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COMTEMPORÂNEA I
1ª Edição - 2007
SOMESB
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SUMÁRIO
O SOCIALISMO_____________________________________________________________ 49
O IMPERIALISMO ___________________________________________________ 54
Neste bloco, abordaremos um período conturbado – e ainda mal estudado nas escolas -
da história do Ocidente. Neste período, de menos de meio século, o avanço do liberalismo foi,
primeiro, submetido à ambígua atuação de Napoleão Bonaparte, figura que nunca expressou de-
vidamente os ideais da nova ideologia política, mas sob cuja liderança a guerra iniciada em 1792
na defesa da França Revolucionária transformou-se em
guerra expansionista, que modificou o mapa da Europa
– e influenciou na mudança do mapa dos domínios colo-
niais europeus nas Américas – e foi decisiva para a difusão
das idéias e práticas políticas liberais, inclusive com efeitos
sobre o terreno das mentalidades.
Derrotado Napoleão Bonaparte, as forças mais rea-
cionárias da Europa reuniram-se no que se costuma cha-
mar de Concerto Europeu, instaurando uma conjuntura
política marcada pela sobreposição momentânea das for-
ças de conservação às de transformação; eram os repre-
sentantes do Antigo Regime retomando o controle do ce-
nário político, agitado pelo avanço do liberalismo iniciado
na Revolução Francesa e acelerado com a expansão napo-
leônica. Com isso, além de provocar um refluxo no campo das políticas nacionais, inauguraram
uma nova e avançada concepção de política internacional baseada na idéia de equilíbrio: eram os
primórdios do sistema internacional.
Uma preocupação dessas forças de conservação era o reajustamento das fronteiras nacio-
nais modificadas pela expansão napoleônica. A outra preocupação era barrar, imediatamente, as
ações revolucionárias que ameaçavam o antigo panorama político europeu. Contra o liberalismo,
ideologia burguesa que apregoava o primado dos direitos naturais emanados dos indivíduos – de
onde se extrai a máxima de que todo o poder só pode emanar do povo –, recolocava-se o Legiti-
mismo que tinha por dogma político a afirmação de que só é legítimo o poder político que emana
de Deus, e que o Absolutismo Monárquico gozava era sancionado pela autoridade divina por isso
mesmo legítimo. Neste contexto de Reação Legitimista destacaremos o Congresso de Viena e a
atuação dos “Quatro Grandes” (Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia) através da Santa Aliança.
Buscaremos compreender os objetos e interesses envolvidos nesse contexto e daí o sentido
e a importância histórica das referidas atuações, atentando especialmente para a postura ambígua
da Inglaterra.
Entretanto, a Restauração derivada da Reação Legitimista não conseguiu ser definitiva. Se
não há dúvida que as forças de transformação foram obstadas, não se pode afirmar que deixa-
ram de existir. Pelo contrário, a própria atuação da Santa Aliança nos mostra o quão ativas elas
foram nesse período. E essas forças de transformação aos poucos foram incorporando uma
História Comtemporânea I 7
segunda ideologia que viria engrossar o coro do liberalismo: o Nacionalismo. Assim, os movi-
mentos liberais de 1830 e 1848 não são apenas movimentos liberais, são, também, – e, em alguns
casos, sobretudo – movimentos nacionalistas. Isso quer dizer que para além de reivindicarem a
aplicação dos princípios liberais ao campo político, têm também em conta o senso de pertença a
um organismo que se torna cada vez mais importante para a estruturação do mundo tal e qual o
conhecemos: a Nação. Além disso, em ambos os momentos se registrou a presença de um novo
componente político: o socialismo.
Embalada pelo clima de descontentamento geral provocado pela conjuntura econômica
marcada pela sub-produção agrícola, pelo subconsumo industrial, as péssimas condições de em-
prego a que estava submetido o proletariado urbano – que mal pagos eram atingidos pelo subcon-
sumo –, o aumento do lumpemproletariado, essa corrente política – que preconiza a instauração
de uma sociedade sem classes – tornava-se um espectro a assombrar a Europa conservadora.
Em linhas gerais, este bloco temático é um aprofundamento no estudo da crise do Anti-
go Regime e do triunfo da burguesia com a subseqüente formação das democracias liberais na
Europa.
Sabemos que, para além das ameaças internas, a Revolução Francesa teve de enfrentar
forças externas – já em 1792 os revolucionários se viram às voltas com o chamado “exército
dos emigrados”, coligação austro-prussiana que contava com a força de foragidos franceses. Em
seguida, morto o rei Luís XVI, a Primeira República se veria ameaçada, já no Ano I, por uma co-
ligação de países antipáticos à Revolução. Prússia, Áustria, Espanha, Rússia, Sardenha, Holanda e
Inglaterra, uniram-se na Primeira Coalizão Européia sob o pretexto de fazer justiça à decapitação
de Luís XVI. O que se viu depois disso foi um rápido endurecimento do regime revolucionário,
que ameaçado interna e externamente acercou-se de uma série de instituições e medidas de ex-
ceção que instauraram o período do Terror, que responde em parte pelo posterior sucesso dos
setores mais moderados da Revolução que com o Golpe do Nove Termidor, aplicado em julho
de 1794, instalaram a fase conhecida como Reação Termidoriana, recolocando a Revolução Fran-
cesa sob o controle da alta burguesia, preocupada em estabilizar a situação, garantindo os direitos
conquistados e consolidando uma República moderada (o Diretório) e de participação restrita
– o que explica o regime censitário instituído pela Constituição do Ano III (1795) -, na qual de-
veriam predominar também as liberdades econômicas, isto é, liberdade de comércio, indústria e
câmbio.
Programada
Programa daConspiração
Conspiraçãodos
dosIguais
Iguais:
História Comtemporânea I 9
Vamos Refletir!
A
Analise os artigos do Programa da Conspiração dos Iguais e, em se-
guida, tente pensá-los em relação aos artigos da Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Você percebe quais concepções políticas por detrás de
um e de outro documento? Registre suas impressões abaixo.
O CONSULADO (1899-1904)
Como se pôde perceber nas páginas anteriores, eram visíveis a falta de apoio popular e a
fragilidade institucional do Diretório. Assim, perturbada pelas tentativas de tomada do poder
político por parte da oposição e sentindo a ameaça externa que se tornava cada vez mais forte
que a burguesia girondina adota uma solução de garantia de continuidade para seu predomínio,
recorrendo a um governo rígido, que fosse capaz de sufocar as dissensões internas e fazer fren-
te à Segunda Coalizão Européia (formada por Inglaterra, Rússia, Áustria, Sardenha, Nápoles e
Turquia). Daí a opção pelo Consulado, instaurado com o Golpe do 18 Brumário, que suprimiu o
Diretório e conduziu ao poder um general corso que se tornara célebre por suas vitórias contra as
forças estrangeiras, dentre cujos resultados contava-se a cessão da Bélgica à França pela poderosa
Áustria (Tratado de Campofórmio, 1797).
Parafraseando o historiador Eric Hobsbawm, apesar de suas origens cavalheirescas Napo-
leão foi um típico carreirista, que graças à comprovada competência galgou os mais altos postos
do exército. “Durante a Revolução, e especialmente sob a ditadura jacobina que ele apoiou firme-
mente, foi reconhecido por um comissário local em um fronte de suma importância (...) como
um soldado de dons esplêndidos e muito promissor. O Ano II fez dele um general. Sobreviveu à
queda de Robespierre, e um dom para o cultivo de ligações úteis em Paris ajudou-o em sua esca-
lada após este momento difícil. Agarrou a sua chance na campanha italiana de 1796, que fez dele
o inquestionado primeiro soldado da República, que agia virtualmente independente das autori-
dades civis. O poder foi meio atirado sobre seus ombros e meio agarrado por ele quando as inva-
sões estrangeiras de 1799 revelaram a fraqueza do Diretório e sua própria indispensabilidade.”
(HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: Europa, 1789-1848. 26ªedição, Rio de Janei-
ro, Ed. Paz e Terra, 2002, p. 111)
A grosso modo, o Consulado não foi mais que uma nova roupagem para a República bur-
guesa moderada dos tempos de Diretório, o que implica em considerar suas feições de classe.
Assim, o Consulado foi um governo feito pela alta burguesia e para a alta burguesia. Um governo
História Comtemporânea I 11
Paralelamente à reestruturação da vida política deu-se a reestruturação financeira de uma
França abatida pelos eventos ocorridos nos anos da Revolução. Em 1800 deu-se a fundação
do Banco da França, única instituição com o direito de cunhar papel-moeda no país, o que nos
permite perceber mais uma vez o caráter centralizador das mudanças efetuadas no período. Foi
criado também o novo padrão monetário, com a introdução dos centavos, até então inexistentes;
em 1793 foi criada a Lira e em 1795 o Franco, moeda nacional até os dias de hoje. Essas medidas,
ao reestruturarem as finanças francesas, proporcionaram boas condições para a reestruturação
econômica do país. O Banco da França desempenhou um importante papel ao oferecer financia-
mento para a industrialização, bem como à reorganização do comércio e execução de obras pú-
blicas. E a reforma monetária dinamizou o comércio e a atividade bancária, alquebradas e ainda
submetidas aos moldes vigentes no Antigo Regime.
Em 1802, prestigiado graças ao êxi-
to de sua política, Napoleão conseguiu, na
Constituição do Ano X, o direito de se tor-
nar cônsul único, vitalício e hereditário, com
o direito de indicar o seu sucessor. Em 1803,
valendo-se do recrudescimento das investi-
das estrangeiras – paralisadas desde a Paz de
Amiens (firmada em tratado com os ingleses
em 1802) –, proclamou-se Imperador, rece-
bendo a sagração episcopal no ano seguinte
em Paris, e consolidou legalmente seu novo
status na Constituição do Ano XII. A França voltava a se submeter a uma monarquia hereditária.
As assembléias foram suprimidas, as liberdades individuais e políticas caíram sob o arbítrio do
aparelho de Estado, o Tribunal e os Corpos Legislativos foram esvaziados de poder, a imprensa
passou a ser regulada, no campo da educação a Universidade imperial deteve o monopólio do
ensino superior e os programas passaram a ser controlados pelo Estado que restituiu o catecis-
mo como disciplina formativa e impôs alterações ao ensino de História e Filosofia – disciplinas
consideradas como portadoras de riscos ao regime – excluindo, inserindo e enviesando conteú-
dos. Enfim, acrescente regulamentação levou ao descontentamento generalizado, que expresso
ampliou ainda mais a opressão com a multiplicação das perseguições policiais.
Você sabia...
... que Ludwig Von Beethoven dedicou uma de suas sinfonias, a Sinfonia
Heróica, a Napoleão Bonaparte? Ele retirou a dedicatória depois que Napo-
leão se tornou imperador. Esses dois pequenos fatos lhe sugerem algo? Se sim,
anote abaixo.
As violações dos acordos internacionais pela França levaram russos e ingleses a firmarem
uma aliança contra os franceses que deu origem à Terceira Coalizão. Um incidente apressou a
aliança anglo-russa: o fuzilamento, em 1804, do duque de Enghien, pertencente à família Bour-
bon – da qual também fazia parte Alexandre I, rei da Rússia – sob a acusação de atentado contra
a vida de Napoleão Bonaparte. O rompimento se deu após a resposta ofensiva – embora cor-
tês – de Napoleão ao protesto de Alexandre I. Em agosto de 1805 russos, ingleses e austríacos
uniam-se contra Napoleão e já em dezembro estavam derrotados. Ao fim da guerra, a França
tornou-se ainda mais forte com a anexação da Itália e o desmembramento do Santo Império,
com a separação da Áustria e a criação da Confederação do Reno, um organismo germânico sob
a tutela francesa. Em 1806, outra coligação foi derrotada; desta vez os Estados da Prússia e da
Rússia sentiram a força do exército imperial francês. A Prússia foi desmembrada e a Rússia, velho
e respeitado império absolutista, tornou-se uma aliada dos franceses.
Percebe-se então o poder da França napoleônica na Europa. Sua atuação reconfigurou o
campo de forças existente até então. A Europa Ocidental tentava, mas não conseguia se libertar
de sua interferência. A hegemonia da Áustria na região da atual Alemanha encerrou-se com o já
citado desmembramento do Santo Império, cuja existência lembrava de uma forma muito discre-
ta os tempos de Carlos Magno. Para o enfraquecimento da Áustria contribuiu também a criação
do Vice-Reino da Itália. Na mesma região registra-se ainda a tomada dos Estados Papais (1809),
após desentendimentos entre Napoleão e Pio VII que, por se recusar a apoiar a política externa
do monarca francês foi confinado à cidade de Savóia de 1809 a 1814. Em linhas gerais, uma gran-
de parte da Europa foi dividida em categorias criadas pela expansão e pelas vitórias napoleônicas.
