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Família Pós-Divórcio:
A Visão dos Filhos
Family after divorce: Children´s view
Leila Maria
Torraca de Brito
Universidade
do Estado do
Rio de Janeiro
Artigo
Para muitos autores, criamos, com o crescente necessidades e até seus pensamentos são
1
número de divórcios , uma sociedade com incorporados aos planos do adulto” (p.25).
novas peculiaridades. No entanto, o aumento
acelerado das taxas de separação conjugal em Outro item constantemente apontado em
diversos países contrasta com o reduzido matérias que abordam o tema do divórcio é o
número de pesquisas qualitativas sobre a expressivo número de filhos de pais separados
temática. Como cita Souza (2003): “o divórcio na sociedade contemporânea, fato que
é assunto particularmente explorado em ajudaria aos que precisam passar por esse
publicações norte-americanas, e nelas processo a naturalizar o ocorrido com seus pais.
predominam, ainda, os estudos quantitativos” Quanto a esse aspecto, observou-se também
(p.204). Wallerstein e Kelly (1998, p.15), que, enquanto alguns autores como Wagner,
pesquisadoras com vasta experiência no tema, Falcke e Meza (1997) explicam que “as
acreditam que ainda se dispõe de um número conseqüências do divórcio nos filhos estão
“perigosamente baixo” de investigações sobre diminuindo à medida que este está se
o divórcio, especialmente no que diz respeito tornando, a cada dia, mais comum e aceitável”
à visão dos filhos sobre tal acontecimento. (p.156), outros, como Giddens (1999),
compreendem que o aumento do número de
“os efeitos do No Brasil, revistas de circulação nacional vêm famílias divorciadas pode não apresentar uma
divórcio na vida estampando, com freqüência, matérias que correlação direta com os fatos que atingem os
dos filhos serão
sempre de difícil abordam a adequação ou o acerto daqueles filhos. Reconhece o autor que “os efeitos do
avaliação, porque que resolvem se separar, com base no divórcio na vida dos filhos serão sempre de
não sabemos o argumento de que, quando os pais se sentem difícil avaliação, porque não sabemos o que
que teria
acontecido se os mais felizes após a separação, os filhos teria acontecido se os pais estivessem juntos”
pais estivessem também o serão, pois não ficariam expostos (p.102). Preocupa-se Giddens, sobretudo, com
juntos” a conflitos constantes entre os genitores as “estratégias políticas” (p.103) que se
Giddens (Mendonça, 2005). Estudos recentes deveriam implantar para apoiar as diferentes
(Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002) configurações familiares contemporâneas na
apontam, entretanto, que esta pode não ser manutenção do cuidado de suas crianças.
a realidade em muitos casos, na medida em
que o rompimento conjugal acarreta De forma semelhante, Hurstel (1999), no
experiências distintas para pais e filhos, com estudo de temas relacionados à parentalidade,
desdobramentos que não devem ser sugere que se deve prestar atenção ao
analisados de forma unificada. Para as autoras entrelaçamento do singular e do social,
citadas, que realizaram, nos Estados Unidos, sustentando que o contexto social pode apoiar
vasto estudo longitudinal com filhos de pais ou fragilizar o exercício da paternidade/
separados, acompanhando-os até a fase maternidade.
adulta, a compreensão de que haveria uma
“felicidade expansiva”, como conceituam Seguindo esse viés teórico e dando seqüência
(p.25), seria um dos “mitos acalentados” a a investigações científicas desenvolvidas sobre
respeito do divórcio. Por meio das pesquisas o exercício da parentalidade após a separação
que empreenderam, observaram que, com a conjugal, voltou-se o foco de pesquisa para
separação dos pais, dificuldades de nova filhos de pais separados, buscando
ordem podem surgir para os filhos, com compreender a visão destes, ao ingressarem
repercussões a longo prazo. Perceberam, na fase adulta, sobre a separação conjugal de
1 No presente trabalho,
ainda, que, quando se unificam as seus responsáveis. Na investigação em pauta,
divórcio e separação conseqüências, “os filhos não são considerados procurou-se entender como os filhos avaliavam
conjugal não serão
diferenciados. separadamente de seus pais. Suas as mudanças que ocorreram em suas vidas após
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a separação dos pais, especialmente no que a possibilidade de serem agendados dia, hora
diz respeito ao relacionamento entre pais e e local para a realização da entrevista. Os
filhos. Será que, quando adultos, retratam a encontros para a coleta de dados tiveram
separação dos pais foi uma solução adequada duração média de 40 minutos, em local
às suas necessidades? Há queixas em relação escolhido pelos próprios entrevistados,
ao contexto familiar pós-divórcio? Como entendendo-se que estes deveriam sugerir um
conceituam o relacionamento estabelecido ambiente onde se sentissem à vontade para
com o pai e com a mãe? falar sobre o tema.
