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Transferência: Mise-en-scène ou Mise-en-acte?

Pedro Heliodoro de Moraes Branco Tavares, Dr.


Psicanalista – Psicólogo [CRP 12/04085]
Doutor em Psicanálise e Psicopatologia – Université Paris VII – Denis Diderot
Doutor em Teoria Literária – Universidade Federal de Santa Catarina

Tel. (48) 9991 14 30

pedrohmbt@hotmail.com

Publicado originalmente em Acheronta, Revista de Psicoanalysis y Cultura, v.20,


Buenos Aires, 2004.

Ao abordar um tema ou um conceito específico num determinado campo


teórico, a principal dificuldade que parece se impor é a da eventual escassez, a falta
de recursos e referenciais. Por onde começar? A que textos e a que experiências
recorrer? Não parece ser este o caso do presente trabalho, onde se pretende discutir
a transferência, talvez o conceito mais trabalhado no âmbito da clínica psicanalítica.
O termo terá, nas perspectivas de diferentes autores, tratamentos em espectros tão
vastos e muitas vezes tão díspares, que acaba por confundir e desnortear os
neófitos na área.

Lacan, em seu retorno a Freud, dedicou o seu mais difundido seminário (1)
àqueles que considerou ser os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise, a
saber: pulsão, inconsciente, repetição e transferência. Os dois primeiros, tende-se a
se trabalhar em separado quando nos voltamos aos principais textos de Freud.
Poderia se dizer que a Traumdeutung originaria o debate sobre o Inconsciente
enquanto os Três ensaios, aquele sobre as Pulsões. Poderia ser dito ainda, que
estes textos inauguram dois discursos internos no freudismo, discursos que
raramente se reagrupam ao longo de sua trajetória teórica (GARCIA-ROZA, 1991).

Já os dois outros conceitos considerados fundamentais têm uma proximidade


que provoca uma difícil dissuasão ao se tratar de um ou de outro. Repetição e
transferência, salvo por alguns poucos trabalhos breves (2), não têm um estatuto
próprio, erigido em um texto específico, no entanto, estes permeiam toda a obra
freudiana no que se refere a sua prática clínica.

Transferência tem ainda o problema de ser o mesmo termo utilizado para


descrição de diferentes fenômenos dependendo da área epistêmica onde se
emprega o termo. A transferência de que trata Freud é a de vivências de relações,
modelos ou protótipos infantis para uma outra realidade ou relação; mais
propriamente a situação da análise. Esta transferência, que tem por propulsão e
alimento o desejo, se dá pela repetição dessas experiências no divã, na “realidade
artificial” da análise. Sobre esta noção de uma “realidade artificial” procuraremos
nos deter mais adiante, mas não sem antes deixar claro que este estatuto de
repetição pouco tem a ver com o de uma cópia ou estagnação.

Estagnações existem devido ao fenômeno da resistência. Resistência que


muitas vezes atua mais como ferramenta do que enquanto entrave no processo
analítico. A repetição existe por que há limites para a incorporação de certas
vivências ao psiquismo. Repetir situações, relações ou atitudes implica certamente
em transformações e ai se encontra o papel do analista (FREUD. 1914 p.135).

O paciente não pode rememorar tudo o que foi recalcado. “Ele é antes
obrigado a repetir o recalcado como vivência no presente”. Cabe ao analista “limitar
o máximo possível o domínio desta neurose de transferência, de levar o máximo de
conteúdo possível para o caminho da rememoração e de deixar o mínimo possível à
ação da repetição” (FREUD, 1920, p.17). Existe na repetição uma forma de
reedição, de atualização das vivências.

A partir daqui parece ser digno de nota o aforismo que Lacan utiliza no
acima-referido seminário para definir a transferência. “A transferência é a atualização
da realidade do inconsciente” (LACAN, 1964 p.139, grifo meu). Em seus diferentes
textos que fazem uso do conceito de transferência, Freud ora falará de afetos, ora
de experiências, de mecanismos, de impressões, de protótipos. Enfim, o que todas
estas designações terão em comum é o fato de estarem ligadas ao infantil, ao não
elaborado e, portanto, ligados segundo as leis e a temporalidade do inconsciente.

