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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook

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Bem cedo, naquela tarde, a caminho do apartamento do Thayer Core,

Lola parou diante do Número Um da Quinta Avenida, do outro lado da rua,

e ficou olhando a portaria. Fazia isso muitas vezes, na esperança de

encontrar-se por acaso com o Philip ou com Schiffer. Na semana anterior

haviam anunciado o noivado, e a notícia tinha saído em todos os

tablóides e nos programas sobre a indústria do entretenimento, como se

a união de dois coroas fosse não só uma grande coisa, mas uma

inspiração para todas as mulheres de meia-idade, ainda solteiras em

toda parte. Schiffer tinha aparecido no programa da Oprah para promover

Madame Superiora, mas na verdade, pensou Lola, para se gabar de que em

breve iria contrair matrimônio. O casamento deles fazia parte de uma

nova tendência super na moda, declarou Oprah, na qual mulheres e homens

reencontravam velhos amores e percebiam que tinham nascido um para o

outro desde o início.

— Só que dessa vez, eles estão mais velhos e mais experientes...

espero eu! – comentou Schiffer, o que fez a platéia explodir em

risadas, concordando com sua observação. Eles ainda iriam marcar a data

e o lugar da cerimônia, mas queriam fazer algo despretensioso e

diferente do tradicional. Schiffer já havia escolhido o vestido, um

tubinho branco, curto, coberto de vitrilhos prateados, que Oprah

segurou para as câmeras mostrarem. Enquanto a platéia se manifestava,

soltando oohs e aahs de admiração, Lola sentiu-se mal. A Oprah devia

estar tagarelando sobre seu casamento, não o da Schiffer. E ela teria

escolhido um vestido melhor... alguma coisa tradicional, com laço e

cauda. Lola não conseguia parar de pensar no casamento; cheia de inveja

e rancor, alimentava a perniciosa fantasia de confrontar-se ou com o


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Philip ou com a Schiffer. Daí sua mania de postar-se de vez em quando

na frente do Número Um. E mesmo assim ela não ousava ficar por ali

muito tempo, pois podia esbarrar no Philip ou na Schiffer, mas também

encontrar a Enid.

Três dias depois da missa fúnebre de Billy Litchfield, Enid ligou

para Lola, mas ela, não reconhecendo o número, atendeu.

— Ouvi dizer que voltou a Nova York, querida – disse Enid.

— Isso mesmo – disse Lola.

— Desejaria que não tivesse voltado – disse Enid, com um suspiro de

decepção. – Como planeja sobreviver?

— Francamente, Enid, não é da sua conta – disse Lola, desligando.

Mas agora estava de novo sendo monitorada pela Enid, e precisava ter

cuidado. Não sabia o que ela poderia fazer.

Naquela noite, porém, parada diante do edifício, viu só a Mindy

Gooch entrar, puxando um carrinho cheio de compras atrás de si.

— Preciso arranjar um emprego – disse ela a Thayer alguns minutos

depois, jogando-se sobre a pilha de roupas sujas que Josh chamava de

cama.

— Por quê? – perguntou Thayer.

— Deixa de ser burro. Preciso de dinheiro – disse Lola.

— Você e todos os outros habitantes de Nova York com menos de

trinta anos. Os coroas levaram todo o dinheiro. Não sobrou nada para

nós, os jovens.

— Não faz piada – disse Lola. – Estou falando sério. James Gooch

foi viajar de novo. E só me deu 500 dólares. Ele é mesmo um mão de

porco. Seu livro já está na lista dos mais vendidos faz dois meses. E

ele ganha cinco mil dólares para cada semana em que o livro figura

nessa lista. Como abono. – E cruzou os braços, semicerrando os olhos. –

Eu lhe disse que devia me dar o dinheiro.


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— E ele, o que respondeu? – indagou Thayer. – Você trepou com ele,

certo? Então ele está te devendo. Porque não há mesmo motivo algum para

você trepar com ele, a não ser dinheiro.

— Não sou piranha – resmungou Lola.

Thayer riu.

— Por falar nisso, pode ser que eu possa lhe arrumar um trabalho.

Alguém nos mandou uma mensagem hoje pedindo escritores. Mulheres. Para

um novo site. Pagam mil dólares por artigo. Isso me deixou desconfiado,

mas você pode querer dar uma olhada.

Lola anotou as informações. Ficar sem fazer nada em Nova York saía

mais caro do que ela havia imaginado. Se passasse muito tempo naquela

caixinha de fósforos onde morava, sentia que ia pirar. E quando o

relógio dava nove horas, ela precisava sair e ir refrescar a cuca em

uma ou duas de várias boates no Meatpacking District. O porteiro a

conhecia e em geral a deixava entrar de graça, pois era bonitinha,

solteira, e isso era considerado uma atração. E ela raramente pagava o

que bebia. Mas precisava comer alguma coisa, e comprar roupas para

poder aparecer e conseguir drinques grátis. Era um círculo vicioso.

Para manter esse estilo de vida, precisava de dinheiro.

No dia seguinte, Lola foi até o endereço que a mensagem havia

fornecido a Thayer. O prédio não ficava longe do seu, e era uma das

grandiosas novas construções que tinham surgido em torno da High Line,

às margens do rio Hudson. Ela ia até o apartamento 16C, e em vez de

telefonar para o apartamento, como teriam feito no Número Um, o

porteiro meramente lhe pediu para assinar uma folha, colocando a hora

em frente ao nome, como se ela estivesse entrando em um escritório. Ao

bater à porta, foi recebida por um rapazinho com uma tatuagem alarmante

em torno do pescoço; ao olhar melhor, Lola viu que não só o seu pescoço
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era tatuado, como também o braço direito inteiro. Ele também tinha uma

argolinha na narina esquerda.

— Você deve ser a Lola – disse ele. – Meu nome é Marquee. – E nem

sequer lhe apertou a mão.

— Marquee? – indagou ela, seguindo-o até uma sala de estar

escassamente mobiliada com uma vista desimpedida da estrada West Side

Highway, as águas marrons do Hudson e o perfil dos prédios de Nova

Jérsei. – Seu nome é Marquee? – indagou ela outra vez.

— Isso mesmo – disse Marquee, friamente. – Algum problema? Você não

é uma dessas pessoas que fica estranhando nomes, é?

— Não – disse Lola, abafando uma risada, e mostrando ao Marquee

logo de cara que ele não ia intimidá-la. – É que eu nunca tinha ouvido

falar de ninguém com esse nome em particular.

— Foi porque eu inventei – disse ele. – Só existe um Marquee, e

quero que as pessoas se lembrem disso. Mas me diga, qual a sua

experiência?

Lola olhou em torno de si. A sala continha dois sofás, que à

primeira vista pareciam cobertos de tecido branco. De perto, Lola viu

que estavam cobertos de musselina branca pura, como se estivessem

apenas de roupas de baixo.

— Qual é a sua? – indagou ela.

— Já ganhei algum dinheiro. Mas dá para notar isso – disse ele,

indicando o apartamento. – Sabe quanto custa um apartamento desses?

— Não vou nem me arriscar a adivinhar – disse Lola.

— Dois milhões. De um quarto.

— Puxa vida! – disse Lola, fingindo estar impressionada. Ficando de

pé, foi até a janela. – Qual é o trabalho que está oferecendo?

— Colunista sexual – disse Marquee.

— Isso é original.
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— É – disse Marquee, sem ironia. – Não sei se entende, mas o

problema da maioria das colunas que falam sobre sexo é que não tem sexo

nelas. É só aquele negócio careta de falar de relacionamentos. Ninguém

quer saber de ler isso. Minha idéia é novinha em folha. Ninguém jamais

fez isso antes. Uma coluna de sexo que fala mesmo só de sexo.

— Mas isso não é o mesmo que pornografia? – indagou Lola.

— Se vai começar a se chamar de colunista sexual, eu vou exigir que

me mostre sexo.

— Se vai me contratar para trepar, sugiro que me mostre o dinheiro

– disse Lola.

— Quer dinheiro? – indagou Marquee. – Eu tenho, vivo, e um montão.

– E tirou um bolo de notas do bolso, sacudindo-o na frente da Lola. – O

negócio é o seguinte: você ganha mil dólares por trepada.

— Vou precisar de um adiantamento de metade disso – disse Lola.

— Muito justo – disse Marquee, tirando cinco notas de cem dólares

do bolo. – E vou precisar de detalhes. Comprimento e largura.

Características distintivas. O que entrou onde e quando.

Naquela noite, em vez de ir a um clube, Lola ficou em casa e

escreveu sobre suas relações sexuais com o Philip. Achou aquilo

surpreendentemente fácil, catártico até, chegando a espumar de raiva

por causa da crueldade que ele tinha cometido abandonando-a para ficar

com Schiffer.

— O pênis dele é grosso com saco balouçante, revestido de pele

espinhenta. E ele tem rugas atrás do pescoço. E pelinhos nascendo nos

lóbulos da orelha. A princípio eu achava aqueles pelinhos

engraçadinhos. – Terminando o texto e relendo-o, ela viu-se desejando

fazer aquilo de novo e decidiu que Philip merecia mais do que um mero

texto. Mudando o nome e a profissão dele, ela talvez fosse capaz de

conseguir escrever ainda mais uns três textos sobre ele. E depois,
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pensando na melhor forma de gastar o dinheiro, folheou um dos tablóides

e encontrou um vestido Hervé Léger de bandagem que iria ficar

espetacular nela.

Alguns dias depois, Enid Merle estava limpando seus armários da

cozinha, o que fazia todos os anos, por não querer se tornar uma dessas

velhas que acumulam poeira e coisas inúteis. Enid tinha acabado de

tirar uma caixa de metal cheia de talheres antigos, quando alguém tocou

a campainha da porta. Ela abriu a porta e viu Mindy Gooch com cara

azeda.

— Você já viu? — indagou Mindy.

— O quê? – perguntou Enid, ligeiramente irritada. Agora que ela e

Mindy tinham voltado a ser amigas, Mindy não lhe dava um instante de

paz.

— O Snarker. Você não vai gostar – disse Mindy. E atravessou a sala

de estar da Enid a largas passadas, até seu computador, abrindo o

website.

— Ando reclamando desses textos do Thayer Core faz meses –

resmoneou ela, como se os textos fossem culpa da Enid. – E ninguém os

leva a sério. Talvez alguém leve agora, que incluíram um sobre o Philip.

Enid ajeitou os óculos e espiou por cima do ombro da Mindy.

— “Os Ricos e os Insatisfeitos” – via-se escrito em letras

vermelhas bastão, e debaixo disso, em letras pretas e grandes, lia-se:

“Nem o Inferno tem mais Fúria”, 1


ao lado de uma foto de Lola tirada em

frente à igreja na missa fúnebre do Billy. Enid empurrou a Mindy e

começou a ler.

1
Hell hath no fury like a woman scorned. A frase, que poderíamos traduzir como “nem o
inferno tem mais fúria que uma mulher desprezada”, é do dramaturgo inglês, William
Congreve, que viveu entre os séculos dezessete e dezoito, em sua peça The Mourning Bride.
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— A adorável Lola Fabrikant, amante rechaçada do roteirista de

segundo Philip Oakland, vai esta semana se vingar dele redigindo sua

própria versão brilhante do sexo com um homem que se parece bastante

com esse solteirão idoso. – As palavras “versão brilhante” estavam em

vermelho, e clicando nelas, Enid acessou novo website chamado O

Orifício Indiscreto, onde havia outra foto da Lola, seguida de uma

descrição bastante explícita de uma jovem tendo relações sexuais com um

homem de meia-idade. A descrição dos dentes do homem, de suas mãos, e

dos pelinhos nos lóbulos das orelhas levou Enid a se lembrar

inconfundivelmente do Philip, embora a Enid não conseguisse suportar

ler os detalhes sobre o seu pênis.

— E aí? – disse Mindy, exigente. – Não vai tomar alguma

providência?

Enid olhou para Mindy, enfadada.

— Já te disse para dar um emprego a esse cara, esse Thayer Core,

faz meses. Se tivesse feito isso, essa besteirada não sairia mais na

Internet.

— Por que é que eu é que tenho de lhe dar um emprego? Por que não

você?

— Porque se ele trabalhar para mim, só vai continuar fazendo a

mesma coisa. Vai continuar indo a festas e escrevendo coisas

desagradáveis sobre as pessoas. Se você o contratar, ele vai estar

trabalhando para uma grande empresa. Vai ficar o tempo inteiro preso

dentro de um prédio comercial, tomar o metrô, como todos os outros

trabalhadores e comer um sanduíche à sua mesa. Isso vai fazê-lo ver a

vida de um outro ponto de vista.

— E a Lola Fabrikant?

— Não se preocupe com ela, querida. – disse Enid, sorrindo. – Deixa

que eu cuido dela. Vou lhe dar exatamente o que ela quer: publicidade.
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Dois dias depois, a “verdadeira” história da Lola Fabrikanta surgiu

na coluna distribuída para todas as agências da Enid. Ela contou tudo,

tintim por tintim: como Lola tinha tentado fingir que estava grávida

para prender um homem, como vivia obcecada por roupas e status, como

nunca tinha pensado em ser responsável pelas suas próprias ações, nem

no que podia fazer por outras pessoas, fazendo dela o exemplo rematado

de tudo que era errado e mal-orientado nas jovens de hoje. Retratada

pela Enid, no seu melhor tom de professorinha rural, Lola era a própria

garota-propaganda dos maus exemplos.

