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O maior conflito da história, encerrado há 60 anos, ensina o que fazer -- e o que evitar --
quando os temas são liderança, estratégia, planejamento e treinamento
Em janeiro de 1933, quando se tornou chanceler alemão, Adolf Hitler já havia publicado
sua plataforma política. Esse livro -- Mein Kampf (Minha Luta) -- era um best-seller em 1933,
com mais de 1 milhão de exemplares vendidos. Nele, estavam claras as idéias do novo
chanceler a respeito da supremacia da raça alemã, assim como seu ódio pelos judeus e seu
desprezo por burgueses e intelectuais. Estava claro, também, o que ele julgava ser o destino
da Alemanha: conquistar territórios na Europa. Principalmente na União Soviética. Os chefes
políticos europeus tiveram a oportunidade de ler uma tradução para o inglês. Se o fizeram, não
o levaram a sério. Um erro. Herr Hitler fez tudo o que prometeu. E tornou-se um dos
personagens centrais de um episódio que mudaria, para sempre, a configuração do planeta.
O mundo não poderia ser o mesmo após o término da Segunda Guerra Mundial. O
evento -- com toda a sua enorme carga de tragédia humana -- marca o início de uma nova era
na ciência, na tecnologia, na política, na economia e nos negócios. Os dias posteriores a 8 de
maio de 1945 assistiram ao florescimento das grandes corporações mundiais e ao apogeu da
administração, ao desenvolvimento de novos mercados, à definitiva incorporação da mulher às
linhas de produção, à supremacia da informação como instrumento de poder, à arrancada
tecnológica que anos mais tarde levaria o homem à Lua e transformaria o planeta numa
pequena aldeia ligada pela internet. Em todos os seus lances, a Segunda Grande Guerra é um
manancial quase infindável de lições para o mundo dos negócios -- lições sobre o que se deve
e sobre o que não se deve fazer. Seus comandantes são exemplos da liderança que dá certo --
e também daquela que leva todo um grupo à ruína. Estudamos Winston Churchill, Adolf Hitler,
Frank Delano Roosevelt, George Patton, Douglas McArthur, Joseph Stalin para compreender
nossos próprios passos à frente do trabalho. É impossível não estabelecer paralelos entre a
competição pelo mercado e o campo de batalha. O linguajar corporativo continua impregnado
de termos militares. A organização da mão-de-obra em muitas companhias ainda se assemelha
à dos exércitos -- embora esse seja um modelo em franca decadência. A arrogância continua a
afundar empresas como fez com os exércitos da Alemanha e do Japão. Os mais rápidos são,
como num con flito, aqueles que costumam levar a melhor. É por isso que a história que
envolve a Segunda Guerra Mundial -- seja ela a dos vencedores ou a dos perdedores -- continua
a encantar o mundo dos negócios.
Não cometeram apenas esse, mas vários outros equívocos. A indústria alemã, seus
engenheiros, seus projetistas estavam entre os melhores do mundo. Se é que não fossem os
melhores. A questão é que essa indústria funcionava como se não houvesse uma guerra em
curso, como se os portos alemães não estivessem bloqueados pela Marinha inglesa, como se
existisse tempo e matéria-prima em quantidades infinitas.
Seus tanques alemães eram pérolas da engenharia. O problema é que, pelo preço de
um tanque alemão, os americanos fabricavam quatro ou cinco tanques mais simples. A melhor
metralhadora portátil era alemã. Pelo preço dessa metralhadora, os russos fabricavam várias
metralhadoras mais baratas e bem mais fáceis de operar.
A indústria aeronáutica alemã foi dirigida durante muito tempo por um ás da aviação da
Primeira Guerra Mundial, o general Ernst Udet, um boêmio que entendia tudo de acrobacias
aéreas e nada de planejamento industrial. Embora produzisse bons aviões, a indústria
aeronáutica virou uma desordem. Udet foi demitido (e suicidou-se) em 1941, mas já era tarde.
Boa parte dos aviões alemães havia sido destruída pelos ingleses na Batalha da Inglaterra, e a
Luftwaffe perdeu definitivamente o domínio dos ares. Hoje, 60 anos após o fim do conflito, os
erros alemães parecem básicos. Por que, então, pequenas e grandes empresas continuam a
colocar no mercado produtos tecnicamente maravilhosos, mas indesejados pelos
consumidores?
A Segunda Guerra Mundial trouxe à tona o que há de melhor e de pior num quesito de
importância fundamental para o mundo dos negócios -- a liderança. De um lado -- o bom --,
estavam personalidades como o inglês Winston Churchill e o americano Franklin Delano
Roosevelt. Do outro, o austríaco Adolf Hitler.
