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FÓRUM BRASIL/ÁFRICA – Política, Cooperação e Comércio


Grupo III – Educação e Cultura
MESA 1: O Intercâmbio Cultural no Atlântico Sul

Debate sobre o tópico: O mercado editorial para textos africanos no


Brasil

Debatedor: José Castilho Marques Neto1

No curto espaço de tempo que disponho, escolho, entre tantas possibilidades


de enforque desse tema, dois problemas macros que necessitam ser
equacionados para termos alguma chance de superar o abismo que persiste
entre Brasil e África no campo da cooperação editorial, aí incluído o tema a
que fui chamado debater: o mercado editorial para textos africanos no Brasil.

A realidade presente é aquela diagnosticada por qualquer professor ou


pesquisador que trabalhe as relações Brasil/África: não há livros de África
disponíveis para consumo no Brasil, e as exceções apenas confirmam a regra.
O inverso, até aonde conheço, também é verdadeiro. Em Moçambique, aonde
estive em março, a única editora com selo brasileiro e que comparecia com
certa amostragem de seu catálogo nas livrarias de Maputo, na verdade é um
braço editorial da norte-americana Pearson!

O primeiro problema macro que assinalo e que considero um obstáculo ao


desenvolvimento da cooperação editorial, é o perfil da indústria editorial
brasileira, pouco voltado a exportações de seus produtos. Resumidamente,
embora em 2002 tenha produzido 39.800 títulos, vendido 320.600.000
exemplares e obtido um faturamento de R$ 2.181.000.000,002, as editoras e
distribuidoras brasileiras não têm demonstrado especial empenho para
exportar seus livros. Em 2002, exportamos 8.160 títulos, 2.030.000
exemplares e obtivemos um faturamento aproximado de R$ 1.420.000,00. Em
porcentagens, exportamos do produzido: 20,5% dos títulos, 6,33% dos
exemplares, gerando 6,51% do faturamento total do setor.

1
Presidente da Associação Brasileira de Editoras Universitárias (ABEU) e da Asociación de Editoriales
Universitárias de América Latina y el Caribe (EULAC), Diretor Presidente da Editora UNESP e Diretor Geral
da Biblioteca Pública Municipal Mário de Andrade. Doutor em Filosofia pela USP, é professor da UNESP,
câmpus de Araraquara/SP. E-mail: castilho@editora.unesp.br
2
Dados de Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro – 2002. São Paulo: CBL/SNEL, maio/2003.
2

Absorvida por uma política tradicional de crescimento pautada principalmente


por uma expectativa de aumento de compras governamentais (50,6% do
número de exemplares vendidos em 2002) e por iniciativas isoladas de
modernização e conquista sistemática de novos leitores (vasto campo ainda a
ser conquistado internamente), o setor editorial carece de políticas de
crescimento que levem em conta a complexidade mundial deste segmento da
indústria cultural. Cabe ressaltar também a desatenção ou o desconhecimento
do Estado brasileiro que ainda não teve a sagacidade de incluir a indústria
editorial como parte de sua política de desenvolvimento econômico
estratégico.

O resultado de nossa tradição editorial voltada para dentro do país somada à


ausência de um projeto do Estado brasileiro que inclua o livro como um
produto cultural e um bem a ser expandido internacionalmente, é a pouca
expressão que a pauta dos negócios internacionais tem para o mundo do livro.

Ora, se não temos a tradição de buscar leitores fora de nosso país e se o livro
não é um segmento fundamental de política cultural brasileira, é
compreensível que pouco nos importemos em trazer outros autores que não
sejam aqueles originários dos centros mundiais irradiadores da poderosa
indústria de bens e serviços culturais. Alguns números de 2002 atestam essa
tendência: 65% das traduções para o português foram de livros de idioma
original em inglês, 10% do francês, 9% do espanhol, 6% do alemão, 6% do
italiano, 2% do português (Portugal), 1% do japonês e 1% de “outros”.

