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JOAO BERNARDO Marx eritico de Marx LIVRO PRIMEIRO Epistemologia, classes sociais e tecnologia em “O Capital” Volume III AFRONTAMENTO/PORTO Agosto 1977 Ill SECCAO CLASSES SOCIAIS: OS GESTORES CAPITULO XX O PAPEL ECONOMICO DO ESTADO EM (Mandel, Traité.... I 145). Mas que Estado burguée € este que pode ser thio forte quando a burguesta € fraca 15 rico, mas referiu-as contraditoriamente em inimeras passa- gens, 0 que mostra aliés a abertura pujante do seu pensa- mento. Mas, para os leitores dogmaticos que em Marx pro- curam a vulgata da nova hierarquia, tais quest6es nao s6 nao existem enquanto objectos ideolégicos mas nao existem sequer como referéncias pontuais. Séo de facto eliminadas. Isto obri- ga-me ao enunciado pormenorizado e sistem&tico de todos os locais em que tais questées sao referidas em O Capital. Julgo que a paciéncia do leitor sera, finalmente, compensada pelo interesse da recensio. Na prépria forma de exposicéo do livro primeiro surge desde logo uma contradicéo, que ser& bastante clara para o leitor despogsuido de grandes preconceitos. entre as partes Telativas ao valor, 4 mais-valia e, em geral, a tudo o que fun- damenta a exposi¢io no campo do modelo a uma 36 empresa, e todas aquelas passagens em que Marx aborda o problema da acco econédmica do Estado. Nas primeiras a exposicao é pura- mente abstracta, tendo como objectivo a producéo de leis te6ricas, e os exemplos servem de mera ilustracio das expo- sigdes abstractas, destinadas a facilitar a compreenséo por parte do leitor, e resultam na quase totalidade dos casos de um processo de deducdo ao nivel abstracto. Sao falsos con- cretos, aparentes totalidades resultantes de uma limitagéo aprioristica das determinagdes que se articulam. Tém uma mera fungio de apoio didactic» e, prescindindo-se deles, nada se retirara ao sistema da obra. Lembre-se o leitor de que quase nao precisei até agora de citar nenhum exemplo desse tipo. Pelo contrario, nas passagens em que Marx aborda a accéio do Estado na economia, o fundamental da sua exposicao é consti- tuido por exemplos verdadeiramente concretos, retirados da pesquisa hist6rica, e nao fruto de uma pura construgio inte- lectual. Frequentemente. Marx refere, além da accao do Estado no modo de producao capitalista j4 constituido, o seu papel na génese desse modo de produgio, nomeadamente enquanto organizador das condigdes gerais, materiais e laborais. do processo de producio do capitalismo industrial. Mas as obser- vagées tedricas séo inteiramente marginais na sequéncia da exposig&o, sem unido recfproca, frequentemente contraditérias entre si, e suscitadas mais por um aspecto relevante, ou que a Marx parece relevante, de um exemplo concreto, do que por qualquer estudo comparativo e sistemAtico desses exemplos. A tmica excepcdo, e de pouca importancia, é constituida pelas descrigdes da vida proletaria feitas na parte final da sétima 16 secgéo do livro primeiro, que ilustram leis abstractas j& defi- nidas antes. Em suma uma das partes & fundamentalmente abstracta, a outra, fundamentalmente concreta. Numa a expo- sigio é de cardcter sistematico, na outra de car&cter extensivo. Daf que o primeiro livro de G Capital acasale a abstraccio com a enumeragao. E esta jungio de dois métodos contradité- rios de exposicéo que permite a Marx expor um campo ideolé- gico que na sua forma geral de exposi¢io no 6 considerado enquanto tal. Rubel intuiu esta contradicio entre as duas formas de exposic¢&o ao atirar, na edicfio Pléiade, com as partes descritivas para os anexos ao livro primeiro, mas. com a sua rudeza intelectual —para ser delicado...— explica-a pela fadiga fisica de Marx, pelas maleitas do figado e pela furun- culose. E a troca da epistemologia pela patologia! Por outro lado o leitor nao deixaré de reparar que. subitamente, a pré- tica totalidade das citagGes e referéncias a que procederei vai restringir-se ao livro primeiro. Nos outros dois livros, em que Marx tem o processo inter-capitalista como objecto, as refe- réncias & accao do Estado so inexistentes. Penso ter mostrado j& que o modelo a uma ¢6 empresa enquanto figura central da forma de exposigéo de O Capital impede a viséo do processo global como teia de relagdes inter-capitalistas. Daf que a accao do Estado seja efectivamente expulsa do horizonte ideolégico desses livros. Resta o livro primeiro. que tem o processo global como objecto e, por conseguinte, para além da inexisténcia do Estado na forma geral de exposicéo, 6 um fértil campo de referéncias concretas ao papel efectivo do Estado no processo global da economia capitalista. Tais referéncias & accio do Estado vao em geral. da pura citacdo até ao estudo minucioso de leis mediante as quais os governantes regulamentaram miiltiplos aspectos da activi- dade dos capitalistas ou do comportamento dos proletirios ". 1 A mator parte dessa legislac&o diz respetto & rea do Reino ‘Unido, que entiio inclula a totalidade da Irlanda. Mencionarel todas as referénclas A legislacio pela qual os governantes procuraram regula- mentar 0 capitaliame, quer ocorram no perlodo em que. se, process do capitalismo, quer se refiram ao capitallamo j6 constitufdo. Ordenadas por pafses, e por datas, encontro referénclas explicitas as lets seguintes: no Reino Unido, em 1349: ES 1° I 286; IIT, 179, 180; em 1360: ES 1° II 180; em 1489: ES 1° IIT 160; em 1580: ES TIT 175; em 1533: ES 1° TIT 160; em 1547: ES 1° IIT 176; em 1562: ES 1° I 267; em 1572: ES 1° Ul 177; em 1661: FS 1° Tit 181; em 1671: ES 12 II 181; em 1714: ES 1° TIT 178; em 1796: ES 1° TIT 181; em 1799: ES 1° TIT'181; de 1802 @ 1833: ES 1° I 272; em 1813: BS 1° wv No entanto, raramente, quase nunca, essas leis séo referidas explicitamente ao Estado. Devem-se a um parlamento, ou a um governo, ou a uma abstracta revolugéo, a um monarca por vezes, sem que 0 conceito que resulta da concepeao de todas essas formas de poder enquanto objecto ideolégico especifico seja pronunciado, Nem como nome— quanto mais como nivel de producado teérica!—o Estado é referido. Essa numerosa legislacdéo, ou por vezes intervengéo policial e judiciéria. cobre variadissimos assuntos e, se Marx analisa frequentemente a legislagaéo em fung&o dos problemas por ela levantados, invoca-a também enquanto regulacaéo concreta das relag6es inter-capi talistas " e entre o proletariado e os capitalistas. A limita da duracao do trabalho é uma das questdes que mais suscita o interesse de Marx“, nomeadamente pelos movimentos inver- 1s TI 16, 160; em 1825: BS 1° IIT 181; em 1883 1° I 271, 272, 273-276, 280; em 1834: ES 1.° I 262; em 1844: ES 1° I 276, 280, 281, 287; de 1846 a 1847: BS 1° I 27, 280; IIT, 150; em 1848: ES 1° I 277, 278; em 1850: ES 1° I 285, 287, 290; em 1859: ES: 1.