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Presidente da Associação Brasileira de Editoras Universitárias (ABEU) e da Asociación de Editoriales
Universitárias de América Latina y el Caribe (EULAC), Diretor Presidente da Editora UNESP e Diretor Geral
da Biblioteca Pública Municipal Mário de Andrade. Doutor em Filosofia pela USP, é professor da UNESP,
câmpus de Araraquara/SP. E-mail: castilho@editora.unesp.br
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Dados de Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro – 2002. São Paulo: CBL/SNEL, maio/2003.
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Ora, se não temos a tradição de buscar leitores fora de nosso país e se o livro
não é um segmento fundamental de política cultural brasileira, é
compreensível que pouco nos importemos em trazer outros autores que não
sejam aqueles originários dos centros mundiais irradiadores da poderosa
indústria de bens e serviços culturais. Alguns números de 2002 atestam essa
tendência: 65% das traduções para o português foram de livros de idioma
original em inglês, 10% do francês, 9% do espanhol, 6% do alemão, 6% do
italiano, 2% do português (Portugal), 1% do japonês e 1% de “outros”.
Que chance nossas nações poderão ter, no campo da cultura, contra impérios
econômicos globais que impõem padrões de produção, consumo e comércio
dos bens culturais? Não vislumbro outra possibilidade senão pela união de
nossos esforços enquanto nações submetidas às mesmas pressões dos países
hegemônicas do mundo contemporâneo. Da solidariedade e da organização
efetiva dos países submetidos ao rolo compressor que pasteuriza gostos e
tradições, é que subsistirá alguma esperança de que não estamos construindo
um mundo em que se falará uma única língua. Como escreve Roger Chartier,
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ao comentar Borges em seu ensaio sobre John Wilkins e a língua perfeita: “...a
busca de um idioma universal é uma idéia inútil, já que o mundo está
constituído por uma irredutível diversidade de lugares, coisas, indivíduos e
línguas. Tentar eliminar uma semelhante multiplicidade significa traçar um
porvir inquietante.”
Mas será que estaremos atentos a esses alertas de nossos escritores e homens
de letras e a esse “porvir inquietante”? Será que estamos percebendo com
clareza as apropriações que estão sendo realizadas pela indústria cultural
hegemônica, onde o comércio de bens culturais multiplicou-se por cinco entre
os anos de 1980-1998? Será que realmente estamos dando importância ao fato
de que, apesar do consumo cultural se expandir por todo o mundo, a produção
tende, ao contrário, a concentrar-se nas mãos de poucos? Será que estamos
percebendo que esse fenômeno desenha um mercado de perfil oligopólico com
uma estrutura marcadamente desigual, já que é notório que os produtos
culturais que circulam na maior parte dos países são em sua maioria
importados dos poucos produtores com estrutura global e que não sabemos a
dimensão do impacto que isso causará sobre os nossos cidadãos?
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CERLALC/UNESCO. Cultura, comercio y globalización, p. 9. Bogotá, 2002.
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O livro, atualmente com seus vários suportes, representa uma parte generosa
da indústria cultural e a parte mais importante na formação intelectual dos
cidadãos desde a mais tenra idade. Um importante escritor e editor brasileiro,
Monteiro Lobato, disse na primeira metade do século passado uma frase que
se tornou símbolo do setor editorial no Brasil: “Um país se faz com homens e
livros”. Hoje está frase corre o risco de ficar esquecida nos meandros de nossa
história cultural. O Brasil é hoje o principal objeto de desejo dos 5 principais
grupos internacionais que dominam o mundo do livro e sua circulação 5. Assim
como adquiriram 85% do setor editorial na Argentina, talvez o país com maior
tradição de leitores da América Latina, os oligopólios voltam-se para o Brasil
e, por extensão, para o apetitoso mercado de leitura, presente e futuro, em
língua portuguesa.
Esperemos que o atual governo do Brasil, que deu novo sentido a palavra
“esperança”, possa operar mais decisivamente para dar a dimensão
contemporânea ao trabalho desse setor que até agora viveu de escaramuças.
Trata-se de tornar viável o livro, em todos os seus suportes físicos atuais, e
deixá-lo fazer seu trabalho inigualável, como magistralmente ensinou
Cervantes no seu Quixote: para curar o Cavaleiro de sua fértil imaginação
criativa, de suas viagens de liberdade, queimaram-lhe os livros, quitaram-lhe a
biblioteca. Não continuemos a fazer com os nossos povos o que a ficção já
condenou.
Muito obrigado.
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Epstein, Jason. O negócio do livro. RJ, Record, 2002.