art. 102; EC
nº 03/93)55. Teori Albino Zavascki refere, ainda, o mandado de injunção, previsto no inciso
integral, outras duas possibilidades são expressamente previstas pelo parágrafo único do art.
55
Ibid. p. 581-582.
56
ZAVASCKI, op. cit. p. 17.
24
constitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder público, presunção essa que dita a
preferência por uma interpretação que aponte para a adequação da norma à Constituição da
Lei Maior.
ainda, excluindo-se o significado tido por incompatível (interpretação conforme sem redução
de texto).
redução de texto, “o Supremo mantém íntegro o texto legal impugnado e, no entanto, declara
complementam, uma vez que “diversas vezes para se atingir uma interpretação conforme a
57
MORAES, op. cit. p. 43.
58
TALAMINI, Eduardo. Embargos de execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade. Revista de
Processo. São Paulo, ano 27, n. 106, p. 39-81, abr-jun 2002.
25
A doutrina identifica dois sistemas que dizem respeito aos efeitos derivados
austríaco.60
absolutamente nula e ineficaz, de modo que a decisão judicial apenas declara a nulidade da lei
Constitucional não declara uma nulidade, mas anula a lei em desconformidade com a
fixar a partir de que data a lei inconstitucional deixará de produzir efeitos, ou seja, o Tribunal
pode anular a lei a partir de uma data posterior ao seu pronunciamento, contanto que não
59
MORAES, op. cit. p. 46. A esse propósito, anota Talamini – op. loc. cit – que atualmente “em diversos
pronunciamentos, alude-se simultaneamente à ‘interpretação conforme’ e à ‘declaração sem redução”,
concluindo que “a diferente terminologia retratou muito mais uma evolução acerca do papel e do alcance do
controle direto de constitucionalidade do que propriamente uma duplicidade de técnicas”.
60
Cf. OLIANE, José Alexandre Manzano. Impugnação de sentença transitada materialmente em julgado,
baseada em lei posteriormente declarada inconstitucional em controle concentrado pelo STF: ação rescisória
ou declaratória de inexistência? Revista de Processo. São Paulo, ano 28, n. 112, p. 221-239, out.-dez. 2003.
26
notoriamente vinculante dos demais órgãos do Poder Judiciário, produzirá efeitos ex tunc e
erga omnes61. Vale dizer: os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal retroagem, desde
emanadas.62
relação ao tempo, desde que atendidos os requisitos formal – decisão por maioria de dois
interesse social. Com isso, reforça-se a tese de que os atos inconstitucionais são nulos,
prejuízos consideráveis adviriam para além do plano individual. Nessas hipóteses, cabe ao
Em relação aos excepcionais efeitos temporais, é mais do que óbvio que não
serão retroativos nos casos em que fixados a partir do trânsito em julgado da decisão.
61
MORAES, op. cit. p. 599-600. ZAVASCKI, op. cit. p. 48-54.
62
É esta a lição de Alexandre de Moraes: “Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Gilmar Mendes Ferreira nos aponta que na Alemanha, a fórmula tradicional explicita que a lei é “ é
inconstitucional e, por isso, nula” (Das Gesetz ist verfassungwidrig und daher nichiig). Vincula-se, destarte,
determinada situação – a inconstitucionalidade - à conseqüência jurídica – nulidade. Contra esta posição,
Hans Kelsen, para quem os atos inconstitucionais são anuláveis ex tunc (Teoria pura do direito. São Paulo:
Martins Fontes, 1986. p. 374) e Manuel Gonçalves Ferreira Filho (Curso de direito constitucional. 20. ed. São
Paulo: Saraiva. p. 37)”. Cf. op. cit. p. 599.
63
ZAVASCKI, op. cit. p. 49-50.
27
partir de um momento escolhido pelo próprio Tribunal, que não o do trânsito em julgado do
acórdão, o termo inicial deverá situar-se entre a edição da norma e a publicação oficial da
decisão, de forma que “não poderá o STF estipular como termo inicial para a produção dos
efeitos da decisão data posterior à da publicação no Diário Oficial, uma vez que a norma
produzindo efeitos”.64
modificações no estado de direito”65: o efeito, aqui, embora, via de regra, também retroativo, é
À vista do que foi dito, é importante que não se confundam o marco inicial
dos efeitos da própria declaração em controle direto com o marco inicial da eficácia erga
omnes da decisão do Supremo, pois, como é intuitivo, os efeitos vinculantes do acórdão que
64
MORAES, op. cit. p. 601.
65
ZAVASCKI, op. cit. p. 98.
66
TALAMINI, op. cit. p. 51.
67
ZAVASCKI, op. cit. p. 99.
28
coisa julgada, tal qual faz a atual Constituição da República ao dispor, no inciso XXXVI de
seu art. 5o, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada”: também o faziam o art. 113, “3”, da Constituição de 1934, o parágrafo 3 o do art. 141
constitucional.
Estado de Direito”.68
acerta que a coisa julgada “tem acima de tudo o significado político-institucional de assegurar
a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional” 69, ao passo que
Ingo Wolfgang Sarlet ressalta que a vinculação da proteção da coisa julgada ao princípio da
68
Cf. LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos constitucionais do processo sob a perspectiva da
eficácia dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 211-212.
