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O preço da fidelidade é a eterna vigilânci


a
Mi
llôr Fernandes

O protagonista deste ensaio Mário Zanini,


revela-nos através de suas pinturas a paulicea de animo proletário, não a do And
rade, de selvagens palavras, mas aquela das casinhas simples, de operários que v
izinhavam não aquele ... Cambuci pelas noites de crime... e sim aquele por onde
gingam os bondes como um fogo de artifício, sapateando nos trilhos. É dessa São
Paulo que o fiel artesão, na escadaria da Sé, aguardava com seu colega Paschoal
Graciano possíveis clientes. Tempos de dificuldade e muita luta. Deixou-nos em a
gosto de 1971 do século passado. Da Rua Ana Néri onde viveu toda a sua vida, con
templava na infância os paredões da fábrica Minetti-Gamba. Seu olhar habituava-s
e desde cedo àquela paisagem fabril urbana, fumacenta e de muitas chaminés. Desc
endente de italianos, compartia o lar operário com nove irmãos. Aos quinze anos
conclui o curso de pintura na Escola Profissional Masculina do Brás. Tal iniciat
iva deveu-se a incapacidade econômica das famílias operárias em pagar os estudos
para doutor, diante da prole, habitualmente numerosa, que precisava de ajuda na
criação e o caminho era o de ter um oficio. Vinculo de responsabilidade e fidel
idade. Assim sendo serviu até 1924 como letrista na Companhia Antártica Paulista
. A sua ambiência e vontade levou-o a matricular-se no curso noturno de desenho
e artes do Liceu de Artes e Ofícios. Ao cabo de dois anos de estudos a óleo e tê
mpera, cópias de pintura européia do século XVIII e de pinturas renascentistas e
maneiristas mostra-se um promissor pintor e de muita dedicação. Comprovado pelo
auto-retrato de 1923 e uma paisagem a óleo pintada sobre a madeira de uma caixa
de charutos, de viés impressionista. Mais tarde, por ocasião do II Salão da Fa
mília Artística Paulista (1939), Mário de Andrade diria “...este meu xará foi pa
ra mim uma revelação. É difícil diagnosticar se a notável diversidade do seu atu
al manejo do pincel indica riqueza ou indecisão, mas pressinto nele o estofo de
um grande paisagista”. A titulo de subsistência realiza pinturas decorativas, co
nsistida em motivos de frisas estereotipadas de frutas e flores, ou livremente f
antasiosos, para atender o gosto da clientela de nouveaux riches. Nesse mister,
conhece Rebolo que se ocupava de contratações desses serviços. Estreitada as rel
ações, alugam um escritório-atelier no Palacete Santa Helena que atenderá a come
rcialização dos serviços e a pintura de cavalete. Os artistas-artesãos surgiram
das correntes imigratórias marcadamente a partir de 1880. A hospedagem se dava n
um sobrado do Bom Retiro, acanhado e de precárias condições. Somente em 1885 o g
overno paulista foi autorizado a gastar até 100.000$000 na compra de um terreno
para a construção de uma nova hospedaria, conforme Lei n 51, de 21/3/1885. Regi
stre-se, ficou estabelecido que o trabalho do corpo administrativo da hospedaria
da Rua Visconde de Parnaíba, no Brás, seria diário, incluindo os domingos e dia
s santificados e estender-se-ia das sete às dezessete horas a não ser que o movi
mento exigisse sua ampliação por uma ou duas horas a mais. As dependências const
ruídas tinham a capacidade de abrigar duas mil pessoas. Note-se o que ocorre em
nossos dias com atravessadores de negócios, lá trás, no último decênio do século
XIX também acontecia, consoante afirmação do Diretor da Hospedaria de Imigrant
es, Sr. Antonio Alves P. de Almeida que revela: “Os especuladores agiam tanto ju
nto à hospedaria como no centro da cidade. Mesmo nas conduções, os fazendeiros e
ram abordados e lhes era oferecida mão-de-obra à razão de cinco mil réis por sol
teiro e vinte mil réis por família. A oferta era acompanhada da advertência de q
ue: ou pagavam essas quantias ou não conseguiriam trabalhadores”. No começo do s
éculo XX os italianos representavam 50% da população de São Paulo. A mega presen
ça importunou a tal ponto que “Durante uma apresentação no Teatro São José, em b
eneficio do Hospital Italiano, um grupo de nativistas invadiu o teatro e um grit