e vivências, esta se tornava um assunto dentro de casa. Se não está em casa, não é
delicado. Alguns, inclusive, se surpreendiam suficiente [o relacionamento]” (S. 29). Nesse
por estar descortinando suas histórias e pelo item, pode-se recordar o trabalho de
conteúdo de suas respostas. Encontrou-se, Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002), quando
assim, na pesquisa, os que consideraram as autoras destacam que, em casamentos nos
correta a decisão dos pais de se separar devido quais os adultos estão infelizes, os filhos podem
às brigas que existiam entre eles. “Eles estar contentes. De forma semelhante,
brigavam muito, a notícia da separação foi Fauchier e Margolin (2004) chamam atenção
boa”, admitiu uma moça de 22 anos, cujos para o fato de que nem sempre o conflito
pais se separaram quando ela estava com oito entre os pais implica não haver relações
(S. 27). Outros, apesar de não gostarem dos positivas entre estes e os filhos.
sérios desentendimentos que presenciavam,
indicaram que não sentiram tanto a separação, Outros entrevistados deixaram claro que
mas foram afetados pelos desdobramentos aprenderam a conviver no novo contexto
desta. Narraram situações difíceis pelas quais familiar. “Na verdade, desde criança eu me
forcei a botar na cabeça que isso era o melhor “Nunca vou
passaram, sentindo-se desprotegidos, como a gostar” (S.7),
para eles. Sempre tive um pensamento
jovem que, mesmo menor de idade na época acrescentando
moldado nesse sentido. Depois da terapia, eu ainda que, se
da separação, passou a residir sozinha. Fato
vi que não foi tão tranqüilo assim; na verdade, fosse possível,
parecido ocorreu com outra entrevistada que, gostaria de sugerir
eu sempre quis eles juntos, analisando, com
também na menoridade, ficou morando com aos pais “para
o tempo, vejo que sempre quis eles juntos. apagar e fingir
as irmãs, pois não gostavam do padrasto.
Hoje vejo que foi o melhor”, descreveu uma que nada
“Nunca nos demos bem com o meu padrasto, aconteceu”.
moça de 23 anos (S. 17). Nesse grupo,
brigávamos muito, e, um dia, ele saiu de
incluíam-se também os que explicaram a
casa... Minha mãe foi morar com ele. Não ter
necessidade de “encarar” a situação, como
a mãe para dar um beijo de manhã deixou a
relatou o rapaz de 24 anos que, aos 10,
gente mais carente” (S. 28).
presenciou a separação dos pais (S. 8).
No entanto, maior representatividade foi a dos
Outros participantes da pesquisa, contudo,
que ainda lastimavam a separação do casal,
possuíam pleno discernimento sobre o sentido
como o rapaz, de 24 anos, cujos pais estavam
de suas queixas, chegando a afirmar, como a
separados há sete, e que, enfurecido, afirmou:
moça de 26 anos, que “a conduta é totalmente
“Nunca vou gostar” (S.7), acrescentando ainda
desvirtuada, o divórcio, em si, não” (S. 18).
que, se fosse possível, gostaria de sugerir aos
“Já naquela época, não tinha raiva do divórcio,
pais “para apagar e fingir que nada aconteceu”.
e sim, da distância [do pai]”, disse o rapaz de
Na visão de outro rapaz, de 22 anos, com
22 anos (S. 22).
pais separados há 14: “Os filhos sofrem muito
com o divórcio, são muito penalizados” (S.1).
No questionário respondido por mais de 170
Acreditavam, esses filhos, que os momentos
jovens franceses de 15 a 17 anos, publicado
felizes que viveram enquanto os pais estavam
como matéria no Le Nouvel Observateur
casados marcaram mais, revelando que, pela
(2003), foi observado que os adolescentes
sua ótica, não se importavam tanto com as participantes daquele levantamento não
brigas ou que estas não eram tão freqüentes aceitavam com facilidade o divórcio dos pais,
ou, ainda, que não presenciavam apesar de esse fato ter sido incorporado como
desentendimentos. Muitos disseram sentir falta habitual na denominada cultura do divórcio.