69
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. p. 302.
29
por vezes implicitamente – no próprio direito constitucional positivo dos Estados de Direito.70
concreta do direito á segurança, inscrito como valor e como direito no preâmbulo e no caput
inconstitucionalidade de lei com efeitos ex tunc tem o condão de desfazer a coisa julgada, pois
retroatividade: a coisa julgada. Embora a doutrina não se refira a essa peculiaridade, tem-se
por certo que a pronúncia de inconstitucionalidade não faz tabula rasa da coisa julgada
instituto, prestigioso segmento doutrinário tem sustentado que a regra inscrita no inciso
intangibilidade da coisa julgada não teria sede constitucional, resultando apenas da disciplina
da Lei Maior, no que diz com o processo, está muito mais afeta à estruturação da ordem
70
SARLET, op. loc. cit.
71
GRECO, Leonardo. Eficácia da declaração erga omnes de constitucionalidade ou inconstitucionalidade
em relação à coisa julgada anterior. Disponível em <http://mundojurídico.com.br> Acesso em: 24 dez.
2004.
72
MENDES, Gilmar Ferreira. Apud MARINONI, Luiz Guilherme. Relativizar a coisa julgada material?
Disponível em <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo15.htm> Acesso em: 04 nov. 2004.
73
Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto. FARIA, Juliana Cordeiro. A coisa julgada inconstitucional e os
instrumentos processuais para seu controle. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord). Coisa julgada
inconstitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 94-95.
30
jurídica e à reserva axiológica da justiça.74 Daí não dispor a Constituição sobre as regras
atinentes, por exemplo, ao mandado de segurança (art. 5o, LXIX) e nem por isso se negar a tal
coisa julgada como garantia constitucional, mas tão-somente com a consagração do princípio
da irretroatividade da lei, bastaria que deixasse a referência ao ato jurídico perfeito, ao direito
assente na Constituição do Império, segundo a qual nenhuma disposição de lei teria “effeito
retroactivo”75, ou, ainda, tal como na primeira Constituição republicana, apenas vedasse aos
entes federativos que prescrevessem leis retroativas, sem ao menos arrolar tal preceito entre as
da República a reconhece como verdadeira garantia fundamental, “a qual não pode ser
74
Nesse sentido, CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: RT, 2001. p.
94-96,
75
Tal era a redação do art. 179 da Constituição de 1824: “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos
Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela
Constituição do Império, pela maneira seguinte. I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de
fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei. II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica. III. A
sua disposição não terá effeito retroactivo. IV. [...].” O referido artigo encontrava-se disposto no Título 8o –
“Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros”.
76
Assim dispunha o artigo 11 da Constituição de 1896: Art. 11. É vedado aos Estados, como à União: 1º ) criar
impostos de trânsito pelo território de um Estado, ou na passagem de um para outro, sobre produtos de outros
Estados da República ou estrangeiros, e, bem assim, sobre os veículos de terra e água que os transportarem; 2º
) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; 3º ) prescrever leis retroativas. Tal
regra encontrava-se inserida nas disposições preliminares do Título I, dedicado à “Organização Federal”.
77
CAMBI, Eduardo. Coisa julgada e cognição secundum eventum probationis. Revista de Processo, São
Paulo, SP, ano 28, n. 109, p. 70-96, jan-mar. 2003.
31
coisa julgada é puramente prático: ela existe graças à opção legislativa pela estabilidade das
relações jurídicas atingidas pelo efeito da sentença. Por isto, afirma Luiz Fux que “o
fundamento substancial da coisa julgada é eminentemente político, posto que o instituto visa à
atacada, excepcionalmente, por “ação rescisória”, meio de impugnação que não se confunde
Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I – se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III – resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de
colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV – ofender a coisa julgada;
V – violar literal disposição de lei;
VI – se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou
seja provada na própria ação rescisória;
VII – depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava,
ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento
favorável;
VIII- houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que
se baseou a sentença;
IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.
§ 1º Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar
inexistente um fato efetivamento ocorrido.
§ 2º É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia,
nem pronunciamento judicial sobre o fato.
78
FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 694.
32
posição jurídica dos litigantes, sem a qual jamais se poderia falar na confiança nos atos
interposição de recurso, mas também a de desconstituí-la por meio da ação rescisória, ainda
que a solução dada ao caso possa ensejar certa perplexidade. Valem aqui as palavras de
humano, imagina-se facilmente que a coisa julgada possa vir a imunizar, casuisticamente,
o instituto da coisa julgada, tal qual vinha sendo concebido pela doutrina tradicional,
já não corresponde mais às expectativas da sociedade, pois a segurança que,
indubitavelmente, é o valor que está por detrás da construção do conceito de coisa
julgada, já não mais se consubstancia em valor que deva ser preservado a todo custo,
à luz da mentalidade que vem prevalecendo.81
79
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo
civil brasileiro, op. cit. p. 99.
