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Nas últimas décadas, a sociedade da informação torno dos desafios da contemporaneidade, não deixa
e do conhecimento tem vindo a colocar enormes de ser uma resposta a este movimento de transfor-
desafios e transformações às instituições dedicadas mação, reforçando e validando a tomada de
à “troca de informação e à formação do conheci- consciência do valor educativo dos museus e
mento” 1, nas quais os museus se encontram contribuindo para este campo com conceitos e
claramente incluídos. instrumentos que têm ajudado a delinear novos
Como consequência, os museus têm vindo a ser paradigmas de actuação, novos pontos de partida e
confrontados com a necessidade de repensarem o novas relações, nomeadamente no âmbito dos
seu papel e, em última análise, a própria identidade serviços educativos, suas funções e seus públicos.
e relevância, enquanto espaços de construção do O público escolar e o público infanto-juvenil são
conhecimento, o que lhes tem colocado desafios e dos mais representados nas estatísticas dos
aberto oportunidades para o desenvolvimento de visitantes de museus e aqueles que mobilizam a
novas estratégias de relacionamento com os públicos maior parte dos recursos educativos destas
e com as colecções, repensando e reequacionando instituições e, embora seja crucial reforçar que não
os espaços e as formas para este encontro. se pode (nem deve!) de forma alguma reduzir a
A emergência e consolidação da Educação função educativa dos museus ao trabalho realizado
Museal2, enquanto campo de estudos transversal e com grupos escolares e crianças3, é importante
fundamental para o desenvolvimento de um reconhecer a importância e o peso destes segmentos
trabalho educativo consolidado e estruturado em de público na programação destas instituições.
* Coordenadora do Sector de Educação do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão – Fundação Calouste Gulbenkian.
1 “The nature of information change and knowledge shaping” (Silverman, 1995: 161).
2 O termo Educação Museal é ainda estranho no campo dos estudos sobre museus, em Portugal. Esta situação deve-se, a nosso ver, por
um lado, ao facto de a maioria dos programas de estudos em museologia ainda tratarem a educação como uma área académica
periférica, o que não tem contribuído para a publicação de estudos capazes de promover a criação de um glossário que dê forma aos
recentes conceitos educativos na área museológica, e, por outro, à ainda extremamente precária situação dos serviços educativos nos
museus portugueses que, apesar de terem crescido nos últimos anos, ainda só marcam presença em apenas 48% dos museus nacionais.
(Santos, 2005).
3 Cada vez mais o campo da educação museal exalta o espaço museológico como um espaço para o debate e a construção de ideias
numa lógica de aprendizagem ao longo de toda a vida (long life learning) o que pressupõe um alargamento da noção de público
tradicional. Neste sentido, os museus, através da sua programação, procuram investir, progressivamente, na conquista, diversificação,
integração e fidelização de múltiplas audiências (a partir do universo de públicos reais e potenciais), nomeadamente, dos públicos
adulto e sénior (que têm vindo a adquirir um crescente relevo nos programas de actividades educativas e culturais, desenvolvidas por
estas instituições).
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As visitas a museus são momentos privilegiados Revestida, normalmente, de uma dupla componente
de aprendizagem, proporcionando uma combinação de aprendizagem e lazer, integrada no plano
de lazer e educação (edutainment – Mintz, 1994) extracurricular das escolas e abarcando frequente-
que se entretece com as experiências e vivências dos mente uma perspectiva multidisciplinar a nível de
indivíduos, perdurando na memória muito para além conhecimentos e objectivos, uma ida ao museu é
do momento em que acontecem. comummente considerada como um momento
De certa forma, é justamente neste espaço de privilegiado de aprendizagem fora do âmbito
confluência entre o lazer e a aprendizagem que educativo do regime lectivo da sala de aula. Talvez
reside um dos maiores potenciais do trabalho por esse motivo seja, ainda hoje, uma das activi-
educativo em ambiente de museus e um dos dades com maior representatividade nos programas
espaços mais frutíferos para a construção de educativos desenvolvidos pelos museus, mas
relações duradouras e efectivas com os públicos. felizmente não a única.
