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E
SEBASTIÃO ROCHA
(Organizadores)
SÃO LUÍS
2002
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Capa: Batista Freire
Editoração e Impressão: Unigraf
Revisão: Veraluce Lima dos Santos
CDD 614
CDU 614 (812.1)
3
Este livro é dedicado a Roseana
Sarney, ex-governadora do Estado
do Maranhão, que acreditou e
viabilizou o Programa Viva a Vida.
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SUMÁRIO CONTINUAÇÃO
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FAZENDO HISTÓRIA
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seu grande mundo baiano. Passados mais dois anos, voltei a estar
com ele. Sua casa estava mais vazia de coisas, mas não de cheiros
e músicas baianas. Comecei a procurar pelas garrafinhas de água
do mar. Não havia mais nenhuma. E ele me disse: “um dia eu estava
sentado no sofá e resolvi colocar todas as garrafas na janela para
olhar e matar a saudade. Percebi que todas elas e as águas eram
iguais e que eu havia engarrafado água do mar e não o azul das
ondas”.
Essa pequena história serviu de mote e desafio para o nosso
trabalho. Escrever um livro e realizar um seminário que contivesse
água do mar engarrafada, mas, principalmente, que trouxesse o
azul das ondas.
Registramos também o resultado de 140 horas de discussões,
sob forma de curso e sob a Coordenação do Programa Viva a Vida
1
, desenvolvido e ministrado pelo Centro Popular de Cultura e
Desenvolvimento - CPCD 2 .
Com uma quantidade finita em quarenta vagas para compor
o Curso, devemos ter cometido muitas faltas e algumas omissões
injustas nesta seleção, mas elas tentam uma justificação parcial nos
limites do tempo de que dispúnhamos para iniciar, do orçamento
disponível para auxiliar esta participação e, sobretudo, por uma
grande vontade de acertar.
Temos como balizamento de nossas ações o objetivo
central do Programa Viva a Vida que é promover inclusão social e
pensamos que fazer isso é ousar mudar mentalidades, é mexer com
o imaginário coletivo, é trabalhar com aquilo que o assim chamado
conhecimento científico não alcança: as regras, as interdições
maiúsculas e autorizações minúsculas que organizam nosso agir no
cotidiano, nosso estar-no-mundo como indivíduos, mas também
como cidadãos de coletivos maiores.
O ponto de ancoragem foi o Programa de Saúde da Família
– PSF, cuja missão, além de atender às demandas de cuidado em
saúde encontradas, deve também melhorar a capacidade de a
comunidade cuidar da sua saúde e fortalecer a integração entre
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ela e os serviços locais de saúde.
A sofisticação maior na formação das equipes do PSF
consiste em reunir profissionais capazes de escutar, ler e traduzir,
para as autoridades públicas, as reais necessidades da população,
encontradas em cada comunidade, em cada residência, em cada
família, em cada pessoa.
Esta atitude de solidariedade e cooperação constitui o trilho
da educação e da ação comunitária, entendidas aqui como prática
política e prática solidarizante.
A maior parte das autoras e autores deste livro trabalha
no Programa de Saúde da Família do Estado do Maranhão e
faz do seu trabalho diário uma obra de arte. Arte como um
processo privilegiado, porque se trata aqui de sensibilidade, afeto,
intensidade.
Partindo de um método de trabalho criativo e original
proposto e desenvolvido pelo CPCD, desenvolvemos oito Planos de
Trabalho e Avaliação – PTAs. Esses PTAs sintetizam um objetivo de
trabalho transformado em objeto de ação e dissecam as dimensões
deste objeto em exigências explícitas para o seu acontecimento.
A partir de uma série de perguntas importantes, determinam as
atividades para cada dimensão a ser alcançada e estabelecem
indicadores claros e reais que possibilitam o sucesso da atividade.
A riqueza e a originalidade do método residem na sua
simplicidade: lido da esquerda para a direita (objeto-dimensão-
pergunta-atividade-indicadores), o PTA é um Plano de Trabalho.
Lido da direita para a esquerda (indicadores-atividade-pergunta-
dimensão-objeto), é um lúcido e ágil Plano de Avaliação.
É uma metodologia rigorosamente simples e ousadamente
sofisticada, capaz de produzir o caminho ao caminhar, mas
mantendo a oportunidade permanente de corrigir o percurso a
cada passo.
Este é, portanto, um livro que não faz semblante de fazer.
Ele desenvolve para trás, isto é, faz aproximar da primeira linha de
progresso as cada vez maiores massas da população deixadas na
retaguarda pelos modelos de desenvolvimento atualmente em
uso.
Os temas selecionados para os PTAs são frutos de indagações
cotidianas sobre o trabalho e, por isso mesmo, magistrais.
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Construímos o mundo, a partir de laços afetivos e são estes
laços que tornam as pessoas e as situações preciosas, portadoras
de valor.
As autoras e autores dão centralidade ao cuidado das pessoas
e, ao fazerem isso, estão renunciando a vontade de poder, que reduz
tudo a objetos desconectados de subjetividade humana.
Há um claro limite à obsessão pela eficácia a qualquer custo.
São trabalhos de mestres, porque convocam cada um para o
que ele tem de incomparável; que não cede em seu desejo e que
desse modo é, sozinho, uma caravana que passa.
No conjunto, podemos dividir os PTAs em quatro blocos
temáticos.
O primeiro bloco compõe-se de apenas um trabalho que
discute, no limite, como se pode formar um profissional com perfil
adequado para trabalhar nas equipes de PSF. Dito de outra forma,
verifica-se o desafio que espreita todo educador: como formar
gente-que-se-importa? O grupo registra-se como de mulheres
trabalhadoras, que se identificam com a saúde e que se interessam
por gente. Imprimem no trabalho a marca da sua fé em tornar
pessoas mais felizes, em sentir prazer no desenvolvimento deste
trabalho e em propagar que dias melhores já são.
A clientela é formada por profissionais do PSF, a realizar o
cuidar em saúde, que ocupa a extensão entre a dimensão ampliada
da comunidade e o espaço intimista do domicílio.
Esta ação requintada tem que superar e integrar as dualidades
tradicionais da casa como espaço do doméstico-privado-individual-
sagrado-seguro em contraposição à rua como espaço público-
coletivo-profano-perigo.
O objetivo é sensibilizar profissionais de saúde para a educação
popular em saúde durante a realização do Curso Introdutório ao
PSF e exige três dimensões rigorosas: 1) conhecer os princípios e
diretrizes da estratégia do PSF; 2) conhecer as técnicas didático-
pedagógicas e comunicacionais; 3) conhecer o perfil profissional
idealizado para o PSF.
A partir de boa comunicação, alguma sedução por uma causa
e muito trabalho, pode-se formar um Educador em Saúde.
Há o entendimento de que a melhor linguagem é aquela que
é melhor compreendida. E ela é melhor compreendida quando é
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significativa, o que acontece quando ela é parte da realidade do
receptor.
O grupo criou algumas tecnologias de ensino, para despertar
afetividade e a cordialidade (Bom dia Sol!), avaliar a atenção, fixar
conteúdos e integrar pessoas (Dinâmica da Complementaridade),
oportunizar feedback (Bomba), e o trabalho em equipe (A Obra),
integrar os cursistas (Crachá Temático), exercitar técnicas de
comunicação (Faça o seu Comercial) e para fixar conteúdos ao final
do Introdutório (Show do Tião). Criou o texto “O outro sonho de
Catirina”, uma peça que nos leva a refletir de forma doce e aguda
sobre as condições da vida e a dignidade na morte; sobre qual
dominó errado é este que vestimos em vida, que não faz jogo, ímpar,
onde poucos nos conhecem e muitos não nos reconhecem.
O segundo bloco apresenta dois PTAs sobre busca ativa e
acompanhamento de hipertensos.
Em torno de 50% da população com 40 anos ou mais
apresentam graus variados de hipertensão e esta situação vem
funcionando como uma bomba-relógio armada e à espera de
explodir.
Um dos PTAs criados determina que detectar casos
novos e acompanhar hipertensos de 40 anos ou mais é realizar
quatro objetivos: 1) sensibilizar a equipe de PSF sobre o tema; 2)
buscar ativamente os casos novos e os faltosos; 3) acompanhar o
tratamento, atentando para a adesão e continuidade; 4) encaminhar
os casos graves para o hospital de referência. É simples assim, e
também razoavelmente sofisticado, se pensarmos na sintonia
fina necessária e desejada para os profissionais que realizam este
trabalho na comunidade. E o grupo criou uma tecnologia especial,
o Semáforo da Vida, que é capaz de detectar os casos novos de
hipertensão e diabetes, encaminhando-os simultaneamente para
a consulta médica e, sobretudo, envolvendo toda a equipe no
cuidado com a alimentação e a atividade física. É uma tecnologia
que produz demanda de cuidado, porque oferece acolhimento de
imediato.
Outro trabalho deste bloco desenvolve o objetivo de
sensibilizar o grupo de hipertensos da área de PSF para melhoria
da qualidade de vida.
Uma proposta simples e corajosa de profissionais que decidem
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discutir o desafio que é aproximar-se de temas como qualidade de
vida e mudança de hábitos alimentares, tendo isso assente em uma
doença de evolução crônica. As grandes dificuldades em manejar
os casos de hipertensão arterial não são, majoritariamente, dúvidas
sobre a etiopatologia da doença e nem o amplo, e cada vez mais
específico, leque de possibilidades de intervenção medicamentosa.
A hipertensão é uma das doenças que carregam consigo a densa
imprecação do “nunca-mais” ou do “para-sempre”, instigantes
de uma forte sensação de impotência nas pessoas e também de
muita luta contra essa impotência. Essa luta contra a sensação
de impotência pode externar-se como resistência às mudanças
de hábitos alimentares e a dietas e, portanto, comprometer o
tratamento.
Uma das tecnologias inventadas pelo grupo merece
destaque: a peça “Juvenal Pluft”, história interativa cujo final pode
ser decidido pela clientela que assiste a ela. Na verdade, os hábitos
alimentares e a qualidade de vida serão os qualificativos da vida
ou os determinantes da morte de Juvenal.
No terceiro bloco, o recorte é por clientela e ciclo, no caso,
mulheres em ciclos de gravidez e aleitamento. A questão aberta é
uma tomada de posição inarredável contra a mortalidade infantil
que no Norte do Brasil atinge a cifra impressionante de 60,4 por mil
nascidos vivos. Alguns fatores influenciam este drama cotidiano
como: as condições de vida e de saúde, o nível de escolaridade da
família, o atendimento pré-natal, número de gestações, início do
pré-natal e o aleitamento materno exclusivo, este último como fator
claro de redução da morbi-mortalidade infantil.
O Flor de Mãe é um PTA elaborado há quase dois anos e
já é projeto implantado com sucesso em alguns municípios do
Maranhão. Toma conta do aleitamento materno exclusivo, com a
leveza, a graça e a objetividade de quem sabe o que faz.
Estabelece quatro dimensões que garantem a atividade: tem
que haver boa pega, ausência de alimentação artificial, um mínimo
diário de oito mamadas e ganho de peso.
O grupo criou uma tecnologia que poderíamos dizer que
é também um sociograma do aleitamento materno. É uma flor
impressa, com sete pétalas e um caule com duas folhas. No centro
da flor, o nome da criança; em uma folha do caule, o nome da mãe e
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na outra, a data de nascimento da criança. Em cada pétala o número
diário de mamadas.