No centro a França encorpada pelos territórios anexados (Bélgica e regiões renanas), depois os
Estados Familiares (Grão-Ducado de Varsóvia, Vice-Reino da Itália e os Reinos de Holanda,
Nápoles e Espanha, todos agora governados por parentes de Napoleão) e os Estados Aliados
(concentrados na recém-criada Confederação do Reno).
Mas havia a Inglaterra, principal força econômica do globo e dona da mais temida marinha
de guerra. Incomodava, duplamente, a política externa da França. Primeiro pelo posição de desta-
que que graças ao poderio bélico e à hábil diplomacia, dentre outros fatores (ver o material AVA),
desfrutava no cenário político internacional. Junte-se a isto o crescente poderio econômico lastre-
ado pela Revolução Industrial que ampliava a capacidade produtiva dos ingleses a um nível jamais
visto na história, transformando-os em concorrentes implacáveis e portanto um obstáculo a ser
retirado do caminho de qualquer nação com aspirações à potência hegemônica. Entendendo que
militarmente seria muito difícil, senão impossível, sobrepujar a Inglaterra, e revidando à medida
tomada pelo governo inglês em 11 de novembro de 1806, proibindo a entrada de navios france-
ses em seus portos, Napoleão decretou, em 21 de novembro, o Bloqueio Continental, obrigando
todos os países da Europa a fecharem seus portos e seus mercados internos aos ingleses.
“Napoleão, Imperador dos Franceses e Rei da Itália, etc.
História Comtemporânea I 13
Considerando:
Em conseqüência, decretamos:
As intervenções na Península Ibérica entre 1808 e 1814, também desastrosas, têm especial
importância para as atuais nações latino-americanas, uma vez que ao desestabilizar os governos
metropolitanos contribuiu para agravar a crise do sistema colonial e acelerar a eclosão das guerras
de independência. No caso brasileiro, por exemplo, os panoramas da política e da economia mu-
dam a partir da chegada da família real portuguesa, em 1808, em fuga diante da invasão das terras
lusitanas pelas tropas do General Junot, devido à recusa do governo português em aderir ao Blo-
queio Continental. No campo da política, muda o status do Brasil, agora Reino Unido e sede do
império português. Junto com o status político mudam também as práticas políticas e com elas a
consciência dos brasileiros em relação ao lugar ocupado até então nos quadros do antigo sistema
colonial. No campo econômico, a vinda da família real teve seu preço: a Abertura dos Portos às
Nações Amigas. Caíam os obstáculos coloniais ao livre comércio e a burguesia brasileira pôde
sentir o que é ser uma burguesia nacional, algo bastante diferente de uma burguesia colonial. E
como sabemos, ficou difícil para
Portugal reverter o processo e recolonizar o país, agora cioso da possibilidade de se consti-
tuir em nação. Em setembro de 1813, Napoleão foi derrotado pela Sexta Coalizão, formada por
História Comtemporânea I 15
Prússia, Rússia e Áustria em Leipzig, na Confederação do Reno (atual Alemanha). No início do
ano seguinte Paris foi invadida pelos aliados, que entronizaram a Luís XVIII, restabelecendo a
monarquia absolutista na França, o que nos permite perceber as feições políticas das forças en-
volvidas. Napoleão foi aprisionado na ilha de Elba, na costa da Itália, de onde fugiria em março
de 1815 para retomar o poder, estabelecendo o que ficou conhecido como Governo dos Cem
Dias. No mesmo ano, vencido na célebre batalha de Waterloo, Napoleão foi aprisionado na Ilha
de Santa Helena, na costa sul da África, onde morreria em 1821.
Entretanto, sua morte não encerrou o avanço do liberalismo no continente nem o reti-
rou da mentalidade dos franceses. Principalmente entre os pobres sobreviveu a veneração à sua
pessoa, sendo representado como o salvador da ordem. Por outro lado, sua morte ampliou o
espectro que sua atuação lançou sobre a Europa. Em Portugal, por exemplo, houve até mesmo
quem profetizasse o seu retorno de entre os mortos, como o Anticristo mencionado no Apoca-
lipse de S. João, a fim de guerrear contra a Igreja e o povo de Deus. Essa crença não deixava de
encontrar apoio na iconografia de diversas regiões do continente. Demonstrações curiosas da
força com que as ações e a figura do indivíduo Napoleão Bonaparte, representante de uma cole-
tividade específica, foram impressas nas mentalidades coletivas inclusive em espaços muito além
das fronteiras francesas. O que nos leva a uma importante questão, a saber: como o avanço do
liberalismo foi vivenciado nos mais diversos cantos da Europa. Em locais como a Península Ibé-
rica, no centro e no leste da Alemanha, na Rússia, na Áustria e nos Bálcãs, havia pouca aceitação.
Excetuando alguns intelectuais iluministas e jovens estudantes entusiasmados, essas populações
não viam com bons olhos o liberalismo. As elites políticas temiam-no uma vez que representava
uma ameaça aos velhos privilégios sustentados pelo Antigo Regime, ao passo que as populações
camponesas rejeitavam-no especialmente por enxergarem nele o instrumento da instauração de
um regime anticristão, o governo do Anticristo, isso porque uma das características marcantes
do liberalismo é justamente o anticlericalismo, expresso não apenas na rejeição da autoridade da
Igreja em matérias seculares – o que implicava, dentre outras coisas, na negação da Teoria do
Direito Divino dos Reis –, mas na expropriação de bens eclesiásticos, como aconteceu na França
revolucionária, que transformou uma ordem cujos monarcas, remontando ao tempo dos primei-
ros reis francos, ostentavam o título de “Filho Mais Velho da Igreja”. O já citado episódio do
aprisionamento de Pio VII por Napoleão é bastante significativo em relação a isso. Entretanto,
em outros locais, como Polônia, Hungria, Irlanda, Países Baixos, parte da Suíça, o oeste da Ale-
manha e a península itálica, as propostas de mudança social ventiladas pelo liberalismo tiveram,
por razões várias, uma aceitação acima da média. No caso da Irlanda, por exemplo, missas eram
rezadas em prol da vitória dos franceses. Você deve estar se perguntando: como, se a Irlanda era
um país de maioria católica e a Igreja não simpatizava com os liberais?
Isso se explica muito menos pela questão da simpatia aos liberais do que pela importância
de ter uma força contra os ingleses, inimigos íntimos e antigos, bem mais odiados que os recém-
nascidos defensores do liberalismo. Além do mais, o liberalismo não era contrário ao cristianismo
(embora alguns liberais como o barão d’Holbach o fossem), era contrário à instituição religio-
sa - a Igreja Católica Romana –, identificada como um dos sustentáculos da ordem do Antigo
Regime.
Dica da Web
Para saber mais sobre as relações entre a Igreja e
o Liberalismo consulte o material AVA.
História Comtemporânea I 17
Áustria se interessava em não deixar que a Polônia continuasse sob o domínio da Rússia, o que
fortalecia bastante a posição daquela nação no sistema internacional. Pela mesma razão, não dese-
java que possessões a Prússia ficasse com toda a região da Saxônia. Ciente disso o czar Alexandre
I chegou a ameaçar, em entrevista com o lorde Castlereagh, que criaria um reino autônomo na
Polônia, com as regiões que poderia incorporar à Rússia, ao qual daria uma constituição própria
– que o representante da Inglaterra considerou muito liberal. E isto não deixava de representar
perigo para as conservadoras Áustria e a Prússia, ao passo que mais uma vez fortalecia a posição
da Rússia, que, embora conservadora como as outras duas nações, poderia contar com o grato
respeito da Polônia, dadas as condições de seu estabelecimento. Temendo antes o aumento do
poderio russo que a criação de um Estado liberal polonês, que de resto poderia ser facilmente
dominado pela Rússia, a Áustria e a Inglaterra tentaram cooptar a Prússia que rejeitou e uniu-se
à Rússia. Assim, o mal estar que se seguiu entre os “Quatro Grandes” fortaleceu a posição da
França, que conseguiu fazer sobreviver ao Congresso suas fronteiras anteriores a 1792.
Em substituição à Confederação do Reno, criada por Napoleão, Metternich propôs a cria-
ção da Confederação Germânica, a qual seria formada por Áustria, Prússia e os outros 38 Esta-
dos alemães, e seria governada por uma junta governativa denominada Dieta Alemã. A formação
da Confederação Germânica interessava à Áustria por pelo menos três razões políticas. Primeiro,
punha a própria Áustria em posição hegemônica diante de um conjunto de Estados cujo poten-
cial político lhe era perigoso, principalmente se a Prússia viesse a ocupar a posição hegemônica e
agregando-os em torno de si formasse um Estado de dimensões comparáveis à de um império. A
lembrança do velho Império Carolíngio ainda pesava mesmo àquela altura dos acontecimentos.
Você sabia...
... qque o Estado alemão é relativamente recente, quando comparado com
outros Estados da Europa – a exemplo de França e Inglaterra? Sua unificação só
aconteceria na segunda metade do século XIX, envolvendo uma série de guerras
(contra a Dinamarca, em 1864, contra a Áustria, em 1866 e contra a França, em
1870).
Além de se tornar hegemônica em relação aos Estados alemães, a Áustria se
apoderou de uma parte da Polônia e das regiões italianas da Lombardia e Vene-
za, a Holanda recebeu a Bélgica, a Dinamarca ficou com os Estados alemães de
Schleswig e Holstein. A Rússia ficou com as terras da Besarábia, da Finlândia e
do antigo ducado de Varsóvia. A Polônia foi dividida em três partes, sendo que
as terras do ducado de Varsóvia foram transformadas pela Rússia em um “Reino
da Polônia”, governado por uma constituição outorgada pelo czar Alexandre I
- exatamente como este havia ameaçado -, por outro lado as regiões de Poznan,
Gdansk e Torun foram anexadas à Prússia ao passo que à Áustria coube o territó-
rio da Ucrânia ocidental. Dessa divisão surgiriam conflitos políticos
de cunho nacionalista, em que partes anexadas reivindicavam o direito a
constituir Estados Nacionais autônomos. Mais tarde um desses conflitos na região
da Polônia teria por resultado o assassinato de um príncipe austríaco – o famoso
arquiduque Francisco Ferdinando -, ocasionando o pretexto para a detonação da
Primeira Grande Guerra.
História Comtemporânea I 19
5. Explique, de forma sucinta, a política externa do império napoleônico.
História Comtemporânea I 21
saram a se opor no campo diplomático, como no caso do Congresso de Verona (1822), no qual
a Inglaterra se opôs à intervenção na Espanha, à invasão da Turquia pela Rússia e à intervenção
na América Espanhola – em processo de independência.
À política britânica, bastante influenciada pela burguesia, não interessava se opor aos pro-
cessos de libertação nacional uma vez que os povos libertos constituiriam Estados que neces-
sitariam de finanças e comércio. Nada mais conveniente aos seus interesses. Se o temor da ra-
dicalização levou a burguesia inglesa a apoiar a cooperação de seu Estado à aristocrática Santa
Aliança, um temor ainda maior – o de perder dinheiro – levou-a a utilizar aquele para minar esta.
Por outro lado, incomodava ao governo inglês o fortalecimento da Rússia, velho império aristo-
crático que nunca deixou de aspirar à hegemonia no continente. Não se poderia prever quando o
Estado czarista resolveria mostrar seus poderes, maiores que o da Áustria e até mesmo maiores
que os de uma possível combinação austro-prussiana. As intervenções da Santa Aliança tendiam
a aumentar ainda mais esse poderio. Deste modo, entende-se a oposição inglesa, dentre outras
medidas, à intenção dos russos de atacar o Império Turco.
Além do mais, às contradições internas à Santa Aliança juntam-se a contínua movimen-
tação dos liberais e o desenvolvimento das aspirações nacionalistas, que em diversos pontos
do continente, aberta ou secretamente, minam o imobilismo aristocrático em que se pretendeu
restabelecer o “equilíbrio”. Mesmo atacada a “hidra revolucionária” agia. Grupos subversivos se
organizavam na clandestinidade. No ambiente da maçonaria, surge na península itálica – mais
precisamente no Reino de Nápoles -, e daí se espalha pela França e chega à Espanha, a mais fa-
mosa das sociedades secretas do período: a Carbonária.
Seus adeptos, os carbonários, dos quais o papa Leão XII disse que tinham por objetivo a
destruição da Igreja e a subversão da autoridade, atuando sempre na obscuridade e atacando de
surpresa, preconizavam a instauração de regimes republicanos, democráticos e preocupados com
as questões sociais. Dentre os movimentos que levam sua marca estão os de Nápoles e Piemonte
(1820-1821). Enfim, o último triunfo efetivo da Santa Aliança foi a intervenção na Espanha em
1823. A partir daí foi se desintegrando, e já nos anos 30 era inócuo, o poderio do que o próprio
Metternich chamou de “monumento vazio e sonoro”, e a caminhada das forças de transformação
despoja-se de mais um obstáculo e prossegue para o futuro.
Vamos refletir!