* IIE 181; em 1860: ES 1° I 290; em 1861: ES 1° 1'290; em 1863: ES 1° I 201; em 1871: ES 1° IT 181-182; uma nota de Engels acrescenta uma referéncia a uma lel de 1878: ES 1° I 179. Segue-se, em ndmero de referénclas,a Franca: em 1350: ES 1° III 179; em 1777: ES 1° I 178; em 1791: ES 1° IIT 182; em 1841: ES 1. I 272; em 1850: ES 1° I 271; em 1852: ES 1 I 271; em 1853: ES 1° I 272. Vém depots trés referéncias A regifo dos Pafses-Baixos, em 1537: ES 1° II 178; da Holanda, em 1614: ES 1.° TI 178; ou das Provinclas- -Unidas, em 1649: ES 1° IT 178, Sobre a Austria, em 1860: ES 1° 1 271. B, finalmente, sobre o Argévia, em 1862: BS 1° I 271. 12 © recenseamento das referénclas de Marx a legislacSo por assuntos dé os seguintes resultados: legislacio para aumentar a m&o- -de-obra disponivel: provocando a fome para motivar a proletarizacéo: ES 1° IIT 150, 170, 213; contra e vadiagem: ES 1° IIL 175; obrigando @ populac&o agricola a deslocar-se para zonas industrials: ES 1° I 262; impedindo a emlgracéo: ES 1° III 16, 169. Legislacho sobre a duracio do tempo de trabalho: ES 1° I 265, 265-266, 269, 271; I 80, 94 e seguintes, Legislacio sobre o ensino generalizado: ES 1° IL 161; 3° I 310, Legislag&io sobre as condictes sanitérias: ES 1° II 169. 13” Por exemplo, quanto & luta entre proprietarios feudais e capi- talistas industrials na Inglaterra: ES 3.° DI 18-19, 112. 14 <(...) no seu capitulo sobre a durag&o do dia de trabalho, Marx fornece uma anélise densa © Ificida do papel do Estado relativamente ‘8 um problema multo importante da economia capitalista. Uma anilise relativamente minuclosa desse capitulo permite-nos deduzir os prin- eipios condutores da doutrina marxista quanto ao papel do Estado no contexto das relacdes de propriedade capitalistas. (...) Quais as con- clusSes gerals que podemos deduzir da anélise marxista do dia de tra- balho? © principio mais relevante fol enunciado por Engels. Respon- dendo A acusac&o de que o materialismo histérico subestima o factor 18 80s seguidos pela. legislagio em duas fases sucessivas. Num primeiro perfodo, durante a constituigéo do capitalismo, toda a accio estadual visava alongar o tempo de trabalho geral, processo articulado com o da proletarizacao. Era preciso nao s6 que o antigo produtor independente se tornasse um assa- lariado, mas ainda que como assalariado permanecesse a maior parte do dia, e todos os dias seguidos. Desenvolvem-se entao as leis contra a vadiagem e transformam-se os assalariados num corpo permanentemente disponivel para o capitalista. No periodo seguinte, quando a extensio absoluta dos limites do tempo de trabalho comega a acarretar os contra-efeitos que atrés enunciei resumidamente, a legislacéo trata de reduzir esses limites. articulando-se assim com o processo geral de aumento da produtividade que reforca a intensidade do tra- balho. Extensiéo do tempo de trabalho num perfodo, limitagdo noutro, encontram-se em semelhancas de hordrios aparente- mente paradoxais. «O que nos nossos dias, por exemplo no Massachusetts, recentemente ainda o Estado mais livre da América do Norte, € proclamado como limite legal do tempo de tra- balho de criancas com idade inferior a doze anos, era na Inglaterra dos meados do século XVII o dia de trabalho normal de vigorosos artesios. de robustos mogos de quinta e de ferreiros atléticos» (ES 1.° I 266, CB 1.° 308, D I 169). Por vezes a auséncia de uma relagio explicita entre as referéncias concretas e o campo ideolégico levanta problemas de interpretagao mais dificeis. Por exemplo, o papel do Estado proibindo as mAquinas para evitar o desemprego e as revoltas consequentes, que Marx cita'’, decorreré j& da criagio de politico nas transformactes histéricas, Engels citou o capitulo sobre o dia de trabalho, ‘onde a legislacio, que 6 sem divida um acto polf- tico, tem um efeito tio dectaivo’, e concluiu que ‘a forca (isto é, 0 poder de Estado) também um poder econémico’ e, portanto, de modo algum 6 excluida dos factores causals da transformacio histérica [carta a Conrad Schmidt, de 27 de Outubro de 1890]> (Sweezy, The Theory ..., 245-248). Porém, como veremos na continuacio deste capitulo, 56 s60 poseivels efirmagdes lapidares quanto As concepcies de Marx sobre 0 Estado se esquecermos a extraordinéria contraditoriedade que existe entre as suea definices. # um erro metodolégico grave tsolar o capl- tulo sobre a durac&o do tempo de trabalho de todas as outras afirma- Ses que, ao longo de O Capital, sfo feltas sobre a funcio do Estado na economia. 15 ES 1° IT 108 e seguintes, 19 condigdes gerais de producéo (manutengéo de uma estabilidade social) ou é ainda uma func&o anti-burguesa, em que o Estado funciona como instrumento da aristocracia tradicional e do regime feudal de produgao em geral e. portanto, de nifo-criacio das’ condigdes gerais de producéo? S6é uma aniflise histérica particular permitiré dar uma resposta A quest&o, tendo que se averiguar ainda qual a solugaéo que Marx, pelo menos impli- citamente, deu ao problema. Mas, uma vez recenseadas estas referéncias de Marx, a questo coloca-se: qual a accdo desta legislacéo, ou melhor, tem ela alguma accéo prépria? Nao ser& que estas leis sio uma pura expresso escrita do que 0 automatismo econémico jé realizara na pratica. um formalismo juridico sem qualquer consequéncia e, pelo contrario, sendo mera consequéncia secun- d&ria de uma situacao objectiva ja existente? A restrigio da acco do Estado 4 sua actividade legislativa facilita esta con- fus&o. As leis, no seu sentido estritamente juridico, sio pura expresso de uma accdo estadual anterior; mas a accdo esta- dual, mais geral do que a legislacio, nfo se limita a exprimir uma acgao econémica considerada como exterior ao campo do Fstado. Sobre o problema das duas fasegs sucessivas na limi- tagiio do tempo de trabalho, Marx escreveu: : «&, pois, natural que o prolongamento do dia de traba- Tho, que desde meados do século XIV até finais do século XVII o capital procura impor aos trabalhadores adultos com a ajuda do Estado, corresponda sensivel- mente ao limite do tempo de trabalho que o Estado, por vezes, decreta e impde na segunda metade do século XIX para impedir a transformacao em capital do sangue das criangas» (ES 1.° I 265-266, CB 1.