ou “Se há algum brasileiro aqui saia! Queremos acabar com esta canalha de carcam
anos!”...Seguiram três dias de luta nas ruas, uma “caça aos italianos”, segundo
Brichanteau, “com cruel e selvagem insistência”. Ainda, “Os nativistas parecem t
er contado com ressentimentos resultantes da competição por empregos, da indigna
ção em relação à presença esmagadora dos italianos na Cidade e, talvez, do racis
mo – gritos de “Viva Menelik!” não devem ter sido gratuitos – além de manobras d
a alta política brasileira”. Não obstante, “...os italianos se faziam assimilar
em São Paulo com uma rapidez que impressionou todos os observadores. Já em 1899,
o jornal Fanfulla reclamou que os filhos dos imigrantes estivessem perdendo “a
idéia da pátria” e não aprendessem italiano, um problema da maior gravidade para
um jornal publicado nessa língua. Como todos reconheciam, muitos dos imigrantes
falavam apenas o dialeto da sua região de origem e sentiam pouca lealdade ao re
cém-criado estado nacional italiano“. Este sentimento nativista comparece no mov
imento modernista despertando a nacionalidade, valorando a arte regional, as cor
es de nossa paisagem, a ingenuidade do nosso caipira e avenças de cunho sócio-po
litico. O preconceito social e étnico perpassa aos salões burgueses da década de
30, dado que os artesãos oriundi do Cambuci, Brás, Mooca não tinham status para
freqüentar os aristocráticos ambientes do povo de Higienópolis, como veremos ma
is adiante. De comportamento ainda provinciano, o triangulo central da cidade ab
rigava os decoradores de paredes que em busca de serviço perambulavam pela Sé e
arredores, a exemplo do que também acontecia em dias não tão longes no Largo do
Paissandu, com os artistas de circo. A imigração “de braço livre” veio para supr
ir a mão de obra escrava liberta pela lei Áurea; causando profundas mudanças em
nossa sociedade que tipificava no comentário do senador Antonio da Silva Prado f
osse o imigrante “morigerado, sóbrio e laborioso”. Ora, “O mito criado por Anton
io Prado para as populações rurais, para o imigrante estabelecido em São Paulo,
também teve uma versão urbana. Esse mito foi personificado pelo conde Francisco
Matarazzo, chegado ao Brasil no século XIX e que logo se tornou um dos homens ma
is ricos do país. Quando falava aos seus operários, Matarazzo procurava reforçar
a crença numa historia, muito difundida nos bairros pobres de São Paulo, de que
chegara ao Brasil pobre, trabalhara muito e durante muito tempo vivera de pão e
banana. Porém, quando discursava para os membros de sua classe, aos industriais
e fazendeiros ricos, aos governantes, ele fazia questão de sublinhar que tinha
origem nobre, dizia mesmo que era descendente do imperador Carlos Magno e que ch
egara ao Brasil trazendo algum capital para os primeiros negócios. Duas historia
s opostas. Em sua terra, Castelabate, perto de Salerno, na Itália, ainda existe
o casarão que fora de sua família, provavelmente uma família da pequena nobreza
agrária completamente arruinada”. Tal recorte e suas versões servem para esconde
r a dramaticidade da história imigratória. As privações, pobreza e desrespeito à
pessoa e família cunharam um fingido, dissimulado receio, conduzido pelos inter
esses da elite dominante. A esperança de voltar é um grito agônico que só se ou
ve lá dentro, molhado de lágrimas e muito sofrer. O contorno desse phatos irá co
ntagiar o modo de ser nos bairros populares, com cadeiras na calçada servidas de
lembranças que os amici dividem nas tardes de domingo, enquanto a molecada joga
bola de meia não de capotão. Essa nostalgia, imóvel, saudosa se fixará nos desc
endentes - costurada por invisíveis linhas. Esse ânimo de alma levará o artesão
do Cambuci a peregrinar pelos sítios urbanos e suburbanos da cidade, ainda com l
avadeiras nas várzeas do Tietê que com os filhos agarrados às suas saias se fix
avam no olhar do artista no fazer cotidiano. O condutor de cabras que pelas ruas
apregoava seu produto mereceu registro numa singular composição, que nos mostra
uma atividade ordinária àqueles anos de casas com portas ao rés da rua.
