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O documento discute as crenças indígenas brasileiras sobre Anhangá. Anhangá era visto como um espírito protetor da caça ou como almas errantes que assombravam os vivos. Havia confusão entre os primeiros colonizadores sobre se Anhangá ou Jurupari era o demônio, mas atualmente acredita-se que eram entidades diferentes, com Anhangá tendo a forma de veado branco.
O documento discute as crenças indígenas brasileiras sobre Anhangá. Anhangá era visto como um espírito protetor da caça ou como almas errantes que assombravam os vivos. Havia confusão entre os primeiros colonizadores sobre se Anhangá ou Jurupari era o demônio, mas atualmente acredita-se que eram entidades diferentes, com Anhangá tendo a forma de veado branco.
O documento discute as crenças indígenas brasileiras sobre Anhangá. Anhangá era visto como um espírito protetor da caça ou como almas errantes que assombravam os vivos. Havia confusão entre os primeiros colonizadores sobre se Anhangá ou Jurupari era o demônio, mas atualmente acredita-se que eram entidades diferentes, com Anhangá tendo a forma de veado branco.
Nas cartas dos padres Jos de Anchieta, Manuel da Nbrega e Ferno
Cardim fala-se de Anhanga como de um esprito malfazejo, temido pelos indgenas. O alemo Hans Staden chamou-o Ingange. O franciscano Andr Thevet registrou-o tambm. So todos do sculo XVI. Thevet (1558) notou que o Anhang no tinha forma positiva. O certo era atormentar os viventes. Jean de Lry, o huguenote macio e doce, anotou o seu complicado Aygnhan, irmo de Agnan de Thevet, atormentador das gentes tupinambs. At a lembrana do Aygnhan os fazia sofrer. Hans Staden (1557) diz que Os indgenas no gostam de sair das cabanas sem luz, tanto medo tm do Diabo, a quem chamam Ingange, o qual freqentemente lhes aparece. Gonalves Dias (O Brasil e a Oceania) fala sobre o Anhang como entidade inteiramente espiritual, responsvel por todos os males selvagens. Gonalves Dias ensina que Anhang ou Mbaaba quer dizer "cousa m." Parece, escreve o douto maranhense, que houve uma confuso entre os primeiros historiadores coloniais. O verdadeiro gnio do Mal era Jurupari e no Anhang. De minha parte creio firmemente que Jurupari nunca esteve perto de ser Demnio. trabalho puramente adaptacional da catequese. Qual seria a funo desseAnhanga (e no Anhang) entre os ndios brasileiros? Couto de Magalhes, que chegou a fazer uma teogonia tupi, explica: Anhang o deus da caa do campo; Anhang devia proteger todos os animais terrestres contra os ndios que quisessem abusar de seu pendor pela caa, para destru-los inutilmente. O destino da caa no campo parece estar afeto ao Anhang. A palavra Anhangquer dizer sombra, esprito. A figura com que as tradies o representam de um veado branco, com olhos de fogo. Todo aquele que persegue um animal que amamenta, corre o risco de ver o Anhang, e sua vista traz febre e s vezes a loucura (o Selvagem, de 1870) Teodoro Sampaio estuda o vocbulo no seu magnfico O Tupi na Geografia Nacional . ANH, s.c. -nh, a alma errante, o esprito que anda vagando; o gnio andejo, o diabo. Alt. Inhan, Inhang. Aignan, segundo J. de Lry. ANHANG, s. o diabo, o mau esprito. ANHANGABA, s. a ao do diabo, a diabrura, o malefcio. Alt. Anhang. O conde Ermano de Stradelli que no somente estudou o idioma nhengatu, mas igualmente hbitos e mentalidade de vrias tribos amaznicas, escreveu no seu Vocabulrio:
ANHANGA, ANANGA. Espectro, fantasma, duende, visagem. H tambm o
pirarucu-anhanga, iurar-anhanga, etc., Isto haga, isto , visagem de gente, de tatu, de veado, de boi. Em qualquer caso e qualquer que seja visto, ouvido ou pressentido, o Anhang traz para aquele que o v, ouve ou pressente certo prenncio de desgraa, e os lugares que se conhecem como freqentados por ele so mal-assombrados. H tambm o pirarucuanhanga, jurar-anhanga, etc., isto , duende de pirarucu e tartaruga, que so o desespero dos pescadores como os de caa o so do caador. Um conhecedor dos assuntos americanistas, sabedor do folclore e etnografia do norte brasileiro, o Des. Jorge Hurley narra um episdio endossando a acepo de Stradelli quanto aos vrios Anhangs para as muitas espcies de animais: Na excurso que fiz do alto Guam ao alto Gurupi, em 1919, atravs de 93 quilmetros de floresta, certa noite, no centro da floresta, ouvimos um assobio prolongado, estridente e feio...e os Tembs, impressionados, disseram-me que era a Paca-Anhanga que havia passado perto do nosso acampamento e cada um ps fogueira seu punhado