° 308, D I 169). Passagem confusa. Pois nao implica esta «ajuda» do Estado uma exterioridade da instituicéo estadual relativa- mente ao campo econdémico? Como, entao, se procede 4 arti- culacéo? Qual é afinal, o verdadeiro estatuto do Estado? Para além de todas as passagens recenseadas, silenciosas quanto a funciio tedrica da realidade que referem, em alguns textos de O Capital Marx procede a uma definicaéo abstracta da funcaéo do Estado na economia. Nao me refiro aqui as ano- tagdes, ou intuicdes, quanto ao papel do Estado em modos pré-capitalistas de produgio, ou na génese do capitalismo, que revelam grande riqueza de observagdo e notavel abertura ideo- 20 légica . Restrinjo-me ac problema das relagdes do Hatado com ag empresas capitalistas. Em certas passagens Marx parece inclinar-se a ver na legislagéo a pura expresséo de uma realidade de facto, a qual existe previamente a essa legislacgao e sem a sua influéncia. £ assim que, a propésito dos limites do tempo de trabalho e da marcagao dos horarios de trabalho, podemos ler: «(...) essas disposigdes minuciosas, que regulam militar- mente e ao som do sino o perfodo, os limites e as pausas do trabalho, nao foram fruto de qualquer fantasia parla- mentar. Nasceram das circunstancias e desenvolveram-se @ pouco e pouco como leis naturais do modo de produgio moderno. Foi precisa uma longa luta social entre as clas- Ses para que tais leis fossem formuladas, oficialmente reconhecidas e promulgadas em nome do Estado» (ES 1° I 277, CB 12 321, D I 176). E certo que nao ha aqui a afirmagio explicita do Estado como pura expresso de uma realidade economicamente deter- minada, no entanto o fundamento implicito deste texto parece- -me claro. A actividade auténoma do Estado é assimilada a uma, «fantasia parlamentar», e negada como tal, reduzindo-se o problema a expressao «em nome do Estado» das «leis natu- rais do modo de produg&o» capitalista. Porém, se o sentido desse texto nao é inteiramente expli- cito, outros ha, mais explicitos, em que a posigio de Marx tem uma, tonalidade diferente, aparecendo a legislag&éo, nio como pura formalizagio de uma situagdéo j4 dada mas, pelo con- trério, apresentando-se o Estado como exterior ao campo econémico e exercendo sobre ele uma certa accéo. O capital, escreve Marx, «no processo do seu crescimento (...) procura garantir o seu direito & absorcgio de uma quantidade suficiente de trabalho excedente nao sé pela forga das condigdes econé- micas, mas ajudado pelos poderes ptblicos (...)» (ES 1° I 265, CB 1.° 307, D I 169). E esta concepgao da éxterioridade do Estado relativamente ao nivel econdmico — na definicéo restrita que dele dé Marx —, 16 ES 1° If 188 n, IT 19-160, 2° I 101-102; Pl IT 653. 21 pressupondo portanto que ele tenha uma acciio especifica e nao seja uma pura fonte de formulagées juridicas transparen- tes, que leva Marx a falar da «intervencao vergonhosa do Estado a favor da exploragio do trabalho (...)» (ES 1.° ITI 184, CB 1.° 859-860, D A met4fora psicolégica é elucidativa. RazGes para ter vergonha, tem-nas quem nfo se sente em casa e, se 0 Estado é exterior ao nivel econémico com que se relaciona, tal exte- vioridade implica uma forma de acgaéo e nao uma pura trans- paréncia, mas é precisamente essa exterioridade que leva a <«intervengao vergonhosa». Mostrei na segunda seccéo que Marx, na sua definicdo do politico, exclui-o do econdmico, definindo portanto este no sentido restrito que encontra no modelo a uma sé empresa a sua expresso. No modelo de relacionacéo capitalista que apre- sentei o nivel do Estado insere-se no campo econémico — usando os termos de Marx, 0 politico inclui-se no econdmico— mas e3sa insergdo implica uma accaéo do Estado sobre o econémico, porque a totalidade é considerada estruturada e diversificada e, portanto, pensa-se a inter-accée interna. No modelo utilizado por Marx na forma da sua exposicao a totalidade é inestrutu- rada, € uma unidade em que todas as partes sao reciproca- mente idénticas; nesse caso é logicamente inconcebivel uma accfio interna e qualquer acg&o implica exterioridade. & neces- s4rio que o leitor tenha bem presente esta distincao entre os dois modelos para poder compreender porque, no modelo por mim enunciado, apresento a acco do Estado sobre o econd- mico como uma forma de insergao do nivel do stado no campo econémico, enquento que, referindo-me a Marx, estabelego as sinonimias entre acco e exterioridade, naéo-accao ¢ inclusao. Prevenida esta eventual confusio, ha que analisar se serao totalmente antagénicas as duas formulagées te6ricas de Marx, @ que apresenta 0 Estado como um puro redactor de expressdes juridicas de uma realidade ja dada, e a que o apresenta como capaz de exercer sobre a economia um certo tipo de accao. Se o antagonismo existe ou se a conciliagéo é possivel — isso 86 poder& resultar da andlise do tipo de accao de que Marx presume o Estado capaz. Introduzindo uma das partes do capitulo sobre «A expro- priagio da populagéo camponesa», e partindo da concepcado da exterioridade do Estado relativamente ao econémico, 0 que aqui significa uma acgio do Estado sobre o econémico, Marx eacreve: «Deixando de lado as influéncias puramente econdmicas que preparavam a expropriagaéo dos cultivadores, ocupar- -nos-emos aqui somente dos meiog aplicados para preci- pitar violentamente o ritmo desse processo» (ES 1.° IIT 163, CB 1.° 839, D I 448). Esses «meios> sao a accio do Estado, que se segue em varios exemplos. Poderd, pois, presumir-se que, para Marx, essa acgdo exterior a0 econdémica tera como tinica fungao ace- lerar a entrada em vigor dos automatismos econémicos e, por conseguinte, localizar-se-& no que tenho chamado o periodo de constituigdo do capitalismo. Em abono desta concepgéo varias passagens se podem citar. «O sistema proteccionista foi um meio artificial de fabricar fabricantes, de expropriar trabalhadores independentes, de converter em capital os instrumentos e as condigGes mate- riais do trabalho, de abreviar pela forga a transicdo do modo tradicional de produgéo para o modo moderno. Os Estados europeus disputaram entre si a palma do proteccio- nismo (...)> (ES 1.° DI 198, CB 1.° 875, D I 475). A localizagéo cronolégica é aqui bem clara. Trata-se do perfodo de constituig&o do capitalismo, a que Marx chamou de «acumulagéo primitiva», e a fungdo do politico é definida como a de pér em funcionamento a nova economia. «A partir da altura em que este modo de produgio [capi- talista] adquiriu um certo desenvolvimento, 0 seu meca- nismo esmaga qualquer resisténcia; a constante presenca de uma sobre-populacdo relativa mantém a lei da oferta e da procura do trabalho e, por conseguinte, conserva o salério dentro de limites adequados as necessidades do capital, e a pressdo surda das relagdes econémicas conso- lida o despotismo do capitalista sobre o trabalhador. Recorre-se ainda, por vezes, & repressio, ao emprego da forca bruta, mas trata-se de uma mera excepcaio. Na ordem normal das coisas, o trabalhador pode ficar entregue a accao das ‘leis naturais’ da sociedade, ou seja, & depen- 2s déncia do capital, gerada, garantida e perpetuada pelo préprio mecanismo da produgio. J& o mesmo nfo acontece durante a génese histérica da produgao capitalista. A bur- guesia acabada de surgir nao podia dispensar a interven- ¢&o constante do Estado; serve-se dela para ‘regular’ o salirio, isto é, para reduzi-lo até ao nivel conveniente, para prolongar o dia de trabalho e manter o préprio trabalha- dor no grau de dependéncia desejado. Este 6 um momento essencial da acumulacao primitivas (ES 1° II 178-179, CB 1° 854-855, D I 459). Por um lado, é bem declarada a distingéo entre a acgio propriamente econémica — «pressao surda das relagdes econé- micas», «surda» porque interior a economia—e a acgéo do Estado — (ES 1° II 83, CB 1° 7423, DI 411). E, no final deste livro primeiro, polemicando em nota com um economista que se preocupava com o facto de a escassez de trabalho assalariado nas colénias levar a uma elevagio dos saldrios, Marx escreve: «Entéo, senhor Molinari! Nas colénias, onde os trabalha- dores sao suficientemente simplérios ‘para explorarem o capitalista’, sente uma terrfvel tentacdo de ministrar um nadinha de amparo policial a essa pobre lei da oferta e da procura. que em todo o resto do mundo, nara auem o ouca funciona tao bem sozinha» (ES 1.