A São Paulo dos anos 20 aos 70 foi marcada por significativos e históricos acont
ecimentos nos corredores da cultura, da política e da sociedade. Este tríptico i
nicia-se com a exposição e manifesto modernista de 22. Comemora-se o centenário
da Independência. Em seguida o cardápio das revoluções de 1924, 1930, e 1932 até
o golpe militar de 1964. Com o crash de Nova York em 29, a empolada sociedade a
ristocrática do café foi obrigada a mexer nos seus pagos de domínio. Na iminênci
a de uma mudança institucional e a disposição das camadas populares de lutar por
seus direitos; a insurgência paulista proclamada em 1924, ciente da progressiva
industrialização, brada ser “a locomotiva que puxa os outros vagões”, despertan
do o mítico sentimento patriótico vestido de bandeirante. Enquanto isso “vivia-s
e ainda, nos meios intelectuais da época, em São Paulo e no Rio, demasiadamente
em Paris”. Surge então uma nova mentalidade. O depoimento de Antonio dos Santos
Figueiredo ilustra como estava a cidade “Pelo Vale do Anhangabaú nada de vida. A
o longe, a feérica iluminação do Viaduto. E as detonações persistiam. Via cadáve
res, sangue, rostos macerados, desesperos, agonias, impotentes. Tive ímpetos de
voltar, e ir-me juntar aos companheiros” (1924, episódios da revolução de São Pa
ulo). Zanini tem dezessete anos nessa ocorrência e cursa o noturno do Liceu de A
rtes e Ofícios, sito a Rua XI de Agosto n 41; fiel ao seu propósito de conhecer
as técnicas de embasamento artístico. A desordem causada pela revolução conseqü
ência de saques, incêndios, desabastecimento, violação de propriedades públicas
e privadas levou as elites dominantes e classes conservadoras (comerciantes, ban
queiros e industriais) a temerem ...”uma explosão revolucionária à moda russa, c
onforme fica claro no alerta da Associação Comercial: Nas primeiras horas do dia
9 (...) elementos maus da população promoveram em vários bairros os mais degrad
antes assaltos e saques(...) Assistimos à pilhagem do Armazém Matarazzo, no Larg
o do Arouche. Foi uma scena da Rússia bolchevista dos primeiros tempos”. A essa
altura dos fatos a cidade está sob o domínio da admirável figura de Isidoro Dias
Lopes, comandante revolucionário, uma vez que o governador Carlos de Campos, o
secretário da Justiça Bento Bueno e comitiva foram bivaquear por dezoito dias nu
m trem da Central, nas proximidades de Guaiaúna - contígua a Penha; juntando-se
às guarnições federais que lá estavam acampadas. A refrega encarniçada deu-se no
tadamente nos bairros do Bom Retiro, Belenzinho, Brás, Penha, Cambuci, Ipiranga,
Paraíso, Mooca, Aclimação, Vila Mariana e Avenida Paulista. Os revolucionários
tinham alvo definido, enquanto os legalistas atiravam indiscriminadamente. De ac
ordo com Paulo Duarte, essa violência era proposital: “ Quais eram os pontos mil
itarizados? Em primeiro lugar o quartel da Luz: uma só vez recebeu granadas; dep
ois o quartel de Santana: não foi alvejado; a Estação da Luz: idem (...). E no e
ntanto lugares afastadíssimos de qualquer desses, como as ruas São Luís, Augusta
, Caio Prado, Boa Vista, Santa Ifigênia, av. São João (...) em todos eles prédio
s ruíram e inúmeros civis perderam a vida, atingidos por estilhaços”. Com tal pr
oceder as simpatias do povo voltaram-se para a causa revolucionária. Exauridos e
diante da inflexibilidade do governo federal em anistiar os revoltosos; estes p
or sua vez não querendo alongar o sofrimento da população abandonam a cidade na
noite de 27 de julho rumo ao Sul, conduzidos por aquele - que para eles ...”corp
orificava a esperança de mudança, “gravando-se”na memória do populacho como aspi
ração insôfrega, do mesmo modo que o carrapato à criação (...) ele ficará renite
nte, como consolo, aspiração encorajante das massas, das multidões desenfreadas
(...). As crianças pobres, dia de Natal, ao em vez de esperarem Papai Noel, espe
rarão, desesperadamente inquietas, papai Isidoro, que lhes matou a fome e o frio
, vestindo-as e dando de comer, em ligeiros (...) dias”. A propósito Mário de An
drade escreveu: Na manhã daquele dia nós saímos de casa, como já estava no costu
me, pra saber o que tinha sucedido desde a tardinha da véspera (...) e logo foi
engrossando a certeza de que não havia mais revolucionários na Cidade. Haviam pa
rtido no rumo dos trens (...) os homens da Paulicéia andavam de cá pra lá, nos b
airros nunca visitados, parolando, colhendo lendas e fatos, parando junto aos pa
redões com manchas de sangue, junto às caras mortas dos incêndios, junto dos cas
arões desbeiçados e até junto dos conquistadores.