80
Os que adotam a expressão “relativização da coisa julgada” não levam em conta que essa é uma das inúmeras
garantias individuais relativas, o que se percebe muito facilmente diante das hipóteses de cabimento da ação
rescisória, da impugnação ou dos embargos à execução fundados em nulidade de citação (inciso I do art. 475-
L do CPC) e da chamada coisa julgada secundum eventum litis (art. 18 da Lei 4.717/65, art. 16 da Lei
7.347/85 e arts. 103 e 104 da Lei 8.078/90). Contudo, em face dos vínculos que unem a coisa julgada ao
valor-princípio da segurança, teve o legislador o cuidado de enumerar as hipóteses em que essa relativização
se faz necessária e, portanto, autorizada, hipóteses essas que evidentemente dizem respeito ao resguardo de
valores e princípios também constitucionalmente tutelados. Exatamente por isto não se poder tachar de
materialmente inconstitucionais as disposições infraconstitucionais calcadas nessa relatividade da coisa
julgada.
81
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA. José Miguel Garcia, op. cit. p. 13.
33
judicata”.82 Cita, então, a concepção de diferentes doutrinadores, referindo que Paulo Otero
ocorrido o trânsito em julgado; que Paulo Roberto de Oliveira Lima admite a revisão das
legalidade; que Cândido Dinamarco prega o afastamento da coisa julgada quando se esteja
Por seu turno, o próprio José Augusto Delgado indica os seguintes exemplos
Constituição, as quais, segundo o referido jurista, “nunca terão força de coisa julgada e
poderão, a qualquer tempo, ser desconstituída (sic), porque praticam agressão ao regime
alude, como visto, a lição de Dinamarco, pode-se invocar ainda o pensamento de Teresa
paternidade. A princípio, tais autores sustentam que o resultado de exame de DNA contrário à
solução dada à causa pode ser considerado “documento novo” e, assim, instruir ação que vise
daquele que não é filho e, ainda assim, obtém a declaração da existência da relação de filiação
84
DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e princípios constitucionais. In: NASCIMENTO, Carlos
Valder do (Coord.). Coisa julgada inconstitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 16.
85
Op. cit. p. 202.
35
àquela em que a sentença de mérito foi proferida, sem embargo da ilegitimidade da parte
hipóteses, que não apenas a de sentença eivada de inconstitucionalidade, muito embora seja
esta a que mais interessa ao presente estudo e à qual ora dedica-se especial atenção.
julgado poderia ser atacada por meios diversos daqueles legalmente previstos: a tal
expressão coisa julgada inconstitucional88, muito embora o que se tenha por inconstitucional
seja a sentença e não a sua imutabilidade: é o preceito imperativo emitido pelo Poder
Judiciário que ofende a Constituição da República ou, mais freqüentementente, repousa sobre
86
Ibid. p. 203.
87
Como bem acentuam Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia de Medina, “não se trata de
opiniões diferentes, mas, mais do que isso, trata-se de enfoques diferentes”. Cf. op. cit. p. 13.
88
Confiram-se, por exemplo, os títulos dos textos de autoria de Carlos Valder do Nascimento e de Humberto
Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria, publicados na obra coletiva Coisa julgada inconstitucional e
referidos ao longo deste estudo.
36
subjacentes ao texto constitucional, não a estabilidade que passa a qualificá-lo após esgotadas
as possibilidades de recurso.
Diante do que acaba de ser dito, releva frisar a manifestação de José Carlos
a norma jurídica concreta formulada para se pôr fim ao conflito de interesses. A imutabilidade
da decisão, por si só, não contraria a Constituição da República; já a própria sentença não está
isenta de contrariá-la.
Em outras palavras: a sentença, tal como a lei ou outro ato qualquer, pode
ter o selo da inconstitucionalidade, quer por implicar direta violação à Constituição, quer por
ostentar aplicação de norma inconstitucional, ainda que tal norma não tenha sido objeto de
Zavascki:
89
THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro, op. cit. p. 103, nota n. 66.
90
ZAVASCKI, op. cit. p. 14-15.
37
transitada em julgado, significando que tal ato judicial, apesar de viciado, já não pode ser
desafiado por qualquer recurso. Mas a expressão coisa julgada inconstitucional – repita-se –
sentença que acolhe pedido fundado em lei inconstitucional é, como já referido, inexistente.
juridicamente impossível e, portanto, a falta de uma das “condições da ação”. Nessa peculiar
linha de raciocínio, “não há sentença sob o ponto de vista jurídico, e, portanto, não há trânsito
em julgado”.92
91
Daí encontrar-se entre aspas no título do presente trabalho.
92
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. São Paulo: RT, 2004. p.
412.
93
Op. cit. p. 100 e 104.
38
espécie de vício da sentença, haja vista que algo inexistente (juridicamente) não
pode ser viciado e tampouco pode uma sentença inexistente passar em julgado, ou
seja, a algo que não existe não pode se tornar imutável e indiscutível.