° TIT 211-212 n. 4, CB 1.° 890 n. 268) ¥. Mas Marx esta exactamente na mesma situagéo que o ridicnlarizado economista, pois na forma explicita de exposi- cao da sua obra reduz a vida econédmica a um puro automa- tismo. violado sé na constituicao do modo de producao. em geral ou nas colénias, por uma acc&o que acaba por definir como nao-econémica ®. N&o pense o leitor, porém, que a questfo esta clarificada. Por enquanto nao pode ser mais confusa. & que Marx. noutras passagens da sua obra, em vez de Icoalizar a accéo do Estado no perfodo da constituicio do modo de produg&o, define-a como constante no capitalismo. «Regime colonial, divida piblica, impostos esmagadores, proteccionismo industrial. guerras comerciais, ete., todos estes resultados do periodo manufactureiro propriamente dito assumem um desenvolvimento gigantesco durante a primeira juventude da grande indistria» (ES 1° TT 199. CB 1° 875 D I 475). E claro que nao € aqui dito explicitamente que a acgéio do Estado prossegue durante toda a duraco do capitalismo; esse 17 Sem qualquer indicacSo, esta passagem & suprimida na edicho Delfos. ® Para um exemplo conercto de acco do Estado na constituicho do modo de produgio capltalista nas colénias ver: BS 1¢ T 24; ver também TT 29 prosseguimento, ou até esse desenvolvimento, é afirmado para os inicios da grande indistria. Mas pouco importa. porque o mais notdvel é a alteracaéo estrutural introduzida por Marx. Nog textos até aqui citados a acciio do Estado reduzia-se ao periodo da constituigéo do capitalismo; agora tem lugar e desenvolve-se posteriormente a essa constituigaéo. A contra- digdo é flagrante, tanto mais que este texto precede de algumas linhas uma passagem atras referida em que a acgdo do Estado, se nao era reduzida ao perfodo de constituigéo do capitalismo de uma maneira perfeitamente expl{cita, efa-o porém impli- citamente. Marx parece mesmo considerar, por vezes, que o desen- volvimento da maquinaria constitui uma base propria para o prosseguimento da acco do Estado no capitalismo. «A maquinaria revolucionou de tal modo a relagao juridica entre o comprador e o vendedor da forca de trabalho, que toda a transacedo perdeu até a aparéncia de um contrato entre pessoas livres. Foi isso que forneceu mais tarde o pretexto juridico ao Parlamento inglés para a intervencio do Estado no sistema fabril» (ES 1° I 81, CB 1° 453. DI 248). . Esse desenvolvimento da acgéo do Estado com o prosse- guimento do capitalismo é afirmado a propésito de varias questdes particulares. Quanto ao encarecimento dos solos nas colénias para precipitar a proletarizacaéo. escreve Marx: «(...) durante muitos anos o governo inglés pés esse método em prdtica (...). O fracasso foi (...) completo (...). O fluxo emigratério desviou-se simplesmente das colénias inglesas para os Estados-Unidos. A partir de entéo, 0 progresso da producao capitalista na Europa, sendo acompanhado por uma pressio governamental sem- pre crescente, tornou supérflua a panaceia» etc. (ES 1.° ‘TI 214, CB 1.° 893, D I 486-487). O préprio facto de nao explicitar qualquer mediacao légica entre o desenvolvimento do capitalismo e o acréscimo da acgao do Estado, apresentando essa relagéo como evidente, sublinha © peso desta concepcao e, portanto, a contradi¢io com as pas- sagens antes referidas. so Mais atrég Marx indicara a acgéo do Estado a propésito dos problemas populacionais. «Ainda que sob o ponto de vista da nossa época fosse pouco rapido, o progresso da acumulagéo deparou-se com os limites naturais da populagéo, e veremos mais tarde que s6 & forcga da accaéo dos Estados se conseguiu recuar eases limites» (ES 1.° III 76, CB 1.° 734, D I 405). As concepgées de Marx sobre a divida publica pressupdem também, nfo sé a permanéncia, mas o desenvolvimento, da acgaéo do Estado. «O regime fiscal moderno (...) contém (...) em si um germen de progressdo automatica» (ES 1.° III 198, CB 1. 874, D I 474). O leitor nao é obrigado a ter boa meméria, por isso fago notar que esta frase é extraida da mesma passagem relativa a divida publica cujas contradigdes fiz ji ressaltar. B possivel que Marx tenha sido nesta questao vitima dos seus préprios subterfigios légicos, considerando a divida piblica como extra- -econédmica quando analisa a sua acgaéo no periodo de consti- tuigéo do capitalismo, e considerando-a decorrente dos auto- matismos econémicos e. assim, nao-estadual, a partir da cons- tituigio do capitalismo; a divida publica tornar-se-ia por este modo de estadual em nao-estadual & medida que passasse do campo extra-econémico para o econémico. Esta é uma maneira de interpretar coerentemente contradigées tio evidentes num espaco tao curto. Mas em lado algum Marx comprova explici- tamente esta interpretagéo, por isso pode acontecer também que essas contradicées constituam uma expressao particular- mente flagrante da contradicaéo mais geral entre o campo que decorre da forma de exposigéo e a estrutura implicita da obra. Quase a encerrar a sexta secgdo do livro primeiro Marx exprime-se, em polémica com Carey, por uma forma que denota bem como o cardcter permanente da acg&éo do Estado no capi- talismo é ao mesmo tempo pensado e nao-pensado. «Segundo ele», acusa Marx, «as relagées econémicas natu- rais foram falsificadas pela intervengio do Estado, de modo que os salfrios nacionais teriam de ser calculados como se a parte que foi parar ao Estado permanecesse em $1 poder do operario, Nao devia ele ter visto que essas des- pesas governamentais sdo o resultado natural do desen- volvimento capitalista?» (ES 1° II 233, CB 1° 652, DI 353)”. Quando a afirmacao publica do seu sistema o exige, Marx leva em conta a acgio permanente do Estedo no sistema capitalista. Mas. em definitivo, nio é nunca nessas ocasides que exprime de forma lapidar as suas teorizagdes sobre a questao. Embora, como o leitor péde ver por estas citagdes, Marx v& por vezes mais longe do que a mera referéncia a factos concretos invocadores da accéo do Estado no decurso de todas as fases do modo de producdo capitalista, ele € sempre bas- tante mais abstracto e tedrico nag definigGes que produz a propésito da accéo do Estado no periodo restrito de consti- tuigéo do capitalismo. do que nas referentes a essa acgfio a0 longo do modo de produgio. Sera ainda curioso verificar que na ocasiao em que refere © papel do Estado como proprietério capitalicta, Marx nio teoriza essa referéncia concreta. O funcionamento econémico do Estado é, assim, assimilado ao das empresag particulares e o modelo de andlise a uma sé empresa pode prevalecer quando Se pensava que nao sobreviveria 4 prova do concreto! «(...) 