O filósofo Friedrich Von Hegel, insatisfeito com a filosofia
do século XVIII, desenvolveu um sistema filosófico no qual opôs
à Idéia à matéria, tornando aquela o princípio fundador de todas as
coisas e única realidade absoluta, cujo movimento cria o real tal e
qual cada um de nós o compreende. Ainda segundo ele, o Estado
– que deveria ser sempre monárquico – é a encarnação terrestre de
Deus e, por isso, o mecanismo através do qual a Idéia se realizava
contemplando a sociedade composta por indivíduos. Assim, só o
Estado tem o direito à soberania absoluta, enquanto o indivíduo
– que em relação ao Estado é uma abstração inconsistente – tem
A chamada “onda revolucionária de 1830” iniciou-se na França. E isso não deve nos sur-
preender. Primeiro porque as cinzas dos anos revolucionários ainda estavam frescas e os elemen-
tos construídos ali ainda viviam. A queda de Napoleão não significou, nem de longe, o sepulta-
mento do liberalismo – embora, entre 1815 e 1830 muito dele tenha sido suprimido, a exemplo
de símbolos como a bandeira tricolor, instituída em 1789, que foi substituída por uma bandeira
branca. Por outro lado, a Restauração contrastava de forma marcante com aqueles anos em que
o lema “liberté, egalité, fraternité ou la mort” animavam o cenário político. Desde 1824 Carlos
X comandava um regime que representava o mais profundo recrudescimento do absolutismo de
direito divino. Assim, a França era um campo aberto para a construção da primeira grande brecha
no sistema de Metternich.
O regime da Restauração Bourbon jamais alcançou popularidade em território francês. Foi
a princípio aceito por um povo politicamente cansado das lutas que o afligiram durante o gover-
no de Napoleão, mas o cansaço logo passaria. Contudo, o clima de insatisfação manteve-se em
suspenso durante o reinado de Luís XVIII (1814-1824), que, prudente, submeteu-se ao constitu-
cionalismo burguês “outorgado” na Carta Constitucional de 4 de junho de 1814. Esta garantia as
liberdades individuais e as públicas, a igualdade perante a lei, a manutenção do sistema tripartite
de poder, o regime eleitoral censitário (que restringia o eleitorado a uma cifra em torno de 90.000
homens entre 30 e 40 anos) e a inviolabilidade do patrimônio público nacional. Mas Carlos X
preferiu mudar o andamento que seu irmão deu à política. Desde que assumiu o poder após a
morte de Luís XVIII, levou adiante uma política ultra-realista, que contrastava com o desenvolvi-
mento do liberalismo no país, desenvolvimento este que seria reforçado a partir de 1827, durante
os anos de crise econômica que dificultaram em muito a vida da maioria dos franceses.
A Carta foi sumariamente violada pelas Ordenações de Julho de 1830, um conjunto de
medidas impositivas, com as quais Carlos X buscava fortalecer o Poder Executivo, o que punha
a descoberto as intenções absolutistas do monarca, que não deixariam de ser combatidas pelos
liberais/independentes (coligação que reunia liberais/republicanos e bonapartistas em torno da
preservação do legado revolucionário), liderados por La Fayette, e os constitucionalistas (que
defendiam a aplicação estrita da Carta Constitucional), sob a liderança de Guizot.
História Comtemporânea I 23
Apoiado pelos ultra-realistas (interessados em restaurar os privilégios nobiliárquicos abo-
lidos durante o processo revolucionário – a maioria era composta de ex-refugiados) dissolveu
a Câmara recém-eleita – cuja maioria era liberal/independente –, modificou os critérios para a
fixação do censo eleitoral (beneficiando os aristocratas) e instalou um regime de restrição das
liberdades individuais revivendo a censura.
Em resposta, o povo foi à luta, montando barricadas contra as tropas reais durante três dias
– 27, 28 e 29 de julho – que ficaram conhecidos como as Jornadas de Julho, ou as Três Glorio-
sas. Derrotado Carlos X, Luís Felipe, o “Rei Burguês”, foi conduzido ao trono francês, com o
apoio da alta burguesia e, segundo ele, dos “próprios vencidos” que o “julgaram necessário à sua
salvação”.
Ou seja, a monarquia constitucional de Luís Felipe, duque de Orleans, foi a solução encon-
trada pelos poderosos para impedir que o poder popular, amplamente demonstrado nas Jornadas,
se acercasse do Estado, instaurando uma ordem radicalmente distinta na França. Nas palavras de
Luís Felipe, em carta ao rei Francisco II, da Áustria, seu reinado se fazia necessário “para que os
vencedores não deixassem degenerar a vitória” (In CARVALHO, Delgado de. Op. cit., p. 192).
Assim, paradoxalmente, na França a Revolução de 1830 teve por resultado imediato a ins-
tauração de um regime moderado sob a direção de uma monarquia constitucional liberal que
garantia o primado da alta burguesia e a sobrevivência da nobreza, não importando em mudan-
ças profundas no âmbito das relações sociais. Mas, no que tange ao campo político externo suas
influências foram profundas.
Na Bélgica o processo revolucionário assumiu o tom nacionalista, objetivando o fim do
domínio holandês instituído no Congresso de Viena. Os belgas estavam submetidos à Holanda
como parte do Reino dos Países Baixos.
Debaixo de um regime monárquico absolutista que privilegiava os holandeses, os belgas
tinham ainda outras razões para reivindicar o reconhecimento de sua nacionalidade e a formação
de um Estado próprio e autônomo. Em termos culturais, diferentemente dos holandeses, os bel-
gas eram católicos em sua maioria, falavam um idioma próximo do francês (o valão), enquanto
o holandês é um idioma mais próximo do alemão. No campo econômico, outras diferenças os
separavam: os belgas primavam pela indústria, os holandeses pelo comércio, os belgas queriam
medidas protecionistas, os holandeses preferiam o comércio livre.
Enfim, contando com o apoio inglês os belgas subtraíram-se ao domínio holandês e orga-
nizaram uma monarquia constitucional e liberal. Aos 29 de novembro do mesmo ano, sob a ins-
piração do movimento francês – e contando com a simpatia e encorajamento de revolucionários
franceses, como La Fayette, e de liberais americanos –, eclodiu, no Reino da Polônia, um movi-
mento nacionalista contra a dominação russa. O movimento começou com um levante de oficiais
menores do exército polonês, que objetivavam um golpe de Estado, e ganhou corpo, exprimindo
os anseios populares de libertação nacional.
A questão está em que, desde 1815, os poloneses tinham uma independência virtual, ba-
seada em uma carta constitucional, leis próprias, burocracia estatal, instituições educacionais e
exército, que entretanto estava submetida ao governo do imperador russo na condição de “Im-
perador e Autocrata de todos os russos” e rei da Polônia. Fragilizado por contradições internas,
o movimento foi suprimido em outubro de 1831 pelo exército imperial russo. Entretanto, sua ex-
periência – que contou com a solidariedade de franceses, que coletaram cerca de 36.000 francos
em seu favor, e de americanos que coletaram donativos em Paris e nos Estados Unidos (ver box)
História Comtemporânea I 25
a afeição e a simpatia de todos os Estados que a formam; porque a tradição
italiana é toda republicana.
(...)
A Jovem Itália é unitária porque sem unidade não há realmente Nação – por-
que sem unidade não há força e a Itália rodeada de nações unitárias, poderosas e
invejosas, necessita antes de tudo ser forte, pois o Federalismo a condenando à
fraqueza da Suíça, a colocaria forçosamente sob a influência de uma ou outra das
nações vizinhas – porque o Federalismo revivendo as rivalidades locais já extintas,
levaria a Itália de volta à Idade Média.
(...)
Os meios de que entende se servir a Jovem Itália para alcançar seu
objetivo são a Educação e a Insurreição. Estes dois meios devem ser empre-
gados em concordância e se harmonizar.
(...)”
Sugestão de Leitura
Stendhal, o vermelho e o negro.
A Revolução Francesa de 1848 foi a última e, em termos dos números bem como de áreas
envolvidas, a maior de todas as revoluções liberais que convulsionaram a Europa desde 1789.
Inspirada por uma fé otimista na capacidade humana de autodeterminação, ela liberou um grande
fluxo de energias e paixões entre as maiorias, desafiando – com novas forças – a ordem política
existente. Foi neste momento que a restauração iniciada em 1815, no Congresso de Viena, en-
trou em colapso, sob o peso das barricadas erguidas nas cidades e dos motins antifeudais que
nos campos fizeram as fronteiras do velho sistema recuarem à altura da Rússia. E, assim, com
o colapso da Restauração, parecia mesmo que uma era havia chegado ao fim. A “primavera dos
povos” estava às portas. Mas, como veremos, ainda não seria dessa vez. Por volta de 1848 havia
uma crise geral da economia em curso na Europa, atingindo os setores produtivos da França.
História Comtemporânea I 27
Proudhon em 1840, ou “Acerca da organização social do trabalho”, publicada por Louis Blanc
um ano antes.
Adiante teremos oportunidade de falar sobre essa forma de pensamento e seus desenvolvi-
mentos posteriores. O certo é que a revolução que instaurou a Segunda República contou com a
união de republicanos liberais, chefiados por Lamartine, e socialistas, liderados por Louis Blanc,
Alphonse Blanqui e Ledru- Rollin – que já atuavam há algum tempo por toda a França propagan-
do as idéias socialistas.
Contando com o apoio do povo, compuseram uma junta provisória de governo. O Governo
Provisório – composto por cinco moderados, dois independentes, dois radicais e dois socialistas
– criou as Oficinas Nacionais, pondo em prática uma idéia de Blanc, para quem o poder público
tinha a obrigação de fornecer trabalho e, se necessário, uma pensão a todos os cidadãos que,
privados das faculdades necessárias, não pudessem trabalhar. As Oficinas seriam organizadas a
partir de profissões e os produtos seriam vendidos pelos próprios trabalhadores, o que eliminaria
a concorrência. Instituiu-se o sufrágio universal masculino, restabeleceram-se as liberdades de
imprensa e de associação, concedeu-se anistia a presos políticos, legitimou-se o direito de greve e,
finalmente, foi abolida a escravidão nas colônias francesas. A possibilidade de admissão na Guar-
da Nacional foi aberta a todo cidadão francês adulto. Entretanto, a burguesia unida internamente
– no âmbito da própria classe –, e externamente – a setores reacionários –, venceu as eleições de
23 de abril, e iniciou a interrupção da trajetória à esquerda que a revolução tomara. Em resposta,
os socialistas tentam um golpe no dia 15 de maio, em conseqüência disso seus mais líderes mais
proeminentes foram aprisionados. Logo depois, diante do agravamento da crise econômica, as
Oficinas Nacionais, que eram sustentadas pelo Estado, foram fechadas. Estavam portanto dadas
as condições para a eclosão de uma “revolução dentro da revolução”.
Assim, veio a Revolução de Junho, que representa um momento crucial da história da luta
de classes, o momento em que se operou a “grande virada”. Ali, naquele momento, estava uma
classe nascida da nova ordem industrial – o proletariado –, reconhecendo-se como tal e desafian-
do o poder da burguesia, buscando subvertê-lo, aplicá-lo de acordo com os seus interesses, tomá-
lo desta classe que até bem pouco tempo era ela mesma a classe que portava o estandarte das
forças de mudança. Já não se tratava apenas de uma revolução política – que opunha socialistas
a liberais, numa luta pelo controle dos rumos do processo revolucionário –, era sobretudo uma
revolução social, como notou Tocqueville, com uma impressionante lucidez.
Vamos refletir!
“O que a distinguiu entre todos os acontecimentos (...) foi
que ela não teve por fim mudar a forma de governo, mas alterar a
ordem da sociedade. Ela não foi, na verdade, uma luta política (...)
mas um conflito de classes (...) Esta insurreição formidável não
foi empreendimento de um certo número de conspiradores, mas a
sublevação de toda uma população contra outra.”
(TOCQUEVILLE, Aléxis de. Souvenirs. 11th ed., Paris, ed. L.
Monnier, 1942, p. 135.)
À custa do esmagamento do lema que norteou a Revolução de 1789, estava salva a república
burguesa moderada, que a partir de então tenderia a se alinhar aos setores de direita, preferia-os
a admitir que pressões sociais vindas de baixo ameaçassem sua posição. Com isso a burguesia
inclinava-se ainda mais, e de uma vez por todas, para a conservação da ordem, deixando de ser
uma classe revolucionária e assumindo um papel reacionário. No dia 12 de novembro promul-
gou-se uma nova Constituição. Em seguida, as eleições levaram Luís Bonaparte, o preferido dos
bonapartistas, à condição de presidente. Este, que deveria ficar no poder por 4 anos, imitou o fa-
lecido tio, dando um golpe em 1851, implantando o império e, em dezembro de 1852, assumindo
o título de Napoleão III. A França tornava-se a caricatura de uma grande nação imperial sob a
caricatura de um grande imperador.