Conseguintemente, somente as nulidades absolutas sobrevivem à formação da coisa
julgada material e tornam a sentença transita materialmente em julgado impugnável
pela ação rescisória.95
desconforme à Constituição, uma vez que seus elementos configuradores estejam todos
presentes. De resto, cabe salientar que não há expressa vedação de cunho processual à
aos mais variados recursos e, por fim, à desconstituição por via de ação rescisória, com
amparo no inciso V do art. 485 do CPC; afinal, a Constituição é, ela mesma, uma lei em
sentido estrito.
motivar os atos decisórios) ou de atos processuais que necessariamente repercutam sobre ela
(v.g., rejeição de pedido de indenização por danos morais por falta de provas, sob a regência
de uma hipotética lei que peremptoriamente proibia a produção de prova oral), a sentença
desconforme à Constituição nem mesmo nula seria: seria, sim, sentença simplesmente errada
inconstitucional reside no conteúdo da solução dada à causa. Trata-se, pois, de mero error in
judicando, cuja correção pressupõe o manejo dos meios de impugnação postos à disposição
da parte inconformada.
visando a sanar a inconstitucionalidade da sentença, ainda que maculada por vício passível de
invalidá-la. Após, não se pode negar o cabimento de ação rescisória para impugnar o julgado
97
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de, apud BERALDO, Leonardo de Faria. A relativização da coisa
julgada que viola a constituição. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord). Coisa julgada
inconstitucional.3.ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 168.
40
negativa de certeza.98
coisa julgada da sentença inconstitucional mediante “os embargos à execução ou então uma
Juliana Cordeiro de Faria, pondo-a ao lado dos embargos à execução e da ação rescisória
como meio apto à impugnação das sentenças que, por padecerem de vício de
nulas, ao passo que as inexistentes – entre as quais, para eles, aquela que acolhe pedido
formulado com base em norma inconstitucional – podem ser atacadas, a qualquer tempo, por
ação declaratória ou pelos mesmos meios sugeridos por Pontes de Miranda e endossados por
Leonardo de Faria Beraldo e Cândido Rangel Dinamarco, aos quais já se fez referência101.
constitucionais pode enquadrar-se na hipótese do inciso V do art. 485 do CPC (“violar literal
disposição de lei”), cuja interpretação merece maior amplitude para que o preceito se amolde
98
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 261.
99
BERALDO, op. cit. p. 169. Discorrendo sobre a querela nullitatis, esclarece Alexander dos Santos Macedo
que tratava-se de meio de impugnação que “comportava duas modalidades, a querela nullitatis sanabilis,
adequada à impugnação dos vícios sanáveis, e a querela nullitatis insanabilis, a ser proposta para impugnar os
vícios mais graves”. Enquanto “aquela fundiu-se com o recurso em diversos ordenamentos”, esta última
subsiste em nosso direito como “ação declaratória da nulidade, quer mediante embargos à execução, quer por
procedimento autônomo, de competência funcional do juízo do processo original. Assinala ainda que “no
direito luso-brasileiro, “a querela nullitatis evoluiu até os contornos atuais da ação rescisória [...] Todos os
vícios processuais, inclusive os da sentença, passaram a ser relativos e, desde que cobertos pela res judicata,
somente são apreciáveis em ação rescisória, específica à desconstituição do julgado”, com exceção da falta de
citação, “que permaneceu como nulidade ipso jure, com todo o vigor de tornar insubsistente a própria
sentença transitada em julgado”. MACEDO, Alexander dos Santos. Da querela nullitatis: sua subsistência no
direito brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 74.
100
Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto. FARIA, Juliana Cordeiro de, op. cit. p. 122-124.
101
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia, op. cit. p. 213.
41
ao atual estágio da doutrina jurídica.102 Tal seria, de início, o meio adequado à impugnação da
demanda não teria qualquer utilidade para o autor, configurando-se a falta de interesse de agir
Por ser, assim, inexistente, sustentam Teresa Arruda Alvim Wambier e José
pedido”.104 105
prevalecendo as menções à ação declaratória e aos embargos à execução, a despeito de, entre
102
Ibid. p. 14.
103
Ibid. p. 43. Conforme já salientado, a ilustre professora da PUC de São Paulo tem por inexistente a sentença
de mérito prolatada sem a observância dos pressupostos processuais e das condições do regular exercício da
ação. Seu pensamento, compartilhado pelo eminente jurista que divide com ela a autoria da obra aqui referida,
está resumido na seguinte passagem: “Sustentamos ao longo deste ensaio [...] que, em processo instaurado
pelo exercício do ‘direito de ação’, quando ausente(s) condição(ões) da ação, se terá exercido mero direito de
petição, previsto constitucionalmente, este sim, inteiramente ‘abstrato’ (=desvinculado do direito material), e
não o verdadeiro direito de ação. Assim, em face da inexistência da ação (carência de ação, art. 301, inc. X,
do CPC), também haverá processo juridicamente inexistente e, por conseguinte, sentença juridicamente
inexistente, que, ipso facto, não tem aptidão para produzir coisa julgada. Portanto, não é o caso de ação
rescisória, nem de incidência da limitação do prazo do art. 459 do CPC”. Cf. op. cit. p. 203.