1930 – Ínsito o destroçamento econômico mundial, Getúlio Vargas no “Trem da Vitó
ria” a caminho do Palácio do Catete é recebido em São Paulo num clima contagiant
e, dando a sensação de que se processaria uma limpeza geral, moralizante. O fato
é que Vargas frustrou os democráticos que ambicionavam o comando do governo; no
meando um interventor, repetido seguidamente. Tomou a carteira do café do jugo
estadual e com isso levou de roldão a autonomia paulista até então respeitada. N
ovos tributos debutaram para contrariedade dos lavradores, ou seja, os fazendeir
os do café. As insatisfações reinantes eram vigiadas pela permanência das tropas
federais. A Ditatura conhecida provisória levou José Eduardo Macedo Soares a di
zer: “Para São Paulo a revolução é o bando de ciganos acampados, os olhos fuzila
ndo de ganância, as mãos convulsivas no surrupio. O idealismo da Revolução é o c
abo do relho, a fúria de mandar e de se locupletar. Sobre o entulho do perrepism
o abateu um enxame inumerável de moscas que, zumbindo, escureceram os ares, atro
ando como se cada inseto voraz fosse um elefante alucinado. Eis a obra do Sr. Ge
túlio Vargas em favor de São Paulo ou em favor da revolução” (Diário Carioca, 17
de fevereiro de 1932). As classes conservadoras estavam alarmadas vendo a ascen
são do operariado num latente perigo vermelho, numa clara ameaça à manutenção do
s seus interesses. A eloqüência de Ibrahim Nobre se fez presente afirmando que a
reação paulista seria a luta de “Jesus contra Lenine”. Da mesma opinião o arceb
ispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva. Os forasteiros do governo provis
ório incomodavam com sua postura toda a classe política e ...acendia a chama do
regionalismo, como mostra ... a fala de Júlio de Mesquita: “Embora seja grande a
distancia entre a caatinga e os pampas, e aparentemente diversa a formação soci
al de ambos, são grandes as afinidades entre Getúlio e João Alberto. O laço e o
gibão os aproxima”. A deterioração da conjuntura sócio-politica era tal que a ci
dade se viu cercada de comícios, manifestações estudantis e greves operárias. A
Frente Única constituída mobilizou a população na defesa da autonomia, constitu
cionalização e legalidade. Preparativos feitos, slogans como: “Constituição é Or
dem e Justiça”, “Hoje como no Passado Paulistas, Avante!”, “Abaixo a Ditadura”,
“Viva São Paulo!” e outros mais eram conduzidos por todos os cantos da nossa Pir
atininga.
A explosão do movimento deu-se no dia 9 de julho, resultado do comício de 25 de
Janeiro de 1932 que num extenso cortejo percorre da Sé por ruas centrais parando
...em frente à redação de O Estado de S. Paulo, onde ouve o discurso de Júlio d
e Mesquita Filho. Ardente e legitima a aspiração do povo paulista que apregoava
“Abaixo Getúlio! Morra Getúlio!”. A emoção reinante é testemunhada pelo poeta Pa
ulo Nogueira Filho que nos conta:
“...Na rua Direita encontrei o plãoque-plãoque cadenciado. Senti-me enquadrado c
omo na parada da independência (...). Todos marchavam, severos, compenetrados, c
alados, com o chapéu enterrado fundo na cabeça. ...Ninguém naquele momento tinha
forças para dirigir a multidão, que se comandava a si mesma. Levantava, resolut
a, o brado revolucionário. Na sua consciência se aninhara, definitivamente, a id
éia do revide pelas armas. Ninguém mais a demoveria desse propósito. São Paulo l
ideraria a libertação do Brasil. Decisão irrecorrível”.