Assim preenchido permite visualizar, mais do que o
quantitativo das mamadas, a qualidade, o zelo e cuidado
investidos neste ato. Faz abandonar uma abordagem antiga de
responsabilidade solitária da mãe para um acolhimento solidário.
É, em si, uma atitude de cuidado.
Ainda neste bloco, outro PTA cuida de garantir a cobertura
da assistência no ciclo gravídico-puerperal e apresenta cinco
dimensões bem definidas: profissionais capacitados, consulta
mensal pré-natal, sensibilização das gestantes- puérperas e famílias,
estrutura física adequada, recursos materiais e duas consultas no
puerpério.
Registram a utilização de seis tecnologias criadas para
trocar informações e fixar conhecimentos: a peça “Mamãe, eu
estou grávida”, álbum seriado sobre assistência pré-natal, Bingo
das Doênças Sexualmente Transmissíveis - DST, Tapete Mágico
(prevenção das DST), Dominó da Boa Saúde e o Jogo dos Pares
(fixação de aprendizado).
São ações de com-paixão, antídoto ao sentimento de
abandono que pobres e ricos podem sentir e significam colocar-se
junto e ao pé de cada coisa que queremos transformar, para que
elas não sofram.
O último bloco discute novos dispositivos assistenciais para
doentes mentais e compõe-se de quatro PTAs. São documentos
fundamentais para auxiliar todos os que querem ajudar este país a
trocar descuido em saúde mental por cuidado com acolhimento
e inclusão social.
Um PTA trata de implantar Centros de Atenção Psicossocial-
CAPS, no Estado do Maranhão.
A equipe se registra como um grupo de mulheres que
aprenderam a viver na margem do rio, mesmo que rios distantes
entre si como o são o Tocantins (município de Imperatriz), o Parnaíba
(município de Timon) e o Mearim (município de Poção de Pedras).
Estas mulheres vêem de lá, desta força com que correm os rios, que
elas pretendem mudar os cursos, os destinos, que não conduzam
mais nossos pacientes para os manicômios de Teresina ou de São
Luís. Mudar o curso, romper com os antigos caminhos, deter esta
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Nau dos Insensatos imaginária para construir uma prática ética
onde haja, de sofrimento, um mínimo e, de liberdade, toda que
for possível.
O segundo grupo mental discute como implantar projeto
terapêutico em leitos psiquiátricos no Hospital Geral. Baseados
em exitosa experiência de quase 6 meses, são simples em afirmar
a necessidade categórica de que projeto terapêutico em psiquiatria
só existe se coexistirem três dimensões: acolhimento, cuidado
e inclusão. Essas dimensões são interdependentes, porque a
qualificação de uma só é possível com a existência da outra.
E não se furtaram em discutir dois “caroços” do cuidado: a
internação involuntária e a contenção física. Afinal, é cuidado ou
é descuido?
Criaram algumas tecnologias de cuidado, mas ressalto duas:
o Cardápio do Acolhimento e o folder Conte Conosco.
Ao criar, é a si mesmo que se cria. O que está em jogo na
criação não é nunca a obra acabada, mas o processo mesmo de sua
fabricação. E aqui o que se produziu foi humanidade, que é algo
que tem que começar com a razão e com o sentimento, com uma
relação humana mais estreita, mais honesta, mais limpa, e com mais
espaço para o outro.
Os dois últimos PTAs são sobre Residência terapêutica. Seis
meses de experiência de uma residência implantada e as dimensões
do objeto são claras: poder decisório, autonomia, trocas sociais,
auto-estima, cidadania, atividade produtiva, tudo que o manicômio
destruiu no seu furor científico-institucional. Discutir a casa, como
novo destino, é tecer a teia que pode repor, com delicadeza e
encantamento, estas perdas.
Podemos sustentar que a produção de valor, qualquer valor,
coloca o autor num movimento que o afasta da direção da doença.
Neste processo, é possível encontrar novas singularidades, uma
nova presença no mundo. E não falamos em cura, mas sim em estilo.
Na verdade, o estilo é o homem.
Sabemos que somos dotados de uma linguagem verbal,
sexual e corporal. Podemos silenciar a voz, mas o corpo pulsa;
podemos impedir a circulação, mas a sexualidade pulsa. Pulsão
erótica, pulsão de vida, nos termos de Freud, é o que nos move em
direção ao Objeto, que possibilita a ligação com o Outro.
Estamos condenados ao mal-estar na cultura, sofremos de um
desamparo trágico, pois o movimento de ligação não se dá, a não
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EM BUSCA DO AZUL DAS ONDAS
INTRODUÇÃO
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nome que bem nos identificasse e o escolhido foi ZEN.
Durante os sete meses que duraram os encontros, a equipe
sofreu várias alterações, tendo se configurado em sua forma final
no 4º encontro com: Assunção, Carleana, Cristiane, Janete e Maria
do Socorro, Ione e Gonzanilma, uma pedagoga, e funcionária da
Secretaria Municipal de Saúde de São Luís.
Recebemos uma missão: elaborar um Plano de Trabalho e
Avaliação – PTA. Precisávamos escolher um tema e o primeiro que
propusemos foi: “A capacitação dos profissionais das equipes de
Saúde da Família”. A cada novo encontro ou reflexão do grupo,
o tema foi sofrendo alteração. Ao analisarmos o objetivo do
desenvolvimento do tema, escrever um capítulo de um livro,
repensamos o que de nossa prática valeria a pena ser contado que
pudesse enriquecer a experiência de vida de outros profissionais.
Elegemos o Curso Introdutório ao PSF com o qual todas
estávamos envolvidas. Perguntamo-nos então: o que trabalhar do
Curso Introdutório?
Discutimos amplamente essa escolha e concordamos em que
as ações de promoção da saúde constituem uma porção vital de
nossas atividades enquanto trabalhadoras dessa estratégia. Para
melhor atender nossa clientela, era necessário desenvolvermos
ações voltadas para a capacitação dos profissionais que atuavam
nessa área. Decidimos, então, trabalhar o perfil de educador popular
do profissional das ESF.
REAPRENDENDO A CUIDAR
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reconhecidos e solicitados, em qualquer ambiente da comunidade
onde está inserida nossa ESF.
Também as atividades sofrem uma alteração. A paisagem
vista da janela dos consultórios possibilita uma contemplação
que, a distância, nos dá somente a vaga idéia da vista limitada que
podemos ter, quando e se abrirmos a janela. As visitas domiciliares e
os trabalhos desenvolvidos na comunidade nos permitem integrar a
paisagem. Assim, podemos perceber e sentir todas as suas nuances
e sutilezas, pois só nos tornamos parte dela, quando atuamos e
interferimos nela.
A percepção desses detalhes, quando nos aproximamos
de uma comunidade, apura nosso conhecimento. Descobrimos,
então, que a soma dos “pequenos nada” nos dá uma profundidade
e propriedade de conhecer essa comunidade. É o detalhe que
imprime a diferença; ele nos permite diagnosticar melhor a realidade
e propor soluções mais eficientes, uma vez que deixamos de ser
meros expectadores e passamos a estabelecer trocas, tornando-nos
co-autores da vida dessa comunidade.
Cuidar em PSF significa mergulhar nesse universo e misturar-
se a ele, percebendo junto com ele o que lhe é problemático, para
poder auxiliá-lo na busca da promoção da sua saúde.
Nesse sentido, promover a saúde passa a ser nossa atividade
prioritária. A capacidade do membro da ESF de ter idéias, ser
criativo, ser versátil, ser comunicativo é condição tão imprescindível
quanto o seu saber e habilidade técnico-científicos. Para que esse
profissional desenvolva suas habilidades com competência, é
preciso que ele seja um bom comunicador, que sua clientela seja
seduzida, que ele realmente consiga se fazer entender; é preciso
que ele seja um Educador.
Como sua clientela é popular e bastante diversificada, requer
dele a diversificação, a criatividade e o conhecimento da cultura
popular regional, para que possa atuar, com competência, na vida
dos clientes. É dessa forma que a equipe “ZEN” se propõe a promover
a saúde no Estado do Maranhão.
Nosso Plano de vôo está sendo o Plano de Trabalho e
Avaliação – PTA, o qual não se concretizou no primeiro encontro.
A equipe que se juntou por afinidade de funções, em um primeiro
momento (agruparam-se todos os que trabalhavam com o Pólo ou
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com o PSF), precisava ainda decidir o que tinha em comum para
compartilhar com outras pessoas. Depois de várias alterações na
PTA n° 1:
1 - Capacitação de 100% das ESF.
2 - Supervisionar os 49 municípios do Plano de
Intensificação de Ações de Controle da Malária
– PIACM.
3 - Implantar as ESF em 100% dos municípios
maranhenses.
4 - Implementar o PACS em 10 municípios da regional
de Zé Doca.
5 - Criar um Instituto de Saúde Coletiva.
PTA n° 2:
1 - Planejar atividades educativas para grupos da
comunidade.
2 - Criar grupos específicos para receberem as ações
educativas.
3 - Implantar os programas de atenção básica nas US.
4 - Capacitar 100% dos profissionais das ESF.
5 - Avaliar o desempenho dos profissionais e
aceitação da comunidade.
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Concluída essa etapa do trabalho, novas reflexões passaram
a povoar nossos pensamentos:
?Nossa clientela não está bem definida. Os
profissionais são das ESF, conforme indicamos?
?Os grupos são específicos?
?Podemos executar todos os passos em uma única
atividade?
Precisamos redimensionar nosso PTA.
Precisamos de ajuda!
PTA n° 3:
1 Criar um projeto para capacitar as ESF em
Educação Popular em Saúde.
Os questionamentos mais importantes nesse PTA
foram:
?O que é preciso para ser Educador Popular?
?Como fazer de um profissional de saúde Educador
Popular?
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Abrimos aqui um parêntese para ressaltar a contribuição da
pedagoga Dourivan Câmara que nos assessorou na resposta às
questões de nosso PTA:
“Para ser bom educador, é preciso que o profissional
saiba comunicar-se, incentivar pessoas, valorizar
as especificidades e respeitar as individualidades.
Deve ter capacidade de relacionar a teoria à
prática, ter técnica didática, domínio de conteúdo,
autonomia e capacidade de resolver problemas.
Deve, também, saber trabalhar em equipe e ser
criativo.
Podemos contribuir na qualificação do
profissional de saúde em Educação Popular,
dando-lhe instrumentos e oportunidades para
desenvolver seu potencial.”
21
PALANO DE TRABALHO E AVALIAÇÃO - PTA nº 04
22
(adaptação da toada Boi de Lágrima” –
feita por Janete Nakatani) PTA “SABIÁ”
(lê rê rê rê rê rê rê...)
Assim iremos fazer,
Com ousadia e satisfação
Estimulando a participação
Formando equipes com reflexão.
(lê rê...)
Assim iremos fazer,
Avaliando a satisfação,
O desempenho dos nossos atores
No exercício da Educação.
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Assistindo à apresentação dos PTAs dos colegas e refletindo
sobre o nosso, começamos a pensar na metodologia proposta
para o Introdutório e percebemos como agimos paradoxalmente
ao nosso discurso, quando, ao nos apresentarmos falando de coisas
que são nossa paixão, assumimos a postura formal contra a qual
temos tanto debatido e transformamos “nosso azul das ondas” em
“água do mar engarrafada”. Assim decidimos apresentar nosso
PTA da forma que acreditávamos ele seria melhor compreendido:
caracterizamo-nos de brincantes de Bumba-boi, distribuímos cópias
de nosso PTA SABIÁ e convidamos todos a nos acompanharem
cantando, enquanto cantávamos e dançávamos. Interagimos com
a platéia, respeitando nosso discurso de sensibilizar pessoas para
uma nova forma de promover educação em saúde.