Na tarde em que o artigo foi publicado, Lola estava sentada na cama

no seu apartamentozinho minúsculo, lendo sobre si mesma na Internet. O

jornal estava ao lado do seu computador, dobrado na página da coluna da

Enid. Na primeira vez em que Lola o leu, Lola desatou a chorar. Como a

Enid podia cometer uma crueldade daquelas? Mas não tinha parado na

coluna, pois ela havia desencadeado a uma tempestade de comentários

negativos sobre Lola na Internet. Estavam chamando-a de mulher da vida,

de puta e dissecando-lhe as características físicas, achando uma série

de defeitos nela, sendo que várias pessoas tinham aventado a hipótese

correta de que ela tinha feito plástica no nariz e colocado implantes

nos seios. E centenas de homens tinham deixado mensagens na sua página

do Facebook, descrevendo o que gostariam de fazer com ela na cama. Suas

sugestões não eram nada agradáveis. Um cara disse que iria “enfiar seus

testítulos pela garganta dela adentro até ela sufocar, e seus olhos se

esbugalharem, saltando das órbitas”. Até aquela manhã, Lola sempre

tinha gostado da agressividade irrestrita da Internet, presumindo que

as pessoas sobre as quais os críticos estavam comentando mereciam ser

malhadas por um motivo ou por outro, mas agora que a negatividade

estava sendo dirigida a ela, eram outros quinhentos. Ficou magoada.

Sentiu-se como um animal ferido, sangrando. Depois de ler mais um texto


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sobre ela no qual a pessoa tinha dito que as Lolas Fabrikants do mundo

mereciam morrer sozinhas em um hotel barato, Lola voltou a abrir o

berreiro.

Não era justo, pensou ela, abraçando-se enquanto balançava para a

frente e para trás no colchão fino. Ela naturalmente havia presumido

que, quando ficasse famosa, todos a amariam. Desesperada, enviou nova

mensagem a Thayer Core. “Onde está você??????!!!!!” Esperou mais alguns

minutos, e quando não obteve resposta de novo, enviou mais uma

mensagem. “Não posso sair de casa. Estou com fome. Preciso de comida”,

escreveu. Enviou a mensagem, seguida imediatamente de outra. “E traz

alguma coisa pra beber.” Finalmente, uma hora depois, Thayer respondeu,

com uma palavra: “Estou ocupado”.

Thayer acabou aparecendo, com um saco de salgadinhos.

— É tudo culpa sua – gritou Lola.

— Minha? – perguntou ele, surpreso. – Pensei que fosse isso o que

você sempre quis.

— Eu queria. Mas não assim.

— Então não devia ter feito – disse ele. E deu de ombros. – Já

ouviu falar em “livre arbítrio”?

— Precisa dar um jeito nisso – disse Lola.

— Não dá – respondeu ele. E abriu o saco de salgadinhos, metendo

quatro na boca. – Consegui um emprego hoje. Vou trabalhar para a Mindy

Gooch.

— O quê? – exclamou Lola, chocada. – Pensei que a detestasse!

— Detesto. Mas não preciso detestar o dinheiro dela. Vão me pagar

cem mil dólares por ano. Trabalhando no departamento de nova mídia. Em

seis meses, provavelmente já vou ser o chefe. Aqueles caras não sacam

nada.

— E eu, o que vou fazer? – replicou Lola.


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Thayer olhou para ela, sem se deixar comover.

— Como é que vou saber? – disse. – Mas se não conseguir aproveitar

essa publicidade toda que consegui pra você, é uma bobona maior do que

eu pensei.

O mês de junho chegou, com um calor extemporâneo. A temperatura

passou três dias acima dos 26 graus; o apartamento dos Gooch já estava

quente demais, e James foi obrigado a ligar o ar condicionado

barulhento. Sentado debaixo dele uma manhã, diante do computador,

pensando em começar novo livro, ouvia os sons produzidos pela mulher e

seu filho fazendo as malas no quarto do Sam. Conferiu a hora. O ônibus

do Sam saía dentro de quarenta minutos. Mindy e Sam iriam viajar a

qualquer momento, e assim que saíssem, ele iria ler a coluna sexual da

Lola. Ao voltar da parte final da sua viagem de promoção do livro,

exausto e esgotado pela diferença de fusos horários, alegou estar

cansado demais para até mesmo pensar em escrever, mas tinha conseguido

ir ao apartamento da Lola seis vezes em dez dias, e, a cada visita,

tinha tido relações sexuais fantásticas com ela. Uma tarde, ela tinha

sentado em cima do rosto dele, e ele lhe abriu os lábios e chupou seu

clitorizinho minúsculo e firme; em outra ocasião ela é que o chupou,

ficando com a bunda na frente do rosto dele, e ele tinha metido seu

dedo médio naquele ânus enrugadinho dela. À noite, depois desses

encontros, quando Mindy voltava para casa, comentava que ele parecia

estar de bom humor. Ele respondia que sim, que estava, e depois de todo

o trabalho que tinha tido, não tinha direito de estar? Aí Mindy falava

na casa de campo. Eles não podiam, ela reconhecia, comprar uma casa nas

Hamptons, mas podiam encontrar alguma coisa em Litchfield County, que

era tão lindo quando a praia, e talvez até melhor que as Hamptons
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porque ainda estava cheia de artistas e não tinha sido corrompida pelos

magnatas financeiros. Daquele seu jeito intrometido, Mindy o convenceu

a ir até Litchfield County no fim de semana; eles ficaram no hotel

Mayflower Inn, pelo qual pagaram dois mil dólares por duas noites,

enquanto procuravam casa durante o dia. Mindy estava, James sabia,

tentando ser razoável, limitando suas escolhas a casas abaixo de 1,3

milhões. James descobria algo errado em todas elas, mas em um ato de

desafio, talvez, Mindy havia matriculado o Sam em uma colônia de férias

de tênis durante um mês na cidadezinha de Washington, Connecticut, onde

Sam ficaria no alojamento de uma escola particular.

Agora, enquanto Mindy estava fazendo as malas do Sam, James estava

se perguntando se ousaria dar uma olhada rápida na coluna da Lola. No

seu último artigo, ela tinha escrito sobre o dia em que James tinha lhe

introduzido um vibrador na sua vagina, alternando-o com seu pênis. Ao

contrário de Mindy, Lola teve o bom senso de mudar o nome dele,

chamando-o de Tim, “O Exterminador”, porque ele causava orgasmos tão

fortes que podiam ser terminais, e James ficou tão inchado que nem

mesmo conseguiu se zangar. Tinha até comprado para ela uma pulseira

Hermés esmaltada, que ela estava desesperada para ter, dizendo que

todas as mulheres do Upper East Side tinham uma; James teve o bom senso

de pagar com dinheiro vivo, para a Mindy não poder descobrir pelo

extrato do cartão de crédito. Olhouo computador, ansioso para saber se

a Lola tinha voltado a escrever sobre ele, e se tinha, o que havia

dito. Só que com a Mindy no apartamento, ele resolveu que seria muito

arriscado. E se ela o surpreendesse? Resistindo valentemente à

tentação, levantou-se e foi para o quarto do filho.

— Quatro semanas de tênis – disse James ao filho. – Não acha que

vai enjoar?
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Mindy estava pondo pacotes de meias de algodão esportivas na mala

do Sam.

— Não vai, não – disse.

— Detesto esse negócio de imitar as classes mais altas – disse

James. – Por que ele não pode jogar basquete? Eu jogava.

Mindy abafou um riso de escárnio.

— Seu filho não é você, James. Como um homem adulto, razoavelmente

inteligente, já devia ter percebido isso.

— Humpf – disse James. Mindy andava meio ríspida com ele

ultimamente, desde que tinha começado a ficar com medo de que essa sua

rispidez podia se dever a desconfiança de que ele estava tendo um caso

com a Lola, ele resolveu não insistir.

— Além do mais – disse Mindy – quero que o Sam se sinta à vontade

naquela região. Vamos ter uma casa lá em breve, e quero que tenha

muitos amigos.

— Vamos? – disse James.

Mindy lhe deu um sorriso contido.

— Vamos, sim, James.

James de repente ficou nervoso, e entrou na cozinha para se servir

de nova xícara de café. Alguns minutos depois, Mindy e Sam se

despediram dele com um beijo, e saíram para ir para o terminal de

ônibus; Mindy iria de lá para o escritório. No segundo em que a porta

se fechou, James correu para o computador, digitou o endereço do site e

leu: “O Exterminador ataca novamente. Com minha vagina quente e úmida

ao redor do seu pênis, cometeu mais um dos seus feitos ignóbeis e me

fez cosquinhas no ânus enquanto eu o espremia para obter seu esperma.”

— Lola – tinha dito James depois de ler a primeira parte das suas

façanhas sexuais. – Como é que consegue fazer isso? Não se preocupa com
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a sua reputação? E se quiser arranjar um emprego de verdade um dia e

seu empregador ler isso?

Lola só olhou para ele como se ele estivesse desesperadoramente

fora de sintonia com tudo.

— Não é diferente daqueles famosos que gravaram fitas praticando

atos sexuais. Isso não os prejudicou. Justamente o contrário, as

carreiras deles decolaram.

Agora, continuando a ler o blogue da Lola, James sentiu que estava

ficando excitado, que seu pênis estava aumentando e encostando na sua

perna, exigindo atenção imediata. Ele foi ao banheiro e gozou,

escondendo as provas em um lenço de papel que jogou no vaso, dando a

descarga. Olhou-se no espelho e balançou a cabeça. Da próxima vez que

visitasse a Lola, resolveu, definitivamente ia experimentar sexo anal.

Mindy ficou vendo o Sam entrar no ônibus para Southbury,

Connecticut, acenando para a janela dele até o veículo afastar-se da

garagem no subsolo. Passando às pressas pela Capitania dos Portos,

ficou aliviada de ter conseguido embarcar o Sam em segurança, para onde

Paul Rice não poderia prejudicá-lo. Fez sinal para um táxi, sentou-se

no banco traseiro, e procurou o papelzinho dobrado na sua bolsa. “Foi o

Sam”, era o que estava escrito nele a lápis, em letras bastão miúdas

típicas do Paul Rice. O papel tinha o logotipo do hotel Four Seasons de

Bangkok. Pelo jeito o Paul Rice tinha vários bloquinhos desses.

Ela voltou a dobrar o papel e a colocá-lo na bolsa. Tinha

encontrado aquele papel bem dobradinho na sua caixa de correio, um dia,

e enquanto James estava convencido de que ela queria uma casa de campo

para se gabar, ela tinha começado a procurar uma para poder sair de

perto do Paul, sem levantar suspeitas. Um homem que podia tomar um

mercado de ações inteiro provavelmente era capaz de qualquer coisa,


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inclusive de perseguir um menininho. Enquanto todos os outros moradores

do Número Um tinham se distraído com a morte do Billy, Paul não tinha

ido nem à sua missa, nem à festa da Annalisa. Pelo que Mindy sabia,

Paul podia ainda estar investigando quem tinha cortado os seus cabos da

Internet, e no fim ia talvez ser capaz de provar que tinha sido o Sam.

Como Paul Rice, Mindy sabia que tinha sido o Sam. Nunca iria contar

a ninguém, é claro, nem ao James. Mas não era o único segredo que

estava escondendo. Entrando a largas passadas na sua sala, passou por

Thayer Core, sentado no seu cubículo como um animal enjaulado,

verificando uma longa lista de mensagens eletrônicas. Mindy parou e

meteu a cabeça acima da divisória da baia, olhando para Thayer para

fazê-lo se recordar da sua autoridade sobre ele.

— Já imprimiu as anotações da reunião de ontem? – indagou ela.

Thayer empurrou a cadeira para trás, e, como que para lhe contestar

a autoridade, pôs os pés na mesa e cruzou os braços.

— Que reunião? – indagou.

— Todas. – E se afastou, parando depois, como que se lembrando de

algo. – E também preciso que me imprima a coluna sexual da Lola

Fabrikant.

Quando Mindy já havia voltado para o escritório, Thayer resmungou:

— Será que não pode ler essa coluna no seu computador? Como todas

as outras pessoas? – E se levantou, percorrendo o labirinto de baias

até a impressora, onde pegou a página com a coluna da Lola. Leu-a

brevemente e sacudiu a cabeça. Lola estava trepando com o James Gooch

de novo. Será que a Mindy era tão boba que não sabia que a Lola estava

escrevendo sobre o seu próprio marido? Nossa! Isso significava que

entre ele e James Gooch agora havia apenas uma distância de um grau.

Mas James dava dinheiro à Lola, e como Thayer gozava dos mesmos

privilégios de graça, não podia exatamente objetar.


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— Aí vai – disse Thayer, com um floreio, colocando a folha na mesa

da Mindy.

— Obrigada – respondeu ela, sem tirar os olhos da tela do

computador.

Thayer ficou parado um momento, olhando para ela.

— Dá para me dar um aumento? – indagou ele.

Isso lhe chamou a atenção. Colocando os óculos de leitura, ela

pegou a folha e olhou-a rapidamente, depois olhou para ele.

— Há quanto tempo trabalha aqui? – perguntou.

— Um mês.

— Já estou lhe pagando cem mil dólares por ano.

— Não basta.

— Volte daqui a uns cinco meses, que verei o que posso fazer.

Mas que vaca, essa velha, pensou Thayer, voltando para sua baia.

Surpreendentemente, porém, Mindy não era tão ruim assim, não tão ruim

quanto ele pensava que ela seria. Tinha até convidado o Thayer para

tomar uma cerveja e lhe feito todo tipo de perguntas inconvenientes

sobre onde ele morava e como estava sobrevivendo. Quando ele lhe disse

que morava na Avenida C, ela fez uma careta. “Não é lugar para você”,

disse ela. “Acho que merece uma coisa melhor, como um prédio sem

elevador no West Village”. E lhe deu conselhos sobre como progredir na

vida, sugerindo que ele tentasse melhorar a aparência com uma gravata,

pois ia passar uma imagem “mais institucional”.