História Comtemporânea I 29
Vamos refletir!
Lembra do que falamos a respeito da permanência da imagem
de Napoleão no imaginário político? Consegue perceber, a partir do
que acabamos de expor, algum efeito dessa permanência?
Entretanto, em nenhum lugar, talvez, a derrota da onda revolucionária de 1848 teve efeitos
tão profundos e duradouros como na Confederação Germânica. Na França, os eventos de 1848
desacreditaram a Segunda República, mas, a despeito disso, não destruíram a tradição republica-
na. Nas nacionalidades submetidas ao Império Austríaco o sonho de conquista da auto-determi-
nação sobreviveu e se veria vingado em 1918. Na península itálica, a idéia de uma Itália unificada
sob a casa liberal de Savóia sobreviveu à derrota em Novara. Mas na Confederação Germânica o
liberalismo tomou um golpe do qual não se recobraria tão cedo. A derrota de 1848 fez com que
uma grande falta de fé em sua própria missão se abatesse sobre os liberais germânicos que só na
segunda metade do século XX conseguiram conquistar as maiorias.
A Revolução ali não durou mais que nove meses. Em março de 1848, as tropas reais de
Frederico Guilherme I, da Prússia, reprimiram uma manifestação popular em frente ao palácio,
ao que se seguiu uma série de sublevações na Confederação, que levaram o rei a prometer uma
Constituição, para a qual se reuniu um parlamento na cidade de Frankfurt, cujos trabalhos foram
iniciados em maio. Entretanto, , os príncipes retomaram seus lugares de poder na Confederação,
aproveitando-se das divisões entre os revolucinários (socialistas, liberais e nacionalistas), que di-
vergiam acerca de questões como a participação da Áustria no novo desenho da Confederação
(que seria a “Grande Alemanha”) e a adoção da forma republicana de governo (seria federalista
ou unitária? Democrática?). A Assembléia Constituinte foi dissolvida em novembro, sob a pres-
são do exército prussiano, o liberalismo entrou em recesso e o sonho de unificar os Estados
germânicos teve de ser adiado.
Nos Reinos itálicos, eclodiu, entre 1848 e 1849, uma luta contra o domínio austríaco. Aliás,
as agitações de 1848 iniciaram-se aí. Entretanto, o movimento caiu, enfraquecido por dissensões
internas. Opunham-se, defendendo suas respectivas propostas, os neoguelfistas, liderados por
Gioberti, que pretendiam uma confederação de Estados subordinada ao Papa, os monarquistas
constitucionais, liderados por Cesare Balbo e Mássimo D’Azeglio, que queriam um Estado Na-
cional Unitário subordinado à casa real de Savóia, soberana do Piemonte, e os republicanos, que
liderados por Giuseppe Mazzini, com destacada atuação de outro Giuseppe, o Garibaldi, empe-
nhavam-se na construção de uma República Democrática.
Esses são tempos infames para o operariado. A maquinaria avança, os empresários ampliam
seus cabedais, e a mão-de-obra abundante, somada à pouca vontade dos empregadores rebaixa os
salários. Essa disposição – ainda atual – em pagar baixos salários justificava-se ideologicamente
em premissas lançadas ainda no século XVIII.
A respeito disso, veja o que em 1747, John Smith afirmava em suas Memoirs of wool que
“É um fato bem conhecido... que a escassez até um certo grau, estimula a diligência, e que o
trabalhador que puder subsistir labutando apenas três dias por semana ficará ocioso e bêbado
nos dias restantes. (...) Os pobres, nos condados manufatureiros, nunca trabalham mais do que
o necessário para viver e sustentar suas orgias semanais. (...) Podemos afirmar com segurança
que a redução dos salários na manufatura de lã seria uma vantagem e benção nacionais, não uma
injustiça contra os pobres. Desta forma, poderíamos conservar o prestígio do nosso ofício, au-
mentar nossas rendas e melhorar as condições de vida da população”. (SMITH, John. Memoirs
of wool: woolen manufacture, and trade, (particularly England) from the earliest to thn present
times; with occasional notes, dissertations and reflections. London, Printed for the author, 1757.
Apud THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Vol. I, Rio de Janeiro, Ed. Paz
e Terra, 1987, p. 143)
As condições de trabalho, não só nas fábricas, que Adolphe Blanqui chamava de “labora-
tórios severos”, como em outras locações, a exemplo das minas – descritas por Émile Zola em
Germinal, obra cuja leitura recomendamos.
O custo de vida se eleva num ritmo superior ao dos ordenados, principalmente no ambiente
fabril, seja no caso do operário que atua na fábrica ou no caso do tecelão que atua em seu próprio
domicílio, inserido no chamado output system.
Sem contar o fato de que, por vezes, o trabalho não era devidamente pago, como registrou
um observador contemporâneo: “Ademais não era incomum que, ao final do trabalho, os tecelões
não conseguissem receber o pagamento (...) Assim, não nos surpreende que o tecelão manual
seja conhecido como ‘chamariz da pobreza’.” (LAWSON, J. Letters to the young on progress in
Pudsey, 1887. Apud Thompson, E. P. A formação da classe operária inglesa, p. 142)
A urbanização, neste período, foi segregadora. E segregou em termos de classe social.
Os trabalhadores moram muito mal, no amontoado dos piores recantos das cidades, enquanto
nas zonas nobres burgueses e aristocratas vivem em suntuosas mansões - com jardins fechados
- , harmoniosamente dispostas em ruas pavimentadas e acompanhadas de praças “públicas”. A
maioria mora em bairros nos quais o barulho, a lama e o estrume se misturam com outros fatores
como a falta de iluminação, que faz com que os dias terminem bem mais cedo e o medo da rua se
torne uma constante: os estupros, por vezes coletivos, são freqüentes. Ao invés das construções
harmoniosas e dos belos jardins, os cortiços sujos e superlotados, onde a insalubridade e os vícios
– dentre os quais grassava o alcoolismo – se reúnem. Aí a prostituição, inclusive das filhas, é um
recurso. Em certos momentos, como a grande fome de 1845-46, cães e gatos tornam-se alimento
disputado e, até mesmo, os cadáveres dos eqüinos urbanos prestam auxílio à sobrevivência. Da
insalubridade, por sua vez, alimentam-se as epidemias e pandemias.
História Comtemporânea I 31
Dentre essas últimas, destaca-se uma tríade sinistra, composta pelo tifo, cólera e peste bu-
bônica. Esta última não fez tantos mortos na Europa quanto no Império Turco Otomano, mas
seus efeitos não eram de se desprezar. A tifo matou em pontos esparsos da Europa. Foi o cólera
que mais, e em mais lugares, matou. Entre 1829 e 1837 abateu-se sobre todas as grandes cida-
des do continente e migrou daí para os continentes africano e americano, atingindo neste países
como o Canadá, os Estados Unidos e o Brasil. Um caso curioso é demonstrativo das tensões que
presidiam as relações sociais nesse período: pensando em dirimir os efeitos do cólera em Paris, as
autoridades determinaram que o lixo deveria ser recolhido em carroças, ao que os tropeiros, pre-
judicados, atearam fogo nos veículos. Conduzida pelos ares miasmáticos, como se dizia na época,
a doença construiu cifras fabulosas, matando cerca de 35.000 pessoas só na cidade Paris e outras
25.000 em Londres, e a lista de exemplos se estenderia desagradavelmente.
Segundo a opinião corrente no período que estamos abordando, os miasmas – ou, para
usar outro termo de época, os “eflúvios pestilenciais” – eram uma espécie de fluídos invisíveis,
os quais respondiam pelo surgimento das doenças e epidemias que, freqüentemente, levavam à
morte. Tais vapores mortais podiam exalar de sepulturas, dos cadáveres de animais e até de vege-
tais em decomposição. Daí as campanhas para proibir os enterros em igrejas, como eram feitos
tradicionalmente.
O público preferencial desses e outros males - os pobres ou, nos dizeres de um contempo-
râneo, “a última muralha da sociedade” -, era numeroso e não parava de crescer. Só para ficarmos
com um exemplo: em 1833, contava-se algo em torno de 17.566 indigentes em uma só localida-
de da França, o Eure-et-Loire. A miséria era generalizada. A respeito disso, em 1844 Karl Marx
escrevia em suas Glosas marginais que “na Inglaterra, a miséria dos trabalhadores não é parcial,
mas universal; não se limita aos distritos industriais, mas se estende aos agrícolas. Aqui, os mo-
vimentos não estão numa fase inicial, mas acontecem periodicamente há quase um século”. Aí,
na Inglaterra, a pobreza era tratada juridicamente. Em 1837 as New Poor Laws, que instituíram
as Workhouses, para onde deveriam ser mandados até mesmo forçosamente os indigentes. Era
a sociedade culpabilizando os excluídos pela exclusão e deixando bem claro que não se sentia
na obrigação de fornecer qualquer auxílio, sob o pretexto de não colaborar com a perpetuação
da ociosidade. Enquanto isso, os ricos ostentavam, a exemplo da Baronesa de Rotschild, que em
1842, usou em um baile de máscaras nada menos que um milhão e meio de francos em jóias.
O pastor Thomas Robert Malthus (1766-1834) publicou, em 1798, a obra Ensaio sobre o
princípio da população. Nesta expõe um veredito pessimista a respeito da questão da miséria.
Segundo ele o fato era inevitável na medida que as populações sempre cresceriam em progressão
geométrica, superior ao crescimento da produção de alimentos que só se daria no máximo em
progressão aritmética. A teoria teve grande repercussão e ganhou adeptos, constituindo uma
corrente de análise da sociedade, o malthusianismo. Pensadores como Marx e Engels, Godwin e
Sismondi se oporiam a Malthus e aos malthusianos, demonstrando que não era ao descompasso
entre o crescimento da produção e o de bocas a serem alimentadas que se devia a situação de
penúria que atingia multidões na Europa. A razão, no ponto de vista destes últimos, estaria na má
distribuição da renda, que estava concentrada nas mãos de uns poucos, deste modo, as maiorias
nem sequer tinham condições de acesso aos produtos.
História Comtemporânea I 33
mentarem em busca de melhores condições. Em 1831, a cidade de Lyon foi palco de um levante
de tecelões - que contou não apenas com esse grupo -, do qual um jornalista disse que “revelou
um grave segredo, o da luta intestina entre a classe que possui e a que não possui”. “Combatemos
por pão e trabalho”, era o que diziam os revoltosos. (In CROUZET, Maurice (org.), SCHNERB,
Robert. História geral das civilizações. Tomo VI, vol. I (O século XIX: apogeu da civilização eu-
ropéia). São Paulo, DIFEL, 1966, p. 81)
História Comtemporânea I 35
tou com a participação da associação dos tecelões locais, que lançaram antes dele uma proposta
de greve geral em prol da obtenção de uma tarifação mínima.
O movimento se alastrou e, até em Paris, levantaram-se barricadas solidárias aos invisíveis
que uniam homens e mulheres de diversas proveniências e inclinações, novos códigos de conduta
se consolidavam – a retaliação aos “fura-greves” são um exemplo. Construíam-se coesão e com
essa os objetivos coletivos, objetivos de classe. Formavam-se aos poucos as condições nas quais
se daria a irupção das ideologias de esquerda, como o socialismo e o anarquismo, e a formação da
Associação Internacional dos Trabalhadores, assuntos sobre os quais falaremos adiante.
Sugestão de Leitura
Oliver Twist e Tempos difíceis, de Charles Dickens.
Germinal, de Émile Zola.
Os miseráveis, de Victor Hugo.
Sites:
http://www2.cddc.vt.edu/marxists/cd/cd4/Library/portugues/marx/1844/gl
osascriticas.htm (contém o texto integral das Glosas marginais de Karl Marx)
http://www.workhouses.org.uk/ (história das workhouses, em inglês)
http://www.ifch.unicamp.br/mundosdotrabalho/historico.htm (portal do grupo de
trabalho Mundos do Trabalho, grupo de historiadores filiados à Associação Nacional de His-
tória – ANPUH)
Atividade Complementar
6. Com o auxílio de enciclopédias e/ou o recurso à Internet, faça uma pesquisa sobre as
Casas de Trabalho inglesas (Workhouses). Depois, utilize seus achados para responder às seguin-
tes questões: o que eram as Workhouses e quais as características do trabalho desenvolvido nelas?
Onde estavam concentradas? Quem era exposto ao trabalho nelas? Quais os problemas relacio-
nados? Em que se baseava seu funcionamento?
História Comtemporânea I 37
TÓPICOS SOBRE POLÍTICA E
ECONOMIA INTERNACIONAL
NO SÉCULO XIX
A Europa da terceira década do século XIX assiste a uma eclosão de movimentos liberais
de caráter nacionalista – antes disso, na própria Europa, na década de 20 ocorreu o movimento
de libertação nacional da Grécia, enquanto nas Américas portuguesa e espanhola quedaram-se as
dominações ibéricas. À medida que o liberalismo avança em direção aos mais diversos recantos
do continente ganha campo uma outra manifestação política de fundamental importância para
a configuração do campo contemporâneo: o nacionalismo. Mas afinal o que é o nacionalismo?