104
Ibid. p. 43. Interessante notar que, no parágrafo imediatamente anterior, a “condição da ação” apontada pelos
autores como ausente seria o interesse de agir, não a impossibilidade jurídica do pedido. Releva também
salientar que os dois respeitados doutrinadores, na mesma página 43, sugerem que aqueles que não admitem o
ajuizamento da ação declaratória para esse fim possam socorrer-se da ação rescisória, amparando-se no inciso
V do art. 485, porquanto “a lei, expurgada do sistema jurídico, não existe”.
105
O referidos juristas adotam o mesmo raciocínio quando tratam do exame de DNA contrário à sentença que
declarou a existência do vínculo de filiação, já que a esta equiparam a decisão que extingue o processo sem
apreciação de mérito por ilegitimidade de parte. Sustentam que, também nessa hipótese, não teria
propriamente ocorrido o exercício da ação e, exatamente por isso, a sentença seria inexistente, o que poderia
ser objeto de “ação declaratória”, fazendo-se totalmente desnecessário o ajuizamento da rescisória. Cf. op. cit.
p. 203.
42
os que os citam, haver quem veja naquele vício causa de nulidade da sentença e quem nele
embora inválida, existe, tanto que sua retirada do mundo jurídico exige a pronúncia do STF e,
mesmo as sentenças nulas são passíveis de transitar em julgado, reclamando, dessa forma, o
adequados à invalidação.
coisa julgada, têm servido de fundamento a críticas vorazes contra a teoria da relativização e a
judicata.
da prevalência dos valores, princípios e regras constitucionais não está imune a críticas.
injustiçada, muito embora o órgão jurisdicional esteja certo da justiça da decisão. Portanto,
“injustiça” não seria um critério objetivo válido para respaldar a teoria da relativização.
43
serviços ao autor sob o regime de escravidão; ainda que o fizesse, o tribunal – a não ser que
decisão.
é constante e, se a cada nova descoberta, a cada novo avanço de apuração por meios inéditos,
visarem ao reexame das causas. Quanto ao documento novo, que seria o produto desse avanço
hipótese do inciso VII do art. 485 do CPC, que refere documento já existente ao tempo em
que esta foi prolatada, mas sua apresentação foi impossibilitada, quer porque o autor o
Barbosa Moreira ser improvável a sua prevalência após a revisão pelo tribunal, sendo
Por outro ângulo, apontou que a teoria em tela tem o condão de eternizar os
litígios, contrariando o reclamo geral pela resolução rápida das causas, até mesmo porque
nada assegura que a segunda decisão também não seja tachada de inconstitucional e assim por
diante.
da relativização da coisa julgada, ressaltando que a esta é subjacente uma postura ideológica
44
que privilegia injustificadamente o devedor. Aduz que o sacrifício da coisa julgada já foi
objeto de discussão no passado, sob a roupagem das “exceções contra a coisa julgada”
advertia que nem sempre a sentença espelha a verdade, mas ainda assim é fictamente tida
como se verdade fosse –, relembra que “na atividade jurisdicional, o erro e a injustiça são
riscos do dia a dia, porque prestada por seres humanos”, razão pela qual, diante de sentenças
qual insurge-se contra a fragilidade de que a coisa julgada tradicionalmente tem padecido no
ajuizamento de qualquer demanda até 1.843, ano em que formalmente criada a ação rescisória
disciplinada, a ação rescisória brasileira não encontra paralelo em qualquer sistema processual
moderno, já sendo, ela própria, um instrumento que atenta contra a segurança jurídica que o
Estado deve oferecer para que se assegure, em definitivo, a eficácia concreta dos direitos dos
cidadãos, não cogitando, pois, do ajuizamento de qualquer outra demanda visando à revisão
106
MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Relativização da coisa julgada e os embargos à execução fundados
no § 5o, do art. 884, da CLT, ações autônomas e incidentes na execução. Revista do Tribunal Regional do
Trabalho da Décima Quinta Região, n. 24, p. 358-370, jun. 2004.
107
Esse mesmo prazo foi incorporado ao Regulamento 737 de 1.850 e posteriormente reduzido para cinco anos
com o advento do Código Civil de 1.916 e para dois anos com a entrada em vigor do Código de Processo
Civil de 1973.
45
está claro que as teorias que vêm se disseminando sobre a relativização da coisa
julgada não podem ser aceitas. As soluções apresentadas são por demais simplistas
para merecerem guarida, principalmente no atual estágio de desenvolvimento da
ciência do Direito e na absoluta ausência de uma fórmula racionalmente justificável
que faça prevalecer, em todos os casos, determinada teoria da justiça.
Com um apelo quase que sensacionalista, pretende-se fazer crer que os juristas
nunca se preocuparam com a justiça das decisões jurisdicionais, ao mesmo tempo
em que se procura ocultar que o problema sempre foi alvo de reflexão.