0 capital social é a soma dos capitais individuais (incluindo os capitais por acgdes e o capital do Estado, na medida em que os governos empregam trabalho assa- lariado produtivo nas minas, nos caminhog de ferro, etc., funcionando como capitalistas individuais) (...)» (ES 2° I 90. CB 2.° 99, D I 542). O capital social reduz-se, para Marx, & soma de capitais individuais definidos como reciprocamente idénticos. As dife- rengas estruturais entre o capital propriamente individual, capital por accdes e o capital estadual, que se realizam por uma diferenca de funcdes nas relacdes capitalistas, por dife- rentes tipos tecnolégicos e diferentes fungdes na tecnologia integrada, pelas diferencas estruturais relativamente 4 desi- gualdade na distribuicéo da mais-valia e a baixa tendencial da taxa de lucro—essas diferencas so eliminadas magicamente 21 Na edic&o Delfos o Giltimo perfodo fol suprimido, sem qualquer adverténcla. Sobre a generalidade desta quest&o ver ainde ES 3.° II 104. se pelo puro jogo das palavras, afirmando aprioristicamente todos os elementos do capital global como individuais quando o pro- blema consiste precisamente em saber se o so ou nio. O leitor repararé ainda que esta referéncia, a Gnica em todo O Capital que define o estatuto econédmico do Estado enquanto proprie- tario, encontra-se no livro segundo, e nao no livro primeiro que é aquele onde se acumulam a quase totalidade das refe- réncias & acco econémica do Estado. Isso significa que em nenhuma delas o pensa enquanto proprietério ou, se o faz, considera-o implicitamente como idéntico ao capitalista parti- cular. A prépria forma como expée esta definigio. de passa- gem e entre parénteses, revela que se trata mais, para Marx, de explicitar pontualmente uma concepeio implicita e que considera como evidente, do que de definir uma tese relativa- mente inovadora. Numa outra passagem, abordando o problema do crédito, escreve: «Até aqui tivemos oportunidade de proceder as seguintes observacées gerais a respeito do sistema de crédito: (...) TIL. Constituig&éo de sociedades por acgdes. Conse- quéncias: 1.°) Enorme extensio da escala de produgio, e empresas que teriam sido impossiveis a capitais isolados. Simultaneamente, empresas outrora governamentais cons- tituem-se em sociedades» (ES 3.° II 101-102, CB 3° 503-505, D II 446-447). E a diminuicio do papel do Estado como propriet4rio aue Marx afirma, consequéncia presumida da extensao do crédito particular. Penso, pelo contrario, que a distribuicdo desigual da mais-valia, em que uma fracefo do capital social compensa a baixa tendencial da taxa de lucro, implica o desenvolvi- mento da propriedade estadual. Precisamente o desenvolvi- mento do crédito, aumentando a massa de capitais e permi- tindo a aceleragéo da concentracéo com a resnectiva mecani- zagao reforgada do processo de trabalho, acelera a baixa da taxa de lucro, obrigando por isso meamo, para a compensar parcialmente, a um desenvolvimento da propriedade estadual. Mas esta dialéctica nfo pode ser concebida no modelo a uma s6 empresa. E assim se fecha o cfrculo—cfreulo vicioso que é a demonstragi&o légica a que a ideologia procede de si prépria. Nesta tautologia comeca por se afirmar a identidade estru- 33 tural do capital de Estado com o capital individual e depois, na medida em que os capitais individuais tides como recipro- camente idénticos sio considerados como elemento unico, redu- tivel a um 36 no modelo a uma sé empresa, a propriedade de Estado é considerada evanescente; neste segundo percurso do circulo tautolégico a propriedade de Estado é eliminada por ser de Estado, enquanto que no primeiro percurso da tautologia a propriedade de Estado era assimilada a qualquer outra por ser propriedade. A dominancia do modelo a uma sé empresa impossibilita qualquer teoria da especificidade do Estado enquanto proprietério capitalista. Nao é por aqui que podere- mos ir muito longe no esclarecimento das concepgdes de Marx quanto ao papel do Estado na economia. Parece-me impossivel ultrapassar as contradigées entre as varias concepgdes de Marx sobre esta questao, ou resolvé-las num esquema légico integrado, Esta leitura minuciosa das miltiplas referéncias existentes em O Capital & accio do Estado na economia mostra como sé um profundo idealismo, que despreza a analise efectiva da obra de um autor para a substituir por esquemas decorrentes da imaginacio do critico, permite afirmar que Marx teria produzido na sua obra maior uma teoria coerente e consistente da accaéo econémica do Estado. Pairando nas regides nebulosas dos modelos pura- mente formais, escreve Poulantzas: «(...) O Capital df-nos a chave de uma construgdo do conceito do Estado capitalista: nao é a nao-intervencio especifica da forma liberal de Estado na economia do estédio do capitalismo privado que ai se encontra, e sim a autonomia respectiva da economia e da politica que caracteriza especificamente o M. P. C. [modo de produgao capitalista]. (...) aqui insere-se um segundo equi- voco: essa intervengao do tipo de Estado capitalista na econo- mia seria inexistente em O Capital; isto é perfeitamente inexacto. Ela desenha-se, mas em vazio, a nfo ser na passa- gem sobre a legislacdo das fabricas. Por outras palavras, Marx confere-lhe, na verdade, um lugar circunscrito, mas que nao é explicitamente estudado em O Capital, pois, precisamente devido & autonomia especifica das instfncias do M. P. C. e ao papel dominante que a economia af reveste, as intervengdes das outras instancias na economia desenham-se em vazio» 7. Este autor faria bem melhor se comecasse por antologiar todas as passagens de O Capital em que Marx refere o Estado e 0 seu @ Poulantzas, Pouvoir..., 168-164, 34 papel, e s6 a partir dai tecesse consideragées. Poderia entaéo ver que, se uma teoria do Estado existe implicitamente em O Capital, ela nao decorre das afirmagées e das teses contradi- térias que explicitamente se referem a esse problema, mas sim da estrutura implicita da obra, onde a integracado tecnolégica entre as empresas exige a concepcaéo das condicées gerais de produgio. O problema do Estado, na forma de exposigéo de O Capital, nao constitui sequer um corpo coerente de teses e nao é, pois, a partir dai que uma teoria nao paradoxal, qual- quer que seja, podera ser estabelecida. A incapacidade de Marx formular teses coerentes sobre o Estado provém de este ser o campo em que mais agudamente se faz sentir a contradigéo entre a forma da sua exposigio e a estrutura implicita da teoria. Marx escolheu, por isso, de entre os modelos empiricos disponiveis