Para chegar a uma boa resposta, vale a pena examinar o conceito de nação. Dentre as tantas defi-
nições possíveis para o termo nação uma interessante é a que compreende nele um conjunto de
pessoas unidas por elementos culturais compartilhados (crenças, costumes, artefatos, culinária,
traços comportamentais, etc.) e pela senso de pertença a um determinado território, em relação
ao qual nutrem a crença no direito à soberania e, conseqüentemente, à auto-determinação. É
claro, como podemos perceber no nosso caso mesmo, que isso não exclui diferenças individuais
e regionais, mas, como podemos atestar, tais diferenças não ultrapassam jamais o senso de frater-
nidade embutido na mentalidade coletiva de uma nação. Quando isso acontece temos então um
campo fértil para a emersão das nacionalidades – minorias que reivindicam a autodeterminação
– e surgem os movimentos nacionalistas. O nacionalismo é, portanto, o sentimento de pertença
a um todo. Solidariedade que leva um povo a reivindicar a constituição de uma nação e de um
Estado nacional – o que implica em considerar aí o sempre presente desejo de autonomia.
Logo após a Revolução de 1830 surgem os “nacionalismos jovens”: Jovem Alemanha, Jo-
vem Itália, Jovem França, Jovem Polônia e Jovem Irlanda. Tratamse de movimentos nacionalistas
baseados em redes conspiratórias que não se prolongaram. Por outro lado, eles são a expressão
da pulverização da revolução liberal na Europa. Aos poucos, desaparecem os esforços sincro-
nizados e fortalecem-se os movimentos locais, desenvolvem-se os focos nacionais – e, onde era
possível, nacionalistas. O desenvolvimento de movimentos nacionalistas era amplamente possí-
vel em localidades como a Irlanda, a Polônia, a Alemanha, a Itália, nos quais havia nacionalidades
sufocadas pelo domínio de impérios como o austríaco e o russo. A ligação entre o liberalismo e
o nacionalismo apóia-se na oposição entre as classes médias – e até setores inferiores da nobreza
- e os grandes proprietários de terra que preferiam manter alianças com os dominantes estrangei-
ros, cujas políticas – como vimos no bloco anterior – afinavam-se em um tom que não era o dos
liberais. Assim, compreende-se que os movimentos nacionalistas – além de adotarem bandeiras
tricolores, à francesa – preconizassem a superação das monarquias absolutistas e a instauração
de regimes liberais – de preferência republicanos. Neste momento se dão a emergência dos Es-
tados tardios no cenário político: a Alemanha e a Itália (ambas finalizadas no início da década de
1870).
Um fato interessante é o “recesso” do movimento operário que se dá entre 1830 e 1871.
Nesse período, o sentimento nacionalista uniu nobres sem grandes cabedais, burgueses e proletá-
rios contra inimigos comuns, os inimigos das nacionalidades, as nações estrangeiras que exerciam
domínio sobre povos como o polonês e o irlandês. Sobrepõe-se ao sentimento de oposição entre
as multidões que a seu favor tinham apenas a força de trabalho e uns poucos que detinham o
capital, e com isso o poder de subordinar aqueles. Assim o nacionalismo encobriu momentane-
amente a luta de classes e foi um obstáculo à ampliação do movimento operário no continente.
A UNIFICAÇÃO DA ALEMANHA
História Comtemporânea I 39
Este é um dos tópicos menos compreendidos pelos estudantes. Geralmente sai-se do en-
sino médio sem dominá-lo e o resultado, além do alto índice de respostas erradas em processos
vestibulares, é a perpetuação do desconhecimento da gênese de uma das mais atuantes nações da
Europa desde os anos 70 do século XIX. E, com isso, perde-se, também, muito de entendimento
em relação aos fatos relacionados aos dois grandes conflitos armados que marcaram o século
XX.
Portanto, vamos dedicar uma especial atenção a este tópico de nosso curso. A região da
atual Alemanha foi conquistada pelos romanos em 53 a.C., no reinado de Júlio César. Os roma-
nos costumavam chamá-la de Germânia, referindo-se por germanos aos povos teutônicos que ali
viviam distribuídos em uma série de tribos autônomas. Quando o Império do Ocidente se esfa-
celou surgiram ali os reinos germânicos. Mais tarde, o imperador dos francos Carlos, o Magno,
unificaria esses reinos dentro do que conhecemos por Império Carolíngio, ou Sacro Império Ro-
mano – marcado pela conversão das populações, a cristianização dos germânicos. Morto Carlos
Magno, o Sacro Império Romano foi dividido entre seus herdeiros. Em 911, Konrad I torna-se
o primeiro dos reis germânicos, sendo eleito por uma junta de duques. 51 anos depois, com Oto
I, instaura-se o I Reich, surge o Sacro Império Romano- Germânico. Sacro, por causa da benção
que a Igreja o conferiu. Império mais nominalmente que de fato. Romano, na medida que man-
tinha relações com Roma, expressava e defendia os interesses desta no continente. Germânico
muito mais por ser governado por germânicos do que por sua composição étnica, que, para além
dos germânicos, incluía regiões de França e Suíça, por exemplo. Com a Guerra dos Trinta Anos
(1618-1648), um dos conflitos pós-Reforma Protestante, a Sacro Império fragmentou-se, surgin-
do reinos autônomos como o da Prússia – um dos fiéis da balança das relações entre os Estados
europeus. No período Napoleônico virou Confederação do Reno. E como vimos no bloco I, por
ocasião do Congresso de Viena, em 1815, a Áustria – visando ampliar seu poderio –, submeteu
os Estados germânicos à sua hegemonia dentro do que se chamou Confederação Germânica – na
qual se fortaleceu a Prússia, que mais tarde aglutinaria em torno de si os demais Estados.
Até 1848, desenvolveu-se uma disputa, relativamente “fria”, pela hegemonia na Confedera-
ção Germânica entre a Prússia e a Áustria, que “dividiam” o poder político com Baviera, Hanover
e Saxônia. Embora a primeira tenha conseguido confederar as regiões do Norte e do Centro em
seu proveito, a segunda continuava a levar vantagem na disputa. A revolução francesa de feve-
reiro desse ano alastrou-se chegando a Berlim, onde motins se sucederam dando aos patriotas
“alemães” a deixa para uma sublevação mais geral que pegou desprevenido o governo austríaco.
Este, atordoado e surpreendido, foi obrigado a acatar a formação de um Parlamento Nacional
Alemão, sediado em Frankfurt. A partir do Parlamento, os revolucionários nacionalistas exigiam
a imediata reunião em um Estado nacional de todos os que falassem o idioma alemão. Enfim, era
colocar acima das micro-soberanias existentes na Confederação uma soberania coletiva, unifica-
dora, nacional. Era a explicitação do velho desejo, marcado no hino nacional alemão (Lied der
Deutschen) – composto em 1841 por August Heinrich Hoffman Fallersleben –, da “Alemanha
acima de tudo” (Deutschland über alles). Mas o Parlamento, embora eleito por sufrágio universal
(masculino), não conseguiu se sustentar, revelando incapacidade em frustrar as intrigas políticas e
cedendo a coroa unitária ao rei da Prússia, Frederico Guilherme IV. Este, por sua vez, temeroso
da reação austríaca, rejeitou o cargo. Os deputados, politicamente isolados, tiveram de se refugiar
em Wurtemberg, onde foram presos e a Assembléia Nacional foi dissolvida.
No rastro das revoluções liberais surge o primeiro Parlamento Germânico e em 1862 Otto
Von Bismarck se torna chanceler da Prússia. Em seu governo se dá o fortalecimento da indús-
tria – especialmente a de armamentos – e do exército prussiano, que se tornarão os pilares do
História Comtemporânea I 41
na proporção da população para a qual se acham na União, com dedução... Haverá todos os anos,
nos primeiros dias de junho uma assembléia de plenipotenciários da união, incumbidos de deli-
berar em comum, e cada Estado poderá nela mandar um delegado com plenos poderes.
(...)
O termo deste tratado que será posto em execução a 1° de janeiro de 1837 é provisoriamen-
te fixado a 1° de janeiro de 1842. Se não for denunciado durante este espaço de tempo e, ao mais
tardar dois anos antes de sua expiração, será considerado como prolongado por uma duração de
doze anos e assim por diante, de doze em doze anos.
(O Zollverein, In CARVALHO, Delgado de. Op. cit., pp. 197-199.
Por outro lado, o desenvolvimento econômico dos Estados alemães contou com a atuação
de uma poderosa burguesia industrial, que dividia – em condição de relativa inferioridade – a cena
política e econômica com os junkers (latifundiários), símbolos do atraso socioeconômico, que
mantinham em suas propriedades trabalhadores submetidos a contratos anuais que lembravam
os moldes feudais das relações de trabalho e produção e trabalhadores assalariados – os “jornalei-
ros” (diaristas) – que se aproximavam do padrão capitalista. Tanto a adoção de formas capitalistas
pelos junkers – a despeito de seu conservadorismo econômico, que se refletia também no campo
político – quanto sua convicção de que a unificação tinha de ser feita nem que fosse “a ferro e
fogo”, beneficiavam a burguesia industrial. Primeiro, a adoção do assalariamento pelos junkers
fortalecia – à medida que generalizava – a tendência da substituição dos expedientes feudais na
relação entre patrões e empregados. Depois, o militarismo junker favorecia os produtores de
armamento e componentes bélicos. Em 1866, Otto Von Bismarck torna-se Primeiro-Ministro
de Guilherme I.
Afinado com os junkers, era antiliberal, monarquista convicto e via com maus olhos o for-
talecimento político da burguesia. Partidário da importância da causa da unificação, partilhava
do ideal junker da união “a ferro e fogo”. Para ele o principalinimigo a ser batido era a Áustria.
Por isso procedeu, durante o tempo em que foi chanceler, a uma articulação de política e ações
antiaustríacas. Para tanto, teve antes de lutar politicamente contra parte da burguesia prussiana
que se mostrou contrária a medidas como a extensão do tempo de serviço militar obrigatório.
Fezse quase absoluto e governou, utilizando o exército prussiano como arma. Em 1866, venceu
a Guerra Austro- Prussiana, provocada por uma questão territorial.
Em 1863, após a morte de Cristiano IX, rei da Dinamarca, os príncipes germânicos dos
ducados de Schleswig e Holstein – cujas populações eram predominantemente germânicas – ten-
taram se tornar independentes, aproveitando o momentâneo desnorteamento do governo dina-
marquês, seu superior até aquele momento. O Schleswig foi entregue à administração prussiana
enquanto o Holstein foi entregue à Áustria. Bismarck aproveitou-se da situação para provocar o
desejado conflito. Censurando os atos da administração austríaca disseminava pela Confederação
Germânica um clima de antipatia armada em relação à Áustria, por outro lado se prevenia no
âmbito externo garantindo o auxílio da Itália e a neutralidade da França, àquela altura governada
por Luís Bonaparte – o Napoleão III.
Em 1866, depois de advogar que a Áustria deveria ser expulsa da Confederação, Bismarck
ordena a ocupação militar do Holstein, fornecendo o motivo para que a Áustria movesse tropas
contra a Prússia. Sete semanas, foi o tempo suficiente para que o exército da Prússia derrotasse o
exército da Áustria. Esta perdeu o Holstein para a Prússia, Veneza para a Itália – também em pro-
cesso de unificação – e teve que se retirar da Confederação Germânica, que, de resto, foi dissol-
História Comtemporânea I 43
coroado primeiro kaiser (imperador) da Monarquia Federal Germânica – o II Reich – no Palácio
de Versalhes. Com a humilhação de uma das principais forças do continente – que originou o
sentimento de revanchismo que os franceses vão levar em conta na Primeira Guerra e depois dela
quando do firmamento do Tratado de Versalhes, que imporá condições igualmente humilhantes
à vencidaAlemanha -, estava completa a unificação alemã.
A UNIFICAÇÃO DA ITÁLIA
Assim como no caso da unificação alemã, esta outra unificação tardia, geralmente, não é
abordada de forma acurada no ensino médio. Os livros didáticos em geral são insuficientemente
eficazes para prover um bom entendimento ao estudante, e ancorado neles os docentes tendem a
ministrar aulas superficiais, que portanto não fornecem aos estudantes os conhecimentos neces-
sários à compreensão do assunto. Um erro generalizado, que advém do que acabamos de expor,
é falar em Itália antes do período que trataremos aqui. É preciso distinguir muito bem o que era
a península itálica antes de 1871 – a Itália antes da unificação – do que veio a ser a partir daí – o
Estado italiano. Vejamos então.