de quando os pais estavam casados, ocasião Em suas respostas, muitos franceses se
em que desfrutavam de um relacionamento referiram, também, à vontade de viver com o
constante com ambos. “O ideal é ter a pessoa pai e a mãe juntos, assim como ao choque e
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Souza (2003) aponta dado divergente colhido Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002) também
entre adolescentes. Ao realizar pesquisa, na encontraram, em sua pesquisa, diversos filhos
qual entrevistou 15 jovens na faixa etária de que sofreram muito com as brigas pós-divórcio,
14 a 18 anos, filhos de pais separados, a autora seja porque os pais – mesmo não residindo
concluiu que “Apesar de relatar solidão, no mesmo domicílio – continuavam travando
isolamento e ausência ou incapacidade de verdadeiras batalhas, seja porque os
encontrar pontos de apoio, todos afirmaram desentendimentos se estendiam aos novos
que o divórcio foi uma boa solução para a relacionamentos dos genitores. Neste último
família” (p.203). caso, pode-se citar como exemplo o
depoimento de uma moça de 21 anos que,
Brigas e recados na pesquisa empreendida, expressou: “Meus
pais nunca brigaram e agora tenho que ficar
O mal-estar dos filhos no contexto pós- no meio da briga desses dois” (S. 15), referindo-
separação também foi exposto por aqueles se ao pai e à namorada deste.
entrevistados que se sentiram como joguetes
entre os pais. “Fala para o seu pai isso, fala Alguns entrevistados se queixaram de que os
para a sua mãe isso, e eu e o meu irmão na pais, ao desqualificarem o ex-cônjuge,
berlinda, no meio”, expõe, com tristeza, um comparavam os defeitos ou dificuldades dos
rapaz de 23 anos (S. 23). filhos ao comportamento do outro genitor.
Segundo uma entrevistada, de 27 anos, foi
Outros, como a moça de 25 anos, lembraram- preciso ter mais idade para poder perceber o
se de irmãos que ficaram nessa condição: que estavam fazendo e questionar os pais se
“Meu pai acampava na porta do prédio e ficava “tudo que não presta (nela) é lixo genético do
gritando para a minha irmã falar para a minha outro” (S. 4).
mãe deixar ele voltar. Imagina a cabeça dela”
(S. 25). “O que é ruim é que eles sempre Como se evidencia, com a mudança que se
nos envolveram nisso, sempre jogaram a gente estabelece na configuração familiar após a
na fogueira mesmo! Diversas confusões, e a ruptura conjugal, os filhos podem ser
gente sempre participou de tudo. Acho que colocados no centro das discórdias. Segundo
podiam ter feito menos estragos”, queixa-se uma moça entrevistada, os pais afirmavam que
a jovem de 23 anos, ao se referir às brigas não se separavam oficialmente por causa dela,
entre os pais após o rompimento da relação e motivo pelo qual, apesar de todos saberem
entre esses e os novos companheiros. Na visão que o casamento havia terminado, optaram
dessa entrevistada, “não deve ser difícil por permanecer residindo no mesmo
preservar os filhos dessas confusões, não deve apartamento. No entanto, não se falavam
ser tão complicado” (S.13). dentro de casa e um vivia culpando o outro
pelo que acontecia de errado no lar. Nesse
Se, ao abordar o momento da ruptura, alguns contexto, dizia a moça de 23 anos: “(...) me
deixaram claro que não é sempre que os filhos via como culpada disso, me sentia o centro
presenciam sérias brigas entre os genitores do caos” (S. 11), sendo que sua vontade era a
quando estes ainda estão casados, no item de sair de casa o mais breve possível. Situação
em pauta, desfaz-se também a idéia de que semelhante ocorria com o rapaz, também de
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provavelmente terão do avô. Lamentavam conviver com ambos. Acolhidos por pai e mãe,
pelo fato de que seus rebentos não iriam continuavam a se sentir como o centro de
dispor de um avô presente. “Fico preocupado interesse destes, seguindo a proposta dessa
com os meus filhos e sobrinhos, porque não modalidade de guarda (Brito, 2005). “Para mim,
vão ter a figura de um avô”, expôs o rapaz de o normal é minha mãe poder vir aqui quando
25 anos, cujos pais se separaram quando ele quiser e meu pai ir lá quando quiser” (S. 15),
estava com três anos (S. 16). revela a moça que residia com o pai, mas
possuía livre acesso à casa da mãe. Esclareceu
Alterações no relacionamento e nos períodos ainda: “(...) tenho meu quarto na casa da minha
de convivência com aquele genitor que mãe, meu computador, minha TV, toda a
permaneceu com a guarda – geralmente as mesma infra-estrutura”. Para esse convívio com
mães – também foram relatadas. Com ambos os pais, recebeu apoio de familiares.