Essas constatações sobre a história e o cotidiano do mercado brasileiro do


livro introduzem o segundo macro problema a ser equacionado pelos povos
que buscam o intercâmbio cultural no Atlântico Sul: como agir frente a
desigual luta dos nossos tempos contra a homogeneização dos bens culturais
que o mundo globalizado convencionou chamar de sociedade do
conhecimento ou sociedade da informação.

Que chance nossas nações poderão ter, no campo da cultura, contra impérios
econômicos globais que impõem padrões de produção, consumo e comércio
dos bens culturais? Não vislumbro outra possibilidade senão pela união de
nossos esforços enquanto nações submetidas às mesmas pressões dos países
hegemônicas do mundo contemporâneo. Da solidariedade e da organização
efetiva dos países submetidos ao rolo compressor que pasteuriza gostos e
tradições, é que subsistirá alguma esperança de que não estamos construindo
um mundo em que se falará uma única língua. Como escreve Roger Chartier,
3

ao comentar Borges em seu ensaio sobre John Wilkins e a língua perfeita: “...a
busca de um idioma universal é uma idéia inútil, já que o mundo está
constituído por uma irredutível diversidade de lugares, coisas, indivíduos e
línguas. Tentar eliminar uma semelhante multiplicidade significa traçar um
porvir inquietante.”

Mas será que estaremos atentos a esses alertas de nossos escritores e homens
de letras e a esse “porvir inquietante”? Será que estamos percebendo com
clareza as apropriações que estão sendo realizadas pela indústria cultural
hegemônica, onde o comércio de bens culturais multiplicou-se por cinco entre
os anos de 1980-1998? Será que realmente estamos dando importância ao fato
de que, apesar do consumo cultural se expandir por todo o mundo, a produção
tende, ao contrário, a concentrar-se nas mãos de poucos? Será que estamos
percebendo que esse fenômeno desenha um mercado de perfil oligopólico com
uma estrutura marcadamente desigual, já que é notório que os produtos
culturais que circulam na maior parte dos países são em sua maioria
importados dos poucos produtores com estrutura global e que não sabemos a
dimensão do impacto que isso causará sobre os nossos cidadãos?

O “Informe sobre o Desenvolvimento Humano”, produzido em 1999,


demonstra que “mais de 2/3 da humanidade não se beneficia do novo modelo
de crescimento econômico, baseado no aumento do comércio internacional e
no desenvolvimento de novas tecnologias. Tampouco participa da construção
da sociedade de informação. Esta situação manifesta uma grande disparidade
quanto à capacidade e os recursos dos diferentes países para produzir bens e
serviços culturais, assim como uma tendência generalizada à diminuição da
produção nacional especialmente em países pequenos ou em vias de
desenvolvimento. Existe, portanto, um forte desequilíbrio nos fluxos
comerciais de bens culturais e uma notável disparidade na estrutura das
indústrias culturais tanto em nível nacional como entre os blocos comerciais
regionais.” 3

Conclusões como estas, expostas amplamente por organismos internacionais


como a UNESCO, não tem sido suficientemente absorvidas pela maioria dos
governantes dos países em desenvolvimento que relutam em adotarem
políticas de Estado suficientemente acuradas para “identificar as áreas de
interesse estratégico para seus setores culturais e contribuir mais ativamente

3
CERLALC/UNESCO. Cultura, comercio y globalización, p. 9. Bogotá, 2002.
4

para o desenho da nova estrutura de comércio global de bens e serviços


culturais” 4.

O livro, atualmente com seus vários suportes, representa uma parte generosa
da indústria cultural e a parte mais importante na formação intelectual dos
cidadãos desde a mais tenra idade. Um importante escritor e editor brasileiro,
Monteiro Lobato, disse na primeira metade do século passado uma frase que
se tornou símbolo do setor editorial no Brasil: “Um país se faz com homens e
livros”. Hoje está frase corre o risco de ficar esquecida nos meandros de nossa
história cultural. O Brasil é hoje o principal objeto de desejo dos 5 principais
grupos internacionais que dominam o mundo do livro e sua circulação 5. Assim
como adquiriram 85% do setor editorial na Argentina, talvez o país com maior
tradição de leitores da América Latina, os oligopólios voltam-se para o Brasil
e, por extensão, para o apetitoso mercado de leitura, presente e futuro, em
língua portuguesa.