Sabemos que o Império Romano surgiu a partir da península itálica, especificamente a
partir da cidade-Estado de Roma. Sobrevindas as “invasões bárbaras”, o império desmoronou
dando lugar a uma série de reinos, dentre os quais surgiram na Península os reinos lombardos. No
último quartel do século VIII, Carlos Magno dominou a Península, mantendo entretanto o Exar-
cado de Ravena sob o controle do papado – segundo havia sido concedido por seu antecessor,
Pepino, o Breve (751-768). Os francos dominaram até o século XII, quando as partes não papais
da península passaram a ser dominadas pela casa germânica dos Hohenstauffen, que dominariam
até o século seguinte. Neste ínterim surgem – e passam a dividir a hegemonia com os Estados
papais - as importantes cidadesestados de Florença, Gênova, Milão e Pisa. No final do século XV
partes das zonas não papais da península caem sob o domínio da França. Daí em diante, em uma
série de invasões, outros invasores – espanhóis e austríacos – ocupariam outras regiões. Em 1815,
História Comtemporânea I 45
foi resolvido em 1866, com a derrota da Áustria para os prussianos, convenientemente auxiliados
pelas forças italianas. Roma perderia a proteção francesa em 1870, quando atacado – também pe-
las forças prussianas – Napoleão III teve de retirar suas tropas da sede do poder papal, que, rapi-
damente ocupada pelas forças italianas, foi alçada à
condição de capital da Itália. Restou deste episódio
um profundo mal-estar entre o papado, que passou
a se considerar prisioneiro em seus próprios domí-
nios, e oEstado italiano, que só foi resolvido em
1929 quando Benito Mussolini e o rei Vitor Ema-
nuel III firmaram com o papa Pio XI a Concordata
de São João Latrão, pela qual se determinou a cria-
ção do Estado do Vaticano (que tem cerca de 0,44
km²), além de outras compensações ao papado.
Restavam as minorias italianas localizadas
fora do novo território nacional. É a questão da
chamada Itália Irredenta, que foi resolvida com a
anexação dos territórios de Ístria, Trieste e Trenti-
no em 1919, e das Costas Dálmatas em 1924.
Entretanto, mesmo decadente, o Império Turco Otomano estava no raio de alcance dos
interesses d as grandes nações. E é em meio a esses interesses que se desenrolaram os eventos que
marcam a Questão do Oriente. À Rússia, que já lhe infligira pesados golpes, como vimos acima,
interessava a intervenção, que lhe daria o controle dos Estreitos de Bósforo e Dardanelos, dos
História Comtemporânea I 47
quais o Império Turco era “o guardião” – resolvendo uma de suas maiores deficiências: a falta
de bons portos. Alegando agir em defesa dos cristãos orientais submetidos ao governo turco, in-
tentou em diversas ocasiões levar adiante uma invasão. Foi obstada em 1822 pela Inglaterra, que
por ocasião do Congresso de Verona – sob os auspícios da Santa Aliança – se manifestou con-
trária ao que considerava uma atitude expansionista, mas interferiu consideravelmente na região.
À Inglaterra não interessava o fortalecimento econômico dos russos, que poderia acontecer a
partir da tomada dos Estreitos, nem o fortalecimento em termos geopolíticos – que uma invasão
bem sucedida ao Império Turco daria a qualquer uma das grandes nações. A França interessada
em expandir seus negócios, via no Império Turco um grande mercado no qual poderia vender
mercadorias e aplicar capitais.
A Áustria também necessitava de bons portos, tinha interesse na navegação no rio Danú-
bio – situado em zona de domínio turco - e não via com bons olhos uma possível desintegração
– sob o peso de movimentos nacionalistas – do gigantesco vizinho, dado que isso representaria
um poderoso estímulo ao recrudescimento dos movimentos de libertação nacional por meio
dos quais os diversos povos sob seu domínio desafiavam a autoridade com que governava os
destinos destes.
Assim as potências ora agiam em prol da integridade do Império Turco Otomano, ora de-
fendiam sua desintegração, concorrendo para a sua desestabilização. No fim das contas, o impé-
rio foi mantido, mas seu mapa foi redesenhado ao gosto das potências. Já em 1841, na Convenção
dos Estreitos, estas conseguiram assegurar a livre navegação de seus navios mercantis na zona de
Dardanelos, exceto em tempos de guerra. Esta decisão agradava sobretudo Inglaterra e França,
interessadas em garantir que a Rússia não se apoderasse dos Estreitos, uma vez que o tratado
colocaria todas as nações signatárias contra a Rússia no caso desta tentar assumir o controle total
da navegação na região. Entre 1853 e 1856, aconteceu a Guerra da Criméia, após a invasão pelas
tropas russas dos principados danubianos de Valáquia e Moldávia (que mais tarde se transfor-
mariam no principado da Romênia). Nessa guerra, a Rússia teve de enfrentar as forças de França,
Grã-Bretanha e Piemonte-Sardenha (interessado em ampliar construir alianças com franceses
e britânicos), além das forças do império. A participação de ingleses e franceses visava a manu-
tenção de seus interesses na região, especialmente no que concerne a impedir o avanço russo
na direção do Mar Mediterrâneo, o que estava cada vez mais próximo desde que a armada turca
foi destroçada pelos russos. A guerra terminou com a derrota militar e diplomática da Rússia,
obrigada a aceitar a neutralização no Mar Negro, anteriormente conquistado aos otomanos, bem
como a independência dos principados danubianos (que mais tarde se emancipariam também em
relação ao domínio turco). Além disso, França e Inglaterra conseguiram garantir a integridade do
Império Otomano.
Em 1829, depois de tentar por meio da ação diplomática – desde os tempos do Congresso
de Viena –, os gregos conseguiram sua independência através da luta armada, no que foram au-
xiliados pelos russos, interessados no enfraquecimento do império. Inicialmente, o Estado grego
tinha um território bem menor que o atual, compreendia apenas as regiões da Ática, do antigo Pe-
loponeso, da Eubéia e das Cíclades, ficando entre a influência dos britânicos e a dos russos. Pos-
teriormente anexaria Creta, o Épiro, a Macedônia, a Tessália e as Ilhas Jônias. Em 1878, também
contando com o auxílio das forças do império russo, foi a vez da Bulgária surgir, como mais um
Estado-Nação na área, após uma luta de libertação nacional iniciada em 1875, na qual o império
massacrou mais de 25.000 pessoas. Outras nacionalidades como as de Sérvia e Montenegro, Bós-
O SOCIALISMO
História Comtemporânea I 49
mas que levaram pensadores como Pierre-Joseph Proudhon
(1809-1865), Saint-Simon (1760-1825), Robert Owen (1771-
1858), Charles Fourier, Louis Blanc, Karl Marx (1818-1883)
e Friedrich Engels (1820- 1895) a formularem críticas à so-
ciedade tal e qual ela era.
Os dois últimos pensadores citados acima são os
expoentes do que ficou conhecido como socialismo
científico. Os demais são eminências do chamado socia-
lismo utópico ou romântico. Este se distancia daquele
na medida em que a crítica da sociedade formulada por
seus pensadores raramente indicava os métodos para a
superação desta, e quando indicava métodos não preconizava a derrubada do capitalismo. Di-
zendo em outras palavras, geralmente, os socialistas utópicos consideravam possível construir
uma sociedade justa dentro dos próprios quadros do capitalismo, confiavam na redistribuição da
riqueza sem que para tanto fosse necessário revolucionar a sociedade. Não nos alongaremos aqui
na análise do pensamento destes últimos – para isso remetemos-lhe ao material AVA. Iremos nos
concentrar no exame do socialismo científico, buscando compreender suas linhas de pensamento
e sua atuação no período que estamos estudando.
Os alemães Karl Marx e Friedrich Engels partiram do pensamento do filósofo, também
alemão, Wilhelm Friedrich Hegel, apropriando-se de sua dialética, mas subvertendo-a mediante
a submissão desta ao materialismo – contrariamente ao idealismo absoluto de Hegel. É o mate-
rialismo dialético, marca fundamental do marxismo, corrente filosófica fundadora do socialismo
científico. De acordo com ela, a história é um processo, no qual as condições materiais de exis-
tência têm papel determinante, delas depende o desenvolvimento das civilizações em todos os
seus aspectos, inclusive no que concerne às idéias. E tudo está relacionado a tudo, nada funciona
isoladamente e nada atua isoladamente, todos os fatores se inter-relacionam, se afetam e dessas
afetações mútuas surgem as condições nas quais se desenvolve o processo histórico em toda a
sua plenitude, em avanços e retrocessos. De acordo com Marx e Engels, o desenvolvimento das
sociedades é determinado pelas condições econômicas às quais as sociedades estão submetidas,
assim, a luta de classes – fato socioeconômico – seria o elemento fundamental da evolução das
formações sociais, e seria através da luta de classes, com a vitória do proletariado sobre a bur-
guesia, que as sociedades capitalistas seriam transformadas em sociedades socialistas, nas quais
as forças produtivas não estariam submetidas ao capital, isto é não haveria a divisão de classes
e, portanto, não existiriam patrões e empregados, proprietários e despossuídos. Nessas condi-
ções, os trabalhadores – através do Estado, convertido em instrumento da classe trabalhadora
– possuiriam os meios de produção, os dividendos da produção por sua vez seriam repartidos
igualmente entre os produtores. O Estado, além de controlar todos meios de produção, seria o
único responsável pelas instituições financeiras, pela educação, pelos transportes e por todos os
setores estratégicos – a exemplo de comunicações, águas, minas e energia. A partir daí, elimina-
das as classes sociais e eliminados, por conseguinte, os conflitos de classe, o Estado se tornaria
desnecessário e seria também eliminado, dando lugar a uma sociedade sem classes e sem Estado:
eis a base da sociedade comunista.
História Comtemporânea I 51
crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje. Combinação da educa-
ção com a produção material, etc.
Um avanço que os socialistas trouxeram ao movimento operário foi a sua politização, isto
não quer dizer que não houvesse nada de político no movimento operário anterior ao surgimento
do socialismo, mas agora, além de fornecer um componente ideológico à luta de operários contra
patrões, o socialismo levava o movimento a atuar no âmbito das instituições a partir da formação
de partidos e da eleição de representantes para ocupar cadeiras nas câmaras e assembléias de
Estados como o inglês e o francês. Um outro avanço que o socialismo trouxe à luta dos traba-
lhadores contra o capital foi a internacionalização do movimento operário, especialmente no que
concerne ao movimento sindical. Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, diria a
letra de uma canção popular.
Partindo do pressuposto que a submissão da classe trabalhadora era um fato universal,
os socialistas – de todas as tendências – entendiam que se tornava necessário unir os trabalha-
dores de todo o mundo – como conclamava o Manifesto - em prol da luta de classes. Crendo
que os efeitos de um movimento operário internacional seriam muito mais profundos que os
de movimentos isolados, organizou-se, em 1864, a Associação Internacional de Trabalhadores,
que ficou conhecida como Primeira Internacional. Esta congregava, entretanto, não apenas os
socialistas, mas também trade-unionistas, proudhonistas e anarquistas. Os primeiros não estavam
interessados na proposta socialista, queriam melhorar as condições da classe trabalhadora, mas
não sonhavam em subverter as sociedades. O segundo grupo não acreditava no socialismo, para
Proudhon o socialismo era ineficaz, por exemplo, as concessões arrancadas aos capitalistas por
meio de greves só concorreriam para o aumento dos preços, por isso, segundo ele “o socialismo
Atividade Complementar
História Comtemporânea I 53
4. Caracterize, especificamente, a participação do império russo na Questão Oriental, des-
tacando um evento como representativo da caracterização proposta.
5. Destaque e comente dois pontos do programa exposto por Karl Marx e Friedrich no
Manifesto Comunista (ver box nas pp. 15-16)
O IMPERIALISMO
Se, em termos políticos, as vitórias da burguesia no século XIX não são fragorosas – o
republicanismo ainda não triunfou, a monarquia ainda é a principal forma de governo na maior
parte do continente, mesmo que em alguns casos a limitação constitucional pese sobre ela; ex-
ceto no caso francês, vive-se um paradoxo: as sociedades são liberais, mas são as aristocracias, e
não as burguesias, que comandam o cenário político. Na maior parte dos casos há privilégios: a
Igreja Católica, sob o beneplácito de representar a religião oficial, paira acima de toda e qualquer
instituição religiosa e mantém viva a noção de “verdadeira religião”; as igrejas Anglicana e Lute-
rana – respectivamente na Grã- Bretanha e na Alemanha –, sustentam sua hegemonia no campo
religioso de seus países através do apoio estatal: os altares continuam unidos aos tronos. As aris-
tocracias da terra mantêm o prestígio e a atuação. A burguesia estava em desvantagem numérica
e eram menos coesas e, por isso mesmo, menos autoconfiantes que as aristocracias. Além disso,
preferiam misturar-se a estas, dado o status de seus elementos.Entretanto, e nisso o paradoxo fica
ainda mais forte, em termos econômicos os burgueses crescem em ritmo acelerado. Os empreen-
dimentos desenvolveramse a pontos sem precedentes e com eles cresceram no mesmo passo as
fortunas e a concentração destas. Na Inglaterra, paraíso dos industriais – “oficina do mundo”, o
censo da década de 1878-1888 revela um dado impressionante: 18 homens possuíam mais de 25
milhões de libras, cifra astronômica para a época.