Ele tinha seguido esses conselhos, sem saber por quê? Ela estava

certa, pensou ele, ao voltar para seu apartamento repelente. Ele não

merecia aquilo. Tinha 25 anos. Havia caras da sua idade que eram

bilionários, mas ele estava ganhando cem mil por ano, uma fortuna

comparada aos salários dos seus amigos. Depois de consultar a

Craigslist de fio a pavio, encontrou um apê na rua Christopher, com um


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quarto que mal dava para uma cama de casal tamanho queen. Custava 2.800

dólares por mês, ou seja, três quartos do seu salário mensal, mas valia

a pena. Ele estava progredindo na vida.

Sentada à sua mesa com os óculos de leitura no nariz, Mindy

cuidadosamente lia a última coluna sexual da Lola. Lola tinha um jeito

especial de descrever o ato sexual e, não contente de limitá-lo apenas

aos procedimentos, também fazia um relato detalhado das características

físicas do seu parceiro. As primeiras quatro colunas tinham sido sobre

Philip Oakland, do tempo em que ele era seu amante, mas aquela coluna e

a anterior eram certamente sobre o James. E não tinham sido os

comentários sobre o pênis dele que o delataram. “Quero conhecer todas

as suas partes. Inclusive aquele buraquinho sujo”, tinha dito o

Exterminador. Tinha sido o mesmo argumento que o James tinha usado para

Mindy nos primeiros anos de casamento, quando tinha querido

experimentar sexo anal.

Pondo a coluna de lado, Mindy voltou ao seu computador, e,

digitando o endereço da agência de imóveis de Litchfield County, foi

rolando a tela e encontrou as fotos e a descrição de uma casa. No fim

de semana anterior, enquanto eles estavam procurando imóveis, a

corretora tinha explicado que havia muito pouca coisa na faixa de

preços que eles queriam, mal havia alguma coisa no mercado por menos de

1,3 milhões. Mas havia explicado que tinha a casa perfeita para eles,

só que era um pouco mais cara. Será que eles gostariam de dar uma

olhada nela, mesmo assim? Sim, gostariam, disse Mindy.

A casa era meio velha e acabada, e apenas recentemente um

fazendeiro idoso havia se mudado de lá. Mas era muito difícil ver casas

assim. O terreno ainda tinha os 12 acres originais, e a casa,

construída no final do século XVIII, tinha três lareiras. Havia um

velho pomar de macieiras e um estábulo vermelho (caindo aos pedaços,


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mas não custava muito caro reformar estábulos), e situava-se no que se

considerava uma das melhores cidadezinhas de Litchfield County:

Roxbury, Connecticut. A população era de 2.300 pessoas. Mas era uma

senhora população! Arthur Miller e Alexander Calder tinham morado ali

por perto, assim como Walter Matthau. Philip Roth morava a apenas

alguns quilômetros dali. E a casa era uma pechincha, apenas 1,9 milhões.

— Cara demais – protestou James, no carro alugado, voltando para a

cidade.

— É perfeita – disse Mindy. – E ouviu o que a corretora disse.

Casas assim nunca aparecem no mercado.

— Isso me deixa nervoso, gastar todo esse dinheiro. Numa casa. E

precisa de muitas obras. Sabe quanto isso vai custar? Centenas de

milhares de dólares. Sim, hoje temos esse dinheiro. Mas quem sabe o que

vai acontecer no futuro?

Realmente, pensava Mindy agora, apertando o botão do porteiro

eletrônico no telefone. Quem sabe?

— Thayer – disse ela – pode vir à minha sala, por favor?

— Que foi agora? – indagou Thayer.

Mindy sorriu. Tinha se surpreendido agradavelmente com Thayer Core,

depois de constatar que ele não era um mero assistente, mas comungava

com ela nas suas maldades, paranóias e maus pensamentos. Ele lhe

recordava de quando tinha 25 anos ela mesma, e ela achava aquela sua

sinceridade revigorante.

— Preciso que me imprima mais uma coisa – disse ela. – A cores.

Dentro de mais alguns minutos, Thayer voltou com uma folha impressa

do catálogo da casa. Mindy prendeu a folha às duas colunas sexuais da

Lola sobre James e colou sobre as folhas um lembrete escrito em um

Post-it no qual tinha escrito “PSC”. Entregou as folhas ao Thayer. –

Poderia enviar isso ao meu marido, por mensageiro, por favor?


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Thayer olhou as páginas e, concordando admirado, disse:

— É, acho que isso vai funcionar.

— Obrigada – disse Mindy, dispensando-o com um gesto.

Thayer ligou para o serviço de mensageiros para mandar alguém pegar

o envelope de papel manilha onde ele colocou as folhas. Ao fazer isso,

ele soltou uma leve risadinha. Tinha passado meses ridicularizando a

Mindy Gooch mas agora, embora ainda a considerasse ligeiramente

ridícula, precisava reconhecer que aquela mulher era mesmo boa. Tinha

peito.

Algumas horas depois, Mindy ligou para James.

— Recebeu o envelope que eu te mandei? – indagou ela.

James murmurou que sim, aterrorizado.

— Bom, andei pensando no caso – continuou ela – e quero comprar

aquela casa. Imediatamente. Não quero esperar nem mais um dia. Vou

ligar para a corretora agora mesmo e fazer uma oferta.

— Excelente – disse James, amedrontado demais para parecer

entusiasmado.

Mindy recostou-se na sua cadeira, enrolando o fio do telefone no

dedo.

— Mal posso esperar para começar as reformas. Já tive todo tipo de

idéia. Com é que está o novo livro, aliás? Está progredindo?

No apartamento de cobertura do Número Um, Annalisa Rice analisava o

mapa de assentos do evento beneficente da Fundação Rei Davi, escrevendo

os números de várias mesas ao lado de cada nome da lista de vinte

convidados. Era, como sempre, um processo tedioso, mas alguém precisava

fazer isso, e agora que ela tinha substituído a Connie Brewer como

presidente da comissão encarregada da noite de gala, era dever dela.

Desconfiava que a Connie não estava a fim de lhe ceder seu posto, mas
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
como o julgamento do Sandy estava se aproximando, os outros componentes

do comitê acharam que Connie não devia participar do evento. A presença

da Connie podia fazer as pessoas se lembrarem do escândalo da Cruz da

Mary a Sangüinária, e, em vez de fazer a cobertura do evento, os

repórteres iriam falar dos Brewer.

O evento iria durar quatro dias, e devia ser ainda mais espetacular

do que no ano anterior. Rod Stewart iria se apresentar, e Schiffer

Diamond iria ser a apresentadora. Depois da morte do Billy, Annalisa e

Schiffer tinham se aproximado uma da outra, a princípio encontrando

consolo na companhia uma da outra, e depois percebendo que essa

tristeza mútua estava se transformando em uma verdadeira amizade. Sendo

figuras públicas, descobriram que tinham coisas em comum. Schiffer

sugeriu a Annalisa que contratasse sua agente, Karen; e Annalisa,

entrementes, apresentou Schiffer a sua estilista maluca, Norine. Madame

Superiora tinha sido interrompida para os atores tirarem férias, e

Schiffer costumava aparecer no fim da manhã no apartamento da Annalisa

para tomar café, no terraço do triplex. Às vezes a Enid vinha também.

Annalisa apreciava aqueles momentos. Enid tinha razão, uma cooperativa

residencial era como uma família, e as palhaçadas dos outros moradores

sempre rendiam umas risadas.

— Mindy Gooch finalmente aceitou meus conselhos e contratou o

Thayer Core – contou Enid uma certa manhã. – Então vamos passar um

certo tempo sem nos preocuparmos com ele. James, enquanto isso, está

tendo um caso com a Lola Fabrikant.

— Coitadinha dela – disse Schiffer.

— Mindy ou Lola? – indagou Annalisa.

— As duas – disse Schiffer.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Coitadinha da Lola, uma pinóia – exclamou a Enid. – Aquela é uma

cavadora de ouro. Pior que a Flossie Davis. Ela só queria morar no

Número Um e gastar o dinheiro do Philip.

— Não acha que foi meio cruel com ela, Enid? – indagou Schiffer.

— Absolutamente não. É preciso ser firme com esse tipo de garota.

Ela estava dormindo com o Thayer Core pelas costas do Philip, na cama

dele. Ela é como um vírus, parece que foi embora, mas volta - disse

Enid.

— Por que ela voltou? – perguntou Annalisa.

— Pura determinação maldirigida. Mas não vai chegar muito longe.

Vão ver – disse Enid.

Agora, recordando-se dessa conversa, Annalisa descobriu que não

podia culpar Lola por querer morar no Número Um. Ela, como Enid e

Schiffer, adorava aquele edifício. O único problema era o Paul. Depois

de ter ouvido falar do noivado de Schiffer com Philip, ele vivia

insistindo que ela usasse sua influência para obrigar a Enid e o Philip

a venderem os seus apartamentos, comentando que Philip ia precisar de

um apartamento novo e maior, e talvez a Enid também quisesse se mudar.

Não, respondeu a Annalisa. O plano era a Schiffer e Enid trocarem de

apartamentos, e aí a Philip e a Schiffer iriam fundir os dois

apartamentos do 13o. andar, para ficarem com um só apartamento grande.

Aí Paul sugeriu que eles se mudassem para um apartamento maior para

algo na faixa de preço de 40 milhões. Ela também se opôs a essa idéia.

— Muito caro, Paul – disse ela, perguntando-se até onde esse desejo

doentio dele por tudo do bom e do melhor iria parar. Eles deixaram

aquela discussão de ado quando Paul ficou algum tempo obcecado com a

compra de um avião, o novo G6, que levaria dois anos para ser entregue.

Paul tinha adiantado 20 milhões de dólares pelo avião, mas estava

reclamando amargurado das injustiças da vida, porque era o décimo-


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
quinto da fila e não o primeiro. Suas obsessões, notou Annalisa, eravam

ficando cada vez mais descontroladas, e ele, um ou dois dias atrás,

tinha jogado um vaso de cristal na Maria porque ela não tinha informado

a ele que dois peixes haviam chegado imediatamente depois da entrega.

Cada peixe custava mais de cem mil dólares e tinham sido especialmente

enviados do Japão. Mas a Maria não sabia, e tinha deixado os peixes nos

recipiente onde estavam durante cinco críticas horas, durante as quais

eles podiam ter morrido. Maria pediu demissão, e Annalisa lhe pagou

duzentos mil dólres, um ano de salário, para não processar o Paul.

Annalisa contratou duas novas caseiras em vez de uma, o que pareceu

deixar o Paul mais calmo, pois ele insistiu que a segunda iria cuidar

só dos peixes 24 horas por dia. Isso deixou Annalisa meio escabreada,

mas até que não foi muito ruim, comparado ao comportamento do Paul em

relação ao Sam.

— Foi ele – disse Paul uma noite, durante o jantar. – Aquele

safadinho. O Sam Gooch.

— Deixa de maluquice – disse Annalisa.

— Sei que foi ele – repetiu o Paul.

— Como?

— Ele me olhou de um jeito meio esquisito. No elevador.

— Um garoto de treze anos te olha de um jeito esquisito, e aí você

de repente tem certeza que foi ele? – disse Annalisa exasperada.

— Vou mandar segui-lo.

Annalisa deixou o garfo de lado.

— Deixa isso pra lá – aconselhou, firmemente.

— Ele me deve 26 milhões de dólares.

— Você acabou lucrando cem milhões naquele dia mesmo. O que são 26

milhões comparados a isso?

— Vinte e seis por cento – respondeu o Paul.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Annalisa presumiu que o Paul estava exagerando quando disse que ia

mandar seguir o Paul, mas algumas noites depois, enquanto ela se

preparava para ir para a cama, surpreendeu o Paul lendo um documento

detalhado que não se parecia com os diagramas e gráficos que ele

normalmente examinava antes de ir dormir.

— O que é isso? – indagou.

Paul olhou para ela.

— É o relatório sobre o Sam Gooch. Do detetive particular.

Annalisa arrancou o papel das mãos do marido e começou a ler em voz

alta.

— O suspeito esteve na quadra de basquetebol na Sexta Avenida... O

suspeito compareceu a uma excursão ao Museu da Ciência e Tecnologia...

O suspeito entrou no número 742 da Park e ficou lá durante três horas,

saindo depois e pegando o metrô na Lexington até a rua 14... – Ai,

Paul... – disse. Revoltada, rasgou o relatório e jogou tudo fora.

— Gostaria que não tivesse feito isso – disse Paul quando ela

voltou para a cama.

— E eu gostaria que você não tivesse feito o que fez – disse ela,

apagando a luz.

Agora, toda vez que pensava no Paul, formava-se um nó no seu

estômago. Parecia existir uma relação inversa entre a quantidade de

dinheiro que ele ganhava e sua estabilidade mental. Quanto mais

dinheiro ganhava, mais instável ele ficava, e como o Sandy Brewer

estava se concentrando em se preparar para o julgamento, ninguém estava

de olho no Paul.

Deixando de lado o mapa dos assentos, Annalisa subiu para trocar de

roupa. Os depoimentos do julgamento iminente do Sandy tinham começado,

e estando entre várias pessoas que tinham visto a cruz, Annalisa e Paul

tinham sido intimados. Paul tinha prestado depoimento no dia anterior,


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
e, seguindo um conselho do seu advogado, alegado não se lembrar de ter

visto a cruz, nem de ter conversado sobre ela, nem saber do

envolvimento potencial de Billy Litchfield. Aliás, alegou não se

recordar de Billy Litchfield, mas que podia ser que sua esposa o

conhecesse. Sandy Brewer compareceu ao depoimento, e ficou aliviado

diante da memória fraca do Paul. Mas Paul não sabia tanto quanto

Annalisa, e para piorar as coisas, o advogado tinha informado a ela que

Connie Brewer estaria presente no seu depoimento naquela tarde. Seria a

primeira vez que ela ia ver Connie em semanas.