Ao final da apresentação, evidenciamos a satisfação de todos
por ter participado da atividade, reforçando em nós o sentimento
de que este era o caminho.
Como um brilhante que, partindo-se transformava-se em
vários pontos de luz, assim sensibilizamos todas as equipes,
despertando-as a, também, compartilharem suas experiências para
que, como pontos de luz, todos pudéssemos brilhar.
Outras luzes se revelaram e desencadearam reflexões sobre os
PTAs apresentados. Surgiram, assim, algumas contribuições sobre o
nosso PTA nº 4, como por exemplo: nossas perguntas deveriam ser
desdobradas para melhor entendimento; as atividades deveriam
ser exemplificadas melhor. Acatamos as sugestões e reconstruímos
nosso PTA nº 5 como descrito a seguir:
24
PLANO DE TRABALHO E AVALIAÇÃO – PTA nº 05
25
avaliação de nossos encontros. Elaboramos cartões que continham
peculiaridades de cada PTA, para que todos pudessem relacionar
o conteúdo com os trabalhos apresentados. Na seqüência,
apresentamos um teatro de bonecos de papel, como uma técnica
didático-pedagógica de tecnologia de baixo custo, com variadas
aplicações. O tema apresentado foi “Dengue”. Apresentamos ainda,
como proposta de atividade de fixação de conteúdos, o Show do
Tião.
Esse encontro levou-nos a refletir sobre a nossa condição de
ser “pérolas” e do quanto temos aprendido uns com os outros. Tal
reflexão despertou-nos a necessidade de abordarmos o perfil do
profissional do PSF. Esse perfil, construído coletivamente durante o
Curso de facilitadores do Introdutório, contempla a complexidade
de ser integrante de uma equipe de PSF, o que equivale a ser pérola,
aqui representado pelo Taligado, boneco desenhado durante o
26
Curso Introdutório
Sensibilizando profissionais na busca da formação do perfil
profissiográfico para o PSF
Perfil:
- Ter conhecimento
técnico-científico generalista
- Ter versatilidade
- Estar “antenado”
- Ser flexível
- Ser humano
- Ser bem humorado
- Ser criativo
- Ser ponderado
- Ser comunicativo
- Ser apaixonado pelo que faz
- Ser EDUCADOR
“Taligado”
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desenvolvido em 40 horas, ministrado pelos instrutores do Pólo e
coordenado pelo Pólo/Gerência de Estado de Qualidade de Vida.
À luz de novas reflexões, modificamos nosso 5º PTA,
originando o PTA nº 6 descrito abaixo:
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professor Tião Rocha, reorganizamos nossos PTAs, esforçando-nos
em demonstrar toda a riqueza das apresentações dos trabalhos e
discussões ocorridas durante nossos encontros.
Ao sermos orientados de, no Seminário 3 , tentarmos
exemplificar e escrever tudo o que havíamos vivenciado nos
encontros anteriores, decidimos encenar a peça “O outro sonho
de Catirina” (Anexo 3), para que fosse avaliada como atividade
sensibilizadora para a estratégia PSF. Todos concordaram que ela
deveria ser apresentada como discurso de encerramento do evento,
devido à mensagem positiva que contém.
Mais uma vez, à luz da fala do professor Tião, debruçamo-
3
I Seminário Interativo de Tecnologias Sociais do Maranhão
29
PLANO DE TRABALHO E AVALIAÇÃO – PTA nº 7
30
Após nosso último encontro com a participação de todas as
equipes, realizamos dois Cursos Introdutórios, aplicando o PTA nº
7. Várias atividades foram desenvolvidas como: Crachá temático, a
Obra, Faça o seu comercial (anexo 04), Achados e perdidos (anexo
05), Bomba (anexo 06).
31
“é possível construirmos do nada algo, quando
estamos em equipe, é memorável, é de uma
satisfação e alegria que só vivendo...”
32
REFERÊNCIAS
33
ANEXO 01
2 Dinâmica da Complementaridade
34
– Por ex: cores: azul e rosa – todos os azuis conterão a pergunta e
todos os rosa, complementos).
O tema dos cartões pode ser variado, dependendo do que se
objetiva com a dinâmica.
Os participantes devem receber seus cartões aleatoriamente
e guardar segredo sobre seu conteúdo (ter o cuidado de distribuir
os pares corretos para formar as duplas). Dispostos em círculo
devem iniciar a leitura por um cartão azul. O portador de um cartão
azul voluntariamente deve se dirigir ao centro do círculo e ler em
voz alta os seus dizeres. A pessoa com o cartão rosa deve ler seu
Eu sou o mar sem cor... Eu sou o azul das ondas deste mar !
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ANEXO 02
36
ANEXO 03
37
–“Fascinação” – versão de Armando Lousada.
“Os sonhos mais lindos sonhei
de quimeras mil um castelo ergui....”
Catirina: (sentada, alisa a barriga imensa, cheia de ternura e
apreensão):
Ah, meu “fio”,
tanta coisa eu “preparava” pra ti ....,
Tentei “fazê” pré-natal,
Tantas vezes me botei
pé na estrada,
noite inda
tentando “pegá uma veis.”
Qual nada,
quando eu chegava,
da janela alguém gritava:
– NÃO TEM MAIS, VORTE DEPOIS !
Aiiii ..., aiiiii... (respira fundo, ergue os braços e suplica:)
Ô, meu Deus,
olhai “pur nóis”,
Purque pobre nesta lida de doutô
Nunca tem veis não sinhô.
(olha para a barriga e conversa com o filho)
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s’ele me olhô num vi
nem ele sabe quem sô.
Sem remédio,
sem valia,
sem uma palavra amiga.
Sem condição di siqué
pegá uma condução i fazê uns tal ixame
pra sabê si tu é homi
ou si tu é uma muié...
Muié?....
Será?... (gritando e gemendo)
– Aiiiii ..., Aiiiiii,...
É uma dô qui num si acaba....
Narrador:
Catirina,
triste sina que é da mulher nordestina
de parir feito um preá.
Um filho pra riba d’outro ,
Tudo de home diferente,
tudinho filho sem pai.
Um preto,
um louro,
um moreno,
um sarará e sei lá.
São tantos, pra se cuidar:
Mundico, Zé, Nonatinho,
Miluca , Zé Ribamar
E agora que vem mais outro, como deve se chamar?
Chico,
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ô, Chico,
purque qui tu nunca chega desse tal desse arraiá?
Já tá bebeno há 3 dias... Zangada
Dicerto foi traiz dum boi, de uma índia pra brincá
I us minino cum certeza num tarda muito a chegá.
(Gritando agoniada pela dor aguda)
Aiiiiiii.....
Mardita dôr...
Aiiii
Meu lombo, meus quarto,
Minha xoxota parece qui vai rasgá !!!
............
Ô, meu fio
num ti avexa qui o dia já vai raiá.
(Com a voz quase num lamento)
Ô Chico,
vorta pra casa,
Nosso fio qué nascê,
Eu tô só...
Alguém mi ajude....
Minha hora tá chegando... não tenho como fazê...,
nem dinhero pru transporte... (Chora baixinho)
Narrador:
Ai, Catirina,
Sozinha em seu domicílio
espera de Deus um auxílio
Pro seu rebento nascer.
Sem marido, mãe ou filho,
ninguém que dela se importe
Pra lhe arrumar um transporte
Ou fazer um qualquer gesto de bem-querer.
Catirina: (gritando desesperada por auxílio)
Aiiiiii, Aiiiii,
40
Tem arguém aí? (olha em direção à platéia, respirando
ofegante em trabalho de parto)...
Um doutô ... (respira)
uma infermera...,
um qualqué ...
(respira mais rapidamente)
Uma parteira....
(Em período expulsivo)
Tem arguém aí?..............
(Cansada, voz entrecortada, suplica)
Me ajude, meu Deus, me ajude.........
(num repente, lança o desafio para a platéia)
Será que neste tá PSF,
que veio pro interiô
não haverá um doutô
ou infermero que queira me ajudá a dá a luz?.........
(Coroando)
ai, ....
aii ,.....
aiiiiiiiiiii meu Cristo..... (vai retirando lentamente o filho)
Meu fio...... venha..... saca o pano e sacode
Que o PSF seja
A valia da minha dô.!!!
(Cantamos juntos a música “Sonho Impossível” - J. Dário,
versão Chico Buarque e Rui Guerra)
41
ANEXO 04
CRACHÁ TEMÁTICO
A OBRA
43
gerais em saúde.
Procedimentos: Após a leitura do Caderno I de atenção básica do
MS do texto “Você é um Educador?”, propor a apresentação das
idéias centrais de um recorte do texto, através da linguagem da
propaganda. Observar indicadores e resgatar, ao final da dinâmica,
o desempenho e a aplicabilidade desta técnica em seu trabalho.
ANEXO 05
ACHADOS E PERDIDOS
1º Momento
44
da energia elétrica, o que deixa o município sem comunicação por
longos períodos. Não existem hotéis, pousadas ou restaurantes.
O lazer se resume a banhos no rio local e passeios de barco ou a
cavalo; há uma pequena igreja católica, onde o padre celebra a
missa mensalmente, duas outras igrejas evangélicas, uma escola
municipal de Ensino Fundamental, vários pequenos comércios e
um clube de Reggae.
A área de cobertura integra pequenas vilas e lugarejos que se
distribuem nas vizinhanças, muitos deles só acessíveis por barco;
é endêmica de malária e apresenta alta incidência de hipertensão.
A população é predominantemente de sexo feminino; a maior
concentração encontra-se na faixa etária de 9 a 25 anos.
Considerando-se o perfil descrito, pede-se: arrumem suas
bagagens (individualmente), listem o que levarão para esta viagem,
discriminando os itens e quantificando-os.
1 - 01 galão d’água de 5 litros, com 1/3 de sua capacidade 13 -
2 - 01 lamparina de querosene
2º Momento 14 - 02 redes01 telefone celular
3 - 01 caixa de fósforos com apenas 3 palitos 15 - 01 mosquiteiro
4 - 02 Houve
metros de um problema
corda de naylon no transporte de vocês 16 e agora terão que
- 01 facão
5 - 01 litro de cachaça 17 - 01 vidro de repelente
seguir viagem a pé, pois é arriscado permanecer
6 - 01 barra de chocolate
neste local. Vocês
18 - 01 paneiro de farinha
devem
d’água estar a mais ou menos 70 km do seu destino. O motorista
contratado é pouco experiente nesta rota e não tem muitade
7 - 01 lata de sardinha em conserva 19 - 01 kg de carne certeza
sol
8 - 1/2 pacote de biscoito 20 - 01 lata de salsicha
da distância a percorrer. Numa vistoria rápida
9 - 05 kg de açúcar
do carro, foram
21 - 01 litro de óleo diesel
encontrados
10 - 01 bússola alguns itens que podem ser de
22 - 01 rádiovalia:
alguma transistor
11 - 01 rolo de fita gomada 23 - 01 apito de brinquedo
45
ANEXO 06
BOMBA
Material:
- várias folhas de papel de seda colorido
- uma folha de papel celofane
- 15 cm de fitilho colorido
- uma prenda pequena
- uma mensagem
- questões sobre o tema a ser fixado
46
ANEXO 07
Obs.:
47
FICHA Nº 2
Obs.:
FICHA Nº 3
Obs.:
FICHA Nº 4
Obs.:
48
A BUSCA ATIVA DE HIPERTENSOS
INTRODUÇÃO
*
Enfermeira PSF
**
Enfermeira, especialista em Saúde Pública
***
Enfermeira PSF
****
Enfermeira PSF
*****
Enfermeira PSF, especialista em Saúde Pública, Saúde da Família, Gerenciamento de Progra-
mas Comunitários de Sáude
******
Médico PSF, pediatra, especialista em Saúde Pública
*******
Enfermeira PSF
49
Cerca de 50% dos que sobrevivem ficam com algum grau de
comprometimento.