Importa, por isso, referir algumas das premissas No entanto, as aprendizagens efectivas que
que permitem aprofundar e enriquecer esta resultam de uma visita (escolar ou não) e a forma
relação e pensar de que forma a sua aplicação como estas se processam assentam em formas de
contribui para a construção de uma programação comunicação e sociabilização com uma importante
e oferta cada vez mais diversificadas e trans- dimensão sensorial, afectiva e vivencial, pelo que
versais, capazes de promover uma experiência não podem ser consideradas de forma isolada na
educativa de longa duração potenciadora de vida dos indivíduos, nem enquadradas de forma
aprendizagens efectivas e significativas, propor- linear no sistema de educação formal como resposta
cionando, assim, a formação e fidelização de uma directa às necessidades do programa curricular.
audiência de museus activa, participativa e crítica A sua mais valia, muito pelo contrário, consiste
que confira um sentido ao seu papel enquanto justamente em explorar aquilo que é específico do
instituições culturais e educativas, numa socie- museu enquanto espaço de educação não formal,
dade em permanente mudança. potenciando as aprendizagens enquanto processos
Criar públicos que, mais que utilizadores, sejam amplos, globais e vivenciais.
participantes e “revisitantes”. Os museus em geral, e as exposições em
particular, têm o potencial de ampliar, expandir e
reestruturar os esquemas conceptuais e mentais dos
1. A visita ao museu: um espaço de construção
visitantes (Falk et al., 1998; Falk e Dierking, 2000).
A visita de estudo ao museu há muito que se Esta ampliação e reestruturação é o resultado de um
institucionalizou como parte fundamental de processo de interpretação aberto e activo feito por
qualquer plano anual de actividades escolares. cada um dos indivíduos que nela participam. Assim,
ainda que integrada no plano de actividades extra-
curriculares (ou numa decisão de ocupação de
tempos livres ao fim-de-semana), uma ida ao museu
é sempre uma experiência global que depende tanto
das expectativas e agendas pessoais4 (Falk et al.,
1998) de cada indivíduo, quanto das actividades
desenvolvidas no próprio espaço visitado, funcio-
nando como uma importante articulação entre o erigindo-se como um interface onde se conjugam
passado (os conhecimentos prévios, as expectativas todos os lugares de onde se parte (Hernández, 2000)
trazidas), o presente (o momento em que o contacto e, todos os lugares a que se (pode) chega(r).
se dá) e o futuro (a projecção da experiência na vida Entendemos ser precisamente aqui que reside
futura dos indivíduos). um dos desafios mais interessantes e frutíferos para
Todos os indivíduos chegam ao museu com uma os serviços educativos dos museus: a possibilidade e
série de interesses e motivações prévias, baseadas a capacidade de se assumirem como espaços para o
na sua experiência de vida, na sua idade, nos seus cruzamento de “olhares” e de leituras numa
conhecimentos, na sua posição social, económica e plataforma dinâmica e em permanente mudança tal
cultural, que, no seu conjunto, irão necessariamente como a própria sociedade contemporânea em que
estruturar e enquadrar as suas experiências dentro se inserem.
do museu e, naturalmente, as suas aprendizagens. Para isso, a programação educativa tem de poder
Inserido num continuum temporal que trans- reflectir e estimular esta multiplicidade nas
cende em muito o momento da visita em si, este propostas e nas abordagens, assentando nas linhas
momento de contacto e construção faz sentido para identitárias que lhes permitem, por um lado
os indivíduos numa lógica vivencial e experiencial consolidar e enriquecer o espaço que lhes é próprio
muito mais do que puramente cognitiva. Por este – o da educação não formal (resistindo ao convite
motivo, alguns autores (Falk e Dierking, 1992) têm de se tornarem uma extensão da escola e da
optado por conceber as aprendizagens passíveis de academia ou um mero espaço de entretenimento) –
ser desenvolvidas no espaço museológico como um e por outro, permitir aos museus afirmarem-se na
todo, englobando-as num processo mais amplo que sociedade de consumo, sem complexos, assumindo
designam por “experiência museal”5. o seu papel específico na indústria do lazer,
Esta experiência – entendida como o conjunto encontrando e desenvolvendo fórmulas que
total de aprendizagens, emoções, sensações e enfatizem o seu potencial enquanto territórios de
vivências experimentadas como resultado da cruzamento e expansão dentro de um novo
interacção com os objectos, as ideias, os conceitos, paradigma, o do edutainment (Mintz, 1994).