Annalisa selecionou um terninho de gabardine branca que Billy teria

aprovado. Quando pensava nele agora, era sempre com uma ligeira

amargura. Sua morte tinha sido ao mesmo tempo desnecessária e sem

sentido.

O depoimento foi em uma sala de conferências nos escritórios da

firma dos advogados do Brewer. Sandy não estava presente, mas Connie

estava entre dois integrantes da equipe de advogados dos Brewers. À

cabeceira da mesa estava o procurador do Estado. Connie parecia

amedrontada e lívida.

— Vamos começar, Sra. Rice – disse o procurador. Estava com um

terno desalinhado e tinha furúnculos na pele. – Algum dia viu a cruz de

Mary a Sanguinária?

Annalisa olhou para a Connie, que estava olhando para suas mãos.

— Não sei – disse Annalisa.

— Como assim, não sabe?

— Connie me mostrou uma cruz, sim, mas não sei se era a Cruz de

Mary a Sangüinária ou não.

— Como a descreveu?

— Disse que tinha pertencido a uma rainha. Mas poderia ter qualquer

procedência. Pensei que fosse bijuteria.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Algum dia conversou com o Billy Litchfield sobre essa cruz?

— Não – mentiu Annalisa, firmemente. Billy tinha morrido por causa

daquela porcaria de cruz. Não bastava?

O interrogatório continuou durante mais uma hora e depois

dispensaram Annalisa. Connie acompanhou-a até o elevador.

— Obrigada por isso – murmurou.

— Ai, Connie – disse Annalisa, abraçando-a carinhosamente. – É o

mínimo que posso fazer. Como é que você está? Não podemos almoçar

juntas?

— Talvez – disse Connie, relutante. — Quando tudo isso terminar.

— Vai terminar logo. E tudo vai acabar bem.

— Isso eu não sei – disse Connie. – A Comissão Federal de

Comunicações proibiu o Sandy de continuar operando na bolsa porque ele

está sendo submetido a investigações, portanto não tem entrado nenhum

dinheiro. Já pus o apartamento à venda. Os honorários dos advogados são

exorbitantes. Até mesmo se o Sandy conseguir se safar, não sei se quero

continuar morando em Nova York.

— Que pena – disse Annalisa.

Connie deu de ombros.

— É só um lugar como qualquer outro. Estou pensando em mudar para

um estado onde ninguém nos conheça. Como Montana.

Naquela noite, quando Paul chegou em casa, Annalisa tentou lhe

contar como tinha passado o dia. Entrando no seu escritório, encontrou-

o de pé diante de seu aquário gigantesco, olhando fixamente seus

peixes. – Connie disse que eles vão ter que vender o apartamento –

comentou.

— É mesmo? – disse Paul. – Quanto querem por ele?

Ela o olhou, assombrada.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Não perguntei. Não sei por que, não me pareceu o momento

adequado.

— Talvez nós possamos comprá-lo – disse Paul. – É maior que este. E

estão desesperados, portanto provavelmente vão vender por um bom preço.

Os imóveis estão se desvalorizando. Eles vão precisar vender rápido.

Annalisa continuou olhando para o Paul, espantada, sentindo aquele

nó no estômago apertar-se de medo.

— Paul – disse ela, cautelosamente. – Eu não quero me mudar daqui.

— Talvez não – disse Paul, sem tirar os olhos dos peixes. – Mas eu

é que ganho dinheiro aqui. E a decisão final é minha.

Annalisa sentiu-se tensa. Movendo-se devagar, como se Paul

estivesse desequilibrado e não fosse mais possível que ele reagisse

como uma pessoa normal, ela foi se dirigindo para a porta. Parando,

disse baixinho:

— Como quiser, Paul – fechando com cuidado as pesadas portas duplas

atrás de si.

Na manhã seguinte, Lola Fabrikant acordou ao meio-dia, zonza e

ligeiramente de ressaca. Fez uma força descomunal para se levantar da

cama, tomou um analgésico e entrou no seu minúsculo banheirinho para

examinar seu rosto. Apesar da quantidade de álcool que havia consumido

na noite anterior em uma festa de aniversário para um rapper famoso,

sua pele parecia tão saudável quanto se tivesse acabado de voltar de um

spa. Nos últimos dois meses, ela havia aprendido que, por mais que

ingerisse álcool ou submetesse seu corpo a maus tratos, os efeitos

nunca se faziam notar no seu rosto.

Infelimente, não se podia dizer o mesmo do seu apartamento. O

minúsculo banheirinho estava imundo, com vários artigos de maquiagem,

cremes e poções espalhados por todos os lados. Um conjunto de sutiã e


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
calcinha da La Perla estavam amarrotados ao no chão ao lado do vaso

sanitário, onde os havia jogado para se lembrar de lavá-los à mão. Mas

nunca conseguia fazer tarefas domésticas ultimamente, e portanto seu

apartamento estava se tornando, conforme James Gooch dizia, um

verdadeiro “chiqueiro”. “Então encontra uma empregada pra mim”, tinha

respondido ela, acrescentando que as condições em que se encontrava seu

apartamento não pareciam impedir que ele quisesse vir até ali.

Ela entrou no box de plástico moldado, tão pequeno que ela batia

com o cotovelo na parede ao estender o braço para pegar o xampu,

recordando-se outra vez quanto detestava aquele lugar. Até mesmo Thayer

Core tinha conseguido um apartamento maior em um lugar melhor, o que

nunca cessava de comentar. Desde que tinha aceitado trabalhar com a

Mindy Gooch, Thayer tinha ficado chato e pegado mania de subir na vida,

muito embora fosse apenas, como Lola dizia, um assistente melhorado,

apesar do fato de ele ter um cartão onde se lia que era um assessor.

Ela ainda o visitava, mas só tarde da noite. Depois de passar quase a

noite inteira em boates, percebia que estava voltando para um

apartamento vazio, e, sentindo-se insuportavelmente sozinha, ligava

para ele e insistia que a deixasse passar a noite no seu apartamento.

Ele em geral deixava, mas a mandava sair com ele às oito e meia da

manhã, alegando que não confiava mais nela a ponto de deixá-la sozinha

em casa, e agora que tinha um apartamento decente, queria continuar

tendo.

Passando condicionador nos cabelos, ela se animou com a idéia de

que logo ela também teria um apartamento maior. Naquela tarde, tinha um

teste para um reality show. O filme Sex and the City tinha sido um

enorme sucesso, e agora alguns produtores estavam querendo fazer uma

versão para a tevê no estilo reality-show. Tinham lido a coluna sexual

dela, e, entrando em contato com ela através da sua página do Facebook,


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
pediram-lhe para vir fazer um teste, dizendo que ela seria a própria

Samantha na vida real. Lola concordou, mas não conseguia imaginar com

iria conseguir esse papel. Durante a semana anterior havia se imaginado

na capa da revista Star, como uma dessas moças daquela série The Hills.

Ia ser mais famosa que a Schiffer Diamond, e isso seria uma lição para

o Philip e a Enid. A primeira coisa que ia fazer com a grana ia ser

comprar um apartamento no Número Um. Mesmo que fosse um quarto e sala

minúsculo, não importava. Ia perseguir a Enid e o Philp e a Schiffer

Diamond pelo resto das vidas deles.

O teste era às duas, o que lhe dava tempo suficiente para comprar

um novo traje e se vestir. Enrolando-se em uma toalha, tirou uma caixa

de sapatos de baixo da cama e contou o dinheiro que tinha. Tinha levado

uns dois dias para se recobrar so ataque da Enid contra ela pelo

jornal, mas tinha se recuperado, e quando isso aconteceu, ela explicou

ao Marquee que agora era genuinamente famosa e ele precisava pagar um

salário melhor a ela. Pediu cinco mil dólares, o que o fez ter um

ataque histérico, mas ele concordou em aumentar o salário dela para

dois mil dólares. Até ali isso tinha lhe rendido oito mil dólares;

também tinha os dez mil que o Philip Oakland tinha lhe dado e os dois

mil que regularmente recebia do James Gooch. Como o James pagava seu

aluguel e contas, ela tinha conseguido economizar doze mil dólares. Ela

tirou da caixa três mil em notas de cem, que planejava gastar em alguma

coisa bem extravagante da Alexander McQueen.

Entrando na butique pela rua 14, imediatamente viu um par de botas

de camurça até a coxa com fivelas dos lados. Ao experimentá-las a

vendedora elogiou-a dizendo que só ela poderia usá-las, o que era tudo

de que a Lola precisava para se decidir. Comprou as botas, que custaram

dois mil dólares, e as levou para casa em uma caixa gigantesca. Calçou

as botas, fechando-lhes o zíper, e vestiu o vestido de bandagem Hervé


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Léger que tinha, de fato, comprado algumas semanas atrás. O efeito foi

surpreendente.

— Maravilhoso! – exclamou Lola, em voz alta.

Cheia de brio, ela pegou um táxi para o local do teste, embora

ficasse apenas a sete quarteirões de sua casa, no escritório de um

diretor de elenco muito conhecido. Entrando no prédio, Lola subiu o

elevador com um grupo de oito outras moças, obviamente também indo

fazer teste. Lola as avaliou e decidiu que era a mais bonita e não

precisava se preocupar com nada. Quando as portas do elevador se

abriram no décimo-quinto andar, havia ainda mais moças, de todos os

tamanhos e tipos, em uma fila ao longo do corredor.

Devia ser algum engano. A fila passava por uma porta e entrava em

uma salinha de espera. Uma moça passou com uma prancheta. Lola a deteve.

— Com licença – disse. – Eu sou a Lola Fabrikant. Marquei um teste

às duas horas.

— Desculpe – disse a mocinha. – mas é um teste aberto. Precisa

esperar na fila.

— Não espero em fila – disse Lola. – Eu sou redatora de uma coluna

sexual. Os produtores me contataram pessoalmente.

— Se não esperar na fila, não vai conseguir fazer o teste.

Lola ficou possessa, mas foi para o fim da fila.

Ficou mofando ali durante duas horas. Finalmente, depois de

percorrer o corredor a passo de lesma e entrar na salinha, chegou sua

vez. Ela entrou em uma sala de ensaios, onde quatro pessoas estavam

sentadas atrás de uma mesa comprida.

— Nome? – pediu um deles.

— Lola Fabrikant – disse ela, jogando a cabeça para um lado.

— Tem foto e currículo?


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Não preciso – disse Lola, surpresa por eles não parecerem

reconhecê-la. – Tenho uma coluna na Internet. Minha foto sai nela toda

semana.

Pediram que ela se sentasse numa cadeira. Um homem focalizou nela

uma câmera de vídeo, enquadrando-lhe o rosto, enquanto os produtores

faziam perguntas.

— Por que veio para Nova York?

— Eu... – Lola abriu a boca e ficou paralisada.

— Vamos começar de novo. Por que veio para Nova York?

— Porque... – E Lola tentou continuar, mas sentiu-se sufocada por

todas as explicações possíveis. Devia lhes contar sobre Windsor Pines e

como ela sempre tinha pensado que estava destinada a coisas maiores? Ou

seria arrogância demais? Talvez devesse começar por Philip. Ou como ela

sempre tinha se visto como uma personagem de Sex and the City. Mas não

era exatamente verdade. Aquelas mulheres eram mais velhas, ela era uma

jovem.

— Hã... Lola? – alguém perguntou.

— Sim? – disse ela.

— Pode por favor responder à pergunta?

Lola enrubesceu.

— Eu vim para Nova York... – começou outra vez, tensa, e depois deu

um branco na sua cabeça.

— Obrigado – disse um dos produtores.

— Quê? – indagou ela, assustada.

— Pode ir.

— Já acabei?

— Sim.

Lola levantou-se.

— Só isso?
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Sim, Lola. Você não é o que estávamos procurando, mas obrigado

por comparecer.

— Mas...

— Obrigado.

Abrindo a porta, ela ouviu um deles chamar: “A próxima.”

Meio confusa, Lola entrou no elevador. O que tinha acabado de

acontecer? Será que ela tinha pisado na bola? Descendo a Nona Avenida

na direção do apartamento, sentiu-se amortecida, depois zangada, depois

pesarosa, como se alguém tivesse acabado de morrer. Subindo os degraus

gastos até seu apartamento, perguntou-se se a pessoa que tinha acabado

de morrer era ela.

Jogou-se na cama desfeita, de olhos pregados em uma mancha de

infiltração de margens marrons no teto. Tinha imaginado todo o seu

futuro com base naquele teste, em conseguir aquele papel. E agora, duas

horas depois, tudo tinha terminado. O que iria fazer da sua vida agora?

Rolando para um lado, verificou suas mensagens de correio eletrônico.

Havia uma da mãe, desejando-lhe sorte no teste, e uma de James. James,

pensou ela. Pelo menos ainda tinha o James. “Liga pra mim”, ele tinha

escrito.

Ela digitou seu número. Eram quase cinco horas, um pouco tarde para

ligar, pois sua mulher às vezes voltava para casa mais cedo, mas Lola

não se importou.

— Alô? – atendeu o James, sussurrando alto.

— Sou eu, a Lola.

— Posso te ligar?

— Claro – disse Lola. Desligou, revirando os olhos e jogou o

celular na cama. Depois começou a andar de um lado para outro, para a

frente e para trás, diante do espelho de corpo inteiro que tinha

colocado contra uma das paredes nuas. Estava com uma aparência
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
espetacular, o que aqueles produtores queriam, pôxa? Por que não tinham

visto o que ela estava vendo? Fechou os olhos e sacudiu a cabeça,

tentando não chorar. Nova York não era justa. Ela já estava ali fazia

um ano inteiro e nada tinha saído como devia. Nem Philip, nem sua

“carreira”, nem mesmo o Thayer Core. Seu telefone tocou. Era o James.