Dados do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS
registraram que 40% das aposentadorias precoces decorrem de
incapacidades decorrentes de doenças cardiovasculares.
Face ao caráter crônico e incapacitante da hipertensão arterial,
que pode deixar seqüelas para o resto da vida, fazem-se necessárias
medidas que visem descobrir precocemente essa doença, para que
possa ser tratada. Uma das medidas consiste em fazermos busca
ativa (detecção de casos novos) para que, conhecendo o número
de hipertensos, possamos tratar e acompanhar o doente visando
a uma população mais saudável e com melhores perspectivas de
vida.
Foi com esse propósito que surgiu o grupo VIDA, proveniente
do Pólo de Capacitação da UFMA, onde já nos reuníamos enquanto
facilitadores do Curso Introdutório do Programa Saúde da Família
– PSF. Conhecíamos as coordenadoras do Pólo de Capacitação em
Saúde de Família e alguns companheiros de caminhada, todos
atuantes no PSF, em diferentes localidades do nosso Estado, além
de alguns colegas da área de Saúde Mental.
Quando fomos convidados para participar de um Curso
realizado pelo Programa Viva a Vida, pensávamos que participaríamos
de uma capacitação para facilitadores e, assim, ampliaríamos nossa
habilidade de lidar com portadores de doenças cardiovasculares,
através de estratégias que possibilitassem uma nova forma de fazer
saúde. Foi com essas expectativas que iniciamos o curso.
Os grupos de trabalho foram formados a partir de uma
dinâmica: cada participante desenhou sua mão em uma folha de
papel e em cada dedo foram escritos objetivos que cada pessoa
gostaria de realizar em sua comunidade. A partir daí cada um
procurou na “mão do outro” os objetivos em comum com os seus.
Nosso grupo inicialmente possuía seis dedos (POLIDACTILIA), ou
seja, seis objetivos.
Durante o desenvolvimento dos trabalhos, decidimos “realizar
uma cirurgia para correção da Polidactilia”, pois percebemos a
abrangência dos trabalhos. Os cinco objetivos restantes foram
trabalhados pelos membros do grupo, durante os dois primeiros
meses, período em que ficamos dispersos.
50
No decorrer desse período, não mantivemos contato, contudo
elaboramos os relatórios individuais sobre a aplicação de nosso
primeiro PTA e os enviamos à Coordenação do Programa Viva a
Vida.
No primeiro encontro da segunda etapa do Curso, foram
incorporados mais três componentes, egressos de um outro grupo
que se dispersou. Atualmente, somos sete profissionais engajados
nesse novo modo de cuidar da saúde.
NOSSO TEMA
51
cada um desses programas e optamos por apenas um, cujo
objetivo foi: “Estruturar o Programa de Hipertensão e Diabetes
no município.” O leque de abrangência continuava; observamos
que a palavra ESTRUTURAR iria depender dos recursos que não
teríamos disponíveis, portanto dependeríamos de nossos gestores,
o que poderia dificultar nossa caminhada. Reestruturamos, assim,
nosso objetivo, o qual passou a ser: Detectar e Acompanhar
Hipertensos na faixa etária igual e/ou superior a 40, anos em área
de Estratégia de Saúde da Família. Delimitada a área e a clientela,
o desenvolvimento do trabalho tornou-se mais fácil bem como o
problema da avaliação.
Após essa etapa, novas sugestões acatadas a partir das
discussões em grupo, acrescentamos uma outra dimensão
em nosso objetivo: a sensibilização, pois verificamos que não
deveríamos iniciar um trabalho inovador e modificador, sem antes
sensibilizarmos as Equipes de Saúde da Família. Tal procedimento
serviria como elemento norteador de todo o processo.
Como uma das atividades propostas, foram realizadas
caminhadas com os grupos de hipertensos, em diferentes
localidades tais como: São José de Ribamar, Pedreiras, Timon. Foram
feitas reuniões com a aplicação de nossa tecnologia “O SEMÁFORO
DA VIDA”, passeio pela cidade, em comemoração ao Dia Nacional
do Idoso, dentre outras atividades. Criamos, também, um modelo
de convite para as caminhadas; outro, para comparecimento às
consultas e/ou palestras educativas (Anexo 02).
Toda essa trajetória demandou muitos esforços, muitos
contatos, para que cada atividade elaborada pudesse obter êxito
em sua aplicabilidade. Parcerias foram realizadas, voluntários
se juntaram a algumas equipes, pela importância do trabalho
realizado.
52
Na área da Vila Sarney Filho II, foram realizadas buscas ativas
em domicílios com a ajuda de 16 alunos do Curso de Auxiliar
de Enfermagem do PROFAE. Esses alunos foram devidamente
orientados quanto ao modo correto para aferição da pressão arterial,
da glicemia capilar e para verificação do peso e circunferência
abdominal. Foram avaliadas 663 pessoas, na faixa etária-alvo;
destas, 70 foram diagnosticadas com Hipertensão Arterial, sendo:
52 do gênero feminino e 18 do gênero masculino.
53
No município de Santa Helena, o PTA foi aplicado na zona
urbana, no bairro da Ponta d´Areia. A busca ativa foi realizada por
quatro equipes, em seis microáreas. Foram avaliados 708 pessoas.
Entre elas, detectamos 48 casos de hipertensão.
54
NOSSA TECNOLOGIA: O SEMÁFORO DA
VIDA E SUA APLICAÇÃO
55
Mellitus – DIA, que são identificadas como sinal de perigo. Na
segunda coluna (amarela), trabalhamos com os fatores de risco
que possam preceder uma destas patologias e na terceira, a verde,
apresentamos os sinais de boa saúde.
No decorrer da apresentação das cores do semáforo,
solicitamos que os presentes retirem a quantidade de fitas, nas cores
vermelha, amarela e verde, de acordo com o que estão sentindo.
No terceiro bâner, é apresentado o semáforo e feita a
56
pois só assim eu vou me cuidar! Aprendi que posso estar
com sintomas de hipertensão”.
“Nunca alguém me disse que um diabético, se acompanhado
pelo doutor, pode viver normalmente. Eu morria de medo
de comprovar estar doente, pois na minha família, tenho
pai e mãe diabéticos que abandonaram o tratamento, por
causa das proibições.”
57
ANEXO 1
58
ANEXO 2
MODELO DE CARTA
____/___
__/_____
CONVITE
59
60
TRABALHANDO COM HIPERTENSOS NA MELHORIA DA
QUALIDADE DE VIDA
61
Nos unimos em um pulso,
Que organiza e direciona nosso fazer.
Descobrimos um novo continente
Que pode ser longe ou perto,
Tenaz ou lento.
Somos um sexteto,
Educando e aprendendo,
Aplicando e avaliando.
62
Selecionamos, então, dois objetivos: aumentar em 25% o número
de consultas pré-natais em gestantes, na faixa etária de 12 a 25
anos nas áreas de PSF e orientar o atendimento de hipertensos
da área de PSF, incentivando-os nas mudanças de hábitos e tabus
alimentares.
Após reflexões do grupo, decidimo-nos por apenas um
objetivo: orientar o atendimento a hipertensos na área de PSF.
A escolha foi decorrente da elevada incidência e prevalência da
hipertensão dos clientes com os quais lidamos e da escassez
de atividades voltadas para essa clientela. Tínhamos dado o
pontapé inicial em nosso PTA (Anexo 01). Contudo, precisávamos
definir melhor nossa ação. Veio-nos a dúvida: orientar, educar ou
sensibilizar? Optamos por Sensibilizar.
Nessa trajetória, foi difícil declararmos como pronto nosso
PTA. A cada encontro, revíamos nsso fazer, ouvíamos sugestões e
promovíamos alterações. Por vezes, dimensionamos muito nossa
ação e tivemos que refazer o objetivo. Das tecnologias sugeridas,
algumas já haviam sido aplicadas, por alguns dos componentes
da equipe, com grupos de hipertensos como: oficina Coração
de Argila, relaxamento muscular, utilização de vídeos educativos
e caminhadas. À medida que aplicamos o PTA, as tecnologias
foram sendo acrescidas de outras experiências como: Dinâmica
da Percepção (Anexo 02), uso do retroprojetor, encenação da
peça “Juvenal Puft”. Todas essas atividades desenvolvidas estavam
voltadas para a melhora da qualidade de vida do hipertenso.
63
Sugerimos como pergunta inicial: Como podemos representar
o nosso coração? Entregamos a cada participante massa de modelar,
pois proporciona melhor visualização, devido à diversidade de
cores. Após cada um modelar o “seu” coração, delimitamos, com o
auxílio de fita adesiva, um quadrado no centro da sala e protegemo-
lo com papel (pode ser usado, também, cartolina). Pedimos a todos
que colocassem os nomes em um papel, identificando os corações
expostos no centro da sala. A seguir, perguntamos como cada
um expressou o “seu” coração e onde se inspirou para modelá-lo.
Ouvimos vários depoimentos como:
64
uma reflexão a partir do tema da peça e concluímos que houve
aprendizado e um bom envolvimento dos participantes. Muitos
deles fizeram alguns questionamentos sobre a hipertensão, hábitos
pessoais, tais como: caminhar, horário de refeições, dificuldades
de enxergar, não sair de casa para não piorar a saúde, não saber
ler, etc.
Convém ressaltar que, no acompanhamento do hipertenso,
vários temas foram abordados através de dinâmicas e palestras.
Percebemos, no atendimento diário, que muitos desses hipertensos
apresentam diferentes queixas. Dentre elas, o estresse é muito
comum, acarretando problemas como: dores de cabeça, contraturas
musculares, distúrbios do sono, irritabilidade e diminuição da
autoconfiança, que contribuem negativamente para a hipertensão.
Resolvemos, então, trabalhar técnicas simples que envolvem
alongamento e meditação, dentre outras, transmitindo serenidade
ao hipertenso. Essas técnicas podem ser realizadas em casa, em
uma situação estressante ou diariamente.
A Técnica de Relaxamento (Anexo 05) foi aplicada em
três municípios: Bacabal, São José de Ribamar e Montes Altos.
A dificuldade que destacamos, comum a todas as equipes,
relacionou-se ao espaço físico: a falta deste ou em condições que
não propiciavam conforto, com limitações do tipo luminosidade
deficiente, assentos desconfortáveis, etc.
Quanto aos participantes, no primeiro momento, alguns
se manifestaram inibidos; outros sorriam muito, principalmente
quando estimulamos a massagem e o toque entre eles. Após os
dez minutos iniciais, houve melhor compreensão do exercício e o
desmitificar do“tocar”, ou seja, ocorreu o relaxamento. Eis algumas
frases que expressaram esta interatividade entre os componentes
e a equipe:
“Me sinto melhor.”