de tirama ( farinha ) para afast-lo do nosso pouso e todos murmuraram: "juca-tupna ! juca-tupan ! Deus do cu ! O padre Tastevin no discrepa da opinio clssica quanto etimologia do vocbulo: - Anhang - etim. - Anhu, s alma; esprito maligno. Designava tambm as almas dos finados como consta da expresso - Anhang y yora, viva. i.e. o marido dela Anhang. A tradio seguida por todos os estudiosos do Folclore indgena do Brasil incidir no mesmo erro e laborar na confuso que Gonalves Dias notava, h mais de setenta anos, embora no a quisesse corrigir. Gustavo Barroso somou Anhang como o Deus dos pesadelos. O Deus dos pesadelos sempre foi Jurupari. Baslio de Magalhes, um legtimo sabedor, acha Jurupari e Anhang como sinnimos, com diferenas meramente verbais ou de forma de materializao. Era no sculo XVIII, a opinio de Laet, anotando Marcgrave: Jurupari et Anhang significant simpliciter diabolum. Jurupari, entretanto, no tem forma. Anhang, o Anhang clssico de Couto de Magalhes e de Barbosa Rodrigues, um veado branco com os olhos de fogo. Barbosa Rodrigues indispensvel em seu depoimento, sempre ntido, original e saboroso: ..se tem querido que o Anhanga amazonense seja por isso o mesmo Jurupari, quando no aquele mais do que um nncio da desgraa, uma alma perdida, penada, que no foi para o cu, que vagueia no espao sem que para isso Jurupari concorresse ou dela se apossasse, ou ento, um duende que no mau e antes protetor e conservador (no Par); somente algum mal comete quando se vai de encontro ao que ele quer, isto , que
se poupe, na caa, o animal que mama ou amamenta e o pssaro que
choca ou cria. O Jurupari no tem encarnao alguma e o Anhang tem. A encarnao deste quando aparece ao homem sempre sob a forma de um veado, de cor vermelha, de chifres cobertos de plos, de olhar de fogo, de cruz na testa, conhecido por Suassu Anhang, que no mais do que Suassu Caatinga, do Sul, ou Cervus simplicicornis, de Illerger, conhecido hoje por "Catingueiro" e que Azara denominou Guazu 'Bir. O que se deduz ter o indgena brasileiro dois vocbulos homfonos designando funes sobrenaturais perfeitamente diferenciadas. Anhan e Anhang querem dizer alma, sombra, esprito. Tastetevin, Stradelli, Batista Caetano esto de acordo. O que atormentava interiormente o ameraba era "a alma do outro mundo", que ainda arrepia os fracos e predispostos. A "coisa-m" de Gonalves Dias, aiua, aiba, m e anga, alma ou esprito justamente, a alma penada que amedronta e terrifica. Barbosa Rodrigues ainda prope an, parente e onga, alma, a alma dos antepassados. A superstio brasileira referente aos mortos da famlia era vasta e profunda. Estavam os indgenas sempre dispostos a ouvir-lhes a voz longnqua, trazida pelas aves de agouro. O indgena teme imensamente, como o nosso matuto, a mbai-aib, a coisa m, a visagem, o fantasma, e para no v-lo capaz de todos os sacrifcios. Ao mesmo tempo existia o Suau-anhanga, protetor da caa, castigador dos caadores impiedosos e gide dos animais em gravidez. Era esta a outra entidade que perseguia a tranqilidade dos brasileiros no sculo XVI. O Veado-fantasma, como todas as espcies animais que possuam defensores (Couto de Magalhes, Stradelli) constituam uma galeria suprema de ameaa e de respeito anormais. O indgena, entretanto, sempre flechava o veado, mesmo o "Catingueiro", tido por encantado. Pochi uassu suacuera suassu ananga, dizia um tuixaua a Barbosa Rodrigues, - "a carne do veado-ananga muito m."Karl Von del Stein lembra que os Bororos no matavam nem comiam o veado-campeiro, o Suuapara (Cervus campestris). A crena geral que um veado, saindo inopinadamente do mato, anuncia um acontecimento grave...se no for abatido com um tiro certeiro. Essa superstio se mantm a mesma ente a populao mestiada que trabalha na extrao da borracha, caucho, cravo, madeira, e naturalmente se infiltrou para os moradores brancos. Uma lenda dos ndios do rio Uaups, afluente do rio Negro, Amazonas, recolhida por Brando de Amorim, diz que uns veados estavam comendo as plantaes e os donos o mataram. Carregaram os corpos para casa a fim de moque-los. Pela manh vieram ver e encontraram, em cima do moqum, carne humana. Jogaram no rio toda a moqueada, horrorizados. Isto sucedeu no Iauret-Cachoeira. "Duas luas depois, apareceram do Papuri pessoas que procuravam seu av e mulher que se tinham da sumido. J ento essa gente soube que aqueles dois veados que estragavam suas roas eram gente ! Assim, contam, lhes sucedeu, por isso hoje em dia a gente no moqueia mais veado dentro de casa.
