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A LÍNGUA NO CÉREBRO
ENTREVISTA
Konrad Szczesniak
Faculdade de Língua Inglesa,
Universidade da Silésia (Polônia)
e Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/RJ
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ENTREVISTA
Como o senhor se tornou neurolingüista? significa qualquer pessoa que fala duas línguas e não
Fiz essa escolha relativamente tarde, e isso se deu apenas aqueles que aprenderam dois idiomas desde
devido a uma combinação de circunstâncias. Meu a infância. Não há uma região do cérebro que seja só
primeiro curso na universidade foi medicina, e, de- usada para línguas estrangeiras. Na maioria dos casos
pois, trabalhei com cirurgia por algum tempo, até – e, com certeza, em falantes que aprenderam uma
que me interessei pela lingüística, em função do tema segunda língua cedo, digamos antes dos cinco anos
da minha dissertação, que foi sobre a teoria psicana- de idade –, não há sequer diferença entre os níveis
lítica dos sentidos das palavras. Então, me dei conta observados de ativação neural. E isso vale tanto para
de que queria saber mais sobre linguagem. Assim, o processamento de tarefas que envolvem apenas pa-
abandonei a cirurgia e passei a estudar lingüística e lavras individuais, como dar nomes a imagens, por
filosofia. Naquela altura, já era possível empregar exemplo, quanto no que diz respeito a escutar ou di-
neuroimagens, obtidas por PET [tomografia por emis- zer frases completas. Em nosso projeto, fizemos me-
são de pósitrons], para a análise das áreas cerebrais dições regulares de RMNf [ressonância magnética
ativadas pela linguagem. Colin Brown e Peter Ha- nuclear funcional] em alunos chineses que apren-
goort, que iniciaram um projeto de neurocogni- diam holandês, uma língua bem diferente da primei-
ção de linguagem no Instituto Max Planck de Psi- ra do ponto de vista lexical e sintático. Depois de seis
colingüística, em Nijmegen [Holanda], onde eu fazia meses, suas ativações cerebrais se mostravam bem
minha tese de doutorado, pediram que eu fizesse
pesquisa, empregando PET, sobre temas relativos
ao projeto deles. Desistir da medicina e ir para a lin-
güística foi uma decisão dura, mas, nesse novo cam- Não há uma região do cérebro que seja
po de pesquisa, a formação em medicina passou a
ser muito útil para estudar o processamento cere- só usada para línguas estrangeiras
bral da linguagem.
Em relação à aprendizagem de línguas estrangeiras, parecidas, quer eles ouvissem chinês, quer holandês.
sabe-se que algumas pessoas têm mais dom Em ambos os casos, vemos ativadas as duas regiões
que outras. Como isso se dá em nível neural? cerebrais clássicas relacionadas à língua, a área de
Os estudantes mais capacitados ativam mais áreas Broca, no córtex frontal, e a área de Wernicke, no cór-
cerebrais relativas à linguagem ou será que tex temporal. No entanto, há algumas evidências de
é uma questão de ativar apenas as áreas corretas? que nessas áreas possam ocorrer pequenas diferenças
Não sabemos. Há um estudo de um colega meu, Mi- na localização exata de populações de células ner-
chael Chee, de Singapura, que mostrou que alunos vosas que processam as línguas maternas e as outras.
que apresentaram mais facilidade no estudo de chi- Claro que, em um sentido mais geral, deve haver di-
nês tinham uma ativação mais forte da ínsula, a par- ferenças no modo como o cérebro processa línguas
te do córtex envolvida na articulação e, talvez, em estrangeiras e a língua materna. Sabemos que existem
outros aspetos do processamento da linguagem. Mas diferenças psicolingüísticas. Por exemplo, somos
não temos certeza se essa diferença neural é a causa mais lentos em uma segunda língua, e, como é o cé-
ou a conseqüência da aprendizagem bem-sucedida rebro que faz essas computações, essas diferenças
de línguas estrangeiras. Certamente, precisaríamos têm que se manifestar em nível cerebral também.
de um estudo prospectivo em que os estudantes fos-
sem submetidos a exames de neuroimagem antes de Quanta precisão na capacidade de ‘ler a mente’
começarem o aprendizado, para compararmos esses os neurolingüistas conseguirão no futuro?
dados mais tarde. Esse tipo de estudo ainda não foi Eles chegarão a decifrar a atividade cerebral e dizer
feito por razões óbvias: quem tem tempo de ficar 10 “Veja só, parece que o nosso sujeito está tentando
anos esperando pelos resultados? se lembrar da letra de ‘Stairway to heaven’”?