“ É bom e fácil.”
Nos encontros subseqüentes, sempre solicitados, os relatos
comprovam o êxito de nosso trabalho, conforme o expresso na
seguinte expressão: “Sabe, continuo fazendo o exercício em casa.”
Convém ressaltar que as sessões de relaxamento seriam a priori
agendadas quinzenalmente, mas, por solicitação dos participantes,
são realizadas semanalmente. Um outro aspecto a considerar diz
65
respeito à participação, em maior número, de mulheres. Também
observamos um aumento substancial de, em média, 70% da
freqüência às consultas agendadas no ambulatório.
A sensível melhora do acolhimento do paciente pelo
funcionário da Unidade de Saúde - US e a parceria do ACS e o cliente
assistido demonstram o cuidado com as informações prestadas e
encaminhamento realizado nas US.
Um outro fato importante no atendimento aos hipertensos
diz respeito aos hábitos alimentares, pois a predominância
de alimentos condimentados, excesso de carboidratos, carne
vermelha são fatores que, aliados a outros, causam aumento de
peso e alterações da pressão arterial. Para abordar esses aspectos,
elaboramos um questionário (Anexo 06), investigando hábitos
alimentares dos hipertensos, a fim de melhor orientar quantitativa
e qualitativamente um cardápio mais adequado.
Nesse levantamento, observamos que a maioria dos
hipertensos só ingeria carboidratos, proteínas e gorduras, com
pouca quantidade de frutas, verduras e fibras. 80% alimentam-se 2
a 3 vezes ao dia somente com arroz, feijão, farinha e, algumas vezes,
com carne vermelha. Com base nesses achados, elaboramos um
cardápio (Anexo 07) utilizando frutas e verduras da nossa região.
Esse cardápio, além de ser acessível, pode ser utilizado por toda a
família.
Pensamos, também, montar uma cozinha experimental, para
que pudéssemos trabalhar, com os hipertensos e/ou familiares, os
alimentos acessíveis a eles que muitas vezes são desconhecidos e
desprezados por nós, compondo uma dieta balanceada, facilitando,
assim, a aceitação desses alimentos. Entretanto tornou-se inviável
diante da inexistência de local para sua execução e da falta de
recursos materiais e financeiros.
Gostaríamos de ressaltar que, no grupo de hipertensos da
cidade de Codó, o resultado do questionário revelou que a faixa
etária predominante é acima de 50 anos: 99% são mulheres e 88%
não têm escolaridade, o que nos levou a repensar a aplicação do
questionário. Houve a necessidade da presença de um membro da
equipe de PSF para preencher o questionário, a partir das respostas
às perguntas feitas aos pacientes.
Os dados revelaram que a maioria apresenta companheiro
fixo: 99% são casados; a renda pessoal revelou 100% com benefício
66
igual ou superior a um salário mínimo. Quanto à disponibilidade
e ao acesso às refeições, 100% realizam duas ou mais refeições
diárias. Revelaram, também, que: 100% têm acesso e fazem uso de
arroz, feijão, carnes (vermelha e branca) em pelo menos 4 dias por
semana; 50% não gostam de abóbora, batata, vinagreira, maxixe,
quiabo e alface; 98% não apreciam beterraba, cenoura, chuchu e
repolho; 99% não comem frutas; 95% não fazem uso constante de
leite e derivados.
Esse trabalho não teve continuidade, devido às muitas
atividades desenvolvidas pela equipe de PSF que não tinha como
disponibilizar tempo para os encontros semanais.
3 VISLUMBRANDO NOSSO PLANO DE VÔO
67
ANEXO 1
68
ANEXO 02
Dinâmica da Percepção
Objetivo: Trabalhar a percepção, o desenvolvimento mental e a
coordenação dos participantes, com conseqüente avaliação das
atividades desenvolvidas.
Material:
1 bola de plástico de uns dez centímetros de diâmetro
2 saco opaco com pedaços de papéis contendo perguntas pré-
elaboradas sobre o assunto apresentado.
Metodologia:
É feito um círculo com os participantes ao redor do orientador
que informa como vai ser desenvolvida a dinâmica: a pessoa
que estiver com a bola, chama o nome de um dos participantes
para o qual vai passar a bola, de preferência de forma dificultosa.
Joga a bola e, se a pessoa chamada deixá-la cair, retira do saco de
perguntas um dos papéis e entrega-o ao orientador que interroga
ao participante. Se acertar o que lhe foi perguntado, recebe elogios,
aplausos, etc. Se errar, é-lhe dada uma nova explicação sobre o
assunto, para responder a mesma pergunta e paga uma prenda
que pode ser: cantar, declamar um poema, dançar, fazer uma
imitação, etc.
Sugestão de Perguntas:
69
09 - O tratamento de pressões alta é para a vida toda?
10 - Você visita com frequência o serviço de saúde onde está se
tratando?
11 - Você acha que o sal é indispensável no preparo dos
alimentos?
12 - Como o hipertenso deve se alimentar?
13 - Você considera que a utilização diária de alguns alimentos
como mortadela, presunto, carne de sol, salsicha, lingüiça,
enlatados em geral, irá prejudicar o tratamento?
14 - Por quê?
15 - Indique a resposta correta:
O hipertenso deve:
a) - consumir bebida alcoólica
b) - reduzir a bebida alcoólica
70
c) - evitar ou reduzir a bebida alcoólica
ANEXO 03
Oficina do Coração
Recursos utilizados:
massa de modelar1 ou argila; papel ou cartolina; pincel atômico; fita
adesiva; desenho esquemático do coração; televisão; videocassete
e fita de vídeo (se disponível); aparelho de pressão2
1
Sugerimos dois bastões de massa de modelar para cada participante.
71
ANEXO 04
Narrador: Juvenal Puft, casado 48 anos, fumante, gosta de beber uma cerveja,
tanto na alegria quanto na tristeza. É motorista de ônibus e pai de um filho. Há
alguns dias, foi medir a pressão no Posto de Saúde da vila onde mora e a auxiliar
de enfermagem disse-lhe que era melhor consultar o médico. Seu Juvenal disse
que não tinha tempo e que no dia seguinte voltaria. Hoje, como de costume,
acordou e foi tomar o seu banho. De repente, o mal estar geral:
Seu Juvenal: Meu Deus, sinto uma palpitação no coração! Não consigo enxergar
direito a porta do banheiro. Como vou sair daqui? Ainda por cima, este calorão
pelo meu corpo. Nossa! Como minha cabeça dói! (Juvenal, assustado grita pela
mulher) : – Maria dos Milagres, me ajuda, mulher!
Maria dos Milagres: Oh! Meu São José de Ribamar! Este homem me chama em
cada hora... O que será que ele quer agora?
(Maria dos Milagres vai ao banheiro, mas, quando chega lá...)
Maria dos Milagres: Juvenal, homem de Deus, levanta!
(Ele nada responde. Desesperada, Maria dos Milagres chama os vizinhos):
Maria dos Milagres: – Me acode, pessoal! O Juvenal puft e puft......
72
vocês mudariam a história do Juvenal?
ANEXO 05
• Tecnicas do Relaxamento
Relaxamento I
Relaxamento II
73
ANEXO 06
QUESTIONÁRIO
NOME
2 INFORMAÇÕES ALIMENTARES:
Quantas refeições faz por dia? ( ) nenhuma ( ) 1 ( ) de 1 a 2 ( ) de 2 a 3
( ) de 3 a 4 ( ) mais de 4
A quais destes itens alimentares você tem acesso e quantas vezes por semana
74
faz uso deles?
75
3 DADOS SOBRE AUTOCUIDADOS
f ) Queixas principais
( ) dores articulares ( ) cefaléia
( ) ansiedade ( ) outras ___________________________
76
ANEXO 07
CARDÁPIO
1 Bolinhos ou bifes de casca de banana
Ingredientes: cascas de bananas; 1 ovo (para ligar a massa); cebola,
tomate, cheiro verde, salsinha a gosto; farinha de trigo ou mandioca; alho
e sal (quantidade mínima)
Modo de fazer:
Lave as cascas de banana, escorra-as e pique-as em fatias bem finas. Junte
os outros ingredientes e mexa até a massa ficar ligada. Em vez de fritar em
óleo, coloque as bolinhas numa assadeira e leve-as ao forno.
Obs: A receita pode ser usada para fazer bifes de jerimum, berinjela, batatinha,
macaxeira.
Modo de fazer: Lave o mamão e tire a casca. Corte-o em fatias e rale-o. Corte
os outros ingredientes e misture com o mamão ralado. Tempere com molho do
seu gosto.
3 Refogado
Modo de fazer: Lave bem as folhas e corte-as bem fininhas. Descasque, corte e
frite a cebola com pouco óleo. Junte os tomates, as folhas e tempere a gosto.
Refogue em fogo baixo e com a panela tampada. Coloque um pouco de água,
se necessário, e deixe ferver. Tempere novamente e junte “cuim” (pó de arroz,
da casca do ovo ou pó da folha de macaxeira) e cheiro verde. Não leve mais ao
fogo.
4 Casca de abóbora/jerimum
Modo de fazer: Corte a casca e a cebola bem miúdas. Esquente o óleo, junte a
casca e a cebola bem picadas. Adicione uma pitada de sal e deixe refogar até
77
secar. Sirva com arroz branco.
5 Sopa de verduras
Ingredientes: 3 limões bem lavados com casca; 2 folhas de couve bem lavadas;
1litro de água; mel, adoçante ou rapadura a gosto
Modo de fazer: Coloque num liquidificador o limão cortado com cascas e a couve.
Coe e sirva com gelo.
7 Fanta natural
Modo de fazer: Passar no liquidificador a cenoura ralada com água. A seguir, coar
e misturar com o suco de limão. Adoçar a gosto.
Dicas Úteis:
1 - Os sucos devem ser tomados em goles moderados, por serem líquidos
concentrados, evitando, assim, prejudicar o estômago.
2 - Cascas de bananas maduras, bem lavadas, podem ser usadas no feijão, sopas,
cozidos, bolinhos. É uma boa fonte de fibra.
3 - Banana verde pode ser aproveitada para mingaus. Descascada, ralada e fervida
com água, adicione leite desnatado.
4 - Use um pouco de limão nas frutas, nas sobremesas, saladas e folhas cruas,
pois a vitamina C do limão melhora a absorção de ferro no organismo.
5 - Lave bem as hortaliças com água limpa, antes de cortá-las. Depois de cortadas,
perdem muitos elementos essenciais.
6 - Cozinhe as hortaliças, próximo à hora de servi-las, em pouca água e só o
tempo necessário para amaciá-las. Melhor cozinhá-las no vapor (cuscuzeira
ou panela de pressão), evitando, assim, perda de vitaminas e sais minerais.
7 - Aproveite a água em que foram fervidas as hortaliças para sopas e caldos,
ou para cozinhar o arroz.
78
FLOR DE MÃE E O ALEITAMENTO MATERNO EXCLUSIVO
INTRODUÇÃO
*
Enfermeira com especialização em Enfermagem Obstétrica.
**
Enfermeira com especialização em Saúde Pública e Gerenciamento em Programas Comunitá-
79
influência biológica e emocional, tanto para a criança quanto para
a mãe e demais familiares. Funciona, também, como contraceptivo
natural, no período em que a mãe está amamentando a criança.
Daí a necessidade de um trabalho voltado para o estímulo ao
aleitamento materno.