dificuldades para manter os filhos, o guardião, “Minha avó falou que quem se separou dela
por vezes, se afastava do lar por longos foi ele, eu não”.
períodos durante o dia devido ao aumento da
carga horária de trabalho. “Sempre tive babá, Indicavam, dessa forma, o quanto esse apoio
às vezes ficava com a minha avó, teve época no momento da separação pode funcionar como
de a minha mãe trabalhar manhã, tarde e
um valioso suporte para que os vínculos
noite”, conta uma moça de 23 anos (S.17).
estabelecidos não se esgarcem. Compreendiam
“(...) minha mãe começou a trabalhar muito,
também a separação como um fato natural,
trabalhava 10 horas por dia”, lembra outra,
atribuído a motivos dos pais, talvez porque não
também de 23 anos (S. 19).
tenham sentido sérias conseqüências em suas
vidas. “Acho que, em algum momento, me
Os entrevistados que apresentaram menos
contaram o motivo da separação, mas nunca
queixas quanto à separação conjugal dos pais
achei que fosse importante, nunca marcou”,
e a posterior convivência com estes foram
revelou o rapaz de 21 anos, com pais separados
aqueles que se sentiram verdadeiramente
há 15 anos (S. 24).
acolhidos nas duas casas após separação, com
livre acesso a ambos os pais. Como
Ao enfocar a guarda conjunta, Poussin e Lamy
mencionou uma entrevistada de 21 anos, com
(2005) reconhecem que é preciso certo
pais separados há 13 anos: “Nunca teve isso
esforço inicial dos pais para a adaptação da
de ter que ir de 15 em 15 dias, ou não poder
ir porque é dia do meu pai ou da minha mãe. criança aos dois lares, sendo necessário e
Eu ia sempre quando eu queria” (S. 15). O adequado respeitar o vínculo da criança com
entendimento de que possuíam duas casas as duas famílias.
parecia importante para o sentimento de que
pertenciam tanto ao mundo de seu pai quanto Situação totalmente distinta foi encontrada
ao de sua mãe. “Eu sempre tive meu pai e entre os que alternavam a casa onde residiam
sempre tive minha mãe”(S. 10), revela com devido à impossibilidade de continuar morando
firmeza o entrevistado de 26 anos ao explicar com um dos pais, quando, sem rumo,
que manteve um ótimo contato com os pais migravam de um canto para outro. Nesses
após a separação, até porque os dois casos, passavam tempos na casa do pai e
continuaram a ter muito respeito entre eles. tempos na casa da mãe porque brigavam com
Nesse acordo, semelhante a uma guarda um dos genitores ou porque se sentiam
conjunta, desde o início da separação, parecia alijados do ambiente onde estavam, vendo-se
haver convicção dos pais de que os filhos desgarrados, sem raízes, ou como sobras de
deveriam continuar, verdadeiramente, a um relacionamento desfeito.
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os casos em que passaram a residir com os do pai por longos períodos de seu
novos companheiros, talvez, justamente, pela desenvolvimento, como o entrevistado que
reação dos filhos. Como expressou um explicou o que, se pudesse, gostaria de mudar:
entrevistado: “Acho que ela não faria isso de “O fato de ter perdido contato com ele [o pai]
trazer o namorado para morar aqui em casa” ao longo desses anos”(S. 22). “Gostaria de ter
(S. 23). Ou, ainda, a moça que revelou: “Minha uma proximidade maior com ele” (S. 21).
mãe acho que não vai casar não, tem 20 anos
de relacionamento, mas moram em casas Já para outros, o essencial era, pelos menos,
separadas. Ele morou com a gente por 3 que os pais pudessem dialogar, se falar. Como
meses, mas ela mandou ele voltar” (S. 25). exemplo, destaca-se o relato de uma
Evidente era o desconforto de alguns entrevistada que gostaria que os pais tivessem
entrevistados em relação às constantes um bom relacionamento, “principalmente em
mudanças no rumo de suas vidas em respeito aos filhos” (S. 3).
decorrência dos novos relacionamentos dos
pais, fato que, por vezes, significava uma Rapizo et al (2001), ao realizarem grupos com
adaptação a uma nova pessoa, mudança de adolescentes filhos de pais separados,
residência e, em alguns casos, nova vivência destacaram que: “As mensagens deixadas para
de separação. os pais, invariavelmente, ao final de cada
grupo, são pedidos para que se entendam e
Mudanças não os coloquem no meio de sua guerra
particular” (p.40).
