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pedrohmbt@hotmail.com
Lacan, em seu retorno a Freud, dedicou o seu mais difundido seminário (1)
àqueles que considerou ser os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise, a
saber: pulsão, inconsciente, repetição e transferência. Os dois primeiros, tende-se a
se trabalhar em separado quando nos voltamos aos principais textos de Freud.
Poderia se dizer que a Traumdeutung originaria o debate sobre o Inconsciente
enquanto os Três ensaios, aquele sobre as Pulsões. Poderia ser dito ainda, que
estes textos inauguram dois discursos internos no freudismo, discursos que
raramente se reagrupam ao longo de sua trajetória teórica (GARCIA-ROZA, 1991).
O paciente não pode rememorar tudo o que foi recalcado. “Ele é antes
obrigado a repetir o recalcado como vivência no presente”. Cabe ao analista “limitar
o máximo possível o domínio desta neurose de transferência, de levar o máximo de
conteúdo possível para o caminho da rememoração e de deixar o mínimo possível à
ação da repetição” (FREUD, 1920, p.17). Existe na repetição uma forma de
reedição, de atualização das vivências.
A partir daqui parece ser digno de nota o aforismo que Lacan utiliza no
acima-referido seminário para definir a transferência. “A transferência é a atualização
da realidade do inconsciente” (LACAN, 1964 p.139, grifo meu). Em seus diferentes
textos que fazem uso do conceito de transferência, Freud ora falará de afetos, ora
de experiências, de mecanismos, de impressões, de protótipos. Enfim, o que todas
estas designações terão em comum é o fato de estarem ligadas ao infantil, ao não
elaborado e, portanto, ligados segundo as leis e a temporalidade do inconsciente.
Traduttore, traditore! Com este chiste Freud (1905 p.14) faz alusão aos
problemas que envolvem as imperfeições e eventuais tendenciosidades na tradução
de enunciados. É preciso saber fazer justiça quando o oposto também ocorre. M.D.
Magno, tradutor brasileiro do seminário onze, adverte o leitor em uma nota de
rodapé. Lacan não teria utilizado em seu aforismo o termo actualiser ou actualisation
e sim mise en acte. Mise, particípio do verbo mettre (por, meter, colocar, ordenar,
dispor), partícula comumente associada a substantivos dando origens a expressões
de difícil tradução. Exemplos tais seriam mise en jeu (emprego, uso), mise en œuvre
(iniciação), ou a expressão utilizada no português mise en scène (encenação, ou
preparativos necessário para a representação).Poderíamos aqui pensar o que esta
atua(liza)ção ocorrida na transferência tem de “colocação em ato” e de “colocação
em cena”.
Com seu mestre francês, Charcot, Freud pode ter mais intenso contato com
isso que demonstrava ser sim uma encenação, ainda que vivida como verdade. Com
seus verdadeiros shows no anfi-teatro da Salpêtrière, a platéia formada por médicos,
intelectuais e curiosos podia perceber como, sob o domínio da hipnose, as histéricas
encenavam o que o diretor do espetáculo lhes ordenava. Havia uma quebra com a
noção de verdade e fantasia, de cena e ato espontâneo. Ainda que presenciadas
como ficção, aquelas situações eram vivenciadas como verdade, ou com força de
verdade.
Notas
(3) Apesar do livro-fonte ter sido escrito por Freud e Breuer, o trecho citado é de
uma seção exclusiva de Freud.
Referências