Na situação analítica há uma atualização ou “presentificação” dessa


realidade. Isso pode, sim, ser afirmado, porém é somente parte da verdade e talvez
a parte mais problemática. Dizer que no setting clínico, no divã, repetimos e
trazemos à tona o passado histórico-biográfico é o que o senso comum, de modo
simplificado, absorveu como sendo o fazer analítico em si. O famigerado “Fale-me
de sua infância” que já virou, não sem justiça, motivo de sátira, na academia, no
cinema, nos chistes, é bem verdade, diz do modo como muitos procedem dizendo-
se analistas.

O tempo em Psicanálise, desde Lacan (1945) o sabemos, não é o


cronológico, aquele em que passado, presente e futuro se justapõe como etapas a
serem cumpridas. Na análise fala-se sim e sempre de uma infância, mesmo quando
trata-se de questões atuais, do trabalho, da relação conjugal, dos hobbies, das
inibições, ou seja qual for o campo fenomenológico em que se articulem, é o infantil
que atua. Isso, simplesmente, pois a sexualidade humana, o fazer na cultura, é por
caráter infantil. Não é o caso, no entanto, de procurar saber de um tempo
cronológico anterior como a fonte, a origem do sintoma ou da angústia. Pela
transferência, o analisante pode não só atualizar, trazer para o presente a dinâmica
de seu psiquismo. Não, não se trata tão somente de trazer para o presente como
uma rememoração, atualizar implica também e principalmente “por em ato”.

Traduttore, traditore! Com este chiste Freud (1905 p.14) faz alusão aos
problemas que envolvem as imperfeições e eventuais tendenciosidades na tradução
de enunciados. É preciso saber fazer justiça quando o oposto também ocorre. M.D.
Magno, tradutor brasileiro do seminário onze, adverte o leitor em uma nota de
rodapé. Lacan não teria utilizado em seu aforismo o termo actualiser ou actualisation
e sim mise en acte. Mise, particípio do verbo mettre (por, meter, colocar, ordenar,
dispor), partícula comumente associada a substantivos dando origens a expressões
de difícil tradução. Exemplos tais seriam mise en jeu (emprego, uso), mise en œuvre
(iniciação), ou a expressão utilizada no português mise en scène (encenação, ou
preparativos necessário para a representação).Poderíamos aqui pensar o que esta
atua(liza)ção ocorrida na transferência tem de “colocação em ato” e de “colocação
em cena”.

Bem sabemos que ao tomar as neuroses como objeto de estudo, investigação


e tratamento, é a histeria o paradigma primeiro com o qual Freud se depara. É digno
de nota que, ainda hoje, o termo histeria esteja associado à idéia de uma
encenação. Não raro ouvimos falar, sobretudo num contexto pejorativo, de uma
“cena histérica”. Por certo a histeria, tal como se apresentava na época que hoje
designamos como vitoriana, desempenhou um papel de sintoma social: as histéricas
trouxeram para o palco, ou diante das luzes, um sofrimento humano sobre o qual a
ciência médica não tinha controle. Um mal que paradoxalmente se apresentava na
carne, mas não trazia qualquer causação orgânica identificável e não podia ser
tratado pela medicina, senão como fingimento, dissimulação.

Com seu mestre francês, Charcot, Freud pode ter mais intenso contato com
isso que demonstrava ser sim uma encenação, ainda que vivida como verdade. Com
seus verdadeiros shows no anfi-teatro da Salpêtrière, a platéia formada por médicos,
intelectuais e curiosos podia perceber como, sob o domínio da hipnose, as histéricas
encenavam o que o diretor do espetáculo lhes ordenava. Havia uma quebra com a
noção de verdade e fantasia, de cena e ato espontâneo. Ainda que presenciadas
como ficção, aquelas situações eram vivenciadas como verdade, ou com força de
verdade.

Freud, dali absorvera esta não-oposição entre o verdadeiro e o ficcional.