O padre Tastevin recolheu uma estria semelhante em substncia. Os
negros Ba Kamba contam que um caador encontrou dois antlopes que estragavam sua roa, e matou a fmea e levou-a para a aldeia. Apesar de morta, esfolada, preparada, levada para o fogo, a antlope conservava a voz humana e perguntou para onde a levam. Assando, ainda fala. Quem comeu da antlope morreu. Sacudiram o resto no mato. Imediatamente o corpo se recomps e a antlope, s e completa, reganhou, numa carreira veloz, a floresta. As lendas que Couto de Magalhes e Barbosa Rodrigues publicaram so referentes ao Anhang da caa. Numa, ele ilude o caador fazendo-o abater a prpria me em castigo de matar animal em via de parto. Essa mesma lenda Stradelli a citou como pertencendo ao Corupira. Noutra estria, um veado, devorando as roarias dos ndios, ameaou comer umas mulheres que diziam mal dele. Um Anhang devorando mulheres seria novidade. No h a menor notcia da antropofagia entre os seres sobrenaturais, matam, quando matam, no tocam no cadver. Os animais fabulosos comendo carne humana j me parecem influncia negra, como o Quibungo e mesmo as tintas gerais com que o seringueiro desenha verbalmente o Mapiguari. A Anga, o Anhang que sacudia de desespero o selvagem, Anga, era alma sem pouso, o esprito errante, significando diabrura, malefcio, feitiaria. Todos os povos tiveram essa mesma assombrao para o esprito dos seus mortos. Assim, gregos, romanos, persas, chineses tm o mesmo sentimento dos nossos amerabas. Em todas as religies do mundo as almas dos finados sem sepultura so demnios atormentadores. A Anga, alma dos mortos, no tem corporificao. o pesadelo, coisa m, o medo sem forma e sem nome possvel. O Anhang que toma o aspecto de um veado branco, com os olhos de fogo outra personalidade. um nume protetor da espcie, superstio indgena, mito local. Para este que se dirige o respeito da tradio cinegtica. O Anhang da caa carabina dos caadores insaciveis e, mesmo morto, no podia ser alimento, como disse a Barbosa Rodrigues o indgena amazonense sobre o "Catingueiro". Vimos que os Ba Kambas pensam o mesmo de certo gnero de antlopes. Muitas vezes desaparece a liturgia de uma crena e sobrevive apenas o respeito instintivo, a reminiscncia esvaecida do rito, vivendo numa proibio de uso ou de renncia, de reverncia ou de obedincia a determinadas restries. A escola do "Tabu" como muito vaga, plstica e complexa, serve para explicar atos inexplicveis que so automatismos secundrios, restos de cerimnias de cultos mortos. O Orongo um animal sagrado para os mongis, mas o coronel Prejevalski no mais encontrou justificativa dessa venerao. A pele de Nbi (Dendrohyraz emini) s pode ser usada pelos soberanos africanos, mas o explorador Casati nada pde saber que explicasse o hbito. O Anga ou Anhanga incorpreo, atormentador dos amerndios, bem poder ser, verdadeiramente, o primitivo mito, nico a ser compreendido pelos aborgines durante dilatados anos. O Anga assombrador, tido como
Jurupari, como o pesadelo, parece-me ser o ur-mythus, o terror inicial.
O Anhang, mito zoomorfo, induz-me a julg-lo de influncia aloctnica. Esse nume, protetor, gide, guia defensor da caa, leva-me a suspeitar da criao africana com adaptao posterior e confuso natural com o preexistente Anhang invisvel. Um vocabulrio do idioma N'bunda entremostra um possvel caminho. O substantivo caa em n'bunda n'hanga, justamente como Teodoro Sampaio, o indiscutido mestre tupillogo ensinava a pronunciar o Anhang brasileiro, o da caa. O verbo caar , nessa lngua africana, cu-nhanga, e caador ri-nhang. O mito do Batato (mboitat) que era tido como pura criao indgena, registrado em 1560 pelo venervel Anchieta, hoje no mais se discute a influncia negra, ou, no mnimo, a coexistncia de estria idntica nos dois continentes. A Mboi tanto africana quanto brasileira. Poder-se- insofismavelmente dar processo igual ao mito do Anhanga. O africano N'hanga, emigrado, converge para o Anhanga existente no Brasil e os dois nomes, com acepes diversas, fundem-se. Os nossos dois Anhangs to desiguais em ao e teimosamente reunidos como sendo uma s expresso sobrenatural, para mim nada mais representam que um daqueles casos que o velho Max Muller chamava "mitos de confuso verbal." Extrado do Geografia dos Mitos Brasileiros de Lus Cmara Cascudo. http://www.casadobruxo.com.br/textos/magia78.htm