Ao serem questionados se gostariam de mudar
algo no que abrange a separação dos pais, Conclusões
muitos foram os que responderam desejar que
os pais se reconciliassem. “Ah, querer mudar Por meio da pesquisa desenvolvida, procurou-
se expor como os jovens adultos entrevistados
a gente sempre quer, né? A gente quer que
retrataram suas vivências e sentimentos
os pais fiquem juntos, né?”, disse o rapaz de
relacionados às situações decorrentes da
24 anos (S. 8). Já na visão de outra participante
separação dos pais, visando a contribuir com
da pesquisa, apesar de não existir indicação
o mapeamento de alguns campos de
de possibilidade de reconciliação entre os pais,
dificuldade que, porventura, possam persistir
“para quem acredita em Deus, nada é
após a separação conjugal. Como exposto ao
impossível” (S. 6).
longo do trabalho, não se teve a intenção de
acalentar a idéia de que filhos de pais
Enquanto Wallerstein, Lewis e Blakeslee
separados seriam problemáticos, ou ainda, de
(2002) afirmam que “Os pais ficariam
que a separação dos pais prejudicaria os filhos.
surpresos se constatassem que muitos filhos
Por intermédio dos depoimentos dos
se apegam às esperanças de reconciliação até entrevistados, pôde-se compreender, todavia,
bem a entrada da adolescência” (p.132), que a separação conjugal não deve ser reduzida
poder-se-ia dizer, com surpresa, que a uma situação corriqueira no contexto
semelhante esperança ou expectativa também contemporâneo, à qual os filhos,
foi constatada em muitos filhos adultos simplesmente, se acostumam. Em
entrevistados. contrapartida, foi observado que o rompimento
da relação conjugal acarreta, comumente, um
Ainda na referência ao que gostariam de complexo processo de mudanças para os
mudar, houve destaque nas repostas dos que diversos componentes do núcleo familiar,
lamentavam o distanciamento ou a ausência sendo necessário estar atento para que os filhos
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não sejam fortemente atingidos por Na escuta dos que participaram da pesquisa,
desdobramentos que possam trazer prejuízos percebe-se que, para muitos, a separação não
ao seu bem-estar. Por certo, na atualidade, ocorreu apenas entre os pais, mas estendeu-
não há discriminação quanto ao divórcio, se ao relacionamento entre pais e filhos.
minimizando-se, portanto, as conseqüências Apontaram os entrevistados que muitas
sociais para os filhos, fato que pode não
alterações em suas vidas decorrentes do
apresentar correspondência quando se
divórcio dos pais não foram passageiras,
examinam as vivências destes no contexto
sugerindo que a redução acentuada no
familiar.
relacionamento com um dos genitores,
Como descreveram os entrevistados, não é geralmente o pai, acarretou sentimentos e
sempre que a separação é vista por eles como vivências de perda no relacionamento anos
uma solução adequada aos desentendimentos depois. Para muitos, o maior impacto foi essa
entre os pais, até porque, como exposto desestabilização no relacionamento com o pai,
anteriormente, muitos casais parecem quer seja por um período de tempo, quer seja
discretos em suas brigas, evitando que os filhos ao longo de suas vidas. Aqueles que
presenciem fortes embates. Compreende-se, mantiveram um estreito contato com ambos,
portanto, que, ao generalizar a interpretação
freqüentando as duas casas, mostraram menor
de que o rompimento do par conjugal traria
desgaste emocional com o divórcio dos pais.
vantagens a pais e filhos, pode-se correr o
risco de desconsiderar os últimos como sujeitos
Compreende-se que reconhecer e identificar
de direito que possuem sentimentos e
necessidades que lhes são próprios. Entende- possibilidades de desdobramentos
se ainda que, com essa idéia, mais uma vez desagradáveis para os filhos após a separação
se estaria reunindo relacionamento conjugal dos pais torna-se o primeiro passo para o
e parentalidade, conceitos unificados por desenvolvimento de mecanismos de apoio às
longos anos, quando predominava a visão de famílias contemporâneas, contribuindo-se para
que, com a separação conjugal, o afastamento que sejam implementadas o que Giddens
de um dos pais seria inevitável. (1999) já denominou “estratégias políticas”.
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