na época, aquele em que o papel econdmico do Estado mais facilmente podia ser eliminado, nao para ser «desenhado em vazio», como infunda- mentadamente pretende Poulantzas, ou seja, sem ser aplicado realmente, embora existindo nas suas linhas gerais, mas pelo contr&rio eliminando-o inteiramente, de modo que as relacdes explicitas do processo econdmico o dispensam por completo. Penso ser este o verdadeiro motivo por que Marx escolheu, para fonte dos exemplos praticos que invoca em O Capital, a situagio inglesa. A justificagdéo que da para essa escolha é conhecida: «Estudo nesta obra 0 modo de produgéo capitalista e as relagdes de produgdo ¢ de troca que lhe correspondem. A Inglaterra é o campo classico desta producao. Por isso extraio desse pais os factos e os principais exemplos que ilustram o desenvolvimento das minhas teorias» (ES 1° 1 18, CB 1° 4-5, C 11)”. Mas esta argumentagio é mais problem&tica do que @ primeira vista pode parecer, pois em termos marxistas é impossivel afirmar que uma dada sociedade concreta é uma aplicacao «classica» de leis gerais. As leis gerais tém os mais variados aspectos e cada um deles pode encontrar a demons- tragfio «classica» numa ou outra sociedade concreta, mas é impossive) que todos esses aspecto3 sejam ilustrados ao mesmo 2 A edicfio Delfos nfo reproduz o preffclo de Marx em que esta pessagem se inclul, 35 grau na mesma formaciao social. De todos os paises capitalis- tas desenvolvidos da época, a Gra-Bretanha era aquele onde, salvo talvez o caso dos Estados alemfes, ag formas sociais capitalistas mais profundamente se combinavam com o peso das tradigdes aristocriticas. Sob este ponto de vista a Gra- -Bretanha era, pois, o menos «clissico» dos exemplos que Marx poderia escolher, e o exemplo éptimo seriam ds Hstados-Unidos ou a Australia. O que h4, pois, a perguntar é de que aspecto a Gri-Bretanha constituia a melhor ilustragdo concreta. Ora, precisamente a especificidade do capitalismo brit&nico de entio relativamente aos outros pafses capitalistas consistia na fraca acco econémica do Estado. «E certo que na Inglaterra o livre-cimbio, tanto internamente como externamente, tornar- -se-ia no século dezanove uma parte essencial da ideologia de um capitalismo adulto. Mas, sob muitos pontos de vista, as condigées aqui eram particulares, e noutros paises a doutrina do livre-cémbio s6 era aceite com reservas substanciais. Até na terra natal da doutrina de Adam Smith e do liberalismo de Manchester comecaram a prevalecer, antes do fim do século dezanove, as opinides favor4veis aos privilégios monopolis- ticos e 4s regulamentagGes. (...) os pafses, como a Alemanha, cujo abastecimento alimentar dependia da agricultura local. e nao das importagées, ou como a América, no caso também das suag matérias-primas, inclinavam-se para uma politica de pro- teccionismo selectivo em favor das suas indistrias nascentes»™. B esta peculiaridade da situagaéo britanica que permitia, naquela época, que a intervencao efectiva do Estado na econo- mia inglesa nio fosse demasiado perceptivel empiricamente e que, portanto, o problema do Estado pudesse ser afastado enquanto objecto te6rico, de modo a poderem desfilar as mais contraditérias referéncias 4 sua acg&o, desde que estas fossem localizadas. A escolha do exemplo britfnieo j4 vem de longe na obra de Marx. Quando este, nos Analg franco-alemdes, resolveu abandonar decididamente o tramseendentalismo para estudar os problemas humanos reais,:affrmou que 0 critico nao podia servir-se da Alemanha como“objecto de estudo, pois af o monopdlio e o proteccionismo alfahdeg&rio intervinham no capitalismo, e propds como ilustragdes:tmodelares a Franca e a Gra-Bretanha >. %& Dobb, Studies..., 198-194. 2 Howard, The Development ..., 119 86 A forma de exposigéo de O Capital, até ao nivel dos seus exemplos empfricos, nao s6 dispensa a concepgiéo do Estado como objecto teérico especifico, mag permite mesmo a simul- taneidade paradoxal de tesea contraditérias sobre a questao. Contradigaéo, em primeiro lugar, entre a massa das referéncias concretas e a auséncia de uma teorizagaéo da maior parte delas. Contradicao, depois, entre as raras teorizacdes existentes, umas afirmando o papel do Estado como nio-econémico e restrito ao periodo de constituig&o do sistema capitalista, definindo-o as outras como uma constante da vida econédmica do capita- lismo. Sem conciliagéo possivel, tudo o que se pode fazer é talvez conferir o peso reciproco das variagoes, e veriamos entaio que a restrigéo da acgio estadual ao periodo da «acumulagéo primitiva» é a tese que mais forga tem, porque formulada em termos mais gerais e abstractos do que as versdes contrérias. Afinal, importa sublinhar aqui a permanéncia de uma contra- dig&o irredutivel, expressio da contradigéo mais geral entre a forma de exposicéo e a estrutura implicita da obra, que ana- lisei_ j& nessa generalidade, bem como em varios dos seus aspectos particulares. Nao é, pois, uma ou outra destas teses de Marx, mas a contradicao entre elas, que vai constituir 0 objecto da minha anflise. 37 CAPITULO XXI A NAO-CONCEPCAO DOS GESTORES EM «. 62 de todos os trabalhadores que o patrao assalaria tendo em vista o lucro. & evidente que ao assalariar um empregado, como em qualquer outro acto econémico, um patréo tem o lucro como objectivo. Mas, para o capitalista, o lucro surge na sua realizacaéo, por isso ele nao distingue os assalariados que pro- duzem a mais-valia, daqueles que melhoram as condigdes em que essa mais-valia é produzida e realizada. Para o capitalista, todos eles sfo produtivos porque de nada lhe interessa uma mais-valia produzida que nao seja realizada; se deve aos gestores as condigdes dessa realizacéo, classifica-os como pro- dutivos porque s6 a partir daf considera o lucro como efectivo‘. A definigéo deste autor conjuga, pois, a naturali- zagio do processo tecnolégico de trabalho com a assungio, enquanto critério verdadeiro, das concepgdes ideolégicas dos capitalistas. Do capitalismo niéo podem resultar produtos se nao existir input. E a partir desta verdade elementar do pro- cesso tecnolégico de producaéo que o autor pretende definir o caracter produtivo do trabalho. Mas como a producao capita- lista nao € um mero cfrculo vicioso, em que todo o output se destina a ser input para ressurgir como um novo output, e assim sucessivamente, existe uma produgéo para o consumo particular que é necessario ter em conta. Ora, af, 0 critério fundamental do autor nao se aplica e, por isso, tem de recor- rer a outros critérios, invocando nomeadamente as concepgées dos capitalistas e admitindo bizarramente que estes produtos do sector II séo como se fossem do sector I, ou do sector IL consumido pelos proletérios —o que nao resiste a uma critica minimamente atenta. Em polémica com este autor, afirma um critico: «A mais importante objecgéo que suscita a reformu- lagéo por Morris do conceito do emprego