— Que foi? – disse ela, chateada. E aí, lembrando-se de que o James

era um dos seus últimos recursos no momento, resolveu ser mais

simpática. – Quer vir até aqui? – convidou.

James estava do lado de fora, no Mews, com o Skippy, pois não tinha

se atrevido a ligar do apartamento.

— Preciso falar contigo sobre isso – disse ele, tenso.

— Então venha – respondeu ela.

— Não posso – disse ele, entredentes, olhando em torno de si para

ver se ninguém estava escutando. – Minha mulher descobriu que estamos

nos encontrando.

— Quê? – gritou Lola.

— Calma – disse James. – Ela encontrou sua coluna sexual. E pelo

jeito, leu tudo.

— O que vai fazer? – indagou Lola, curiosa. Se a Mindy se

divorciasse do James, novos horizontes se abririam diante dela.

— Não sei – murmurou James. – Ela ainda não disse nada. Mas vai

dizer.

— O que ela disse? – indagou Lola, ficando irritada.

— Diz que precisamos comprar uma casa no campo.

— E daí? – disse Lola, sem se preocupar. – Você vai se divorciar,

ela vai morar no campo e você fica na cidade. – E aí eu vou morar

contigo, pensou.

James hesitou.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
— Não é tão simples assim. Mindy e e... já estamos casados faz 15

anos. Temos um filho. Se nos divorciarmos, eu teria de lhe dar metade

de tudo. E não quero fazer isso. Eles me encomendaram outro livro, e

não quero me separar do meu filho.

Lola interrompeu-o. Em uma voz gélida, disse:

— O que está tentando me dizer, James?

— Acho que precisamos parar de nos encontrar – disse James,

depressa.

De repente, Lola sentiu que já estava farta.

— Você e o Philip Oakland – gritou – são iguaizinhos. Os dois são

uns cagões. Você me dá nojo, James. Todos vocês!


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Quinto Ato

Antes do julgamento do Sandy Brewer, o The New York Times publicou

uma série de histórias sobre a Cruz da Mary a Sanguinária. Um

historiador famoso declarou que a cruz tinha sido causa de não apenas

um crime, mas vários, durante os últimos quatrocentos anos, inclusive

assassinato. Um padre, que estava tomando conta do tesouro no século

XVIII, na França, tinha sido espancado até a morte, em um roubo de

rotina da sacristia. A lista de objetos roubados incluía quatro francos

e um penico, bem como a cruz. Os ladrões provavelmente não sabiam o que

tinham das mãos, e especulava-se que tinham vendido a cruz para um

sucateiro. Entretanto, dali a cruz parecia ter acabado nas mãos de uma

duquesa viúva dotada chamada Hermione Belvoir. Quando ela morreu a cruz

voltou a desaparecer.

Agora estava de volta, e Sandy Brewer ia ser julgado por roubo de

obra de arte. Se Billy ainda estivesse vivo, Annalisa recordou-se, ele

provavelmente teria levado a culpa do crime. Mas os mortos não falam, e

a defesa nunca tinha sido capaz de encontrar a misteriosa caixa de

madeira deixada para o Billy pela Sra. Houghton, ou nada que o ligasse

ao crime. Portanto, a promotoria caiu em cima do Sandy Brewer. Ele

tentou negociar, oferecendo-se para pagar uma multa exorbitante de mais

de dez milhões de dólares, mas nos meses que se seguiram à descoberta

da cruz o mercado de ações despencou assustadoramente, o preço do

petróleo subiu e as pessoas começaram a perder suas casas e seus fundos

de aposentadoria. Uma recessão estava às portas, se é que já não tinha

atravessado a soleira. Todo mundo, segundo alegava a promotoria, exigia

que rolasse a cabeça daquele gerente de fundos de hedge podre de rico,

que não só ganhava mais do que a fatia normal de dinheiro tirado dos
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
pobres, como ainda por cima tinha roubado um patrimônio nacional de

outro país.

Em conseqüência, todos voltaram a demonstrar interesse pela Sra.

Houghton. Suas boas obras, sua personalidade e suas motivações foram

analisadas em outra matéria extensa no Times. Na década de 70, quando o

Museu Metropolitano estava quase falido, a Sra. Houghton tinha

conseguido salvar aquela instituição venerável com uma doação de dez

milhões. Contudo, o rumor de que ela havia roubado a Cruz da Mary a

Sangüinária voltou a circular. Vários cidadãos de terceira idade

excêntricos que a conheciam foram entrevistados, inclusive a Enid,

todos insistindo que a Sra. Houghton era incapaz de tal ato. Alguém se

lembrou de que a Flossie Davis é que havia começado a espalhar a esse

boato, e o repórter tentou entrevistar a Flossie, mas Enid interveio.

Flossie era muito idosa, meio esclerosada, disse ela, e ficava

facilmente nervosa. Uma entrevista poderia literalmente matá-la.

Tirando vantagem do momento, a Sotheby’s realizou um leilão das

jóias da Sra. Houghton. Agora profundamente curiosa sobre a dona

anterior do apartamento, Annalisa Rice compareceu à exposição

preliminar das peças. Não gostava muito de jóias, mas enquanto olhava

os estojos que continham a extensa coleção da Sra. Houghton, ficou

emocionada. Um sentimento que a havia dominado, talvez, por causa do

fio conector que era a tradição e a percepção de que a vida de uma

mulher podia levar à vida de outra. Era por isso que as mães passavam

suas coisas para suas filhas, supunha. Era uma transferência de poder,

essa transferência de posses. Mas principalmente, decidiu Annalisa, era

uma questão de pertencer, bem como de devolver as coisas aos seus

devidos lugares. O lugar das jóias da Sra. Houghton era onde sempre

tinham estado, no apartamento de cobertura do Número Um da Quinta

Avenida. Dando lances agressivamente no leilão, conseguiu comprar doze


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
jóias. Quando as trouxe para casa e colocou-as no porta-jóias grande

sobre sua mesa, sentiu uma sensação estranha, como se o apartamento

estivesse quase completo.

Annalisa Rice resolveu usar as jóias da Sra. Houghton pela primeira

vez na noite de gala da Fundação Rei Davi. Inclinando-se diante do

espelho no vasto banheiro de mármore, prendeu um par de brincos de

brilhantes e pérolas nas orelhas e recuou para avaliar o efeito. As

pérolas grandes eram de um amarelado natural, que complementou seus

cabelos castanho-avermelhados e seus olhos cinzentos. Isso a fez se

lembrar uma vez mais do Billy e de como ele teria ficado contente com o

apartamento e com ela. Ajeitando os brincos, assustou-se ao ouvir a voz

do Paul.

- No que está pensando? – indagou ele.

Ela olhou para cima e o viu de pé à porta, contemplando-a.

- Em nada – disse ela, rápido, depois acrescentou: - O que está

fazendo em casa? Pensei que fosse encontrar-se comigo lá na festa.

- Mudei de idéia – disse ele. – É nossa grande noite. Achei que

devíamos ir juntos.

- Que ótimo.

- Você não parece contente.

- Estou, Paul. Estava só pensando no Billy Litchfield. Só isso.

- De novo? – indagou Paul.

- Sim, de novo – repetiu ela. – Ele era meu amigo. Eu provavelmente

nunca deixarei de pensar nele.

- Por quê? – indagou Paul. – Ele morreu.

- Morreu, sim – disse ela, sarcasticamente, passando por ele, e

entrando no quarto do casal. – Mas se o Sandy não tivesse sido preso,

ele ainda estaria vivo. Abriu o armário. – Não devia começar a se

aprontar?
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- O que o Billy tem a ver com isso? – disse Paul. E tirou os

sapatos, começando a remover a gravata. – Quero que pare de pensar no

Billy Litchfield.

- Agora vai querer mandar nos pensamentos da gente também?

- Está na hora de superar o passado e seguir em frente – disse ele,

desabotoando a camisa.

- Foi o Billy que vendeu a cruz para o Sandy - disse Annalisa. – O

Sandy deve ter lhe contado.

Paul deu de ombros.

- Não contou. Mas em toda manobra comercial, há em geral um

elemento aleatório que não se prevê. Creio que o Billy Litchfield era

esse elemento.

- Do que está falando agora, hein, Paul? – indagou Annalisa, saindo

do armário embutido com um par de sapatos de salto alto de tirinhas

douradas. – Que manobra comercial? – Abriu a caixa de jóias e tirou

dela uma pulseira de platina e brilhantes art-déco que também tinha

pertencido à Sra. Houghton.

- Do Sandy Brewer – disse Paul. – Se eu não o tivesse tirado da

jogada, você não estaria aqui se enfeitando com as jóias da Louise

Houghton.

Annalisa ficou paralisada.

- Como assim? – perguntou, procurando fechar a pulseira.

- Ora, Annalisa, convenhamos – disse Paul. – Sabia que o Sandy

provavelmente ia me demitir. Por causa daquele atraso. Do contrato da

China. Como é que eu ia saber que o Billy Litchfield estava metido na

história da compra da cruz? Mas se a gente for analisar a fundo mesmo,

a culpa é toda do Sam Gooch. Se o Sam não tivesse cortado os cabos, eu

não teria sido obrigado a fazer o que fiz.

- O que você fez, Paul? – indagou Annalisa, baixinho.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Fui eu quem mandei a mensagem de correio eletrônico para o Times

sobre a cruz – disse Paul, espichando o pescoço enquanto colocava a

gravata em torno do colarinho. – Brincadeira de criança – disse ele,

puxando as extremidades da gravata. – Um joguinho de dominós, só isso.

Se a gente der um peteleco em um, todos eles caem.

- Pensei que tivesse sido o Craig Akio que tivesse mandado aquela

mensagem - disse Annalisa, procurando não se exaltar.

- Isso também foi moleza – disse Paul. – Uma conta de e-mail falsa,

qualquer um pode fazer isso. – Vestiu o smoking. – Foi um golpe de

mestre e de sorte. A melhor forma de se livrar de duas pessoas ao mesmo

tempo. Fazer com que uma tire a outra da jogada.

- Meu Deus, Paul – disse Annalisa, com a voz ligeiramente trêmula.

– Será que ninguém está seguro perto de você?

- Não neste prédio – disse ele, indo até o armário. – Ainda preciso

pensar num modo de expulsar a Mindy Gooch e aquele pentelhinho do filho

dela do Número Um. Quando eles tiverem saído, planejo usar o

apartamento deles para suas funções originais: um mero depósito.

Calçou os sapatos envernizados e estendeu o braço.

- Está pronta? – perguntou, despótico, vendo-a ainda ali parada,

tentando fechar a pulseira. – Deixe-me ajudá-la.

- Não – gritou ela, recuando para afastar-se dele. Nesse momento, o

gancho encaixou-se na argola, e, recobrando-se, ela ergueu o pulso. Com

uma risada nervosa, disse: - Tudo bem. Consegui fechar sozinha.

A primeira coisa que Annalisa fez quando assumiu o posto de

presidente do comitê de organização da festa beneficente da Fundação

Rei Davi foi transferir o evento para o novo Plaza reformado. Saindo do

Town Car que Annalisa tinha mandado para buscá-la, Enid concordou com a
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escolha, meneando a cabeça. Com a restauração do grande hotel, talvez

Nova York voltasse a ser o que era antes, pensou ela, vagarosamente

subindo pelo tapete vermelho que levava à grandiosa portaria. Havia

paparazzi dos dois lados, e ouvindo-os chamarem o seu nome, Enid fez

uma breve pausa e meneou a cabeça bem penteada, gostando do fato de os

paparazzi ainda quererem tirar-lhe a foto. Logo ao entrar, viu uma fila

de tocadores de gaita de foles. Um jovem de terno preto apareceu e

pegou-lhe o braço.

- Aí está a senhora, Sra. Merle – disse ele. – Annalisa Rise me

pediu para escoltá-la.

- Obrigada – disse Enid. Philip queria vir com ela, como nos velhos

tempos, mas Enid tinha recusado. Podia perfeitamente ir sozinha, e além

disso, agora que o Philip estava noivo, devia ir com a noiva. Era hora

de seguir adiante, tinha insistido ela. E assim, Philip e Schiffer

tinham ido na frente para enfrentarem a imprensa, que era como devia

ser.

O evento iria ser no salão dourado e branco e era preciso subir

três andares. Enid sempre tinha ido pelas escadas, que eram de mármore

e pareciam parte de um cenário de filme, mas seu amável acompanhante a

levou até o elevador. Enid olhou em torno de si, para aquela caixa de

metal, e sacudiu a cabeça.

- O efeito não é o mesmo, não sei por quê – comentou.

- Como foi que disse? – indagou o rapaz?

- Deixa, não tem importância.

As portas do elevador se abriram diante do amplo saguão onde se

serviam sempre os coquetéis em noites como aquela, e Enid voltou a

sentir-se melhor, vendo que nada tinha realmente mudado. Então Annalisa

Rice avançou e, beijando-a nas duas faces, disse:

- Mas que bom que você veio!


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Eu não teria perdido isso, minha querida – disse Enid. – Seu

primeiro grande evento beneficente. E você como presidente do comitê.

Vai fazer um discurso? A presidente sempre faz um discurso, lembra?

- Vou. Escrevi umas coisinhas esta tarde.

- Muito bem – disse Enid. – Está nervosa? Não devia. Você conheceu

o presidente, lembra?

Annalisa pegou Enid pelo braço e levou-a até um canto da sala.

- Paul fez uma coisa terrível. Ele acabou de me contar. Foi sem

querer, enquanto estávamos nos vestindo...

Enid a interrompeu.

- Seja o que for, deve se esquecer disso. Tire isso da cabeça.

