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Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos
Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos
Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos
Ebook138 pages2 hours

Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos

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About this ebook

O livro reúne duas novelas literárias compostas por homens-bestas, que trabalham duro, sobrevivem com muito pouco, esperam o mínimo da vida. Em silêncio, carregam seus fardos e o dos outros.

Os textos, em tom naturalista, retratam a amarga vida de homens que abatem porcos, recolhem o lixo, desentopem o esgoto e quebram o asfalto.Toda imundície de trabalho que nenhum de nós quer fazer, eles fazem, e sobrevivem disso. Fica por conta do leitor medir os fardos e contar as bestas.
LanguagePortuguês
PublisherRecord
Release dateSep 12, 2011
ISBN9788501095930
Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos

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    Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos - Ana Paula Maia

    Sumário

    Apresentação

    Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos

    O trabalho sujo dos outros

    Apresentação

    Este livro reúne duas novelas literárias compostas de homens-bestas, que trabalham duro, sobrevivem com muito pouco, esperam o mínimo da vida e, em silêncio, carregam seus fardos e o dos outros.

    Os textos, em tom naturalista, retratam a amarga vida de homens que abatem porcos, recolhem o lixo, desentopem esgoto e quebram asfalto.

    Toda imundície de trabalho que nenhum de nós quer fazer, eles fazem, e sobrevivem disso.

    Fica por conta do leitor medir os fardos e contar as bestas.

    A autora

    "Dos escombros de nosso desespero

    construímos nosso caráter."

    Ralph Waldo Emerson

    Entre rinhas de cachorros

    e porcos abatidos

    "A nenhum homem deve ser permitido chegar à

    presidência da República se não souber entender os porcos."

    Harry Truman, ex-presidente dos EUA

    Capítulo 1

    Não se deve meter em porcos

    que não te pertencem

    À espera de porcos, Edgar Wilson suspira pela oitava vez nessa sexta-feira quente e abafada. Por seu olhar vago, perdido, parece que não se incomoda em esperar o tempo que for preciso, mas apesar da frieza permanente ele anseia, a seu modo. Era o segundo atraso do carregamento em quatro dias e por isso precisaria comunicar o ocorrido ao seu patrão.

    Havia feito planos para sair mais cedo, ir ao bar do Cristóvão, fazer algumas apostas em Chacal — um cão enjeitado pelo demo, que já havia arrancado a cabeça de Gepeto, que tinha o dobro de seu tamanho —, e encontrar Rosemery, sua noiva. Mas isso não era novidade, todas as sextas são iguais e de modo algum Edgar Wilson se importa com a rotina em que vive. Aqui no subúrbio, quente e abafado, esquecido e ignorado, nos fundos de um mercadinho cheirando a barata, não existe desconforto maior do que o carregamento de porcos atrasar e expectativa maior do que vê-los, todos, pendurados por ganchos no frigorífico.

    Edgar Wilson sabia que sob influência da lua nova Chacal fervia pelas entranhas e de suas patas saíam faíscas. Ele certamente lucraria o triplo da aposta, e talvez ganhasse o suficiente para pedir a mão de Rosemery em casamento — ela exigia uma geladeira nova para selarem o compromisso definitivamente. O problema é duvidar da fidelidade de Rosemery, que nos últimos tempos sempre alegava precisar dormir na casa da patroa, que exigia a faxina iniciada bem cedo nas terças e quintas. Mas não pensar muito sobre o que quer que seja faz parte de sua personalidade. Sempre acreditou que a Providência Divina se encarrega do fardo por demais pesado, e na Providência Divina Edgar deposita toda a sua fé. Pra que se colocar ansioso se isso não acrescenta nem um côvado em sua altura, nem transforma um fio de cabelo preto em branco?, era o que dizia padre Guilhermino Anchieta.

    Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos, Edgar Wilson não reclama da vida.

    O distante ronco de um motor o faz apagar um cigarro sobre uma porção de formigas que se reúnem ao redor de seu último escarro. Percebe uma coloração avermelhada e teme por algum tipo de mazela. Verifica as horas, calça suas botas de borracha e se coloca de pé. Vê a caminhonete se aproximar, dirige-se até o telefone atrás do balcão e liga para Gerson, seu ajudante, que alega estar sofrendo de uma crise renal.

    — Mas você não deu um rim pra sua irmã?

    — Isso foi no ano passado.

    — Ãhhh, sei. O carregamento atrasou de novo.

    — É a segunda vez essa semana.

    — Preciso informar ao patrão.

    — Desculpe, Edgar, mas esse rim me pegou de jeito.

    — É...

    — Eu posso te mandar o Pedro.

    — Ele sabe desossar alguma coisa?

    — Só um instante.