Indo adiante...
A Bolsa de Valores tem uma longa história que remonta aos últi-
mos anos da Idade Média, tendo inclusive lugar e data de surgimento
para alguns autores, os quais apontam para a cidade de Bruges, na Bél-
gica, quando em 1487 os homens de finanças passaram a utilizar um
edifício para realizar as transações em torno de ações empresariais. Até
então a rua era o local para essa atividade. A Bolsa é um espaço público
para a negociação de ações, aí os agentes especializados no negócio
– os chamados corretores – compram e vendem ações, fundos públi-
cos, obrigações e outros títulos de crédito em nome de seus clientes,
empresários ou não, levando uma comissão pelos negócios. Procure
saber mais sobre o assunto, afinal ele é um dos mais importantes (e
menos conhecidos) nos nossos dias.
Um fato importante, relacionado à transação de capitais, é o in-
vestimento em terras estrangeiras. Com seus meios circulantes inflados
– e sabemos que isso é ruim – as potências econômicas, e, sobretudo, a
Inglaterra, adotaram uma estratégia inteligente de aplicação dos capitais
História Comtemporânea I 55
hiper-excedentes, a qual tem largas implicações para história de países como
o Brasil, por exemplo. Aqui os britânicos – maiores investidores estrangeiros
na América Latina entre a década de 20 do século XIX e os anos anteriores
à Primeira Grande Guerra – despejaram consideráveis somas de capital, para
com as quais se acercaram de todos os cuidados quanto ao devido ressar-
cimento. Os investimentos vão, desde a forma de empréstimos para obras
estruturais, até o estabelecimento de parcerias com empresas nacionais en-
volvidas – ou mesmo o estabelecimento direto – em ramos altamente lucra-
tivos como o da mineração. Se por um lado esses capitais contribuíram para
a montagem de uma infra-estrutura necessária ao desenvolvimento do país,
por outro o modo como se contraiu os empréstimos e as condições em que
se encontrava o país no momento correspondente acarretaram no um endi-
vidamento que, progressivo, tornou-se um de nossos principais problemas.
Tornamo-nos, outra vez, dependentes e essa dependência tornou-se siste-
mática, estendendo-se inclusive a outros senhores, como os Estados Unidos,
no decorrer do século XX. Podemos nos referir a esse processo como sendo
uma redistribuição concentradora, uma vez que ao aplicar capitais em outras
nações os europeus redistribuíam esses capitais, mas reconcentravam-nos na
medida em que os receberiam de volta com polpudos acréscimos, além dis-
so, tais investimentos ampliavam ainda mais a esfera de atuação econômica,
e portanto de captação de divisas, destes países.
À concentração de capitais em torno de poucos homens, juntou-se a
concentração em torno de empresas – e com isso as “sociedades por ações”.
É o monopolismo que surge como resposta ao regime de concorrência, que
os grandes “fazedores de fortuna” entendem como uma ameaça. E esse é
um dos fatores que explicam a mencionada vida breve das pequenas empre-
sas
sas. Primeiro os setores mais recentes, como a indústria petrolífera e a
indústria de componentes de telecomunicação, vão se tornando apa-
nágio de poucas empresas. Logo os setores mais tradicionais, como
a indústria dos minérios.
Empresas como a Thyssem e a Krupp vão monopolizando
uma série de setores, como o da indústria do aço, garantindo não
a
apenas o controle da produção, mas o da distribuição – com seus pró-
prios pontos de venda e estrutura de transporte.
Logo, as concentrações sistematizam-se. Surgem, assim, os kartellen
(cartéis), os trusts (trustes), os holdings e os konzern, conglomerados indus-
triais e comerciais que, através da manipulação da produção e dos preços,
exercem o controle de amplas fatias do mercado, eliminando a concorrência.
Daí o desenvolvimento do que entendemos por imperialismo, cuja melhor
definição nos é dada por John Athkinson Hobson nos seguintes termos: “a
superprodução, os excedentes de capital e o subconsumo dos países indus-
Indo adiante...
O termo cartel, quando aplicado ao comércio de produtos legalmen-
te permitidos, significa a união de empresas concorrentes em torno de um
acordo mediante o qual essas empresas passam a controlar o fluxo de mer-
cado de uma ou mais mercadorias especialmente a partir do nivelamento
dos preços. Um holding é um conglomerado de empresas – que podem
até mesmo não ser do mesmo ramo – unidas em torno do controle de
uma determinada fatia do mercado de bens, serviços ou ambos, nessa for-
ma de oligopólio uma nova empresa passa a possuir a maioria das ações
das empresas componentes de determinado grupo, administrando-o; en-
tretanto, as empresas participantes não são desprovidas de suas prerroga-
tivas jurídicas, isto é, não perdem toda a autonomia. Isso não acontece no
caso do truste; nessa forma avançada de oligopólio as empresas envolvidas
– normalmente são empresas do mesmo ramo – têm de abrir mão de sua
independência legal, subordinando-se a um conselho diretor geralmente
composto por uma instituição financeira. O truste tem em comum com o
holding e o cartel o intuito de dominar determinada oferta de bens, ser-
viços ou ambos.
Agora, é com você: faça uma pequena pesquisa sobre os cartéis, trus-
tes, holdings e konzern do século XIX. Utilize manuais, enciclopédias e a
web (e não esqueça de citar as fontes consultadas). Isso vai lhe ser bastan-
te útil em determinados momentos do desenvolvimento de sua atividade
docente.
História Comtemporânea I 57
A PARTILHA DA ÁFRICA
A história da invasão do continente africano pelas nações européias é velha, remonta a me-
ados do século XV, quando os portugueses adiantando-se aos demais povos da Europa chegam
aí, primeiro ocupando Ceuta em 1415 e depois – a partir de 1445 – marcando presença com seus
comerciantes nas localidades banhadas pelo rio Senegal e chegando ao Congo em 1484. Desde
então a influência européia no continente cresceu. Entretanto, nada se compara ao que acontece
aí a partir do século XIX. Nesse século, e especialmente em suas duas últimas décadas, a invasão
aprofunda-se em todos os sentidos. Agora os europeus se lançam à África interior, não mais se
contentando com o domínio precário de faixas litorâneas. O último dos continentes subjugados
pelos europeus foi literalmente repartido entre potências ávidas por novos mercados para seus
produtos industrializados, fornecedores de matéria-prima e mão-de-obra a baixo custo, além de
novas zonas de assentamento para suas indústrias. E essa nova dominação se deu em um ritmo
vertiginoso. Em pouco mais de duas décadas, no final do século, os territórios controlados por
europeus passaram de 11% (em 1875) para 90% (em 1902). O próprio mapa do continente foi
literalmente reconfigurado no decurso das negociações ocasionadas na Conferência de Berlim
(1884-1885), o ponto de partida - oficial - da nova “corrida colonial”. Tal reconfiguração pode
ser percebida na profusão de linhas retas que marca os contornos das nações africanas.
História Comtemporânea I 59
colonialista naquela região, ocupando as províncias de Cabo (Capetown) e Natal. Nessa mesma
região estouraria entre 1899-1902 a Guerra dos Böers, entre ingleses e colonos de origem holan-
desa. Por saldo, o império britânico obteve as ambicionadas anexações das repúblicas do Trans-
vaal, rica em ouro, e Orange, rica em diamantes. Os ingleses atuariam também no Egito, onde,
depois de algumas disputas com os franceses, instauraram em 1882 – após suprimir a revolta de
Arabi Paxá – um regime de protetorado. Dominaram quase toda a parte leste da zona intertropical
- Uganda, Quênia, Zanzibar, Somália Britânica e Sudão -, e uma boa parte da faixa oeste - Gâm-
bia, Serra Leoa, Costa do Ouro e Nigéria. No tocante à resistência nativa um fato interessante é
a ocorrência de movimentos encampados por grupos religiosos islâmicos, baseada no mahdismo
- a crença em líderes enviados diretamente por Alá, os Mahdis (que literalmente significa “guiados
por Deus no bom caminho”), equivalentes islâmicos do messias judaicocristão.
Esses movimentos foram importantes sobretudo no Sudão e no Egito. No campo das re-
lações diplomáticas, acentuam-se as diferenças com a Alemanha, especialmente a partir de 1885,
quando os alemães ocupam Tanganica – atual Tanzânia -, interpondo-se no caminho do projeto
inglês de formar uma faixa contínua de domínio na banda oriental, que seria interligada por uma
ferrovia que passaria por todo o comprimento do domínio desde o Cabo ao Cairo. Os choques
também se verificariam em relação aos franceses, com quem os ingleses disputaram o domínio
do Egito – ainda em 1898 franceses e ingleses se enfrentariam no incidente de Fashoda –, endivi-
dado com ambos, de onde derivou um mal-estar que só foi superado pela necessidade de união
preventiva contra os alemães.
Estes – que além de Tanganica dominariam Ruanda-Burundi, Camarões, Togo e Namíbia
–, na condução de sua weltpolitik, agora preocupada com a corrida colonial, alimentariam, além
da oposição aos ingleses, o revanchismo francês sobretudo na questão marroquina. O território
do Marrocos, ocupado desde 1844 pela França, será reivindicado pelos alemães sob o argumen-
to da justa divisão das terras africanas, isto é, uma redistribuição, condizente com o seu poder.
Consideravam que não haviam sido devidamente contemplados na partilha e esperavam mudar a
situação. Além do mais, sustentavam uma política de pressão que, em 1904, se vira ameaçada pela
aliança entre ingleses e franceses (a Entente Cordial), isolados e mesmo rivalizando até então. As-
sim, os alemães resolveram se apoderar do Marrocos, a mais desenvolvida das regiões ocupadas
e um excelente ponto estratégico cuja posse atenderia aos interesses de sua política internacional,
cada vez mais imperialista. Mas, e aí está o problema, tratava-se de um domínio francês anterior à
partilha. Tentando impedir o conflito as potências apelaram para o arbitramento internacional da
questão – possibilitado desde a criação da Corte Permanente de Arbitramento na primeira Con-
ferência de Haia (1898) -, reunindo-se em 1906 na Conferência de Algeciras, que confirmou o
domínio francês na região. Derrota diplomática que os alemães não aceitaram, provocando uma
segunda crise. Assim, em 1909 conseguiram que a França assinasse o Acordo de Haia, que dividia
com a Alemanha o domínio econômico do Marrocos. Mas a coexistência francogermânica, es-
pecialmente quando havia questões econômicas em jogo, não era possível. Em 1911 acontece o
Incidente de Agadir, que quase precipita as potências à guerra. Nesta ocasião, sob o argumento de
que a França estava violando os acordos e colocava os comerciantes alemães em perigo junto aos
marroquinos, o kaiser chegou mesmo a enviar uma canhoneira armada à cidade de Agadir. Mais
uma vez o arbitramento, sobretudo inglês, evitou o choque armado. Reunidas na Conferência de
Fez (1912), as potências conseguiram da Alemanha uma renúncia ao domínio do Marrocos em
troca de uma parte do Congo Francês, ao passo que os franceses ficavam com o protetorado do
Marrocos. Mais uma derrota alemã.
Os italianos conseguiram apenas a posse das terras da Tripolitânia (atual Líbia), Eritréia e
História Comtemporânea I 61
grande, uma vez que as armas portadas pelos nativos eram em muito inferiores às empunhadas
pelos europeus – e a luta era desigual mesmo quando não era de fuzis contra metralhadoras. E
nisso, um outro desnível merece registro: é o das trocas efetuadas entre os mercadores africanos
e os europeus até então, o que podia ser percebido na qualidade inferior dos produtos disponi-
bilizados pelos europeus no comércio com os africanos, daí a diferença de armamento – que era
fornecido aos africanos por mercadores europeus. Um outro fato que nos ajuda a entender a
rápida expansão colonial neste período é o avanço dos conhecimentos em Química, que aplica-
dos à medicina – na formulação de remédios – proporcionaram o avanço para o interior, antes
muito mais complicado pelo risco das doenças tropicais. Além disso, outro fator importante é o
conhecimento que acumularam, graças aos exploradores – muitos dos quais eram clandestinos
– e missionários; graças a esses homens, seus relatórios e memórias, o europeu médio sabia muito
mais a respeito do africano (e seu continente) do que este sabia daquele, o que não quer dizer
que se tratava de conhecimentos absolutos – o preconceito continuaria, ainda hoje, a informar
as visões a respeito da África.