A “tese da relativização” contrapõe a coisa julgada material ao valor justiça, mas
surpreendentemente não diz o que entende por “justiça” e sequer busca amparo em
uma das modernas contribuições da filosofia do direito sobre o tema. Aparentemente
parte de uma noção de justiça como senso comum, capaz de ser descoberto por
qualquer cidadão médio (l’uomo della strada), o que a torna imprestável ao seu
propósito, por sofrer de evidente inconsistência.109
ter por contrapartida o direito de a parte ver o conflito solucionado definitivamente, motivo
por que, “se a definitividade inerente à coisa julgada pode, em alguns casos, produzir
situações indesejáveis ao próprio sistema, não é correto imaginar que, em razão disso, ela
simplesmente possa ser desconsiderada”, até porque o próprio sistema trabalha com a idéia de
que situações injustas possam sobrevir, o que se faz notar pela previsão da rescisão do julgado
estabeleça uma linha de equilíbrio que favoreça apenas quem venha a ser lesado por uma
relativização.
deve-se ter em mente que o quantitativo de recursos postos à disposição das partes, por si só,
da ação rescisória para impugnar a sentença violadora de disposição constitucional, para que
se conclua que o sistema já sacrifica por demais a celeridade em detrimento dos legítimos
Sob outro prisma, relembre-se que a coisa julgada tem fundamento prático e
visa a pôr fim à controvérsia que assola as partes. É, ela própria, fator de segurança. Aqui
Mesmo que se saiba, pelo menos desde Heráclito, “que a imutabilidade não é um
atributo das coisas deste mundo, que nada está em repouso e tudo flui” e que
também para o Direito tal destino se revela inexorável, igualmente é certo de que o
clamor das pessoas por segurança (aqui ainda compreendida num sentido amplo) e –
no que diz com as mudanças experimentadas pelo fenômeno jurídico - por uma certa
estabilidade das relações jurídicas, constitui um valor fundamental de todo e
qualquer Estado que tenha a pretensão de merecer o título de Estado de Direito, de
tal sorte que, pelo menos desde a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 o
direito (humano e fundamental) à segurança passou a constar nos principais
documentos internacionais e em expressivo número de Constituições modernas,
inclusive na nossa Constituição Federal de 1988, onde um direito geral à segurança e
algumas manifestações específicas de um direito à segurança jurídica foram
expressamente previstas no artigo 5º, assim como em outros dispositivos da nossa
Lei Fundamental. Que também o direito à segurança (e isto vale mesmo limitando-
nos à segurança jurídica) é marcado pela multifuncionalidade e complexidade
inerente aos direitos fundamentais de um modo geral, assume feições de obviedade.
112
DINAMARCO, op. cit. p. 263.
47
Não se pode negar que a coisa julgada se põe a serviço da segurança jurídica
ressalta do preâmbulo da Constituição da República, do que se extrai que qualquer tese que
aponte solução de lege ferenda para a impugnação de sentenças que, embora eivadas de
inconstitucionalidade, tenham transitado em julgado, deverá ter em conta que a favor da coisa
julgada também milita um princípio de índole constitucional, que deverá ser, em qualquer
excluir a coisa julgada do âmbito de incidência automática dos efeitos da declaração abstrata
e
RECLAMAÇÃO. O cumprimento, em execução, de sentença que, em reclamação
trabalhista individual, concedeu beneficio com base em cláusula de dissídio coletivo
que pendia de julgamento de recurso extraordinário, e sentença que transitou em
julgado antes de esta corte haver declarado a inconstitucionalidade de tal cláusula,
113
SARLET, op. loc. cit.
48
não fere a autoridade do acórdão do STF, pois este não está sendo desrespeitado
pelo juízo da execução, que tem o dever de executar a sentença transitada em
julgado, mas, simplesmente, não é eficaz com relação a essa execução. Reclamação
que se julga improcedente (RCL 148-RS. rel. Min. Moreira Alves. j. 12.05.1983.
DJU 17.06.1983).
ordenamentos alienígenas que prezam pela preservação da coisa julgada ante os efeitos da
Constituição Portuguesa, segundo o qual “ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão
114
TALAMINI, op. cit. p. 47. Diversos exemplos são trazidos, também, na obra citada de Leonardo Greco.
49
institucionalização da relativização da coisa julgada pela via legislativa seria indesejável, pois
a lei que assim o fizesse traria em si o mal da generalização e ensejaria a diluição da garantia
abril de 2.000, fez acrescer o parágrafo único ao art. 741 do Código de Processo Civil,
dispondo ser “também inexigível o título judicial fundado em lei, ato normativo ou em sua
2.000, agora referindo “título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados
de agosto de 2001, passou a integrar, também, o parágrafo 5o do art. 884 da Consolidação das
Leis do Trabalho.
não primou pela técnica. Afinal, não é o título judicial que se faz inexigível em tal hipótese,
115
DINAMARCO, op. cit. p. 264-265.
50
controle difuso ou concentrado. Além disso, após a menção ao Supremo Tribunal Federal, os
Constituição Federal”, sem que apontar a que órgão do Poder Judiciário incumbiria tal mister.