O entusiasmo da multidão atravessava todos os quadrantes das gentes insurretas c
omo relata em carta Leven Vampré à sua irmã Laura Rodrigo Octávio: “A loucura co
letiva que nos empolga é a mostra verdadeira que a terra bandeirante é uma terra
de homens livres e não escravos. Está jogada a cartada suprema e todos os homen
s válidos daqui estão prontos e dispostos a manter a liberdade do nosso rincão,
sem prosápia, mas resolutos. O sr. Oswaldo Aranha teve uma recepção de que ele h
á de se lembrar pela vida afora”. Dessa convulsão resultou treze mortos e muitos
feridos. Quatro deles: Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Antonio Amé
rico de Camargo Andrade e Dráusio Marcondes de Sousa tornaram-se os mártires do
movimento e suas iniciais deram nome à primeira milícia civil – MMDC. De fato, a
“revolução do improviso” partiu de surpresa na noite do dia 9 de julho em grupo
s de motocicletas e ciclistas que conduziam ordens aos diversos postos que pront
amente executaram suas missões. A solidariedade de homens e mulheres que aqui fi
cavam emprestava aos que iam, cigarros, chocolates, sanduíches com exaltados bor
dões de encorajamento e orgulho. A mobilização era de tamanha grandeza que o Mac
kenzie College transformou-se em um grande hospital; professores e alunos das es
colas superiores engajaram-se imediatamente; serviços dentários gratuitos eram o
ferecidos aos soldados; as legações consulares colaboraram com ambulâncias, cura
tivos e roupas. A generosidade da população abraçava os revolucionários constitu
cionalistas. A geografia do combate foi levada do urbano para o interior do terr
itório paulista. As forças federais bloquearam as fronteiras do Estado de forma
que as batalhas mais violentas se deram no Vale do Paraíba. A nível político se
mediava uma escapatória que traída pela vesga articulação - se pronuncia a rendi
ção. O gesto das crianças levando suas balas e chocolates à Casa da Formiga que
por sua vez as encaminhava ao front, é de um desprendimento comovente que revela
desde cedo esta generosa alma paulista recortada de vibrante civismo que não ad
mite cabresto: “NON DVCOR DVCO”. No entanto, com a derrota batendo à nossa porta
, no desespero Ibrahim Nobre improvisa: “A revolução não deveria terminar assim.
Depois que fossem os filhos, iriam os pais. Depois que eles morressem, iriam as
irmãs, as mães, as noivas. Todos morreriam. Mais tarde, quando alguém passasse
por aqui, neste São Paulo deserto, sem pedra sobre pedra, levantando os olhos pa
ra o céu, haveria de ler, no epitáfio das estrelas, a história de um povo que nã
o quis ser escravo”. Com o passaporte do armistício, selado em 2 de outubro de
1932, vieram às tropas federais; a prisão de lideres civis e militares foi inev
itável, os mais afortunados buscaram o exílio e a cidade vigiada, contida. Os pa
ssos medidos dos seus cidadãos refletiam um caminhar solene, de dever cumprido.
No transcurso das revoluções é de importância assinalar que: em 1925 foi criada
a Faculdade de Belas-Artes, onde em 1968 Zanini daria aulas de xilogravura; a Bi
blioteca da Câmara Municipal hoje Mário de Andrade e em 1931 foi iniciada a grev
e geral de operários, pleiteando o regime de oito horas de trabalho. Conformado
pelas circunstancias políticas e sociais reinantes, Zanini busca incansavelmente
aprender as técnicas da arte de pintar, produzindo paisagens, algumas naturezas
-mortas e por algum tempo frequentou o atelier de Georg Elpons; enquanto se mant
ém do seu oficio de pintor decorativo, tendo como companheiro Volpi. Confinado n
o lado velho da cidade não toma conta que em 1932 com a fundação da Sociedade Pr
ó-Arte Moderna (SPAM) e do Clube dos Artistas Modernos (CAM) irrompem exposições
. Esta tentativa visava divulgar a pintura moderna, tornando-a mais acessível ao
público, visto o reproche consignado desde a Semana de 22 e mais precisamente c
om a mostra de Anita Malfatti em 17. A Galeria Guatapará, em abril de 1933 exibe
trabalhos de Léger, Picasso, Brancusi, Chirico, Lhote, Dufy, Delaunay, Le Corbu
sier entre outros. Fazem-lhe companhia Anita Malfatti, Brecheret, Hugo Adami, Jo
hn Graz, Lasar Segall, Paulo Rossi Osir, Tarsila, Gobbis, Warchavchik e muitos m
ais. O figurativismo das composições de semblante acadêmico ainda prevalece no g
osto popular e na sociedade burguesa. As agremiações citadas tiveram curta duraç
ão, a primeira delas durou dois bailes de carnaval e a segunda a policia fechou
quando Flávio de Carvalho tinha recém inaugurado o Teatro da Experiência. Decorr