Reconhecer com firmeza os principais entraves ao intercâmbio editorial entre


nossos países é apenas o primeiro passo para uma longa transformação que já
surge tardia em nossa história. Fóruns como este devem ser apenas uma das
muitas iniciativas que nós, enquanto trabalhadores da cultura, produtores e
difusores do conhecimento, pertencentes a países com tantas identidades e
objetivos semelhantes, devemos oferecer aos nossos povos e aos nossos
governantes enquanto cidadãos conscientes de nosso papel na sociedade. Mas
se devemos enfrentar os grandes temas teóricos, temos o dever de combiná-los
com inúmeras ações que criem pontes factíveis e duradouras de intercâmbio
entre autores, editores e distribuidores de livros dos nossos países. Acredito
que, no campo da ação, toda iniciativa, por menor que seja, é saudável e
necessária para avançarmos esta cooperação.

A ABEU, representante de 99 editoras universitárias públicas e privadas de


nosso país, tomou consciência de seu papel e modestamente, mas com
firmeza, já participa do esforço de resistência à pasteurização de nossas
identidades culturais. Uma coleção de antologias de poesia, prosa e história
que divulguem autores dos Países de Língua Portuguesa está sendo preparada
para breve edição conjunta das editoras universitárias brasileiras. A
organização no último mês de março, juntamente com a Fundação
4
Idem, p.10.
5
A indústria editorial hoje é parte de grandes grupos de investimentos, conglomerados que investem em
inúmeros negócios, o que levou a uma abordagem irônica de Peter Weidhaas, ex-Diretor da Feira
Internacional do Livro de Frankfurt em 1998: “A editora mudou quando as decisões editoriais passaram para
o salão da Bolsa!”
5

Universitária da Universidade Eduardo Mondlane e do Itamaraty, da Primeira


Feira Internacional do Livro em Moçambique, foi outra iniciativa desta cadeia
que clama por inúmeros gestos de força e resistência e que deve estender-se
por todos os países africanos e, dos países africanos, para o Brasil.

Que esse Fórum Brasil/África seja um passo e um incentivo para


fortalecermos cada vez mais a comunidade do livro e da cultura: autores,
editores, distribuidores, livreiros e leitores. Esse mundo ilimitado constituído
pelas pessoas que sustentam o livro e que garantem a memória, a diversidade e
a riqueza cultural das nações, é nossa principal arma contra o mundo do
esquecimento, da unicidade, sem bibliotecas e sem livros. O grande editor
Jason Epstein, da Random House americana, ela também hoje pertencente a
um conglomerado financeiro, disse certa vez ao comentar o ofício do editor:
“...um exército regular vive em seus quartéis. Os exércitos de guerrilha vivem
em meio às pessoas que os sustentam e por quem lutam. Assim também o
fazem os editores”. 6

Esperemos que o atual governo do Brasil, que deu novo sentido a palavra
“esperança”, possa operar mais decisivamente para dar a dimensão
contemporânea ao trabalho desse setor que até agora viveu de escaramuças.
Trata-se de tornar viável o livro, em todos os seus suportes físicos atuais, e
deixá-lo fazer seu trabalho inigualável, como magistralmente ensinou
Cervantes no seu Quixote: para curar o Cavaleiro de sua fértil imaginação
criativa, de suas viagens de liberdade, queimaram-lhe os livros, quitaram-lhe a
biblioteca. Não continuemos a fazer com os nossos povos o que a ficção já
condenou.

Muito obrigado.

6
Epstein, Jason. O negócio do livro. RJ, Record, 2002.

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