Tribunal Federal [...] em última instância ou em controle abstrato”, isto é, decisão proferida
porque quando esse vício é reconhecido apenas em controle difuso, mesmo quando a última
decisão neste sentido seja do STF, inexiste eficácia erga omnes e força vinculante”119.
se a inconstitucionalidade da norma for pronunciada pelo Supremo Tribunal Federal por via
de controle concentrado, ou, excepcionalmente, em sede de controle difuso, mas, nesta última
116
GUERRA, Marcelo Lima. Execução forçada: controle de admissibilidade. 2. ed. São Paulo: RT, 1998. p.
108-109.
117
TALAMINI, op. cit. p. 64.
118
Cf. BORBA, Gustavo Tavares. Embargos desconstitutivos: estudo sobre sua constitucionalidade. Revista de
Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, n. 54, p. 74-82, 2001.
119
MENEZES, op. cit. fl. 366.
120
TALAMINI, op. cit. p. 55 e 66.
51
pronunciamento do STF”.121
legal não ostenta palavras vãs. Logo, não fosse necessária a pronúncia do Supremo Tribunal
bastaria que se fizesse alusão à “aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a
Constituição”.
declarada inconstitucional pelo STF”, do que resulta interpretação histórica condizente com a
Constitucional Alemão).122
741 e o parágrafo 5o do artigo 884 da CLT faziam alusão, referem-se às “técnicas trazidas
121
THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro, op. cit. p. 112.
122
GRECO, op. loc. cit. TALAMINI, op. cit. p. 43.
52
significado acima delineado, por força das alterações do Código de Processo Civil trazidas no
bojo da Lei 11.232/05. Atualmente, a regra em apreço consta do parágrafo 1° do artigo 475-L,
Art. 475-L [...] §1o. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste
proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado tem eficácia erga
omnes e vincula os juízos de todos os graus de jurisdição, não se pode deixar de dar razão a
Couce de Menezes também quanto a esse aspecto, admitindo-se, porém, a exceção levantada
por Talamini quanto aos casos em que o Senado vier a “suspender a execução”, no todo ou
em parte, da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF em controle difuso,
já que, por óbvio, o ato assim aperfeiçoado por aquela Casa Legislativa também produzirá
limitações, sendo especialmente relevantes aquelas que dizem respeito à natureza da tutela
continuativas.
execução, a nova regra aplica-se apenas aos processos em que pendente a tutela executiva,
isto é, não reclamam qualquer outra providência para que produzam seus naturais efeitos.
forçada127. Essa constatação revela que a opção legislativa de restringir-se o ataque à “coisa
o aspecto temporal” (op. loc. cit.). É gritante, aqui, o paralelo que se pode traçar com a modulação de eficácia
temporal pelo Supremo, estendendo-se a uma eventual limitação dos efeitos da Resolução do Senado as
mesmas conclusões apresentadas neste estudo em relação à hipótese consagrada no art. 27 da Lei 9.868/99.
124
Sobre capítulos de sentença, confira-se DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo:
Malheiros, 2002. Também já tivemos a oportunidade de discorrer sobre o assunto em SANTOS, Marcelo
Alexandrino da Costa. “Parte” ou “capítulo” de sentença e invalidação parcial do julgado. Revista
Trabalhista Forense, Rio de Janeiro, v. XI, p. 175-191, jul.-set. 2004.
125
Não se olvide de que o capítulo de sentença que impõe a obrigação de pagar honorários de advogado tem
natureza condenatória. Se, a título de exemplo, um determinado contribuinte foi sucumbente na causa em que
pedia-se a declaração da inexigibilidade de um tributo, tachando-o de inconstitucional, e, portanto, condenado
ao pagamento de honorários, poderá esse mesmo contribuinte opor-se à execução com fundamento no
parágrafo primeiro do art. 475-L do CPC, pois “seria despropositado que, estando então reconhecido que o
tributo é inexigível por ser inconstitucional, alguém ainda assim tivesse de arcar com honorários por haver
antes tentado obter para o seu caso concreto idêntico reconhecimento” (TALAMINI, op. cit. p. 67).
126
Sobre o conceito de tutela jurisdicional à luz do processo de resultados, confira-se DINAMARCO, Cândido
Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. T. II. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 797-837.
127
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:
RT, 2003. p. 26.
54
não dispensou verdadeira tutela aos litigantes128, pois o credor, a despeito do reconhecimento
do seu direito pela via judicial, ainda não obteve, no mundo dos fatos, a reversão daquela
princípio da irretroatividade da lei à luz da orientação do STF a que já se fez alusão – que,
repita-se, é firme no sentido de que a coisa julgada não se desfaz com a declaração de
legislativa.129
evidente que as sentenças transitadas em julgado em momento anterior à data fixada pelo STF
como marco inicial dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade não poderão ser
desconstituídas por meio dos embargos à execução130, cabendo relembrar que, nessa hipótese,
exigibilidade do crédito será estancada a partir da data em que passar a vigorar o efeito
128
Muito apropriadamente, Dinamarco faz observar que também ao vencido é dispensada “tutela consistente em
não restar sacrificado além dos limites do justo e do razoável para a efetividade da tutela devida ao vencedor”,
op. cit. p. 814.
129
No mesmo sentido, TALAMINI, op. cit. p. 78-78.