Para obtermos maior êxito com as orientações sobre tal
prática, precisamos levar em conta as experiências vividas pela
mãe desde a mais tenra idade, a educação familiar, dentre outros
aspectos, pois as famílias que não vivenciaram essa prática,
dificilmente, poderão transmiti-la às novas gerações.
Convém lembrar que, até meados do século XX, era comum
entre as mulheres a prática do aleitamento exclusivo, até porque
não existiam alimentos que pudessem substituir o leite materno.
Com o advento da modernidade, foram produzidos alimentos de
caráter substitutivo desse alimento natural, como bem diz Lothrop
(2000): “De repente, tornou-se mais moderno alimentar por um
plano rígido, com a mamadeira, em lugar de seguir a intuição,
amamentando”. Consideramos, portanto relevante o papel dos
profissionais de saúde, na promoção e apoio ao aleitamento
materno.
Entendemos que grande dificuldade em nossa prática, como
educadores da saúde, está na forma de abordagem. Apesar de
vários pensamentos convergirem para este ponto, verificamos que
os profissionais de saúde altamente qualificados, imbuídos de tanto
conhecimento científico e tecnológico, ainda ignoram fatores
determinantes para a amamentação, minimizando sua importância
nesse processo.
O simples fato de estarmos orientando a prática do
aleitamento, dentro de todos os rigores científicos, não a estimula a
mãe a adquirir tal prática imediatamente, mesmo que enfatizemos
ser vital para a criança. Por isso, orientar, apoiar e/ou favorecer
o aleitamento materno exclusivo devem estar além da nossa
responsabilidade, na garantia de saúde para a mãe e a criança,
lembrando-nos sempre do nosso compromisso social neste
processo, com certeza, influenciará no desenvolvimento de atitudes
positivas em relação à amamentação. Foi com esses objetivos que
implementamos o Projeto Flor de Mãe, o qual descreveremos a
seguir.
80
IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO FLOR DE MÃE
81
Projeto Flor de Mãe, observamos uma cobertura em torno de apenas
37%. Essa constatação foi dolorosa para nós, porém nos possibilitou
percebermos o quanto precisávamos da estratégia de abordagem
do aleitamento materno.
Tínhamos algumas dificuldades para desenvolver nossas
ações, porque dependíamos da Secretaria de Saúde do Município,
no que se refere à reprodução do impresso Flor de Mãe, instrumento
de fundamental importância para controle e avaliação da freqüência
e qualidade das mamadas das crianças.
Contudo, isso foi insignificante, considerando os resultados
obtidos, tanto que, num período de quatro meses, tínhamos
somente em Rosário, nos bairros Ivar Saldanha, Malvinas e Santa
Luzia, 54 crianças de 0 a 6 meses inscritas no Projeto. Uma delas,
com uma semana de aplicação do PTA, retornou ao aleitamento
exclusivo.
Em Presidente Juscelino, além da ausência de impressos, havia
a dificuldade de acompanhamento das crianças, devido o difícil
acesso às comunidades da zona rural, no período chuvoso. Apesar
dessas dificuldades, três crianças foram assistidas pelo Projeto. Uma
delas retornou ao aleitamento materno exclusivo e, junto com as
demais, permaneceu nele até o sexto mês.
A priori, esses dados podem ser considerados pouco
significativos, porém para nós representam uma conquista valiosa,
frente a todas as pressões que as mães dessas crianças sofreram (e
sofrem) para utilizarem outros tipos de alimentos que, segundo
King (1994), representam os
modismos; o que as vizinhas fazem; emprego
remunerado; atitudes sociais que fazem com
que as mulheres
se sintam pouco
à vontade para
amamentar
em público;
propaganda de
leites artificiais
82
FLOR DE MÃE EM PAÇO DO LUMIAR
83
Um fato devemos registrar que foi de fundamental
importância na aplicação do Projeto em Paço do Lumiar: a doação
de 1.000 exemplares do impresso Flor de Mãe pelo Programa Viva
a Vida. De posse dos impressos, retornamos à Unidade de Saúde
na Vila São José I e II e reunimos os ACS para reorientação de nossa
abordagem, em relação ao aleitamento exclusivo.
A fim de avaliar operacionalmente essa estratégia,
desenvolvemos uma planilha chamada “Mapa de Controle do Flor
de Mãe”, através da qual realizamos o acompanhamento da criança,
no que se refere ao aleitamento e ao peso.
Em agosto de 2002, foi realizado um encontro com as mães
das crianças inscritas no projeto Flor de Mãe, para discutirmos
sobre a importância do aleitamento e sua influência na prevenção
do câncer de mamas e na libido. Reorientamos algumas mães,
em especial aquelas que ainda apresentam dificuldades na
prática da amamentação. Na oportunidade, solicitamos que as
mães avaliassem o preenchimento do impresso Flor de Mãe.
As vinte e duas mães presentes se manifestaram dizendo que,
apesar do incômodo causado pelo preenchimento do impresso,
principalmente durante a madrugada, valia a pena todo o sacrifício,
quando viam seus filhos saudáveis.
Convém ressaltar que, no encontro, contamos com a
presença do pai de uma das crianças. Ele, emocionado, falou de
sua satisfação em participar do aleitamento de seu primeiro filho.
É o que podemos comprovar abaixo:
85
Essa atividade recebeu o apoio da SEMUS e do Programa Viva a
Vida.
No dia “D”, serviram de jurados: o Sr. Secretário de Saúde
do Município, duas enfermeiras do Pólo de Capacitação e a
Coordenadora do Programa Viva a Vida, Profª. Cristina Loyola.
Concorreram 13 crianças. O concurso começou com a apresentação
de um teatro de fantoches, produção dos Agentes de Saúde sobre
o objetivo do Projeto Flor de Mãe. Todos os personagens tinham o
nome de uma flor.
Essa atividade contribui para avaliarmos a adesão das mães
ao Projeto, pois à medida que o número de participantes aumenta,
nosso objetivo de garantir o aleitamento exclusivo está sendo
alcançado.
86
nos possibilita um acompanhamento mais sistemático da criança,
durante o período de amamentação, através da intensificação
das visitas domiciliares pela Equipe de Saúde da Família e da
regularidade do acompanhamento individual nas Unidades de
Saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
87
ANEXO 01
88
ANEXO 02
89
90
CICLO GRAVÍDICO PUERPERAL
91
- Promover a participação da comunidade nas ações oferecidas
pela equipe.
- Reorganizar a demanda da Unidade Básica de Saúde
– UBS.
- Aumentar a cobertura vacinal.
- Aumentar a cobertura da assistência pré-natal.
- Diminuir o número de gravidez na adolescência.
Precisávamos escolher apenas cinco desses objetivos, para
colocá-los em cada dedo da mão que desenhamos. Fizemos um
escore para cada um e escolhemos os seguintes:
92
CONSTRUINDO O PLANO DE
TRABALHO E AVALIAÇÃO
1 - Qualidade do pré-natal
2 - Organização da assistência pré-natal
3 - Assistência pré-natal
4 - Assistência no puerpério
5 - Humanização do atendimento pré-natal e puerpério
6 - Conhecendo o pré-natal e o puerpério
93
8 - Assistência no parto
9 - Diretrizes básicas para assistência ao parto domiciliar
10 - A importância da parteira na comunidade
94
Após seu depoimento, todos ficamos muito comovidos. Outros
depoimentos surgiram e como conseguiram resolver os problemas.
Percebemos que as trocas de experiências contribuíram para que
as gestantes se tornassem solidárias, ajudando mutuamente umas
as outras em suas dificuldades.
É bom que se diga que os depoimentos dados na área
do Paranã, na primeira reunião, não foram alvissareiros: o
descontentamento era geral; ficou muito centrado na atuação
do médico, o profissional da área; somente uma pessoa elogiou o
atendimento dado pela enfermeira.
Em uma segunda reunião realizada com a presença não só
das gestantes, mas também dos familiares, com a participação de
20 pessoas, observamos uma situação totalmente diferente. Os ACS
que se fizeram presentes tiveram uma atuação de fundamental
importância: apresentaram teatro de fantoche baseado no texto
“Mamãe, estou grávida”; discutiram o valor da alimentação durante
a gestação, dentre outros aspectos da gravidez. Na oportunidade,
utilizaram recursos audiovisuais como o álbum seriado.
Foto 01 – Álbum
Seriado sobre o
tema Assistência
pré-natal
95
do Plano aplicado. Eis alguns desses depoimentos:
96
e as atividades previstas já em processo, antes mesmo da nossa
intervenção, assim como a atividade de convencimento do gestor
para implantação do pré-natal e parto humanizado. Isto porque foi
elaborado um projeto para o Ministério da Saúde – MS, requerendo
a adesão para o SISPRENATAL.
Essa adesão já foi aprovada e já iniciamos o cadastramento
das mulheres grávidas de até 4 meses, a fim de realizarem pelo
menos 6 consultas pré–natais e duas de puerpério. No momento
em que a mulher é inscrita no Programa, o MS libera recursos no
valor de R$50,00 por gestante à UBS que a cadastrou. Com esse
recurso, pretendemos implementar um pouco mais as consultas,
com a compra de sonar, medicações específicas e outros benefícios
pertinentes ao atendimento a gestantes.
Convém ressaltar que, a partir da aprovação do SISPRENATAL,
a Secretaria de Saúde do Município já está agilizando a implantação
de uma maternidade. Entendemos que em breve outras dificuldades
também serão solucionadas.
As atividades propostas têm sido desenvolvidas,
principalmente, em Paço do Lumiar, município piloto, conforme
já nos referimos no início do capítulo. Como primeira atividade,
realizamos a sensibilização dos profissionais de saúde, mais
especificamente, médicos e enfermeiros. O espaço utilizado foi a
Secretaria de Saúde do Município.
Aproveitamos uma reunião das equipes que iriam tratar
de problemas internos de funcionamento e abordamos o novo
modelo de atendimento pré-natal com o qual estamos trabalhando.
Inicialmente, lemos a Fábula da Vaquinha (Anexo 2) e falamos da
importância de mudarmos posturas, adotando as que proporcionam
uma melhor qualidade ao atendimento à gestante
Para nossa frustração, não sentimos nenhum interesse por
parte da maioria; nossa idéia não foi receptiva, mesmo assim
lançamos o convite. Essa atitude dos participantes levou-nos a
avaliarmos nosso trabalho, naquele momento: será que a dinâmica
utilizada foi adequada? A ocasião que foi imprópria? Não teria sido
melhor uma reunião específica para o assunto? Essas reflexões foram
extremamente proveitosas, pois logo vimos que precisávamos
reformular nossa estratégia de abordagem. Assim adotamos o
seguinte roteiro para demais reuniões:
97
- Leitura da Fábula da Vaquinha
- Reflexão para mudanças
- Questionamento sobre o atendimento no pré-natal
- Apresentação de um mural sobre o depoimento das
gestantes em palestras anteriores
- Apresentação do Plano de Trabalho e Avaliação
Em São José de Ribamar, utilizamos esse roteiro. Pedimos uma
reunião para tratarmos exclusivamente do assunto. Tudo transcorreu
muito bem, todos os profissionais se mostraram bastante receptivos
e interessados. Agendamos a capacitação para meados do mês de
setembro/02, porém tivemos que transferi-la para final de outubro,
o que aconteceu com bastante sucesso.