Um outro fator é a ausência de redes de solidariedade entre os Estados africanos, envolvi-
dos, antes, em redes de rivalidades e conflitos; se a união faz a força, a desunião é sinônimo de
fragilização. Como se explica essa falta de coesão interestadual? Ora, para além das diferenças
entre os diferentes Estados africanos, um fato deve ser notado: ainda não havia se desenvolvido
o que chamamos de africanidade, o senso de pertencimento a uma unidade africana e daí a soli-
dariedade proporcionada por essa unidade. A própria idéia de África era muito mais presente para
o europeu do que para o africano médio. É só no desenvolvimento das lutas anti-colonais que se
desenvolve o que conhecemos por pan-africanismo. Mas isso é assunto para outra ocasião.
(RUSSEL, W. H.. My Indian Mutiny Diary, New York, ed. M. Edwards, 1970, pp. 29-30)
História Comtemporânea I 63
Contudo, se foi relativamente generalizada, a revolta não foi organizada, bem planejada.
Trata-se de um conjunto não coordenado de manifestações de muitos e dispares grupos que por
diversas razões, dentre as citadas acima, se chocaram com o poder britânico. Esses grupos con-
seguiram algumas vitórias no início da luta, mas terminaram derrotados. O episódio e o subse-
qüente restabelecimento do poder britânico foram marcados por cenas de violência sem qualquer
paralelo na história do domínio britânico sobre a Índia. E a situação desse domínio mudou con-
sideravelmente. Primeiro, a Coroa assumiu o completo controle da administração, suprimindo a
Companhia ainda em 1858 e transformando, três anos mais tarde, o governador-geral em vice-
rei, subordinando-o a um secretário de Estado encarregado dos assuntos indianos, que tem o
poder de nomear independentemente do Parlamento os governadores de Bombaim e Madrasta.
Os principais postos da estrutura administrativa passam definitivamente para o controle inglês,
restando aos indianos os postos subalternos e a possibilidade de ocupar os cargos de direção no
Civil Service, o que só era possível mediante aprovação em exames realizados na Grã-Bretanha.
De onde se infere um aumento do fosso cultural entre as elites administrativas indianas – educa-
das nas universidades – e o campesinato, predominantemente iletrado – e não somente quanto
ao inglês. E é sobre este setor que recai o peso do fisco colonial, que serve, dentre outras coisas,
para pagar a educação daquele outro setor. Reduz-se o número de nativos no exército indiano
– embora continuem a perfazer a maioria dos contingentes. Mantêm-se os príncipes nativos – os
rajás – sob obediência, que se fosse violada daria lugar ao direito de intervenção da Coroa britâ-
nica, queimpõe ao conjunto as diretrizes que informam a política e regulamentam a sociedade,
como as tenancy acts, pelas quais se tentou impedir a voracidade com que os grandes e médios
proprietários avançavam sobre as terras dos pequenos.
Mas os privilégios conferidos aos rajás, bem como a inoperância de certas imposições bri-
tânicas – como o consent act (1890) que impedia o casamento antes dos 12 anos - faz com que
pelo menos eles não se interessem pelo caminho dos desviantes, preferem a obediência à Rainha
Vitória e à Grã-Bretanha. A mão armada da autoridade colonial bem como alguma popularidade
que esta angariou com medidas com a introdução de algumas melhorias – como a criação de can-
tinas públicas e hospitais – cuidariam do resto.
Algum tempo mais se passaria até que tudo
mudasse, mas esse já é um daqueles assuntos
que ficarão para uma outra ocasião.
A China do início do século XIX é go-
vernada pela dinastia manchu, instalada no
poder desde a queda dos mongóis, no século
anterior. O Ta Tsing Chuo (“Grande e Puro
Império”), Tchung Cuo (“Terra do Meio”), é
o maior de todos os Estados asiáticos, englo-
bando, além da China em si, as terras da Mon-
gólia, do Sin-Kiang e do Tibet. O imperador
– o Huang Ti (“Aquele que conhece o Bem”) – é o portador e controlador das prescrições,
algumas das quais são milenares, é o maior dos guardiões da tradição; mora na Cidade Proibida,
recanto hermeticamente fechado5 de Pequim, relativamente protegido e convenientemente vi-
giado pelas Bandeiras, guarnições militares que respondem pela ordem provincial e, conseqüen-
temente, imperial, ocupando e dominando o território de alto a baixo de modo a se constituir
no maior dos poderes – oficiais – dentro do Império Celeste. Mas não estão sozinhas em termos
História Comtemporânea I 65
dos ocidentais, tornara-se evidente que o poderio dos soberanos manchus já não era tão grande.
Não só os ingleses impuseram aos chineses as receitas da política imperialista, como também os
franceses, através do Tratado de Wampoa, e os Estados Unidos, com o Tratado de Wanghia, am-
bos impostos aos chineses em 1844. Entretanto tal evidência – no plano da política internacional
– da fraqueza manchu contrastava com a continuada opressão exercida sobre o povo chinês. Tal
opressão passaria agora a ser enxergada não apenas nos termos habituais mas também em ter-
mos de opressão européia, uma vez que a manutenção da ordem agora não era simplesmente a
manutenção de uma ordem manchu, e sim, a de uma ordem manchu e inglesa, marcada pela con-
cessão de privilégios - desonrosos - a estes últimos. Daí a ocorrência de movimentos
como o Taiping, que durou de 1850 a 1864 e a Revolta dos
Boxers, entre 1900 e 1901 (ver material AVA). A Guerra
do Ópio está intimamente ligada ao processo de subor-
dinação do comércio e da política chinesa à órbita dos
interesses ingleses. Tudo começou quando o imperador
chinês Daoguang mandou Lin Zexu, um de seus comissários
imperiais, à cidade de Cantão com o intuito de reprimir o
tráfico de ópio, feito pelos ingleses a despeito da proibição
imperial (3 de 9 milhões delibras esterlinas arrecadadas pelo
comércio inglês no ExtremoOriente, incluindo o comércio
com a Índia, provinham do tráfico de ópio para a China).
Em Cantão, Lin Zexu ordenou a apreensão e queima de
mais de 20 mil caixotes da droga, o que equivale a mais
de um milhão de quilos. A isso o governo britânico,
alegando o direito à “justa compensação” pelas atroci-
dades e perdas, respondeu com a declaração de guerra
e o envio em 1839 de uma força expedicionária contra a China. A guerra terminou
em 1842 com a vitória britânica da qual derivam os tratados desiguais, que além de abrirem o
comércio chinês aos britânicos – e depois a outras nações– colocaram a China no raio de influ-
ência política inglesa, daí deriva, por exemplo, a questão de Hong Kong, que permaneceu sob a
jurisdição do governo britânico até o dia 1° de julho de 1997, quandovoltou, em termos relativos,
ao âmbito do controle da China.
Unificado em 1603 por Ieyasu, primeiro imperador e fundador da dinastia (e da Era) Toku-
gawa, o Japão era, até sua abertura forçada, um outro canto do continente asiático bem pouco
suscetível ao contato com o Ocidente. No alto da estrutura política, o imperador exercia o mika-
do, expressão máxima do poder político no arquipélago. Abaixo se situavam os nobres (daimiôs),
proprietários de grandes extensões de terras cultiváveis, que não podiam, entretanto, ser vendi-
das. Estes, por vezes, ancoravam sua atuação na força dos samurais (bushis); esses guerreiros,
que tanto fascinam os estudantes, sobretudo os maisjovens, eram temidos pela perícia no uso das
armas de metal, especialmente os dois sabres recurvos, cujo uso era privilégio exclusivo. E no
meio, mas em termosde poder acima tanto do mikado quanto dos daimiôs, estava o xogum ou
bakufu. A ele competiam poderes suficientes à manutenção de uma severa regulamentação social,
que se garantia a coesão impedia o desenvolvimento. Garantia a coesão na medida que manti-
nha o camponeses e os daimiôs, com seus bushis, sob controle; aqueles pela garantia do direito
à subsistência – concretizada na manutenção de celeiros públicos responsáveis pela distribuição
de arroz aos mais necessitados, por exemplo – e os últimos pelas restrições ao uso da terra e a
restrição da mobilidade dos samurais, que eram obrigados a permanecer na cidade de Iedo (atual
História Comtemporânea I 67
nacional é incentivado, especialmente através do ensino elementar, que agora visa, antes de tudo,
formar japoneses. A partir de 1889 o mikado promulga uma carta constitucional (que sucede a
Carta das Cinco Artigos de 1868) que sustenta o parlamentarismo, sem deixar de submetê-lo
ao mikado, ainda sagrado e inviolável, reconhece as liberdades individuais e institui o direito de
voto a 500 mil eleitores – um número ainda muito tímido (e composto de um seleto grupo de
contribuintes).
História Comtemporânea I 69
Em 1893, os russos, afastados dos alemães e dos austríacos, se aproximam dos franceses,
acertando uma aliança até então impensável, dada a completa falta de afinidade política entre
ambas as nações. Na França os liberais tinham a mais alta voz, ao passo que o império russo
mantinha-se aristocrático à moda do Antigo Regime. E isso o afastava não só dos franceses, mas
também dos ingleses.
Esses, por sua vez, inimigos históricos dos franceses (lembrem-se, por exemplo, da Guer-
ra dos Cem Anos), sentindo a necessidade que os novos tempos impunham –leia-se, diante da
ascensão alemã –, deixaram de lado a velha rivalidade e uniram-se àqueles em 1904 na aliança
conhecida como Entente Cordial. Essa aliança retira de vez a França do isolamento e representa
uma ameaça à qual os alemães vão responder com uma demonstração de força no âmbito das
disputas coloniais, com ações que acirrarão a Questão Marroquina. Em 1907, contando com o
intermédio francês dá-se a aproximação, antes improvável, de ingleses e russos, concretizada no
Tratado da Tríplice Entente, que origina o núcleo de um dos dois blocos que se baterão na Pri-
meira Grande Guerra.
Um episódio ocorrido em 1911 quase levou as nações à luta coletiva. Trata-se do incidente
de Agadir, evento que representa o ponto culminante da Questão Marroquina, que há algum
tempo opunha franceses a alemães em torno da ocupação do Marrocos, que estes queriam no
mínimo compartilhar com aqueles.
No referido episódio, os alemães, alegando reagir a danos impingidos pelos franceses, che-
garam a enviar um navio armado ao porto de Agadir. Foi preciso o recurso ao arbitramento in-
ternacional da questão, possibilitado desde 1899, quando as potências, entendendo que para além
das alianças o arbitramento deveria ser também uma preocupação, criaram a Corte Permanente
de Arbitramento, que retomava e sistematizava uma velha e positiva prática política, uma vez que
o arbitramento de questões internacionais já era feito há muito tempo na Europa. Funcionava da
seguinte maneira: uma nação neutra ou o papa era convidado a julgar uma questão entre duas,
ou mais, nações e essas acatavam o que fosse decidido (lembremos que a formação territorial
do Brasil, por exemplo, contou com alguns arbitramentos). Vale mencionar que desde 1889 se
fortalece a preocupação em tornar o arbitramento o primeiro recurso. Nesse ano são criadas, na
Exposição Universal – evento em que as nações apresentavam suas realizações culturais e técni-
cas –, dois secretariados para fomentar a difusão da idéia. A intenção era tornar o recurso à guerra
a última das opções. Assim, crescem os apelos pela limitação de um outro fato que marca esse
período: a corrida armamentista.
Desde a unificação alemã, um dado passou a fazer parte do senso comum: qualquer nação
que tivesse aspirações mais ou menos ligadas ao panorama internacional, mesmo que fosse a sim-
ples aspiração de conduzir sua caminhada em direção ao futuro em estado de paz teria que “se
armar até os dentes”. Iniciouse então um movimento coletivo no qual as nações, em simultâneo,
protagonizaram o que ficou conhecido como a Paz Armada. Se todo período histórico pudesse
ser descrito em um lema, o dessa seria “descanse em armas”, como disse, com ironia refinada,
o jornalista Wickham Steed interpretando com precisão a situação que caracterizava o sistema
internacional no fim do século.
Mas se houvesse um espírito a animar aqueles tempos seria um espírito de enorme resis-
tência à paz. O kaiser alemão argumentava que a limitação da política armamentista colocaria a
Atividade Complementar
1. Explique em que consiste o imperialismo, ressaltando uma das características do contex-
to histórico em que esse fenômeno surgiu e se desenvolveu.
História Comtemporânea I 71
2. A partilha da África é um dos eventos mais impressionantes e marcantes da história con-
temporânea. Justifique essa afirmativa discutindo brevemente dois fatos relacionados ao evento
em questão.
3. Faça uma pequena pesquisa sobre a questão de Hong Kong, procurando compreender,
especialmente, qual o seu atual status. Exponha seus achados de forma sucinta.
4. O que você sabe sobre Macau? Faça uma pesquisa sobre essa região administrativa da
China e resuma seus achados no espaço abaixo.
5. Faça uma pesquisa sobre a “Mão Negra” e exponha abaixo, de forma resumida, os re-
sultados de sua pesquisa.
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