Precisa comportar-se como se tudo estivesse indo às mil maravilhas, não

importa o que esteja sentindo. As pessoas esperam isso de você neste

momento.

- Mas...

- Billy Litchfield teria lhe dito a mesma coisa que eu – disse

Enid. Vendo a expressão horrorizada da Annalisa, Enid acariciou-lhe o

braço, tranquilizando-a. – Melhore essa cara, querida. Assim está

melhor. Agora vá. O salão está “assim” de gente querendo falar com você.

- Obrigada, Enid – disse Annalisa. Afastou-se, e Enid entrou no

salão. Várias mesas compridas com toalhas brancas estavam contra as

paredes, mostrando os objetos que seriam vendidos por meio de um leilão

silencioso. Enid parou diante de uma grande foto a cores de um iate

enorme. Abaixo dela havia uma descrição do iate e uma folha onde se

podiam escrever os lances. “The Impressor”, era o nome da embarcação.

“Um super-iate de 250 pés. Quatro quartos de luxo com camas king-size.

Tripulação de doze membros inclusive instrutores de ioga e de mergulho.

Disponível em junho. Lance inicial: 250 mil por semana.

Enid deixou de olhar a página e viu Paul Rice ao seu lado.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Devia dar um lance nesse iate – disse.

Paul, sem saber por quê, olhou-a indignado, embora Enid pensasse

que provavelmente essa era sua reação do costume ao ser cumprimentado

por pessoas que mal conhecia.

- Acha mesmo? Por quê?

- Todos sabemos que tem um aquário, querido – disse Enid. –

Obviamente gosta de peixes. Tem um instrutor de mergulho a bordo. O

oceano é como um aquário gigantesco, pelo menos é que eu acho. Alguma

vez já mergulhou?

- Não – disse Paul.

- Ouvi dizer que é muito fácil de aprender – disse Enid, afastando-

se.

Aí soou o gongo que anunciava o jantar.

- Nini! – exclamou Philip, acabando de encontrá-la no meio da

multidão. – Já estou te procurando faz tempo. Onde você estava?

- Batendo papo com o Paul Rice.

- Por que diabo ia querer fazer isso? Principalmente depois de todo

o tumulto que ele causou no edifício?

- Gosto da mulher dele – declarou Enid. – Não seria excelente se o

Paul sofresse algum tipo de acidente e a Annalisa acabasse ficando

sozinha no apartamento, sem ter que aturá-lo?

- Está planejando um assassinato? – indagou Philip, rindo depois.

- Claro que não, querido – disse Enid. – Mas já aconteceram antes.

- Assassinatos? – indagou Philip, sacudindo a cabeça.

- Não, querido – respondeu Enid. – Acidentes.

Philip revirou os olhos e levou-a até a mesa principal. Eles

estavam com Annalisa e Paul Rice, e Schiffer, naturalmente, e algumas

outras pessoas que Enid não conhecia, mas que pareciam ser colegas do
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Paul. Schiffer estava ao lado do Paul, e Philip estava ao seu lado,

seguido de Enid.

- Este evento é mesmo maravilhoso, não – disse Schiffer ao Paul,

tentando puxar conversa.

- Bom para os negócios. Só isso – respondeu o Paul.

Philip passou o braço por trás das costas da Schiffer, tocando-lhe

a nuca. Schiffer inclinou-se para ele, e eles se beijaram rapidamente.

Do outro lado da mesa, Annalisa assistiu a isso com uma pontada de

inveja. Ela e Paul nunca mais iriam ter esses momentos, pensou. Pondo-

se de pé para discursar, perguntou-se o que seria deles.

Dirigiu-se ao púlpito. Em um monitor diante dela, estava uma cópia

do seu discurso. Annalisa olhou para o mar de rostos. Algumas pessoas

pareciam estar na expectativa, outras estavam recostadas nas cadeiras,

fazendo cara de esnobes. E por que não fariam cara de esnobe? pensou.

Eram todos ricos. Tinham helicópteros, aviões e casas de campo. E obras

de arte. Obras de arte a valer. Exatamente como ela e Paul. Olhou de

relance para ele. Estava tamborilando na mesa, como se mal pudesse

esperar para que aquilo tudo terminasse.

Ela inspirou e, resolvendo não ler o que tinha preparado, disse:]

- Gostaria de dedicar esta noite ao Billy Litchfield.

Paul esticou o pescoço, mas Annalisa prosseguiu.

- Billy viveu valorizando a arte, em vez do dinheiro, o que

provavelmente vai parecer uma idéia horripilante para quem pertence ao

mundo financeiro. Mas Billy conhecia o real valor da arte, que não

estava no preço de uma pintura, mas no que ela proporcionava em termos

espirituais. Todas as doações que vocês fizerem esta noite serão para

crianças que não têm o privilégio de ter contato com a arte. Mas com a

Fundação Rei Davi, podemos mudar isso.

Annalisa sorriu, tomou fôlego e prosseguiu.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Ano passado, angariamos vinte milhões de dólares. Esta noite

queremos elevar essa quantia. Quem está disposto a se levantar e se

comprometer a fazer uma doação?

- Eu – anunciou um homem bem na frente. – Meio milhão de dólares.

- Meio milhão também – disse outro.

- Um milhão – gritou alguém.

- Dois milhões.

Para não ficar para trás, Paul também se levantou.

- Cinco milhões de dólares – disse.

Annalisa olhou-o espantada, seu rosto impassível. Depois concordou,

sentindo-se empolgada. As doações continuaram:

- Cinco milhões também! – exclamou outro homem.

Em dez minutos já haviam terminado. Ela angariou trinta milhões.

Ah, pensou. Então era só isso.

Depois, ao voltar para sua cadeira, Enid estendeu a mão e agarrou-

lhe o pulso. Annalisa abaixou-se para ouvir o que ela ia dizer.

- Muito bem, querida – murmurou Enid. – A Sra. Houghton não poderia

ter feito melhor! – Depois olhou de relance para o Paul, e, puxando

Annalisa mais para perto de si, continuou: - Você se parece muito com

ela, querida. Mas precisa se lembrar de não ir longe demais.

Seis semanas depois, Annalisa Rice debruçou-se sobre a balaustrada

do super-iate e assistiu enquanto Paul e o instrutor de mergulho de

bordo desapareciam sob a superfície das águas da Grande Barreira de

Recifes. Virou-se, e quase imediatamente, uma moça da tripulação de

doze integrantes aproximou-se dela.

- Posso buscar alguma coisa para a senhora, Sra. Rice? Chá gelado,

talvez?

- Chá gelado seria excelente.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- A que horas deseja almoçar? – indagou a moça.

- Quando o Sr. Rice voltar. Por volta da uma hora.

- Ele vai mergulhar à tarde outra vez?

- Espero que não – disse Annalisa. – Ele não pode.

- Não, senhora – disse a moça, concordando, e foi até a cozinha

buscar o chá.

Annalisa subiu os dois lances de escadas para o convés superior,

onde havia oito espreguiçadeiras em torno de uma piscininha. A um

extremo estava uma cabana coberta com mais cadeiras; do outro lado um

bar. Annalisa deitou-se em uma das espreguiçadeiras ao sol,

tamborilando com os dedos na armação de teca. Estava entediada. Era um

pensamento terrível, principalmente para alguém que estava em um super-

iate de 250 pés. No convés de cima, no ponto mais alto da embarcação,

havia um helicóptero, uma lancha e uma série de JetSkis, e outros

brinquedos aquáticos que ela podia usar para se distrair. Mas não

estava interessada. Ela e Paul já estavam há duas semanas naquele iate,

e ela estava ansiosa para voltar para o Número Um, onde pelo menos

podia ficar longe do Paul durante o dia. Mas o Paul não queria saber de

voltar. Tinha se apaixonado pelo seu novo passatempo, o mergulho, e se

recusava a interromper as férias. Tinha gasto dois milhões de dólares

naquele iate, explicava ele, para passar à frente de outro convidado,

que tinha dado um lance cem mil dólares mais baixo. Planejava

aproveitar ao máximo o que tinha comprado. Ela não podia ser contra

isso, podia? Além do mais, acrescentou ele, tinha sido a vizinha de

baixo, como era mesmo o nome dela, Enid sei lá de quê, que tinha

sugerido que ele desse um lance naquele iate.

Annalisa achou isso estranho, assim como estranhou o comentário da

Enid para ela não ir longe demais. Annalisa não conseguiu entender o

que a Enid queria dizer, mas tinha certeza de que Enid não queria mais
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
o Paul no prédio. Talvez ela achasse que um mês sem o Paul era melhor

do que nada. Mas não precisava ter se preocupado. Provavelmente ia

conseguir o que desejava, pois Paul vivia dizendo que queria vender o

apartamento do Número Um assim que eles voltassem.

- Aquele apartamento é pequeno demais para nós – reclamava.

- Nós somos só dois – disse Annalisa. – De quanto espaço acha que

precisa para dominar o mundo?

- Muito – disse Paul, sem entender o sarcasmo dela.

Ela havia sorrido, mas como era hábito dela agora, não reagiu.

Desde que Paul havia lhe contado que tinha tramado a queda do Sandy e

consequentemente a morte do Billy Litchfield, Annalisa passava os dias

no piloto automático, tentando imaginar o que fazer com o Paul. Não

sabia mais quem ele era, e ele era perigoso. E quando tinha tocado no

assunto do divórcio, Paul não quis saber de ouvir.

- Se quer mesmo se mudar – arriscou-se ela a dizer uma noite,

enquanto ele alimentava os peixes – talvez devesse fazer isso. Eu podia

ficar com o apartamento...

- Está querendo dizer, nos divorciarmos? – perguntou Paul,

baixinho.

- Sim, Paul, hoje em dia isso acontece.

- O que a faz pensar que eu lhe daria o apartamento? – tinha dito

ele.

- Eu é que decorei tudo aqui.

- Com meu dinheiro – disse ele, rindo.

- Desisti da minha carreira por sua causa. Mudei-me para Nova York.

- E não vem sendo assim tão duro para você, vem? – respondeu Paul.

– Pensei que adorasse morar aqui. Pensei que adorasse o Número Um da

Quinta Avenida. Embora eu não consiga entender por quê.

- Isso não vem ao caso.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Tem razão – tinha dito Paul, dando as costas aos seus peixes e

indo ficar ao lado da sua mesa. – Não vem ao caso. O que vem ao caso é

que divórcio está fora de cogitação. Tenho tido algumas reuniões com o

governo indiano. Eles podem estar interessados em fazer a mesma coisa

que os chineses. Um divórcio agora seria inconveniente.

- E quando seria conveniente? – indagou ela.

- Não sei. – E apertou uma tecla do computador. – Por outro lado,

como já sabe, devido ao caso do Billy Litchfield, a morte pode ser uma

solução bem mais prática. Se o Billy não tivesse morrido, provavelmente

estaria preso. Isso teria sido terrível. Sabe-se lá o que acontece com

gente como ele na cadeia?

Ela tinha recebido a resposta à sua pergunta. E desde esse dia

ficava ponderando se seria apenas uma questão de tempo antes de Paul

também a matar. Que deslize imaginário seria a gota d’água para ele? Se

ficasse com ele, estaria ela mesma em uma prisão, sempre de olho nele,

tentando lhe avaliar o humor, vivendo com medo do dia em que não

conseguiria abrandar-lhe a fúria.

Paul voltou do mergulho meia hora depois, cheio de informações

sobre os vários tipos de seres marinhos que tinha visto. À uma hora,

eles se sentaram em extremos opostos de uma longa mesa coberta com uma

toalha de linho branca imaculada e comeram lagosta com salada de frutas

cítricas.

- Vai mergulhar esta tarde? – indagou ela.

- Estou pensando em ir. Quero explorar o naufrágo do Endeavor. O

navio do Capitão James Cook.

Entraram dois criados de uniformes cinzentos e luvas brancas.

Tiraram os pratos e cuidadosamente colocaram os talheres de sobremesa

na mesa.

- Gostaria de tomar mais um pouco de vinho, madame?


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Não, obrigada – disse Annalisa. – Estou com uma ligeira dor de

cabeça.

- É a pressão barométrica. Está mudando. Pode ser que o tempo fique

ruim amanhã.

- Eu quero mais vinho – disse Paul.

Enquanto o garçom lhe enchia a taça, Annalisa falou:

- Gostaria muito mesmo que você não fosse mergulhar esta tarde.

Sabe que é perigoso fazer mais de dois mergulhos por dia.

Principalmente depois de consumir bebidas alcoólicas.

- Mas eu tomei menos de dois copos – disse Paul.

- E já basta – protestou ela.

Paul fingiu que não havia escutado aquela observação dela e tomou

mais um gole de vinho, para afrontá-la.

- Estou de férias. Faço o que quiser.

Depois do almoço, Annalisa foi à cabine para tirar um cochilo.

Enquanto estava deitada na cama de casal king-size, Paul entrou para

trocar de roupa.

- Não sei, não – disse ele, bocejando. – Pode ser que eu não vá

mergulhar, mesmo.

- Que bom que está sendo sensato – disse Annalisa. – E ouviu o que

o garçom disse. A pressão está mudando. É melhor evitar mergulhos

durante uma tempestade.

Paul olhou pela escotilha da cabine.

- Lá fora o sol está brilhando – disse ele, com aquela sua mania de

contrariar todos. – Se eu não for, pode ser que eu só vá ter outra

chance daqui a vários dias.

Enquanto estava vestindo seu traje impermeável, o capitão do iate

apareceu, com uma tabela de mergulho.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Sr. Rice – disse – preciso lhe recordar de que este é seu

terceiro mergulho profundo hoje. Só pode ficar lá embaixo no máximo

trinta minutos, e vai precisar descontar dez minutos desse tempo para

voltar à superfície.