É preciso lembrar aqui que a atividade cerebral es-
As línguas estrangeiras são processadas pecificamente relacionada com a letra de ‘Stairway
de forma diferente pelo cérebro em comparação to heaven’ é mais fraca, em uma ordem de magnitu-
com línguas maternas? de [cerca de 10 vezes], do que qualquer outra ativi-
Se falarmos em termos de regiões cerebrais, a respos- dade cerebral que está ocorrendo naquele mesmo
ta é não. Recentemente, realizei uma metanálise instante. Os métodos que utilizamos contornam esse
[Language Learning, v. 56, supl. 1, 279-304, 2006] de problema medindo a reação do cérebro ao mesmo
todos os estudos de neuroimagem cujos autores com- estímulo repetidas vezes e depois calculando a mé-
paravam o processamento da primeira e da segunda dia, de modo que resposta cerebral específica possa
línguas em falantes bilíngües – ‘bilíngüe’, no caso, ser amplificada e comparada com uma atividade 4
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ENTREVISTA
penho melhor em muitos do-
mínios cognitivos. Não acho Não há nenhuma mudança súbita no cérebro por volta
que essa correlação seja mais
forte para a aprendizagem de dos 12 anos de idade. O que pode acontecer é que,
línguas do que, por exemplo,
para habilidades matemáti- no decurso da aquisição da primeira língua, algumas
cas. No entanto, é verdade que
o processamento da estrutura regiões do cérebro se otimizem para as propriedades dela
musical – alguns pesquisado-
res dizem ‘sintaxe’ musical –
ativa a mesma região do cérebro implicada no pro- sileiras de que eu gostava muito. Depois, fui fazer
cessamento gramatical da linguagem. um estágio de três meses em um hospital em Baixo
Guandu, uma pequena cidade no Espírito Santo. As
Qual foi o caso mais esquisito com que o senhor pessoas de lá foram muito simpáticas, e eu vivi al-
se deparou em sua pesquisa? guns dos melhores momentos da minha vida naque-
Bem, trabalho com voluntários selecionados para la época. Quanto à música, aliás, descobri, para mi-
serem o mais ‘normais’ possível. Portanto, não espe- nha decepção, que lá as pessoas da minha idade
ramos encontrar nada muito fora do comum. No en- preferiam o Boney M. a Gal Costa, que era minha
tanto, em um departamento neurocirúrgico na Ho- [intérprete] favorita na época.
landa com o qual colaboro, houve um caso interes-
sante de recuperação lingüística seletiva. Para des- O senhor acha que é possível atingir uma proficiência
cobrir qual hemisfério cerebral é dominante para a verdadeiramente nativa em uma língua estrangeira?
linguagem, neurocirurgiões injetam uma substância A meu ver, essa pergunta está mal formulada, porque
hipnótica pela principal artéria – esquerda ou direi- um falante bilíngüe não é como se fossem dois fa-
ta – cerebral, o que leva ao adormecimento de um lantes nativos em uma só pessoa. Quando se apren-
dos hemisférios. O procedimento é chamado teste de de uma segunda língua, a primeira também muda
para sempre. Nesse sentido, al-
guém que fala uma segunda lín-
gua não será mais um monoglota.
Ser proficiente em muitas línguas significa Mesmo assim, sabe-se que, para
cada propriedade de uma língua,
usá-las regularmente, e há um limite há pessoas que falam uma segun-
da língua de modo que se tornam
para o quanto se pode ouvir ou falar por dia indistinguíveis dos falantes nati-
vos dela.