130
O mesmo valendo, como visto acima (nota 123), para uma eventual modulação da “suspensão da execução”
da lei ou ato normativo pelo Senado Federal.
55
que se pretende desconstituir131. Aqui, releva ressaltar que, de acordo com a jurisprudência do
tratamento diferenciado aos integrantes de uma mesma classe (v.g., contribuintes), de sorte
que aqueles que foram compelidos ao pagamento de uma determinada prestação prevista em
lei posteriormente declarada inconstitucional poderão intentar, inclusive pela via judicial, a
repetição das parcelas pagas, já que, como se viu, as decisões fundadas nos parágrafos
primeiro do art. 475-L do CPC e quinto do art. 884 da CLT têm efeito desconstitutivo dos
capítulos condenatórios da sentença132. O que acaba de ser dito se aplica, também, às relações
instantâneas, e o limite para a devolução dos valores recebidos estará sempre na boa-fé e na
131
Como visto, retroativo à data de publicação no Diário Oficial da União e inconfundível com os efeitos ex
tunc da própria declaração de inconstitucionalidade e da conseqüente retirada da lei ou ato normativo inválido
do mundo jurídico.
132
Sobre a possibilidade da repetição dos valores pagos, confira-se ZAVASCKI, op. cit. p. 97. Para o referido
autor, contudo, a devolução estaria condicionada ao ajuizamento ação rescisória.
56
norma em comento na CLT (MP 1984-20), oferece dois motivos para tachá-la de
Tribunal Federal, afirma que não estaria configurada a urgência necessária à edição da medida
provisória.134
iniciativa legislativa, que até a entrada em vigor da Emenda Constitucional 32/01, não havia
proibição expressa de legislar-se sobre processo por meio de medidas provisórias, a despeito
da desconfiança que tal prática – a que os Chefes do Executivo muito se afeiçoam – sempre
do tema – inequívoca razão de insegurança –, evidenciavam que, tal como reconhecido pelo
embora sendo a coisa julgada uma garantia constitucional, os seus limites, a sua
conformação, o seu regime de vigência, são em grande parte estabelecidos pela
legislação infraconstitucional. Não se quer com isso afirmara absoluta liberdade do
legislador infraconstitucional para dizer quando há e quando não há coisa julgada.
Tal entendimento encontraria letra morta a cláusula constitucional que consagra a
garantia. A configuração infraconstitucional da coisa julgada submete-se a
parâmetros constitucionais (os princípios da segurança jurídica, do contraditório, do
devido processo, da proporcionalidade etc). Mas, dentro desses parâmetros, cabe à
lei infraconstitucional fixar o regime da coisa julgada, inclusive quanto às formas de
133
MENEZES, op. cit. p. 363.
134
BORBA, op. cit. p. 87.
135
Ibid, p. 89.
57
disposição constitucional, como o único meio de impugnar-se, de lege lata, a chamada “coisa
julgada inconstitucional”.
que por várias vezes se referiu ao longo deste escrito, nem é diferente a conclusão de Cláudio
Também não discrepa dessa orientação Eduardo Talamini, que, para além
da ação rescisória, vê nos embargos o único meio apto à desconstituição da “coisa julgada
inconstitucional”, não admitindo que, para esse fim, se suscite objeção dentro do processo
136
TALAMINI, op. cit. p. 65.
137
MENEZES, op. cit. p. 369.
138
TALAMINI, op. cit. p. 72-73.
58
revela-se apta a atingir os objetivos pretendidos, não-gravosa diante das demais que se
139
Sobre o princípio da proporcionalidade e o trinômio adequação-necessidade-proporcionalidade, confira-se
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica
constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p. 246-275.
59
CONCLUSÃO
normas constitucionais vício que importa na nulidade da sentença, outros que a vêem como
distorção que afeta a própria existência da decisão; alguns sugerindo meios de impugnação da
art. 475-L – e 5o ao art. 884 da CLT revelou uma opção legislativa pela restrição dos meios de
inconstitucionalidade, podem atualmente ser atacadas por embargos à execução, mas desde
interpretação, ou, ainda, desde que o Senado Federal tenha por bem “suspender a execução”
acima aludidos seria inconstitucional. Logo, para os que não admitem a adoção de medidas
julgado, nenhuma solução restaria à parte prejudicada por decisão fundada em norma
para as indagações que pairam sobre a “coisa julgada inconstitucional”: visa precipuamente a
delinear a controvérsia que paira sobre o tema e, vez por outra, adotar uma solução de
compromisso, sem perder a consciência de que os princípios jurídicos não são dotados de
caráter absoluto e, como bem anota Cappelletti, apesar de a intangibilidade de coisa julgada se
amoldar aos valores da paz social e da certeza do direito, pode, por vezes, entrar em conflito
com outros valores “que, por vezes, são chamados de justiça”140. O equilíbrio dos valores –
legislador e o aplicador do direito na escolha do valor a prevalecer e dos limites em que esse
valor prevalecerá.
E aqui, sim, reside o propósito desta monografia, ao qual esperamos ter sido
objetivo: a marcha até o ponto de chegada caberá ao tempo e à continuidade dos esforços
140
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989. p. 29.
61
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