improdutivo & o facto de nela se combinarem e, por conseguinte, confundirem- -se, os critérios de emprego improdutivo sob o ponto de vista de uma economia politica do crescimento, com os critérios 4 Escreve um conhecido economista, que assimilou as influéncias de Keynes e Marx: «Como a cléncla se tornou uma das rubricas dos custos de uma empresa capitalista, temos de considerar que o trabalho do clentista que nela se emprega no 6 menos ‘produtivo’ (na acepcfo marxista) do que o dos trabalhadores na producio» (Tsuru, «Marx...» 328). O leltor lembrar-se-4 que Marx, como vimos na primeira seccSo, mostrou que os capitallatas consideram que todas as fraccbes do seu capital originam a sua reprodugéo em capital acrescido, precisamente Porque todas elas sfo concebldas enquanto , 63 exigidos por uma teoria da exploragéo» *. Este argumento vai direito ao centro da questdéo e aborda um problema que, na sequéncia da obra conhecida de Baran, é usualmente objecto de grandes confusdes nos Estados-Unidos, por parte dos eco- nomistas de formagio marxista: Erigir o output e o input em conceitos centrais do modo de produgao é substituir uma descrig&éo formal a uma estrutura ideolégica ou, mais exactamente, € propor uma ideologia explicativa sob a forma naturalizada e aparentemente neutral de uma deserigdéo. Todo o processo produtivo que se reproduz pode ser tecnicamente pensado sob a forma de uma relagéo input — output. O problema ideolégico fundamental consiste na localizagéo do campo central dessa relagéo. Morris, e a vasta escola em que ele se integra, centram essa relagdo nos pro- dutos materiais. £ este o agpecto decisivo das suas ideologias. Para o marxismo. essa relagéo nao é centrada nos produtos, mas na forga de trabalho. A definigéo marxista da exploragio no regime do capital como consistindo na incorporagio na forga de trabalho de um tempo de trabalho menor do que o que ela incorpora nos produtos é passivel de uma descrigio técnica sob a forma da relagio input — output. Dir-se-ia neste caso que o input (tempo de trabalho incorporado) é sistema- ticamente inferior a0 output (tempo de trabalho que se incor- pora), e nesse desfasamento consiste a mais-valia. O problema nao vem, pois, da relagado input — output, mas do objecto em que ela se centra. A distingio entre a definigéio que Morris propos do trabalho produtivo e a proposta por Marx resulta de uma mudanca de objecto: & forga de trabalho, que constitui o cen- tro do problema marxista, substitui-se o produto materialmente considerado. E preciso ter claramente presente esta mudanga de campo para compreender por que razéo muitos destes autores negam a classificagao de produtivo ao trabalho dependente das empresas do Estado. O leitor notou ja certamente uma tese deste tipo no texto citado de Morris, que afirma o cardcter impro- dutivo das indistrias de armamento. Para o pensamento eco- némico tradicional decorrente do campo pratico dos capita- 5 Blake, «Jacob Morris...», 172. Na réplica, Morris mostrou-se de acordo com a distingso entre a exploragSo no capitalismo ¢ o creselmento econémico no capitalismo tal como no socialismo, propondo para esta filtima questo a expressio «despesas de trabalho nfo-reprodutivelss, em vez de «trabalho improdutivos (Morris, «Reply», 174). 64 listas particulares, em que o caracter do trabalho é definido consoante o valor de uso do produto, nada mais natural do que negar que posga ser produtivo um trabalho cujos produtos tém um uso propriamente destrutivo. Para o marxismo, porém, o unico problema aqui existente centra-se nas relagdes sociais na produgio, na definicgéo da posicféo da forca de trabalho nessas relagdes, independentemente néo s6 do car&cter do produto como até do seu destino econémico posterior, da sua realizagéo ou nao-realizacéo, da sua entrada ou nao no pro- cesso produtivo. «Os economistas classicos, seguidos por Marx, encaravam as despesas do Estado como uma categoria do consumo improdutivo. Baseavam-se para tal em dois pressu- postos implicitos, nomeadamente, que o Estado nao se dedicava a actividade produtiva, quer dizer, nao adiantava dinheiro na expectativa de o recuperar pela venda das mercadorias; e que ag despesas com transferéncias de dinheiro (principalmente os juros da divida piblica) beneficiavam os consumidores impro- dutivos. (...) Mesmo no século dezanove tais pressupostos aproximavam-se sé muito imperfeitamente da situacao real, mas nfo ultrapassavam tanto os limites do verosimil que pudesse ser altamente incorrecta a identificacdéo imediata das despesas estaduais com o consumo improdutivo. Porém, uma das caracterfsticas salientes do século vinte tem sido a enorme 380 do volume e da variedade das despesas de Estado, © que leva a distingui-las do consumo improdutivo e a analisé- -lag um pouco mais cuidadosamente do que antes parecia necessario» *, Afigura-se-me um erro metodolégico confundir a posicgaéo estrutural de um processo com a sua realizacéo empi- rica num dado momento e, por isso, néo penso que o facto de uma boa parte da actividade econédmica do Estado durante a época pré-monopolista do capitalismo nao decorrer do pro- blema do trabalho produtivo autorize a tese de que a propria acgéo econémica do Estado pudesse ser assim concebida. O papel do Estado como instituicio central das condicdes gerais de produgéo é muito mais claramente visivel no capi- talismo contemporfneo, o que nao significa que nao tivesse a mesma existéncia estrutural em todas as formas de capita- lismo. Mas nao é este o aspecto principal das observagées de Sweezy. O fundamental é mostrar como a tese de Marx quanto ao trabalho nao-produtivo dos empregos dependentes do Estado 4 Sweezy, The Theory ..., 231-232. 65 resulta, nio de uma anflise especifica do papel do Estado, mag precisamente da sua ignorfncia enquanto objecto de andlise. A partir do momento em que a acgfo econémica do Estado é reconhecida, o processo de trabalho dele decorrente fica sujeito ao mesmo tipo de problemas que qualquer outro processo de trabalho integrado no modo de produgao capita- lista. Se abandonarmos os termos com que Marx formulou o problema da acgaio econémica do Estado e a definirmos no sentido que aqui tenho proposto, ela fica sujeita a classifi- cagéo marxista usual do trabalho produtivo. E contra isso que se insurge Morris: «A formulagéo por Marx do conceito de trabalho improdutivo estava de acordo com as condigdes do capitalismo industrial concorrencial. A produgao de material de guerra era, na sua época, de somenog importancia. Afigura- -se-nOs que os trabalhadores nas indistrias militares que pro- duzem mais-valia para os seus patrdes seriam classificados, nesta formulagéo de Marx, como trabalhadores produtivos. & esta a razdo principal que nos leva a pensar ser necessario apurar o conceito marxista de trabalho improdutivo. (...) Os salarios dos trabalhadores nas indistrias militares, tal como o