Infelizmente, respeito religioso ainda é uma utopia no nosso país. E
religiões que supostamente pregam o amor, a tolerância e a caridade, freqüentemente disseminam o ódio, a discriminação e a violência. Isso tem acontecido há milênios e, ao que tudo indica, continuará acontecendo.
Foi o que ocorreu nesta última segunda-feira, no Rio de Janeiro,
conforme soube através do blog do Cardoso. O acontecimento foi noticiado pelo site Globo Online e pode ser lida aqui.
Resumidamente, quatro jovens evangélicos, integrantes da Igreja
Geração Jesus Cristo, invadiram um terreiro deumbanda, quebraram todas as imagens do congá (altar) e insultaram verbalmente todos os que haviam comparecido para se consultar naquele dia. Tudo em nome de Jesus.
Felizmente, foram detidos em flagrante, autuados por ameaça, dano
contra o patrimônio e desrespeito a culto ou prática religiosa. Se o caso não acabar em pizza, como ainda pode acontecer, serão multados e presos por um período que pode variar entre um mês e um ano de prisão.
No seu blog, o Cardoso disse:
“Vejamos: O pessoal do sincretismo ( no caso cardecismo + a boa e
velha macumba brasileira) que não enche o saco de ninguém, são educados, não ficam tentando converter quem não se interessa por eles, estava no SEU templo, cuidando da própria vida, são invadidos por quatro débeis mentais histéricos em surto psicótico que quebram tudo, para demonstrar a mensagem de paz, amor, tolerância e gentileza de Jesus.”
Agora, por que coisas assim acontecem? Muitos culpam a religião.
Porém, isso pouco tem a ver com religião em si. Na realidade, tem muito mais a ver com a tendência que todo ser humano tem de se afirmar a si mesmo e aos seus valores através da depreciação do “outro”. É o raciocínio que diz que “se o outro está errado, então eu estou certo.” Dessa tendência, surge também a necessidade de procurar no outro a causa para a sua própria miséria, como já falei na minha postagem sobre anti-semitismo.
Quando este raciocínio é transposto para o campo religioso, cria-se a
ilusão de que uma religião só pode ser verdadeira se a outra for falsa. Que um só pode ser de Deus, se o outro for do demônio. Que se o outro está fazendo o mal, então ele próprio só pode estar fazendo o bem. E daí assegura-se uma posição muito confortável para si mesmo, em que os atos mais bárbaros e injustificados podem assumir a máscara do amor a Deus. Acredito que esteja nisso a raiz do fanatismo religioso e de qualquer outro tipo de fanatismo, incluindo o político. É a incapacidade de afirmar a si mesmo através de seus próprios valores. Um sinal de debilidade, pequenez e covardia.
Se esta linha de raciocínio é tão usada por uma grande diversidade
de religiões, isso se justifica porque é eficiente. Pois mobiliza as massas pelo medo. O medo, que é uma das mais poderosas emoções humanas. O medo, que governa grande parte da vida de praticamente toda a humanidade (inclusive, muito provavelmente, a minha e a sua). A religião, a meu ver, qualquer que seja ela, deveria ter como um de seus maiores objetivos ajudar os seus adeptos a superar o medo. A compreender de onde ele surge, porque surge, e como superá-lo através da compreensão. Pois a religião, como impulso espiritual, é uma força evolutiva (e NÃO falo aqui em termos kardecistas) destinada a tornar o ser humano mais completo, desenvolvido, íntegro. Para isso, a superação do medo é vital.
Porém, quando a religião se transforma em instituição religiosa, mais
do que isso, em dogma religioso, o que mais ocorre é que se degenere e trabalhe não para libertar o ser humano do medo, mas para aprisioná-lo ainda mais. É neste ponto que a religião, que originalmente deveria ser libertadora, no sentido de tornar o ser humano um ser mais consciente (e não de garantir uma vaguinha no céu), se torna, de fato, mais uma prisão para as nossas consciências, realmente, o ópio do povo.
Terminando esta digressão e voltando ao acontecimento, devo dizer
que infelizmente casos como esse não são raros. Muitos terreiros de umbanda e candomblé já sofreram e ainda sofrerão a ação de vandalismo por parte de evangélicos extremistas e fanáticos (por favor, entenda, não estou dizendo que todos os evangélicos o sejam). E isso não deixará de acontecer enquanto líderes religiosos não deixarem de doutrinar seus fiéis através deste raciocínio que estimula o medo e instiga o ódio.
Porém, será que abandonar este discurso interessa aos que vivem do dízimo?