Um outro momento importante foi a Capacitação dos
Profissionais de Saúde (médicos e enfermeiros). Como nós, “As
Pérolas”, não teríamos condições de treinar todos os profissionais
dos dois municípios (Paço do Lumiar e São José de Ribamar),
decidimos capacitar primeiramente todas as 13 Equipes de Saúde
da Família de Paço do Lumiar. Cada equipe seria uma multiplicadora
da capacitação, repassando aos demais membros e funcionários da
Unidade de Saúde o conteúdo abordado durante a capacitação.
O encontro aconteceu na Escola Estadual Marly Sarney
localizada no Maiobão - Paço do Lumiar. Contamos com a presença
de 10 profissionais (6 médicos e 4 enfermeiros). Seguimos todo o
roteiro conforme o cronograma, fazendo algumas adequações no
programa. A avaliação foi bastante positiva, surgindo inclusive a
sugestão de formarmos grupos de estudo, por sentirem que outros
assuntos deveriam ser abordados, no sentido de melhorar o nosso
atendimento.
Também realizamos a capacitação dos ACS, auxiliares de
enfermagem e pessoal das UBS. O encontro foi realizado de 2
a 4 de setembro de 2002, também na Escola Estadual Marly
Sarney. No primeiro momento, foi feita uma abordagem geral
sobre a importância da assistência pré-natal, parto e puerpério.
Pedimos então aos participantes que se imaginassem gestantes.
Isso causou muitas horas de riso, visto que estavam presentes, no
grupo, alguns homens como os vigias e um Agente de Saúde da
98
Unidade de Saúde da Vila São José. Quando foram chamados para
participar da capacitação, não entenderam a razão, achando que
sua presença seria dispensável. Porém ao longo do curso, foram
bastante participativos. Como parte do treinamento, foi pedido que
idealizassem como gostariam de ser atendidos em US e, a seguir,
apresentassem suas reflexões, através de uma dramatização.
A apresentação foi interessante, o primeiro grupo abordou
um atendimento no qual se visualizava toda a estruturação do
serviço, começando com a visita domiciliar do Agente de Saúde
até o encaminhamento de uma gestante à Unidade de Saúde. Lá
chegando, essa gestante, acompanhada de um familiar, era recebida
pelo vigia que informava a quem deveria se dirigir ao entrar à
unidade e chamava a auxiliar de Serviços Gerais para acompanhá-la
até a recepção, onde era feita a sua identificação, retirada da ficha
geral para o atendimento. A seguir, era encaminhada à sala de
preparo, a fim de verificarem sua pressão arterial, peso e estatura,
serviço realizado pela auxiliar de enfermagem. Enquanto aguardava
sua vez, serviam-lhe água e cafezinho constantemente. Ao ser
chamada para o atendimento com a enfermeira, era levada pela
auxiliar de enfermagem até o consultório e, após seu atendimento,
encaminhada para o atendimento médico ou outros serviços, caso
necessário.
Durante a representação, percebemos um atendimento
eficiente e sintonizado. Após a apresentação, o grupo comentou
que aquele tipo de atendimento era o sonho de todos os que o
representaram sem nenhuma utopia. Poderia ser concretizado,
bastava apenas o comprometimento dos profissionais que estão
no atendimento e o apoio da Secretaria de Saúde.
Essa encenação serviu de referencial para todo o Curso.
Entendemos que conseguimos despertá-los para uma nova postura,
ao perceberem que todo atendimento dado aos nossos clientes na
Unidade de Saúde depende de todos os que trabalham naquele
local, e que não existe grau de importância dentro do serviço. O
que precisávamos a cada dia era avaliarmos nosso comportamento
diante desses clientes, como podemos comprovar abaixo:
99
se elas não vierem, não tem necessidade de
estarmos ali e se não somos necessário, estaremos
desempregados”.
100
Respeitamos a opinião de todas, pois consideramos isso uma
questão cultural, devendo ser, portanto, valorizada. Enfatizamos
que, se elas acharem que essa mulher tem “placenta de rabo”, devem
encaminhá-la ao Hospital o mais rápido possível.
Vale ressaltar, ainda, a criação de um grupo de apoio. A
reunião para formação do grupo aconteceu no início de outubro/02
e contamos com a participação de 22 pessoas da comunidade. O
local escolhido foi o Centro de Saúde da Vila São José. Inicialmente
abordamos a importância do apoio à gestante pelos familiares e
comunidade. Em seguida, aplicamos a dinâmica Espaço de Vida
(Anexo 3), com o objetivo de favorecer um diálogo mais aberto entre
cada participante. Dentre os vários depoimentos, destacamos:
101
Essa iniciativa foi muito importante para nós, pois o fato de
quererem caminhar sozinhas demonstra que poderão crescer e se
fortalecer como pessoas.
Passados alguns dias, tivemos a confirmação de que o grupo
havia conseguido local fixo para os encontros. Marcamos a segunda
reunião e no dia previsto, verificamos que o número de gestantes
era menor. A equipe responsável pelo lanche não cumpriu com o
prometido; mesmo assim, demos início à reunião. O local escolhido
era muito bom, mas precisava de reparos, como: pintura, limpeza,
instalação de energia elétrica, reparo das máquinas de costura que
estavam sem condições de funcionamento, devido à falta de uso.
Não sabíamos até que ponto não seria permitida alguma
intervenção no local, mas tínhamos a certeza de que não iríamos
desistir daquele grupo. Saímos dali com as seguintes decisões: o
dia da próxima reunião com o grupo e com a primeira-dama do
município; para o próximo encontro, todos estariam responsáveis
em chamar outras gestantes, juntamente com os Agentes de Saúde,
para discutirmos a decisão do grupo; o objetivo da reunião com a
primeira-dama do município era o de solicitar compra de material
para o desenvolvimento das atividades de bordado, tricô, crochê e
para reparos no local e nos utensílios, dentre outras necessidades
mais urgentes.
Gostaríamos de ressaltar que nossa ação, nessa caminhada,
tem sido revestida de muita responsabilidade e paixão pelo que
estamos nos propondo a fazer: um cuidar diferente em saúde.
102
comunitário.
Nossa equipe é bastante unida. Apesar das nossas discussões,
algumas vezes desgastantes diante de algumas teimas, procuramos
ser prudentes e buscar um consenso no coletivo. Acreditamos que
isso foi um ponto fundamental para o que consideramos excelente
êxito do grupo.
Nessa nossa trajetória, procuramos construir um jeito
diferente de se fazer saúde. Construímos vários instrumentos e
tecnologias como: o álbum seriado sobre a assistência pré-natal;
algumas dinâmicas (Anexo 3), como: O Acampamento, Minha Outra
Metade, Cuidando do Ninho, Guia de Cego, Dinâmica do Beijo,
dentre outras; a peça “Mamãe, estou grávida” (Anexo 4).
Procuramos, também, tornar mais concretas nossas palestras.
Ao tratarmos de temas como: aleitamento materno, prevenção
do câncer de mama, preparo das mamas para a amamentação,
fizemos uso de uma mama de tecido, e com ela, dávamos todas
as orientações possíveis. Houve, ainda, a utilização de “Jejê” um
boneco RN, com placenta e cordão umbilical, durante a capacitação
das parteiras tradicionais e nas atividades educativas, durante o
pré-natal.
Tudo isso nos foi possível realizar devido o desprendimento
de “cada pérola” e das pessoas com as quais convivemos. Vale
ressaltar o grande apoio logístico das Secretarias de Saúde de
Paço do Lumiar e de São José de Ribamar, para a realização das
103
ANEXO 01
104
2 - Consulta - Como as con- - Fluxograma do - Freqüência das - Gestantes - 9 meses
mensal no sultas estão atendimento gestantes nas
pré-natal inseridas na atividades pré- - Famílias - ESF
UBS? - Palestras sobre a natal
importância do - Comunidade - Demais
- Que estraté- pré-natal - Implantação profissionais
- Secretaria
gias utilizar do pré-natal Municipal
para garantir - Visitas domiciliares e parto
a consulta - Reuniões para humanizado
mensal? convencimento - Registro na
do gestor para a ficha geral e
implantação do no cartão da
pré-natal e parto gestante dossiê
humanizado do pré-natal
- Reproduzir e/ou e outros
distribuir os
impressos
105
ANEXO 2
Fábula da Vaquinha
Um mestre da Sabedoria passeava por uma floresta com seu fiel discípulo,
quando avistou ao longe um sítio de aparência pobre e resolveu fazer uma breve
visita... Durante o percurso ele falou ao aprendiz sobre a importância das visitas
e as oportunidades de aprendizado que temos, também com as pessoas que
mal conhecemos.
Chegando ao sítio, constatou a pobreza do lugar: sem calçamento, casa
de madeira, os moradores, um casal e três filhos, vestidos com roupas rasgadas
e sujas... Então se aproximou do senhor, aparentemente o pai daquela família, e
perguntou: “Neste lugar não há sinais de pontos de comércio e de trabalho. Como
o senhor e a sua família sobrevivem aqui?” E o senhor calmamente respondeu:
“Meu amigo, nós temos uma vaquinha que nos dá vários litros de leite todos
os dias.
Uma parte desse produto nós vendemos ou trocamos na cidade vizinha
por outros gêneros alimentícios e a outra parte nós produzimos queijo e coalhada
para o nosso consumo e assim vamos sobrevivendo.”
O sábio agradeceu a informação, contemplou o lugar por uns momentos,
depois se despediu e foi embora. No meio do caminho, voltou ao seu fiel
discípulo e ordenou: “Aprendiz, pegue a vaquinha, leve-a ao precipício ali à
frente e empurre-a, jogue-a lá embaixo”.O jovem arregalou os olhos espantado e
questionou o mestre sobre o fato de a vaquinha ser o único meio de sobrevivência
daquela família, mas, como percebeu o silêncio absoluto do seu mestre, foi
cumprir a ordem. Assim, empurrou a vaquinha morro abaixo e a viu morrer.
Aquela cena ficou marcada na memória daquele jovem durante alguns
anos, até que um belo dia, ele resolveu largar tudo o que havia aprendido e
voltar àquele mesmo lugar e contar tudo àquela família, pedir perdão e ajudá-
los. E assim o fez. Quando se aproximava do local, avistou um sítio muito bonito,
com árvores floridas, todo murado, com carro na garagem e algumas crianças
brincando no jardim. Ficou triste e desesperado, imaginando que aquela humilde
família tivera que vender o sítio para sobreviver. Apertou o passo e, chegando lá,
foi logo entrando na casa e viu que era mesmo a família que visitara antes com
o mestre. Elogiou o local e perguntou ao senhor (o dono da vaquinha): “Como o
senhor melhorou este sítio e está tão bem de vida?” E o senhor, entusiasmado,
respondeu: “Nós tínhamos uma vaquinha que caiu no precipício e morreu. Daí
em diante, tivemos que fazer outras coisas e desenvolver habilidades que nem
sabíamos que podíamos, assim alcançamos o sucesso que seus olhos vislumbram
agora!”
ANEXO 3
DINÂMICAS
1 Espaço de Vida
Procedimento:
Participantes em círculo e, ao som da música de Eu sei que
eu vou te amar – de Vinícius de Moraes, passarão a mão sobre a
barriga. A seguir, cada participante recebe uma folha de papel
com o desenho do Espaço de Vida (um quadrado, um círculo etc.)
e, sob a orientação do dirigente, divide-o, conforme o momento
que está vivenciando, compartilhando, depois, a experiência com
o grupo. Terminado o compartilhar, o dirigente solicita que cada
um confeccione uma bola com o jornal, no formato de uma barriga
de gestante, cobrindo-a com papel alumínio, drapeando-o. Colocar
em cada drapeado palavras como: aceitação, cuidado etc., e cada
participante retira do drapeado uma palavra, relacionando-a com
a gestação e partilhando suas reflexões no que se refere ao lugar
que o bebê está ocupando no imaginário da família, clima familiar
favorável etc. Terminada essa etapa, colocar no centro da sala
um boneco com os utensílios do enxoval do bebê. Um a um dos
participantes retira um utensílio e elabora uma frase afetiva, que
denote aceitação para com este pequeno ser.