- Conheço bem todo esse negócio de proporção entre

tempo/nitrogênio/oxigênio – disse Paul. – Faço cálculos desde que tinha

três anos de idade. – E segurando o regulador diante do rosto, pulou

dentro d’água.

Enquanto Paul descia, imponderável, sentindo familiar alegria

infantil recentemente descoberta de não estar tolhido pela gravidade, o

instrutor de mergulho autônomo do iate veio reunir-se a ele. A água

estava particularmente transparente na Grande Barreira de Recifes, até

mesmo a 24 metros de profundidade, de modo que Paul não teve

dificuldade de encontrar o naufrágio. O antigo navio era fascinante, e

enquanto Paul entrava e saía do seu casco, sentiu-se invadido por uma

sensação de pura felicidade. Era por isso que não conseguia parar de

mergulhar, disse consigo. Depois lembrou-se de um detalhe do manual de

mergulho e tentou advertir a si mesmo de que aquela sensação de euforia

podia ser sinal do início de narcose por nitrogênio, mas rapidamente

deixou de lado essa idéia. Certamente teria mais cinco ou dez minutos.

A sensação de euforia aumentou, e quando Paul viu o instrutor fazendo

sinal para que ele subisse, em vez de obedecer a ele, afastou-se. Pela

primeira vez na vida, pensou irracionalmente, negando as rígidas regras

daqueles monstruosos números, que haviam dominado toda sua vida. Estava

livre.

O instrutor de mergulho perseguiu-o, e a seguir aconteceu uma luta

submarina do tipo que só se vê nos filmes de James Bond. Finalmente, o

instrutor venceu, contorcendo-se até ficar atrás de Paul e dar-lhe uma

gravata. Devagar, eles subiram até a superfície, mas já era tarde. Uma
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
bolha de ar havia se formado e ido se situar na espinha de Paul;

enquanto ele subia, a bolha expandiu-se rapidamente. Quando Paul

atingiu a superfície, ela explodiu, dilacerando-lhe os nervos da coluna.

- Ei, olá! - gritou Enid, chamando Annalisa Rice. Annalisa olhou

por cima da balaustrada do terraço, onde estava supervisionando a

montagem de uma enorme tenda branca, e viu Enid acenando para ela,

entusiasmada. – Um repórter lá do jornal acabou de telefonar para mim,

o Sandy Brewer foi condenado. Vai ser preso.

- Venha aqui em cima me contar tudo – disse Annalisa.

Dentro de alguns minutos, Enid chegou ao terraço, ligeiramente

arquejante, abanando o rosto. – Está tão quente! Mal consigo acreditar

que é setembro, de tão quente que está o tempo. Eles dizem que vai

fazer 36 graus no sábado, e provavelmente teremos um temporal com

trovoadas e relâmpagos.

- Vai dar tudo carto – disse Annalisa. – Vamos ter a tenda e o

apartamento inteiro. Tirei a maior parte das coisas do Paul do salão de

baile, portanto também podemos usar aquele espaço.

- Como está o Paul? – indagou Enid, só por educação.

- Exatamente do mesmo jeito – disse Annalisa. E como sempre fazia

quando falava do Paul, murmurou, sacudindo solenemente a cabeça. – Eu

fui visitá-lo hoje de manhã.

- Minha querida, não sei como consegue suportar isso – disse Enid.

- Sempre existe a possibilidade de que ele se recupere. Dizem que

milagres realmente acontecem.

- Então ele podia terminar virando um outro Stephen Hawking – disse

Enid, tranquilizando-a, e dando-lhe tapinhas carinhosos no braço.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Decidi fazer uma doação ao hospital em nome do Paul para eles

construírem uma enfermaria. Mesmo que ele nunca saia do coma, dentro de

dez anos é possível que alguém com lesões semelhantes saia.

- Fez muito bem, querida – disse Enid, meneando a cabeça para

enfatizar suas palavras. – E ainda vai visitá-lo todos os dias. É tão

admirável!

- Só trinta minutos de helicóptero – disse Annalisa, passando para

o interior do apartamento, que estava fresco. – Mas fale-me do Sandy.

- Bom – disse Enid, inspirando profundamente, com tanta intensidade

quanto a importância da notícia a dar. – Ele foi condenado a cinco

anos.

- Coisa horrível.

- O promotor queria usá-lo como exemplo. Ele vai sair antes, tenho

certeza. Talvez dois anos e meio. E depois que sair, todos vão se

esquecer o que houve. Sempre esquecem. O que não entendo é como o Sandy

Brewer conseguiu aquela cruz, antes de mais nada.

- Não sabe? – indagou Annalisa.

- Não, minha querida. Não sei.

- Venha comigo – disse Annalisa. – Tenho uma coisa para lhe

mostrar.

Levou Enid para o seu quarto, no andar de cima. Ali, sobre sua

escrivaninha, estava a caixa de madeira que a Sra. Houghton tinha

deixado para Billy.

- Está reconhecendo isso? – perguntou Annalisa, abrindo a tampa.

Tirou as jóias que havia comprado do espólio da Sra. Houghton, e,

apontando para a dobradiça atrás da caixa, ofereceu a caixa para que

Enid a inspecionasse. – Tem um fundo falso – disse ela.

- Ai, meu Deus do céu – disse Enid, pegando a caixa e examinando-a.

– Então era aí que ela guardava a cruz. – E devolveu a caixa à


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Annalisa. – Seria típico da Louise. Esconder a cruz assim, na cara de

todos. Como foi que conseguiu essa caixa, querida?

- Foi Schiffer quem me deu. Depois da festa beneficente da Fundação

Rei Davi. Ficou comovida pelo que eu disse sobre o Billy. Insistiu para

que eu ficasse com ela.

- Mas e ela, como foi que obteve a caixa?

Annalisa sorriu.

- Também não sabe isso? Ela a encontrou no apartamento do Billy, no

dia em que o encontrou morto.

- Garota inteligente – disse Enid. – Estou tão feliz por Philip e

ela terem se finalmente se casado.

- Vamos subir – convidou Annalisa. – Quero que veja o salão de

bailes.

- Ah, minha querida, está maravilhoso – exclamou Enid, passando

pelas amplas portas duplas. O piso tinha sido restaurado, voltando a

ser xadrez, de mármore preto e branco, o aquário tinha sido removido, e

a lareira de mármore tinha acabado de ser polida, revelando os entalhes

intrincados que contavam a história da deusa Atena. Felizmente, Paul

nunca tinha mexido no teto, portanto o afresco de céu e querubins

continuava lá. Espalhadas pelo salão estavam mesas e cadeiras, e vasos

com arranjos de lírios brancos e lilases. A fragrância no salão era

celestial, e, passeando até a lareira, Enid examinou os entalhes

complexos.

- Maravilha – disse ela, concordando. – Você conseguiu fazer muita

coisa em tão pouco tempo.

- Sou muito eficiente – respondeu Annalisa. – E naturalmente,

precisava de alguma coisa para me ocupar. Depois do acidente do Paul.

Ainda não é apropriado aparecer em público.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Não, imagina, querida – disse Enid. – Deve evitar isso, pelo

menos mais uns seis meses, pelo menos. Mas um evento no seu próprio

apartamento não tem importância. E só são 75 convidados.

- Convidei a Mindy e o James Gooch. E o Sam – disse Annalisa. –

Para mim, a Mindy é como uma dessas bruxas velhas de um conto de fadas

dos irmãos Grimm. Se a gente não convidar, ela te roga praga.

- É verdade – concordou Enid. – E é sempre maravilhoso ter crianças

em um casamento. – E contemplou o salão, satisfeita. – Ah, como nos

divertimos neste salão. Quando Louise era viva, e ainda jovem... Todos

queriam ser convidados para essas festas, e todos compareciam. Desde

Jackie Onassis até Nureyev, a princesa Grace quando ainda era Grace

Kelly. Até a Rainha Elizabeth veio uma vez. Trouxe seus próprios

seguranças. Uns homens bonitos, de ternos feitos sob medida.

- Mas agora sabemos que a Sra. Houghton era uma ladra – disse

Annalisa, olhando Enid nos olhos. – Ou pelo menos é o que parece.

Enid tropeçou ligeiramente, e Annalisa lhe permitiu apoiar-se no

seu braço.

- Está se sentindo bem? – indagou, levando-a até uma cadeira.

Enid levou a mão ao coração.

- Sim, querida. É o calor. Os velhos não se dão bem com calor. Por

isso a gente vive escutando essas histórias horríveis de gente velha

que morre durante as ondas de calor. Pode me arranjar um pouco d’água,

por favor?

- Naturalmente – disse Annalisa. Apertou o botão do comunicador. –

Gerda? Podia por favor trazer água gelada para a Sra. Merle aqui em

cima no salão?

A água chegou depressa, e Enid tomou um gole comprido dela.

- Agora estou melhor. Do que estávamos falando mesmo, querida?

- Da cruz. E da Sra. Houghton.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Enid desviou o olhar.

- Você se parece tanto com ela, querida... Na noite de gala eu

percebi isso.

Annalisa riu.

- Está dizendo que tenho alguma antigüidade preciosa escondida no

apartamento?

- Não, querida – disse a Enid. – A Sra. Houghton não roubou nada.

Podia ser outras coisas, mas não era de roubar antigüidades de museus.

Annalisa sentou-se na cadeirinha dourada do salão de baile ao lado

da Enid.

- Então como a obteve?

- Você é extremamente curiosa – disse Enid.

- Só estou interessada em saber.

- É melhor nunca revelar certos segredos.

- Billy Litchfield morreu por causa dela.

- Sim, querida – disse Enid, acariciando-lhe a mão. – E até agora

há pouco, quando me mostrou a caixa, eu nunca imaginei que o Billy

Litchfield estivesse envolvido na venda da cruz. Não era o tipo de

coisa que ele faria.

- Estava desesperado – disse Annalisa. – O edifício dele ia se

transformar em cooperativa residencial e ele não tinha dinheiro para

comprar o apartamento onde morava. Estava crente que teria que ir

embora de Nova York.

- Ah, Nova York – disse Enid, tomando mais um gole de água. – Nova

York sempre foi um lugarzinho complicado. Esta cidade, no fim das

contas, é maior do que qualquer um de nós. Já moro aqui faz mais de 70

anos, e já vi isso acontecer milhares de vezes. A cidade continua, mas

as pessoas não, e são atropeladas pelas circunstâncias. Foi isso,

infelizmente, o que certamente aconteceu com o Billy. – Enid recostou-


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
se na cadeira. – Estou cansada, querida – disse. – Eu também estou

envelhecendo.

- Não – disse Annalisa. – Não foi Nova York. Paul é que foi o

responsável. Sandy Brewer lhe mostrou a cruz certa noite. Paul achou

que o Sandy ia demiti-lo porque tinha perdido 26 milhões de dólares na

manhã do Fiasco da Internet. Então Paul mandou uma mensagem de correio

eletrônico para o Times.

- Ahá – disse Enid. E aí, fazendo gesto de quem está deixando tudo

de lado, acrescentou: - Viu só? No fim, tudo saiu como devia.

- Saiu, é? – disse Annalisa. – Ainda preciso saber como a Sra.

Houghton conseguiu a cruz. – E olhou direto nos olhos da Enid, sem

hesitar. A Louise, segundo Enid se recordava, também era capaz de fazer

isso, olhar para uma pessoa sem desviar os olhos até conseguir

exatamente o que queria. – Enid – disse ela, baixinho. – Você me deve

isso.

- Ah é? – e Enid soltou uma risadinha. – Acho que sim, então.

Senão, quem sabe o que teria acontecido com este apartamento? Muito

bem, querida. Se quer saber a verdade tanto assim, vou lhe contar. A

Louise não tirou a cruz do Museu Metropolitano. Ela a tirou da minha

madrasta, a Flossie Davis. Flossie é que roubou a cruz por que era uma

burralda, tapada, e a achou bonita. Louise viu-a roubando a cruz e

obrigou Flossie a entregá-la a ela. Louise, tenho certeza, pretendia

devolvê-la ao museu, mas Flossie sabia de umas coisas sobre o passado

da Louise. Tinha certeza absoluta de que ela havia matado o seu marido.

Annalisa levantou-se.

- Pensei que tinha dito que ele havia morrido de infecção por

estafilococos.

Enid suspirou.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Eu lembrava de que tinham dito isso. Mas depois que o Billy

morreu, conversei com a Flossie e depois fui à biblioteca. Não resta

dúvida de que Randolf Houghton voltou ao Número Um com algum tipo de

infecção. Mas no dia seguinte, ele começou a piorar rapidamente, e

morreu doze horas depois. A causa da morte nunca foi conclusivamente

determinada, mas naquela época isso era comum. Eles não tinham todos os

testes e equipamentos médicos que têm hoje em dia. Presumiu-se que a

infecção tinha sido a causa da morte. Mas Flossie nunca acreditou

nisso. Pelo jeito uma das criadas contou a Flossie que logo antes de

Randolph morrer ele perdeu a voz e ficou sem poder falar. É um dos

sintomas de envenenamento por beladona. Coisa bem antiga, mesmo.

- Então a Louise era uma assassina? – indagou Annalisa.

- Louise era, acima de tudo, apaixonada por jardinagem – respondeu

Enid, cautelosamente. – Antes tinha uma estufa no terraço, mas mandou

demoli-la depois que Randolf morreu. Flossie insiste que ela estava

cultivando beladona. É uma planta não consegue sobreviver se tomar sol

direto.

- Ah – disse Annalisa, balançando a cabeça. – E imagino que você

queria que eu fizesse o mesmo com o Paul.

- Mas de jeito nenhum – disse Enid. – Embora realmente tenha

passado pela minha cabeça que a morte do Randolf acabou sendo positiva.