Conhecido pela massa como o führer ("líder", em alemão), Hitler se eternizaria como o
grande responsável pelo maior conflito protagonizado pela humanidade. A vitória dos aliados
definiu quais desses personagens passariam para a história como verdadeiros líderes. E aí está
a primeira grande -- e talvez a mais importante -- lição da guerra quando se trata desse
assunto: o sucesso é determinante no currículo de um líder. A derrota derruba mitos. Na
guerra, assim como nos negócios, esse é um fato incontestável. "Maus líderes e bons líderes
têm mais em comum do que se suspeita", diz Barbara Kellerman, professora de Harvard e
autora do livro Bad Leadership, ainda não publicado no Brasil. "Eles são ambiciosos, sabem se
comunicar e são determinados."
Assumir e aprender com os próprios erros é uma das características mais marcantes dos
líderes de sucesso. Quando era primeiro-lorde do almirantado, na Primeira Guerra, Churchill
sofreu uma derrota humilhante nas praias da península de Gallipoli, na Turquia. Dezenas de
milhares de soldados morreram do lado britânico. Churchill perdeu o cargo e foi para o
ostracismo. Derrotas podem vir a cada trimestre para executivos de empresas.
Lições de liderança
1 - Equipes Saber escolher seus subordinados é essencial. E, depois
de escolhê-los, é preciso apoiá-los
2 - Riscos Líderes precisam ter coragem para tomar decisões e se
responsabilizar pelas que dão errado
3 - Exemplo Antes de mandar alguém cumprir uma tarefa, o líder
tem de mostrar que é capaz de fazer o que está sendo pedido
4 - Superação Bons líderes não se deixam abater pela derrota.
Aprendem com ela para vencer no futuro
A vitória tende a criar mitos. Seria tolo pintar como perfeitos os líderes vencedores.
Churchill, o arquétipo de inglês excêntrico, era glutão, beberrão, não tirava o charuto da boca.
Pintava quadros, escrevia livros de história, recitava poemas nas horas mais impróprias. Usava
uniformes militares a que não tinha direito. Em sua casa de campo, recebia autoridades
estrangeiras enrolado num roupão de banho cor de laranja. Destratava o seu estado-maior.
Abominava o esporte da caça por julgar que o sofrimento proposital de animais era
contrário à essência da alma ariana. Perdia horas em brincadeiras com crianças pequenas,
filhas de seus assessores.
"Defenderemos nossa ilha, não importa a que preço. Lutaremos nas praias... Lutaremos
nos campos e nas ruas...", disse ele, num de seus mais célebres pronunciamentos. Essa é uma
característica rara nas empresas, já que administradores tendem a dourar a pílula em
momentos de crise. Jeff Bezos, fundador da loja de comércio eletrônico Amazon.com, disse
certa vez que saber falar verdades incômodas é um elemento-chave na atuação de um líder
empresarial. "Winston Churchill conseguiu induzir o povo britânico a lutar por um futuro
vitorioso contando-lhes histórias de como podiam fazer -- e fariam -- os sacrifícios para
alcançá-lo", escreveu o americano Noel Tichy, um dos maiores especialistas mundiais em
liderança.
Nos últimos dois anos, os executivos da Home Depot, segunda maior rede varejista dos
Estados Unidos, resolveram recorrer às Forças Armadas americanas em sua competição com a
líder Wal-Mart, maior empresa do mundo. Nesse período, a Home Depot contratou mais de 23
000 reservistas, número equivalente ao total de empregados da subsidiária brasileira da
Volkswagen. Outras companhias vêm tentando fazer o mesmo. General Motors, Ford e
Chrysler, as três maiores montadoras americanas, têm quase 50 000 reservistas em suas
fileiras. O que faz desses jovens militares um alvo para as grandes corporações? "No Exército,
as pessoas são treinadas para ter flexibilidade e capacidade de se adaptar às circunstâncias",
diz Eric Clemons, professor da Wharton, uma das mais respeitadas escolas de negócios do
mundo. "E, em períodos instáveis e imprevisíveis, essas são qualidades imprescindíveis para as
empresas."
Organizações rígidas, nas quais os funcionários não assumem riscos por medo das
conseqüências ou por imobilismo, são facilmente engolidas pelas cada vez mais rápidas
mudanças do mercado.
Com tais semelhanças entre um mundo e outro, seria previsível que homens que
conheceram a guerra de perto se tornassem executivos em potencial. Um dos últimos
veteranos da Segunda Guerra ainda em ação é o americano Summer Redstone, que participou
da equipe que quebrou os códigos navais japoneses e hoje é presidente da empresa de
comunicações Viacom. "Para os militares, é melhor agir rápido sem ter certeza do que estar
convicto e demorar para agir", diz Clemons, da Wharton. "Homens de negócios são treinados
para pensar em todas as possibilidades antes de assinar um contrato, o que pode torná-los
inflexíveis como robôs."