os discursos e os espaços dos museus – é moldada
pela intersecção de 3 contextos fundamentais: o
2. A programação educativa do Centro de Arte
contexto pessoal, o contexto social e o contexto
Moderna José de Azeredo Perdigão: uma
físico. Para Falk e Dierking (1992) é justamente neste
breve apresentação
espaço de intersecção que se constrói e define a
experiência que perdurará na memória dos O Sector de Educação do Centro de Arte
indivíduos, potenciando a construção de aprendi- Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP),
zagens duradouras, significativas e efectivas. criado em Julho de 2002, nasceu do desejo de dotar
Estas aprendizagens, parte integrante da o museu de um espaço para a interpretação da sua
experiência global, serão, portanto, aquelas que colecção e suas exposições e para a comunicação
resultem da conjugação do património cultural, com as audiências, aprofundando e desenvolvendo
social e emocional que os indivíduos trazem consigo as existentes premissas basilares sobre as quais
(a sua biografia), com aquilo que a instituição assentava já a missão da instituição:
visitada (com os seus objectos, colecções, activi-
a) Divulgar e estudar a arte moderna e contem-
dades, programas e serviços) é capaz de lhes
porânea, com especial incidência na arte
proporcionar. E é justamente nesse espaço híbrido
portuguesa, através da apresentação perma-
de confluência e confronto de ideias que o trabalho
nente de obras da colecção do Centro e da
dos serviços educativos se realiza plenamente,
organização de exposições temporárias;
b) Desenvolver o interesse do público pela arte
5 Da expressão inglesa “museum experience”. moderna e contemporânea, através de acções
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Interessa-nos, acima de tudo, ir mais além do público adulto (especializado e não especializado)
olhar, mais além dos objectos, desenvolvendo uma em eventos de cruzamento de olhares, como são as
literacia visual fundamental para a interpretação da parcerias com exposições promovidas por outros
cultura visual na qual estamos imersos, pelo que serviços da Fundação ou outras instituições parceiras.
assentamos o nosso trabalho numa equipa multifa-
cetada de colaboradores internos (funcionários da Só assim entendemos poder responder aos
Fundação) e externos com formações diversificadas desafios que a sociedade contemporânea nos coloca
(História de Arte, Belas Artes, Sociologia, Mate- enquanto espaço cultural, educativo e de lazer e
mática, Filosofia, Educação, entre outras) capazes de trabalhar efectivamente na formação de públicos
potenciar propostas e projectos diversificados, a conscientes e intervenientes no presente e no futuro.
partir de uma multiplicidade e cruzamento de
leituras sobre e a partir da colecção e exposições.
Tipo de iniciativas educativas realizadas
Procuramos, desta forma, manter o dinamismo
da oferta através da criação de novas propostas Tomando como base os dados constantes no
todos os anos, em três frentes essenciais: último relatório de actividades (2005), apresen-
– uma oferta anual, assente sobretudo na colecção tamos aqui uma panorâmica das acções constantes
em exposição permanente e mais dirigida aos da programação educativa do CAMJAP e seus
grupos escolares/grupos organizados; públicos-alvo principais, apresentando a evolução e
crescimento do Sector Educativo ao longo dos
– uma oferta trimestral e semestral de fim-de- últimos quatro anos. (Quadro 1) O crescimento
semana, que acompanha o dinamismo exposi- verificado traduz-se em números que representam,
tivo do Centro de Arte Moderna e se dirige, neste momento, cerca de 38% do total de visitantes
essencialmente, ao público de fim-de-semana do CAMJAP e num grau de fidelização considerável,
(crianças, jovens, famílias e adultos); representado, essencialmente, por visitantes da zona
– e, uma oferta sazonal associada a temas, eventos e da Grande Lisboa, mas demonstrando uma crescente
períodos específicos que nos possibilite, tanto o adesão por parte de visitantes provenientes de um
relacionamento com o público infanto-juvenil (em âmbito nacional alargado para quem a programação
períodos de férias ou dias especiais), como com o desenvolvida funciona como mais-valia e motivação