rancho e o pré dos militares, e como os ordenados dos funcionérios do governo, constituem formas de consumo de capital, e nao investimentos que a si préprios se reproduzam com um acréscimo de mais-valia» ’. E, no mesmo sentido, outro autor cbserva que «a intervengéo governamental na economia capitalista moderna exige, porém, a produgao de uma categoria de bens (por exemplo, o material de guerra) que constituem uma compensagio para as deficiéncias do consumo efectivo dos produtos do sector II, sem aumentarem o investimento no sector I. O desenvolvimento da intervencgéo econémica gover- namental exige, por isso, que seja acrescentado um terceiro sector aos dois existentes no esquema de Marx» ®. Para certas concepgées gestoriais em que, tal como vimos, a definigéo do trabalho produtivo néo se centra na forga de trabalho mas na naturalizagéo do processo tecnol6gico de produgo, o trabalho dependente da accgfio do Estado aparece paradoxalmente clas- sificado como nao-produtivo, pois que consiste sobretudo, ou na criagao de condigées gerais de producao que, como tais, nao entram na producgéo mas constituem antes a sua base, ou seja, nao so tanto um input como a base de existéncia dos input; 7 Morris, «Unemployment © Evenitsky, «Monopoly 66 ou entéo numa expanséo das condigées de realizagio, nomea- damente pelo permanente acréscimo dos stocks de armamento, que nao constituem um input, mas séo um escoamento impres- cindivel para o output. Sem a acgio do Estado e, nomeada- mente, sem a corrida aos armamentos, o processo tecnolégico que estas ideologias mitificam nunca poderia ter lugar. Utopias que imaginam que o capitalismo poderia funcionar sem esta acgao do Estado! Os armamentos nao compensam s6 a res- trigéo relativa do mercado de consumo particular, mas permi- tem a realizagio maciga de produtos do sector I e, por af, a existéncia de disponibilidades de capital que tornam possivel a efectivacao de investimentos nesse sector. Essas teses sao, pois, paradoxais mesmo no interior do modelo geral de natu- ralizagéo do processo de trabalho capitalista. Reduzir o carac- ter produtivo desse processo de trabalho & mera relagdo input- -aqutput centrada nos produtos materialmente considerados & julgar que ela podia ocorrer sem os restantes aspectos do processo econdédmico que com ela se articulam e lhe dao a possi- bilidade pratica de existéncia. O fundamental nesse modelo é porém, como disse j4, a expresso de uma prAtica gestorial. Num campo oposto, exprimindo a pratica proletéria na pro- dugao, o modelo marxista de trabalho produtivo tem como centro a forga de trabalho e a sua posigao nas relacées sociais de producao. Uma forma mais subtil de desvirtuar 0 modelo marxista consiste em confundir as relagdes sociais no processo geral de produgéo, com as diferentes esferas econédmicas em que esse processo de produgio se divide. Assim, em vez de ter como centro da anilise as relagdes de exploracao, esta passa a ter por objecto as diferentes esferas econémicas que o pro- duto atravessa: nomeadamente a producio e a circulacio. A partir da negagaéo por Marx de qualquer cardcter produtivo ao capital empregue na circulacdo, cujos detentores se limitam @ apropriar-se de uma parte da mais-valia produzida na esfera da producio, estes autores confundem trabalho improdutivo com trabalho na circulago, e trabalho produtivo com trabalho na produgio. & por isso que Rubin lamenta o uso do termo «trabalho produtivo», observando: «Talvez uma expressao mais indicada tivesse sido ‘trabalho na producio’» °. E Poulan- tzas, embora como disse distinga claramente a nogéo marxista de trabalho produtivo daquelas que se centram no valor de % Rubin, Essays ..., 275; ver também 268-269. 67 uso do produto, restringe também os trabalhadores improdu- tives as esferag da circulagéo e realizagéo da mais-valia Deste modo, estes autores sao incapazes de conceber a exis- téncia de trabalhadores improdutivos na esfera da produgao" e consagram como naturalmente produtivo'o eampo fundamen- tal da existéncia dog gestores. Mesmo independentemente de qualquer andlise mais detalhada das relagées sociais na pro- dug&o, que os levasse a distinguir o trabalho produtivo do trabalho improdutivo no interior do proceaso de produgio imediato, bastaria lembrar que Marx, assim como qualificou de improdutivo o capital comercial, existente na esfera da circulagéo, classificou do mesmo modo o capital banc4rio que, no entanto, existe, pelo menos em parte, na esfera da producio. O juro é uma porgdo da mais-valia produzida pelos proletérios assalariados pelo industrial, e nao dos assalariados imediata- mente decorrentes do capital bancfrio. A concepgéo marista de trabalho produtivo centra-se pois, unicamente, nas relagées de produgiio e na forga de tra- balho, e nao no valor de uso do produto, nem na naturalizagéo do processo tecnolégico de trabalho, nem na distingfio entre as esferas econémicas convertida em critério fundamental. A distingao entre os trabalhos produtivo e improdutivo é uma extens&o ideolégica da relag&io social que opde os produtores da mais-valia as restantes classes. Como Marx, para afirmar os capitalistas enquanto puros apropriadores de mais-valia, distingue deles as tarefas de ges- tao, daqui decorre necessariamente a tomada em consideragio dos gestores e a base para a produgio da teoria de uma outra classe—a qual, por razdes formais que jé enunciei, Marx no produziu. Nem tampouco os seus dogmAticos sucessores. O indice de assuntos de O Capital nas Editions Sociales, por exemplo, nunca refere a rubrica trabalho improdutivo e 36 quanto ao livro primeiro menciona 0 trabalho produtivo. Assim, é a relagdo trabalho produtivo — trabalho improdutivo —e sé 10 Poulantzas, Les Classes ..., 103, 225-231. 1 «Tal como’ capital produtivo nfo é a mesma coisa que capital empregue na produgéo, também emprego produtivo se distingue de emprego que produz mercadorlas, e o consumo de forca de trabalho no emprego produtivo € distinto do consumo produtivo de forca de tre- balhos (Hodges, «The Anatomy ...>, 233). 68 nessa relagéo ambos os conceitos assumem verdadeira impor- tancia —a ser escamoteada. Marx afirma claramente nos princ{pios do livro primeiro a inoperancia da divisio do trabalho em produtivo e impro- dutivo por relagéo com o produto. «Considerando o conjunto deste movimento [o trabalho] sob o ponto de vista do seu resultado, do produto, tanto 9 meio como o objecto de trabalho se apresentam enquanto meios de produgaéo, e o préprio trabalho como trabalho produtivo.» E, em nota, acrescenta: «Esta determinagéo do trabalho produtivo torna-se abso- lutamente insuficiente quando se trata da produgao capi- talistas (ES 1° 1183 e n. 2, CB 1° 205e n. 7, DI 113) % A determinagao do trabalho produtivo vai, pois, ser refe- rida ao préprio processo de trabalho, e nfo ao seu resultado material. «

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