Lições de treinamento
Flexibilidade
Em combate, assim como nos negócios, nem tudo acontece como o
planejado. É preciso saber se adaptar às circunstâncias
Rapidez
É melhor estar pronto para reagir rapidamente sem estar 100%
convicto do que esperar até ter certeza absoluta da decisão
Comunicação clara
Para manter a tropa unida e as equipes , é preciso que a linguagem
utilizada pelo comando seja simples e direta
Delegação
Os subordinados devem ser preparados para tomar decisões na
ausência de ordens superiores
No mundo dos negócios, nada foi tão influenciado pela Segunda Guerra Mundial quanto
a administração. Prova disso são as metáforas utilizadas corriqueiramente por empresários e
executivos. Guerra. Ataque. Alvo. Foco. Estratégia. Tática. Sessenta anos após o fim do conflito,
essas palavras povoam os escritórios e as linhas de produção. Historiadores e estudiosos de
gestão chegaram a afirmar que a vitória aliada foi o triunfo das habilidades americanas nesse
campo. "Os alemães foram os melhores estrategistas", afirma Peter Drucker, o maior dos gurus
da administração. "Mas foi a gestão americana que os derrotou." Para produzir material bélico
em escala que superou à dos demais exércitos aliados somados, os Estados Unidos valeram-se
de uma capacidade extraordinária de organização da mão-de-obra. A necessidade de
movimentar rapidamente tropas e transportar materiais para distantes frentes de batalha fez
com que a logística -- hoje um elemento decisivo para o sucesso dos negócios -- desse um
salto brutal.
A estatística aplicada à gestão facilitou e tornou mais preciso o processo de decisão nas
Forças Armadas americanas. Com o sucesso na guerra, o método rapidamente se disseminou
por companhias de todo o mundo. As técnicas de avaliação e motivação usadas atualmente
pelos departamentos de recursos humanos provaram-se nos quartéis e campos de batalha. O
psicólogo americano Frederick Herzberg, um dos pioneiros da teoria da motivação, deu a
partida em suas pesquisas durante um estágio realizado no campo de concentração alemão de
Dachau, já sob ocupação americana. Suas obras influenciariam os esquemas de remuneração e
premiação estabelecidos pelas empresas.
O movimento da qualidade, que se tornou um mantra mundial nos anos 80, teve início
quando o matemático Edward Deming foi convocado pelo general americano Douglas McArthur
a reconstruir o Japão, em 1947. Durante a Segunda Guerra, Deming havia defendido o uso da
estatística para melhorar a qualidade dos produtos feitos nos Estados Unidos. Mas sua
pregação em prol do trabalho em equipe no chão de fábrica tocou primeiro os orientais. "Não
surpreende que ao final da guerra quase todo o mundo tivesse tomado conhecimento do que
era a administração", afirma Drucker. O livro que ele publicou em 1946, The Concept of
Corporation, foi considerado uma espécie de marco do início da era da moderna administração
-- ainda embebida de expressões e hábitos adquiridos ao longo dos anos da conflagração.
Drucker lembra, a propósito, que a palavra "chefe" (boss) foi uma herança da caserna
que passou a ser disseminada no mundo dos negócios. Com a entrada de líderes militares nas
empresas, no pós-guerra, a estratégia militar passou a exercer uma profunda influência sobre o
pensamento da administração. Escolas de negócios prestigiadas, como a Harvard Business
School, que passaram boa parte da guerra dando treinamento a militares, foram responsáveis
por traduzir a estratégia militar para o dia-a-dia das empresas.
Uma das maiores lições foi dada pelo major Charles Thorton. Aos 28 anos, oriundo das
fazendas do Texas e sem formação universitária, Thorton foi o responsável pela criação do
setor administrativo da Força Aérea americana e o cérebro do Stat Control -- a legen dária
operação de controle estatístico da Aeronáutica dos Estados Unidos. Era a repartição que
monitorava o estado de cada avião da frota e a movimentação das peças de reposição. Após o
ataque japonês a Pearl Harbor, o órgão se tornou o centro nervoso da Aeronáutica. Para montar
o Stat Control, Thorton recebeu forte apoio de Robert Lovett, então secretário assistente de
guerra aérea. Lovett, que havia sido banqueiro em Nova York, sabia da importância do fluxo de
informações para a gestão. Ali foram desenvolvidos alguns dos pilares da logística, da
contabilidade de custos e da análise de sistemas que se tornariam corriqueiros na moderna
administração empresarial. Dali saíram os "garotos prodígios", como ficou conhecida a elite
militar treinada por Thorton. Despidos da farda no pós-guerra, alguns deles comandariam mais
tarde grandes empresas americanas, como Ford, Firestone e Xerox.