Seu passo adiante foi perceber que estes enredos com força de verdade que
operam no ser inconsciente pela sugestão hipnótica também atuam de forma
determinante durante a vigília. Ele pode perceber que estes enredos, como são
vividas as fantasias na vida cotidiana, são levados, ou transferidos para a clínica,
para a relação com o analista. É justamente nos seus Estudos sobre Histeria, que
escreve com Breuer, onde ele irá pela primeira vez abordar o fenômeno da
transferência, pela noção de falsa-conexão.
O conteúdo do desejo tinha inicialmente surgido na consciência da doente em
qualquer lembrança das circunstâncias que o rodeavam e que o teriam recolocado
no passado. O desejo presente era então, em função da compulsão a associar que
dominava na consciência, ligado a uma pessoa que ocupava legitimamente os
pensamentos da doente; e, resultante desta ligação incorreta a que chamo de
conexão falsa, despertava o mesmo afeto que em seu tempo tinha levado a paciente
a rejeitar esse desejo proibido (FREUD & BREUER, 1895, p.309). (3)
Através das histéricas Freud aprendeu sobre o Inconsciente, sobre sua
dinâmica e sua organicidade. Anna O., paciente de seu colega, contribuiu não
somente com o método da livre associação como também o de “teatro privado”.
Nesse teatro, que não mais tem os espectadores da Salpêtrière, qual é então a
função do analista? É o diretor, o coadjuvante, o protagonista, a platéia?
Como desempenhar o manejo da transferência e paradoxalmente seguir o
conselho freudiano de permanecer in absentia ou in effigie (FREUD, 1912 p. 374)
diante do amor transferencial? O analisante desempenha seu papel delegando ao
analista o aparente papel de platéia-ouvinte e diretor-condutor. Quer saber de seus
passos e julga que o analista saiba do caminho a ser seguido. Delega a este o
conhecimento de um suposto script O analista, que de início quer ouvir as
construções imaginárias, parece a platéia ideal, mas, quando as construções
apresentam suas falhas, a “verdade” trazida pelo analisante parece se apresentar
como dubitável.
Se ele pode observar essas falhas e incongruências no narrado e no atuado,
supõe-se nele um saber onde elas não existam. A ele se dirige um discurso no qual
as certezas vão se desfazendo e o que vinha sido vivido como a mais pura verdade,
(o romance familiar, as fantasias, os pensamentos obsessivos onipotentes) revelam
ser nada mais que um engodo. Já no fim da análise, o último bastião a ser derrocado
é a suposta verdade do analista, o seu saber suposto. O passo subjetivo pelo qual
se vê que o vivido não era senão ficção e que a verdade última não se tem acesso,
torna possível construir um fazer, ou uma nova realidade onde haja menos
sofrimento e angústia.
A transferência, engodo pelo qual se funda a análise é um passo essencial
para um contato com a realidade do sujeito do inconsciente. Tratando-se de uma
situação de substituição no amor (e que amor não é substituto), não pode ser senão
engodo. Nela pensa-se procurar uma verdade para se encontrar uma mitologia
própria. E se da ficção não podemos escapar, pela análise procura-se uma ficção
mais satisfatória.

Notas

(1) Seminário 11 – Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise

(2) Repetição: Recordar, repetir e elaborar (1914) e Além do princípio do Prazer


(1920) / Transferência: Observações sobre o amor Transferencial (1915) e
Sobre a Dinâmica da Transferência (1912).

(3) Apesar do livro-fonte ter sido escrito por Freud e Breuer, o trecho citado é de
uma seção exclusiva de Freud.
Referências

FREUD, Sigmund & BREUER, Josef (1895/1999) – Studien über Hysterie in


Gesammelte Werke – Chronologisch geordnet, Frankfurt am Main; Fischer Verlag
FREUD, Sigmund (1905/1999) – Der Witz und seine Beziehung zum
Unbewußten in Gesammelte Werke – Chronologisch geordnet, Frankfurt am Main;
Fischer Verlag
FREUD, Sigmund (1912/1999) – Zur Dynamik der Übertragung in
Gesammelte Werke – Chronologisch geordnet, Frankfurt am Main; Fischer Verlag
FREUD, Sigmund (1914/1999) – Erinnern, Wiederholen und Durcharbeiten in
Gesammelte Werke – Chronologisch geordnet, Frankfurt am Main; Fischer Verlag
FREUD, Sigmund (1920/1999) – Jenseits des Lustprinzips in Gesammelte
Werke – Chronologisch geordnet, Frankfurt am Main; Fischer Verlag
GARCIA ROZA, Luiz Alfredo (1994) – Freud e o Inconsciente, Jorge Zahar
Editor, Rio de Janeiro
LACAN, Jacques (1945/1998) – O tempo lógico e a asserção da certeza
antecipada, in Escritos, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro
LACAN, Jacques (1964/1999) – O Seminário – Livro 11, Os quatro conceitos
fundamentais da Psicanálise, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro

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