e o ano de 1934 e o Palacete Santa Helena registra além de Rebolo e Zanini, a pr
esença de Aldo Bonadei, Clóvis Graciano, Fúlvio Pennacchi e Manoel Matins. Humbe
rto Rosa e Alfredo Rullo Rizzotti também se transferem logo depois. Da amizade e
stabelecida, quase natural, puxada por suas origens comuns, estabelecem uma cama
radagem que se consagra ao ar livre nos domingos quando se encontram para pintar
. Nesse convívio, um tanto isolados, uma vez que a elite estava do outro lado do
viaduto, com afinco e paixão fixam em suas telas e cartões paisagens de rios, v
árzeas, campos, o fazer cotidiano, as filas de pão, casarios e tudo mais que a i
nquietação e sobressaltos engendravam com a constante mudança de postos no gover
no.“Conta-se – certa funcionária, alarmada, proferiu a seguinte queixa:” Mas ist
o está uma coisa louca! A gente dorme com um secretário de Estado e acorda com o
utro...”. Esta aglomeração de artistas a quem Sérgio Milliet conferiu o nome de
“Grupo Santa Helena”, esteio da “Família Artística Paulista”, aconteceu porque a
busca por trabalho se dava no centro da cidade, ali se reuniam, por serem artes
ãos, filhos de imigrantes, moradores de bairros operários, caminhantes de caminh
os comuns e ransosamente chamados de carcamanos. Mas foi este grupo até então di
scriminado; através de seu figurativismo, de expressão documental por vezes, que
com bom-senso e equilíbrio suportou todos os desaforos dos procedimentos modern
istas. Desde o inicio a fidelidade ao oficio de artesão, aos seus companheiros,
ao bairro do qual nunca se afastou, a cidade que tanto amou, às tradições de ori
gem, os temas compositivos de suas pinturas e seus personagens populares fazem
de Zanini O Artesão Fidelis. Por essa época participa do I Salão Paulista de Be
las Artes; comparecerá outras vezes em anos futuros. O desenho com modelo-vivo s
erá uma prática constante até o fim de sua vida. No final do decênio 20 e curso
do 30, a sua produção revela: paisagens paulistas (Paisagem Guarapiranga (28), V
ista da Ponte Grande (35), Rua do Carmo (38), Mulheres na rua de Mogi das Cruzes
(38); rurais (Paisagem com Carroça (c.déc.20), Paisagem (28) e retratos (Hilde
Weber (38), s. titulo (marginais-38). Nada solene são essas composições, é o que
dar num canto, espiar com olhos d’alma a natureza que se insinua, com suas cores
e arrumação; a Hilde, expressionista de puritano olhar contracena com o papear
das mulheres de Mogi das Cruzes e do remanso da Guarapiranga sobreleva a Ponte G
rande. A este tempo não podemos esquecer a presença de Ernesto de Fiori, muito c
ara aos pintores da Sé. Nesse passo chegamos ao ano da desgraça, 1937, segundo P
aulo Mendes de Almeida; visto a outorga da Nova Constituição da República, conhe
cida como “a polaca”, por ter sido inspirada na Constituição fascista da Polônia
. Jorge Amado
 lança o livro Capitães de Areia e imediatamente é preso por milita
res da 6 Região Militar. Alexander Calder que apresentaria seus mobiles em 1939
, no 3 Salão de Maio, foi destaque na Feira Mundial de Paris. Oswald de Andrade
publica a peça O Rei da Vela, que foi encenada trinta anos depois, em 1967, pel
a primeira vez, no Teatro Oficina, sob a direção de José Celso Martinez Correia.
Figura muito querida foi o médico Adolpho Jagle, que afinou com suas sessões de
música a sensibilidade de Zanini, além de cuidá-lo profissionalmente. Osório Cé
sar, psiquiatra, também convidava os artistas para audições musicais em seu apar
tamento; incentivando-os a desenhar sob seu efeito. Morre Noel Rosa. Duas exposi
ções da Família Artística Paulista se realizam, a primeira em maio de 37 e a seg
unda em novembro do mesmo ano. Participam dos certames: Aldo Bonadei, Alfredo Vo
lpi, Anita Malfatti, Arnaldo Barbosa, Clóvis Graciano, F. Rebolo Gonzáles, Fulvi
o Pennacchi, Hugo Adami, Humberto Rosa, Manuel Martins, Mário Zanini, Ernesto de
Fiori, Waldemar Costa e ainda Paulo Rossi Osir, idealizador da denominação. Com
o é de se supor, criticas favoráveis apareceram e contrárias também; Geraldo Fer
raz, um dos que conceberam o Salão de Maio contesta: “Até os que fundaram, contr
a o Salão de Maio, em fins de 1937, o movimento fracassado da Família Artística
Paulista, até esses surgiram. E eram os tradicionalistas, os defensores do carca
manismo artístico da Paulicéa, a morrer de amores pelos processos de Giotto e Ci
mabue”. Na Europa, Hitler invade a Polônia em 1939 e conseqüentemente deflagra a
Segunda Guerra Mundial. Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, morre.