O modelo de gestão forjado na Força Aérea prevaleceu até o final dos anos 70, quando
montadoras de automóveis e fabricantes de copiadoras e de eletrodomésticos americanos
passaram a sofrer o ataque de concorrentes estrangeiros. "As empresas dos Estados Unidos
perceberam que com sua obsessão por números haviam perdido valores fundamentais", afirma
Gabor. Na década seguinte, a excessiva confiança na revolução liderada por McNamara foi
substituída pela preocupação com produto, inovação e qualidade. "Uma cultura de negócios
não mais poderia se alimentar apenas de métodos quantitativos."
Lições de administração
Informação
Coletar, organizar e interpretar dados sobre pessoas, o mercado e
os recursos necessários é fundamental para avaliar a capacidade
de exércitos. O mesmo vale para as empresas
Logística
O desembarque aliado na Normandia no célebre Dia D talvez seja o
maior exemplo de sucesso de todos os tempos na coordenação
sincronizada de uma operação. Não existiria guerra moderna sem
logística
Pessoas
Durante a Segunda Guerra, ficou evidente que só equipes
motivadas e exaustivamente treinadas podem levar à vitória
Visão do mercado
Empresas, assim como exércitos, devem estar constantemente
preparadas para movimentos de ataque e contra-ataque de rivais
Consumo explode
No período do pós-guerra, nasce um novo mercado, ávido por inovações e praticidade.
Quase nada mudou desde então
Por Karina Miotto e Marcos Todeschini
Antes da Segunda Guerra Mundial, a Coca-Cola já era uma marca internacional, vendida
em vários países. Mas o maior conflito de todos os tempos marcou uma nova etapa na história
da companhia. Durante os anos de combate, 64 minifábricas do refrigerante foram montadas
nas bases onde havia soldados americanos. A guerra acabou. Os Estados Unidos foram os
grandes vencedores. Os soldados voltaram para suas casas. Mas as fábricas de Coca-Cola
permaneceram onde estavam. Começava ali o processo de globalização que mais tarde levaria
a Coca a ser o ícone mais valioso do mundo. A expansão da marca foi tamanha que nos 13
anos subseqüentes à guerra a empresa vendeu duas vezes mais do que nos seus 58 anos de
história até então. Começava, também, o desenvolvimento do moderno mercado de consumo
-- um palco no qual o marketing, a velocidade nas inovações, a publicidade e as enormes
escalas de produção desempenham um papel fundamental.
O mundo saiu da Segunda Guerra ávido por consumir. Após anos de crise e de
restrições, sociedades como a americana experimentaram uma fase de extraordinário
crescimento. No início da década de 40, pouco antes de os Estados Unidos entrar na guerra -- o
que só veio a acontecer em 1942 --, a Ford produzia 13 000 automóveis por semana. Dez anos
depois, o número de veículos fabricados pela montadora durante os mesmos sete dias havia
dobrado.
A importância do tempo como mola do capitalismo já tinha sido percebida bem antes da
guerra. Mas a mudança do mercado nos anos que sucederam o conflito transformou a falta de
tempo do consumidor numa oportunidade sem precedentes para novos negócios. Esse período
foi marcado por invenções que ajudavam a economizar tempo -- principalmente na cozinha. A
Kraft Foods, atualmente uma das maiores produtoras de alimento do mundo, conseguiu
arrebanhar lotes de consumidores ao lançar o Minute Rice -- arroz de preparo rápido. Quatro
anos depois do fim da guerra, o Rice era um sucesso absoluto. Outros produtos lançados no
mesmo período tiveram desempenho semelhante porque eram inspirados na mesma proposta
(como o café solúvel Maxwell House, o refresco em pó Tang ou a cobertura pronta Dream
Whip). Trata-se de uma preocupação que só aumentou desde então. Hoje, os eletrodomésticos
encontrados em uma casa de classe média equivalem ao trabalho desempenhado no passado
por 12 empregadas domésticas.
Lições de mercado
Comunicação
Não se deve menosprezar o aparecimento de novas mídias e
técnicas de venda. A combinação do nascimento da televisão com o
desenvolvimento da publicidade revolucionou a sociedade de
consumo
Novos mercados
As mulheres têm um papel essencial na estratégia de qualquer
empresa. Não só como parte importante da mão-de-obra mas
também como público consumidor
Escala
A produção de artefatos militares em escala foi fundamental para
derrotar o inimigo durante a guerra. A indústria aprendeu que esse
fator também é útil para liquidar a concorrência
Sintonia
As pessoas têm cada vez menos tempo para cumprir todas as suas
obrigações diárias. Logo depois da guerra prosperaram os produtos
que souberam entender essa necessidade do consumidor, noção
que vale até hoje