Louise fez muita coisa boa por esta cidade. Mas nunca teria conseguido

sair dessa sem nenhuma consequência hoje em dia. E naturalmente, seu

marido ainda está vivo. Eu sei que não faria nada contra ele.

- Não faria, não – disse Annalisa. – Paul agora está totalmente

inofensivo.

- Muito bem, querida – disse Enid, ficando de pé. – E agora que

sabe de tudo, preciso ir cuidar de umas coisas. Schiffer e eu vamos


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
trocar de apartamentos esta semana, e preciso começar a preparar a

mudança.

- Claro – disse Annalisa. Pegando o braço da Enid, acompanhou-a ao

descer os dois lances de escadas. À porta da frente, fez uma pausa.

- Tem ainda uma coisa que não me contou – disse ela. – Por que a

Sra. Houghton fez isso?

Enid soltou uma gargalhada maldosa.

- Por que acha que foi? O marido queria vender o apartamento. – E

esperou um momento. – Agora precisa também me dizer uma coisa. Como

você fez o que fez?

- Não fiz nada – disse Annalisa. – Só supliquei ao Paul que não

fosse.

- Mas claro – disse Enid. – E isso não é coisa de homem? Eles nunca

obedecem à gente.

Uma hora depois, Philip encontrou a tia na cozinha, precariamente

equilibrada no alto de uma escadinha, tirando coisas da prateleira mais

alta de um armário.

- Nini – disse Philip, asperamente. – O que está fazendo aí? Os

homens da companhia de mudanças vão embalar tudo. – E pegou a mão dela,

ajudando-a a descer. – Meu casamento é amanhã. E se você cair? E se

quebrar a bacia?

- E se eu quebrasse? – perguntou ela, acariciando-lhe afetuosamente

a face. Pensando em Annalisa, prosseguiu: - A vida iria continuar.

Sempre continua, de uma forma ou de outra.

A manhã do dia do casamento de Philip com Schiffer foi brumosa e

quente. As nuvens iriam se dispersar, mas podia haver tempestades à

tarde. Na cozinha superaquecida do apartamento dos Gooches, Mindy Gooch

estava olhando um catálogo de geladeiras Sub-Zero com James.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Sei que é apenas uma casa de campo, mas mesmo assim, é melhor

comprarmos coisas de excelente qualidade. Podemos pagar. E depois não

vamos precisar nos preocupar em substituir nada durante pelo menos

vinte anos. – Olhou para James e sorriu. – Dentro de vinte anos, vamos

estar com sessenta e cinco, sessenta e seis. Vamos ter um casamento de

quase quarenta anos. Não vai ser fantástico?

- Vai, sim – disse James, com o que já havia se tornado um estado

de nervos quase permanente. Mindy ainda não tinha feito nenhum

comentário sobre a Lola, mas nem era preciso. Eles jamais iam falar no

assunto, pensou James, como nunca falavam sobre nada de errado que

acontecia no seu casamento. Naturalmente, Mindy nem precisava fazer

isso, uma vez que já falava do seu casamento no seu blogue.

- O que acha? – indagou Mindy sobre a geladeira. – A de quarenta ou

sessenta polegadas? Acho que devemos comprar a de sessenta, embora

custe três mil dólares a mais. Sam vai convidar amigos para passarem

uns dias no campo e vamos precisar de muito espaço para as provisões.

- Ótimo – disse James.

- E você, comprou o papel higiênico e as toalhas de papel? –

perguntou Mindy.

- Comprei ontem. Não notou? – perguntou James.

- Francamente, James – disse Mindy – estou meio ocupada. Reformando

a casa e transformando meu blogue em livro. Aliás, o Sam vai trazer a

namoradinha ao casamento. Pedi ao Thayer Core para passar aqui às duas

horas para pegar o Sam, depois eles vão buscar a Dominique lá na Penn

Station. Ela vem de Springfield, Massachusetts. Pode me agradecer por

isso, pensei que talvez quisesse passar o dia na tranquilidade, para

poder trabalhar no seu novo livro.

- Obrigado – resmungou James.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- E tem mais uma coisa – continuou Mindy. – Dominique é a sobrinha

do Billy Litchfield. Ironia, não? Mas acho que a vida é assim, o mundo

é muito pequeno. Sam conheceu-a na colônia de férias de tenistas, e ela

vai para a Miss Porter no outono. Então não faça comentário negativo

nenhum sobre o Billy. Ela é muito sensível, acho eu. Mas não precisamos

sentir muita pena dela. Sam diz que ela herdou três milhões de dólares

do Billy. Estavam em uma conta em um banco suíço. Quem diria que o

Billy tinha tanto dinheiro assim, hein?

Depois, lá pelo meio da tarde, Lola Fabrikant acordou na cama de

Thayer Core, exausta. Thayer havia saído, provavelmente para cumprir

alguma tarefa para aquela horrível Mindy Gooch, pensou ela. E por

hábito, Lola imediatamente ligou o celular. Devia tirar folga nos

sábados, mas seu novo patrão, aquele diretor maluco, o Harold Dimmick,

já havia lhe enviado seis mensagens de correio eletrônico urgentes,

exigindo que ela passasse no seu apartamento para poder aconselhá-lo

quanto ao que vestir no casamento da Schiffer com o Philip. Por um

momento, Lola pensou em fingir que não lido as mensagens, mas depois

pensou melhor. Harold Dimmick tinha hábitos bizarros e mal falava, mas

era tão doido que precisava pagar a seus assistentes um salário de

80.000 dólares por ano para conseguir que alguém trabalhasse com ele.

Lola precisava do emprego e do dinheiro, portanto aturava o Harold e as

horas extras. Harold tinha acabado de começar a filmar uma produção

independente e estava trabalhando 24 horas por dia; consequentemente

ela também.

Ela se levantou e entrou no banheirinho apertado, jogando água no

rosto. Olhando-se no espelho, perguntou-se uma vez mais o que tinha

acontecido com a sua vida. Depois que James tinha se recusado a

continuar visitando-a, ela começou rapidamente a ter um azar atrás do

outro. Marquee tinha desaparecido, junto com seu website, O Orifício


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Indiscreto, e embora Lola estivesse furiosa porque ele ainda lhe devia

dois mil dólares, não podia fazer nada a respeito. Tinha tentado morar

sozinha durante algum tempo, mas seu dinheiro começou a esgotar-se

muito rápido, e ela tinha precisado suplicar a Thayer para deixá-la se

mudar para seu apartamento. Até havia tentado procurar um emprego

normal, mas James tinha razão sobre os efeitos de redigir uma coluna

explícita sobre sexo. Todo empregador em potencial parecia conhecê-la,

e ela nem mesmo conseguia uma entrevista para uma entrevista. Depois

encontrou a Schiffer Diamond por acaso enquanto vigiava o Número Um da

Quinta Avenida um dia. Schiffer a viu parada ao lado dos arbustos

diante do prédio da Flossie Davis, e atravessou a rua para cumprimentá-

la. “Oi, menina”, disse, como se fossem amigas de verdade e ela não

tivesse roubado o Philip da Lola. “Andei imaginando o que tinha

acontecido com você. Enid disse que você tinha voltado para cá.”

Lola tentou se recordar que detestava a Schiffer Diamond, mas a

persona da atriz a deixou sem ação. Afinal ela era uma atriz de cinema,

e se fosse para alguém roubar o Philip, seria melhor que fosse a

Schiffer Diamond e não uma outra garota de 22 anos como ela mesma, não?

Portanto, Lola começou a desabafar, contando a Schiffer todos os seus

problemas, e Schiffer concordou em ajudá-la, dizendo que era o mínimo

que podia fazer. Schiffer combinou um encontro entre ela e Harold

Dimmnick, um dos diretores da Madame Superiora. Devido à recomendação

de Schiffer, Harold contratou-a, mas Lola não acreditava mais que

Schiffer tinha alguma coisa a ver com isso. Harold era tão biruta que

só alguém tão desesperada quanto Lola concordaria em aceitar aquele

emprego.

- Então, finalmente se levantou – disse Thayer, entrando no

apartamento.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Trabalhei ontem à noite até às três, se é que você se lembra –

retrucou Lola. – Nem todo mundo tem um emprego confortável quem nem

você, de nove às cinco.

- Nove às cinco nada, nove às sete, tá – disse Thayer. – E a madame

Gooch vai me obrigar a trabalhar hoje. Tenho que levar o filho dela até

a estação para pegar a namoradinha.

- Ih, eu hein – disse Lola. – Por que é que ela mesma não vai? É o

filho dela.

- Ela vai estar trabalhando – disse Thayer. – No livro dela.

- Vai ser um livro horrível. Tomara que ninguém leia.

- Provavelmente vai é fazer sucesso. Mais de cem mil pessoas clicam

no blogue dela.

- Ela podia pelo menos pedir à Enid para nos convidar para o

casamento.

- Você ainda não sacou, né? – zombou Thayer. – Nós somos

considerados meros subalternos.

- Ora – disse Lola, ofendida. – Se quiser pensar assim sobre você

mesmo, pensa. Eu nunca vou.

- O que planeja fazer a respeito?

- Não vou ficar aqui sentada passivamente só deixando as coisas

acontecerem comigo. E você também não devia. Olha só, Thayer – disse

Lola, indo à cozinha microscópica pegar uma garrafa de água vitaminada

no frigobar – não vou continuar vivendo assim. Já andei olhando

anúncios de apartamentos. Tem um apartamentozinho no subsolo de um

prédio na Quinta Avenida, entre as ruas Onze e Doze, por 400 mil

dólares. O edifício acabou de virar cooperativa residencial.

- Ah – disse Thayer. – O prédio onde o Billy Litchfield morava.


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
- Com seus cem mil por ano mais os meus oitenta, são noventa mil

líquidos depois de descontados os impostos. Isso dá quase oito mil por

mês. Acho que assim dá para pagar uma hipoteca.

- Ah, sei – disse Thayer. – E o apartamento provavelmente é do

tamanho de uma caixa de sapatos.

- Era um depósito. Mas e daí? Fica na Quinta Avenida.

- E quando a gente se der conta, você já vai estar querendo se

casar – disse Thayer.

- E daí? – respondeu Lola. – Até parece que você tem condições de

encontrar alguém melhor que eu.

- Vou pensar no caso – disse ele. O céu lá fora estava ficando

escuro, e ouviu-se o ribombar do trovão. – Vem aí um temporal – disse

Thayer. – É melhor eu me mandar.

Enquanto estava esperando na Penn Station com Sam, as nuvens

passaram e não caiu chuva. Quando saíram da estação na Sétima Avenida

com Dominique (uma menininha esquelética, de cabelos louros escorridos,

segundo Thayer notou) o ar estava tão parado e quente que chegava a dar

náuseas. Thayer fez sinal para um táxi e foi mandando Sam e a menina

irem sentando logo no banco de trás.

- Nunca estive em Nova York antes. Tem tanta gente, e é tão feiosa

– exclamou Dominique.

- Ainda não viu a parte boa. Não se preocupe, mocinha, vai melhorar

– disse Thayer. Enquanto o táxi descia a Quinta Avenida, perto da

calçada, outra massa de nuvens cobriu os céus da parte baixa de

Manhattan. Os céus despejaram água exatamente quando o táxi parou

diante do Número Um da Quinta Avenida, metralhando Thayer, Sam e

Dominique com gotas do tamanho de moedas de um centavo.

- Estou ensopada! – gritou Dominique, correndo para dentro do

edifício.
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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
Roberto avançou com um guarda-chuva, tarde demais, e sacudiu a

cabeça, rindo.

- O tempo está fechado mesmo, não, Sam?

Sam enxugou a água do rosto.

- Disseram que deve estiar mais tarde.

- Tenho certeza que vai melhorar. Exatamente na hora do casamento.

A Sra. Rice sempre consegue o que quer – disse Roberto, piscando um

olho.

A portaria estava toda enfeitada com centenas de rosas brancas

fragrantes, em homenagem à ocasião. Dominique olhou em torno de si,

maravilhada, admirando os porteiros uniformizados, as paredes com

painéis de madeira e as cascatas de flores.

- Puxa, não acredito que você mora aqui – disse ela, virando-se

para Sam. – Quando eu crescer, vou morar aqui também.

Thayer sorriu, malicioso.

- Boa sorte.

O aroma das flores penetrou no apartamento dos Gooches, assaltando

o nariz da Mindy, que estava sentada bem aprumada diante do computador.

Inspirando profundamente, ela fechou os olhos um momento e recostou-se

na cadeira. Quando é que havia começado, tentou lembrar-se ela, este

sentimento misterioso e estranho de contentamento? Teria sido quando

Annalisa Rice tinha voltado para o Número Um da Quinta Avenida sem o

Paul? Ou teria começado antes, quando ela havia começado a redigir seu

blogue? Ou teria talvez sorrateiramente se instalado nela quando

descobriu que James estava trepando com a Lola? Deus abençoe aquela

vadia, pensou Mindy. Graças a Lola, ela e James agora tinham o

casamento perfeito. James não ousava contrariá-la. E ela não ia ter

mais que se preocupar em lhe oferecer relacionamento sexual. Que ele


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
pulasse a cerca de vez em quando um pouquinho, pensou ela. Ela tinha

tudo que queria.

Posicionando os dedos sobre o teclado, digitou: “As Alegrias de Não

Ter Tudo”. E fez uma pausa um instante, para organizar os pensamentos,

principiando:

“Por que a vida não deveria ser mais fácil, se puder ser? Aceitemos

a nossa sorte, e que se dane o resto.”


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TRADUÇÃO: Celina C Falck-Cook
AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos a Ellen Archer, Pamela Dorman, Sarah Landis e

Beth Gebhart da Voice; e a Charles Askegard, Calvin Bushnell, Sara

Colleton, Duff e Anne Hearst McInerney.

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