    Gerson, sentindo muitas dores e suando frio, ajeita-se no sofá e encontra a posição mais adequada para gritar a pergunta: Pedro, você sabe desossar alguma coisa?

    Pedro demora alguns instantes e aparece na sala enrolado numa toalha vermelha, segurando uma colher de pau.

    — O que você tá fazendo? — pergunta Gerson.

    — Um bolo.

    — Você foi comprar farinha de trigo?

    — Não. Eu tô usando aquela do pote azul.

    — Você esqueceu do que eu te disse, Pedro?

    — O quê?

    — Sobre a farinha do pote azul.

    Pedro olha para a colher de pau que segura e lambe o resto do recheio que ameaça cair. Mastiga por uns instantes e suspira logo em seguida. É um recheio delicioso e Pedro parece se orgulhar de seu bom trabalho.

    — E o que era? — pergunta, após engolir.

    — Tá com bicho. Eu mandei você jogar fora.

    Pedro coça a cabeça e responde:

    — Eu peneirei as minhocas.

    Gerson não reage à resposta.

    — Eu peneirei tudo, verdade mesmo.

    Gerson volta-se para a TV que está ligada. Pedro permanece parado segurando a colher de pau e eles riem da gargalhada emitida num programa de culinária. Ele repara o fone na mão de seu irmão.

    — Gerson, você me chamou? — diz apontando para o telefone.

    — Ah... você sabe desossar alguma coisa?

    Pedro pensa um pouco.

    — Não sei. Não tenho certeza.

    — O Edgar quer saber.

    — Você quer dizer, separar as tripas, o fígado, o...

    — A carne do osso... essas coisas.

    Pedro pensa mais um pouco. Volta para a cozinha sem dizer nada. Retorna em seguida.

    — Lembra do cachorro da Matilda, o Tinho?

    Gerson parece um tanto perdido, mas de estalo responde com um aceno positivo da cabeça. A toalha cai da cintura de Pedro.

    — Essa cueca é minha — diz Gerson. Pedro não responde e volta à cozinha.

    — Edgar, lembra o Tinho, da Matilda?

    — Lembro.

    — Foi o Pedro.

    — Então avisa a ele que o carregamento já chegou.

    — Tá certo.

    — E o teu rim? Eu tô falando do bom, daquele que tá lá com a tua irmã.

    — Acho que vai bem.

    — Você não pensa em pegar de volta? Quer dizer, quando você deu pra ela, não estava precisando, ele não te fazia falta, mas agora é diferente.

    — É, eu sei. Parece que ela tá com câncer.

    — Então, ela não vai precisar dele por muito tempo.

    — Acho que não. Escuta, eu deixei aquele vídeo do Chuck Norris na sua casa?

    Braddock?

    O resgate.

    — Só estou com o Braddock II. O resgate, esse não está, não.

    — Acho que perdi meu vídeo. É um desfalque e tanto na minha coleção.

    Silêncio.

    — Você vai deixar seu rim jovem e saudável ser comido pelo câncer da tua irmã?

    — Parece que ela vai começar a fazer aquele troço que deixa careca.

    — Sei... então a radiação vai matar o teu rim.

    — Você acha mesmo?

    — Acho que o teu rim já era.

    * * *

    Pedro permanece agachado nos fundos do mercadinho, acariciando o porco que espera para ser abatido, enquanto Edgar Wilson, debruçado na janela da caminhonete, resolve algumas questões pendentes.

    — Vou repetir pela décima vez: eu esperava por dois porcos — diz Edgar ao motorista da caminhonete.

    — Mas esse porco vale por dois.

    — Nada disso. Eu preciso de dois porcos. Esse foi o combinado. Meu patrão não vai gostar nada, nada disso.

    — Nós perdemos um dos porcos vindo pra cá. Essa estrada é muito esburacada.

    — Como assim perdeu um dos porcos? Um porco não é nenhuma miudeza pra se perder. Não posso me responsabilizar. Eu preciso de dois porcos.

    — Eu te trouxe um porco bem grande. Sirva-se dele.

    O homem arranca com a caminhonete, deixando Edgar Wilson com poeira nos olhos.

    * * *

    — Pedro, pare de beijar esse porco e apanhe aquele facão ali — diz Edgar Wilson, que logo emudece e só pensa na trapaça dos dois sujeitos. Se não encontrar uma maneira razoável de resolver essa situação, ele terá que arcar com o prejuízo. Com o salário que ganha, não sobraria muita coisa no fim do mês.

    Pedro aponta para alguns miúdos dentro de uma bacia sobre a mesa.

    — Quando eu abri o Tinho, havia menos troço dentro dele.

    — Isso era um porco robusto, não o magricela do Tinho. Ele só deveria

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