Em plena vigência do Estado Novo o DIP-Departamento de Imprensa e Propaganda in
terfere nos meios de comunicação, na educação e nas artes, censurando músicas, r
eportagens e livros. Apesar da sua irreverência muitas vezes censurada, o nacion
alismo de vários modernistas combina com a política getulista. Carlos Drummond d
e Andrade é nomeado chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação.
Rio de Janeiro é o Distrito Federal e Vargas manda construir um prédio para o M
inistério da Educação, marco do modernismo. Participariam os arquitetos Oscar N
iemeyer e Afonso Reidy, os pintores Portinari, Pancetti e Guignard, o escultor B
runo Giorgi e o paisagista Roberto Burle Marx. Estância em que Paulo Rossi Osir
convida Mário Zanini a trabalhar na Osirarte, fundada em 1940, cujo objetivo pri
mordial é a feitura artística de azulejos, tendo como tarefa inicial colaborar n
a execução dos painéis das fachadas do Ministério da Educação para os quais Port
inari fornece os cartões. A permanência de Zanini na Osirarte vai até o seu ence
rramento que se dá em 1958. A monotipia também é de seu interesse e Sergio Milli
et reflete: ... A monotipia é uma arte de blasés. De pintores que, já não se sat
isfazendo com o conhecimento dos segredos plásticos, procuram nesse brinquedo de
aprendiz de feiticeiro transmutações inéditas de valores. Itanhaém nesse períod
o é visitada por ele, Volpi e Ottone Zorlini; freqüenta também o ateliê de Bruno
Giorgi, na praça Marechal Deodoro, ao lado de Ernesto de Fiori, Gerda Brentani
e outros mais. Dá-se a Exposição de Pintura Francesa (1940) e Zanini deslumbrado
, fica vivamente impressionado com os trabalhos de Cézanne. Um caldo cozido por
Fiori, preparado por Cézanne e mosqueado de macchiaioli será o prato benjamim de
Zanini; refestelado pela sobremesa à la Galvez. Portinari se torna cumim e Van
Gogh é o maitre dessa refeição. A sua primeira individual somente aconteceria em
1944, na Galeria da Livraria Brasiliense. Tamanha é sua lealdade que envolve-se
na decoração carnavalesca de um salão na Av. Ipiranga para angariar fundos ao C
lube dos Artistas e Amigos da Arte (Clubinho), em atividade até os dias de hoje
na Rua Bento Freitas, 306. Das inúmeras participações coletivas mereceu comentár
ios a respeito de sua insegurança, do ficar e ousar, da permanente pesquisa que
ora se mostra expressiva, viva, atual para cair em cores menores, de contornos d
e saudosa angústia. Será o refletir da atmosfera da cidade? Quem sabe? O fato é
que Francastel relaciona esta revolução estética com as transformações radicais
nos diferentes domínios da atividade humana e do conhecimento, de um lado, com
a mecanização e a industrialização e, do outro, com o progresso das ciências esp
eculativas e aplicadas, responsáveis pela mudança completa na vida da sociedade.
...adverte contra a “resposta habitualmente dada... segundo a qual críticos e h
istoriadores têm a tendência de afirmar que a arte se separou do humano”. O arte
são pulsa dentro de Zanini, o métier de artífice explode em toda extensão de sua
obra, exegeta de seus princípios, seguidor incansável da melhor compreensão se
vê pressionado por um avançar geométrico, abstratas configurações e muitos ismos
a satisfazer. A década de 40 é de intensa atividade artística. Comparece às exp
osições do Sindicato dos Artistas Plásticos, do Salão Nacional do Rio de Janeiro
, da Osirarte, de duas coletivas no Chile, da primeira apresentação da “Pintura
Paulista” organizada pela Galeria Domus, cujos participantes entre outros cite-s
e: Bonadei, Volpi, Graciano, Di Cavalcanti, Rebolo, Flávio de Carvalho, Pennacch
i, Yolanda Mohaly e Zanini. O colar de acontecimentos artísticos e culturais em
São Paulo, iniciado por Anita Malfatti em 1917, pela Semana de 22, com a fundaçã
o da SPAM (Sociedade Pró-Arte Moderna) e do CAM (Clube dos Artistas Modernos) em
1932 e pelos Salões de Maio e da Familia Artística Paulista de 1937 a 1939, ser
viu de leitmotiv para a criação do MASP-Museu de Arte de São Paulo (1947) e do M
AM-Museu de Arte Moderna (1948). O primeiro por iniciativa de Assis Chateaubrian
d, auxiliado por Pietro Maria Bardi. Quanto ao segundo, calcado no modelo museog
ráfico do MoMa de Nova York foi por decisão de Francisco “Cicillo” Matarazzo Sob
rinho. No início do quinto decênio consegue viajar para a Itália e França, medi
ante uma lista de subscrição promovida pelo arquiteto Rino Levi, Fúlvio Pennacch
i e o industrial Carlos Tamagni que daria direito a uma obra produzida durante o
u logo após a viagem. Depois participaria da I, II e V Bienal, respectivamente e
m 1951,1953 e 1959. Por esse tempo se vê pressionado pelas novas propostas estét
icas e um figurativo geométrico surge em suas composições até proposições abstra
tas e construtivas. A dissolução dos santelenistas ocorre gradualmente, a cidade
recorta novo cenário, o triângulo central já não serve de ponto de encontro, um
a nova agitação domina as pessoas e a cidade, surge uma nova sociedade e os inte
resses conflitam na hora de se escolher. A tendência abstrata é cansativa, sem v
ida, decorativa e afásica. Há quem não concorde. Francastel pronuncia ...sua ade
são irrestrita às artes de vanguarda, exaltando o cubismo, o abstracionismo e o
vanguardismo como linguagens mais correntes do ultimo meio século. A sua incursã
o pelas novas formas revela-se em: Natureza Morta (1958), Dunas (1956-58), Baian
as, Cena baía de Guanabara, Lavadeiras (1951), Cubismo (1959), Arvoredo (1961),
Abstração Lírica (1960). Essa investida serve para afirmar que sua linguagem é e
xpressionista figurativa, aquela da manchinha, onde até o sapateiro poderia sens
ibilizar-se e não essa geometrização, tampouco retângulos, cubos, triângulos sob
repostos e dispostos em planos e cores a formar um caleidoscópio sem vida - cont
rapondo a colocação de Francastel; sem desprezar contudo o que esses vanguardism
os pudessem acrescentar ao seu oficio de pintor artesão. O amadurecimento do art
ista revela experiência e erudição, esta revelada por sua biblioteca de grande a
brangência temática. Consciente, retoma a expressividade mais ingênua e emotiva
de sua temática, calcada no diálogo com o real. [ ]... concentrando-se em regist
rar o ambiente vivido pelo artista. Pinta pelo prazer, pela alegria de pintar c
omo disse Peretto. Em 1962 realiza a sua segunda exposição individual na Casa do
Artista Plástico, em São Paulo. A mostra exibe 81 obras entre óleos, aquarelas,
guaches, monotipias e alguns desenhos. Zanini parece atender nesse estágio da v
ida o que Marta Traba propõe: unir significados e significantes, restabelecendo
a linguagem perdida pelas artes plásticas. A significação social e humana devolv
e Zanini às suas origens de pintor proletário. Por ocasião da sua terceira indiv
idual em 1963, em comemoração aos seus 40 anos de pintura a Folha de São Paulo a
firma que a temática da exposição seria brasileira e inflexível desde a sua orig
em. Até um pouco antes do Golpe Militar de 1964, excursiona pelo litoral e inter
ior do país em companhia de vários colegas, reverenciando a paisagem, o pitoresc
o, o fazer das pessoas, as igrejas, o estar só na contemplação do natural. Como
já foi dito sua refeição é maravilhosamente cromática. A sua tela Vagão de Segun
da Classe, de 1969, exibe qualidade, equilíbrio de composição e apreensão do rea
l. O desenho foi fundamental na vida do artista e persistiu nele até mesmo quand
o foi acometido de um derrame cerebral, limitando o uso da mão direita. Em sua m
oradia e atelier na Travessa Ana Néri, deixamos o fiel artesão, o sincero amigo
que neste agosto de 1971 deixou-nos, assim como o Santa Helena que os badalos da
Sé sequer anunciaram. Adeus Zanini.
“Caminhante, não há caminhos
Faz-se o caminho ao andar”.
Antonio Machado
poeta espanhol
paulo costa
junho, 2009

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MÁRIO ZANINI - O ARTESÃO FIDÉLIS

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