107
2 O Acampamento
Procedimentos:
O monitor solicita aos participantes que fiquem em pé.
A seguir, lê uma estória, a qual deverá ser dramatizada pelos
participantes durante a leitura. Toda vez que um número for lido, os
participantes formarão subgrupos com a quantidade de elementos
igual ao número pronunciado e, em seguida, se desfazem e todos
voltam a caminhar. Encerrando a dinâmica, tecer comentários sobre
o conteúdo da história.
108
Procedimentos:
Recortar cartelas de cores variadas, tamanho aproximadamente
de 10 x 5 cm, em número suficiente, de modo que todos possam
receber uma. Escrever, em cada cartela, uma frase significativa
(pode ser parte de uma música, versículo bíblico, um pensamento,
uma palavra apenas).
Cortar as cartelas ao meio, de modo que a frase fique dividida.
A dinâmica, propriamente dita, inicia-se com a distribuição de duas
metades, tendo o cuidado para que todos recebam uma metade.
Estabelecer um tempo para as pessoas procurarem as suas metas;
à proporção que cada dupla se encontrar, procurar um lugar para
conversar: o ponto de partida é a frase escrita na cartela. Após 10
min (mais ou menos), solicitar que algumas duplas falem sobre a
experiência (o que sentiram, como foi o encontro etc.).
4 Cuidando do Ninho
109
Que sentimentos surgiram?
Que dificuldades apareceram durante o processo?
Como foram interpretadas as quebras de ovos?
Por que há equipes sem ovo?
Algum “bebê -ovo” foi seqüestrado? Como evitar o
seqüestro?
Que aprendizado resultou dessa dinâmica?
5 Guia de Cego
Procedimentos:
Em duplas, os participantes representam os papéis do cego
e do guia; O “cego” fecha os olhos e o “guia” se coloca atrás dele. A
seguir, dá os seguintes comandos:
1 toque no ombro esquerdo: curva para a esquerda
2 toques no ombro esquerdo: curva acentuada para a
direita
3 toques no ombro esquerdo: curva com retorno para a
direita
1 toque no ombro direito: curva leve para a direita
2 toques no ombro direito: curva acentuada para a direita
3 toques no ombro direito: curva com retorno para a direita
1 toque entre as duas omoplatas: parar
110
têm sua história. Desfrute de suas realizações tanto quanto de seus
planos. Interesse-se por sua profissão; por mais humilde que seja, ela
é um bem verdadeiro na sorte inconstante da vida. Seja autêntico,
sobretudo não simule afeição. Não deixe de crer no amor, mesmo
em face de toda aridez e desilusões, ele é tão perene quanto a relva.
Aceite graciosamente o conselho dos anos, abrindo mão, de bom
grado, das coisas da juventude.
Fortaleça seu espírito, para poder enfrentar o golpe súbito
do destino. Tenha uma disciplina sadia, mas não exija demais de si
mesmo. Você é uma parte do universo, como as árvores e as estrelas;
você tem o direito de estar aqui. Apesar de todas as falsidades, todas
as canseiras e todos os sonhos desafeitos, o mundo é bonito.
6 Dinâmica do Beijo
Procedimentos:
Com o grupo em círculo, a educadora mostra uma boneca
e explica que cada participante deve dar um beijo numa parte da
boneca (uma de cada vez, não se pode beijar uma parte que já foi
beijada). A seguir, o (a) dirigente dá um beijo na boneca (no dedo
do pé, por exemplo) e passa-a para a colega ao lado que, também,
beija a boneca e assim sucessivamente. Concluída essa etapa,
cada participante deve beijar a colega ao lado, da mesma forma
que a boneca foi beijada. Depois, inicia-se um debate livre sobre o
que cada uma sentiu, ressaltando alguns aspectos, como: por que
homem não beija homem? Por que é difícil expressar carinho? Por
que é mais fácil expressar carinho para uma boneca que para uma
pessoa?
ANEXO 5
Personagens:
Pai.....................Duruta
Mãe....................Conceicão
Filha...................Maria do Socorro
111
Agente de Saúde.....................Suely
I CENA
Maria do Socorro: – Dona Suely, posso entrar?
Suely (entra em cena ): – Bom dia, Maria do Socorro, que bom que
você veio. Está tudo bem? (Maria do Socorro começa a chorar )
Suely: – Não chora, minha filha vai dar tudo certo.
Maria do Socorro: – D. Suely a senhora já está sabendo.
Suely: – Que a senhora está esperando nenê? Mas, todo mundo já
sabe, Maria.
Maria do Socorro: – Mas eu só disse para Raimundinha.
Suely: – É, filha, as notícias aqui correm rápido. E dona conceição,
já sabe?
Maria do Socorro: – Não. Nem ela nem papai. Se eles descobrirem,
vão me matar. Eu estou com tanto medo! Me ajude, dona Suely. O
que eu faço agora?
Suely: – Já está feito, Maria do Socorro. Já está feito. Você tem agora
que ir ao Posto de Saúde para fazer o pré-natal e acompanhar o
desenvolvimento do seu bebê; depois vamos falar com teus pais.
Deixa eu te ver. Veja só, a barriguinha já está até aparecendo! (sai)
CENA II
Dona Conceição (andando de um lado para outro, chamando):
– Maria do Socorro!!! Maria do Socorro!!! Onde está essa menina?
Maria do Socorro!
Duruta (entrando zangado): – Mulher, cadê aquela desavergonhada?
Eu vou tirar o couro dela com este galho de goiabeira.
Dona Conceição: – O que foi, Duruta? O que aconteceu pra tanta
zanga?
Duruta: – Mulher, tá todo mundo dizendo na vizinhança que Maria
do Socorro tá prenha.
Dona Conceição: – O quê!... Bem que eu tava desconfiada. Era uma
cuspideira danada, vive dormindo pelo canto...
Duruta: – Eu num te disse, Conceição. Cadê aquela desavergonhada?
Hoje ela vai ter que se vê comigo.
Dona Conceição: – Te acalma, homem, pode ser...
Duruta (cortando a fala de Conceição): – Tu sabe o que dona Joana
lá da venda disse, sabe? Vai ser avô, heim, seu Duruta! Os de casa
112
são sempre os últimos a saber. Se eu agarro esse sujeito... Vou tomar
uns trago lá na venda.
Dona Conceição: – Te acalma, Duruta, num vai te precipitar, meu
velho. Olha o coração! (sai)
CENA III
113
114
Dona Conceição: – Até logo, dona Suely. Agradeço a sua ajuda.
Suely: – Até logo!
Dona Conceição: – Maria do Socorro, teu pai tá uma fera, se ele te
pega! Mas minha filha, do jeito que as coisas tão difíceis, tu...
Maria do Socorro: – Hummm... Mãe, acho que vou baldear.
Dona Conceição: – Vamos entrar menina, vamos! (saem)
(Duruta chega cantando)
Suely (encontra com Duruta): – Seu Duruta, que bom lhe encontrar,
precisamos conversar.
Duruta: – É sobre Maria do Socorro, não é, dona Suely?! Pois eu
estou sabendo de tudo.
Suely: – E estou vendo que o senhor está é feliz!
Duruta: – É... sabe dona Suely, eu fiquei muito chateado, a senhora
sabe como é... pai é pai, só quer o melhor para os filhos... Mas agora
já está feito. Tive lá na venda. Tive conversando lá com o compadre
Doca, ele me deu uns conselhos pra deixar disso, né! Com a filha
dele foi a mesma coisa e o moleque tá aí, correndo pra todo lado.
É dona Suely, vou tomar um banho e depois converso com a Maria
do Socorro.
Suely: – É isso mesmo, senhor Duruta, assim é bem melhor. Com
a sua ajuda vai ficar tudo mais fácil. E depois que ela tiver o nenê,
tem que se prevenir para não emprenhar novamente.
Duruta: – Então, até mais ver, dona Suely e obrigado por tudo.
(sai)
Suely: – Até, senhor Duruta e um bom dia para todos.
(Para platéia): – Vejam só que coisa bonita, não é pessoal! Com
a família dando apoio, Maria do Socorro terá uma gravidez mais
tranqüila. Até logo, pessoal.
SAÚDE MENTAL E OS NOVOS
DISPOSITIVOS DE CUIDADOS
Cristina Loyola*
Ivelise Pieniz Macagnan* *
*
Professora Titular da UFRJ; Coordenadora do Programa Viva a Vida.
**
Psicóloga do Programa Viva a Vida; Especialista em Saúde Mental.
115
A substituição do enclausuramento nos hospitais pelo
cuidado comunitário para as pessoas que sofrem por transtornos
psiquiátricos tem sido uma meta, na reorganização dos serviços de
saúde mental, em todo o mundo.
Essa nova diretriz encontra-se no Brasil uma realidade
adversa, na medida em que, historicamente, a assistência que
temos oferecido aos doentes mentais está centrada no recurso à
hospitalização, com seus inconvenientes de cronificação, custos
elevados e exclusão social.
O desenvolvimento de novos psicofármacos, das técnicas
psicoterápicas individuais e grupais e a clara percepção de que a
liberdade é terapêutica têm criado o consenso de que o lugar de
tratar problemas de interação humana é onde eles acontecem, ou
seja, nas relações de vida coletiva.
Associando-se a razões de ordem afetiva, social e política, o
mundo assiste, nas últimas décadas, a uma “saída do hospital” em
todas as clínicas da área da saúde. Há um declínio do número de
leitos hospitalares, enquanto se ampliam dispositivos sanitários
e sociais, diversificados e com tecnologias sofisticadas no âmbito
ambulatorial, para acompanhar as pessoas no convívio comunitário
e ao longo do contínuo saúde-doença.
Além da adequação dos custos, o que está em discussão é a
116
IMPLANTAÇÃO DE CENTROS DE
ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS
1 QUEM SOMOS?
117
voando, era preciso redescobrir novas rotas, novas possibilidades,
e isto seria um processo de construção. À medida que os módulos
aconteciam, cada grupo fazia aflorar novas idéias, sempre ajudados
uns pelos outros sob a orientação do Prof. Tião Rocha.
2 PONTO DE PARTIDA
118
elaboração do Projeto do Programa de Saúde Mental. O Programa
foi oficialmente implantado em abril de 2001 e, no mesmo mês,
iniciamos o atendimento ambulatorial.
A cidade de Poção de Pedras, com cerca de 22.000 habitantes
é responsável por prestar assistência a mais 3 municípios: Lago dos
Rodrigues, São Roberto e São Raimundo do Joca Bezerra, tendo
até então, como única alternativa de tratamento de portadores de
transtornos mentais, o encaminhamento desses pacientes para São
Luís ou Teresina. Não há qualquer acompanhamento após a alta e
retorno do paciente, fazendo com que um número considerável
de doentes mentais fiquem vagando pelas ruas, ou mesmo presos
em suas residências.
A idéia de implantar o CAPS, no município, nasceu com um
dos componentes de nosso grupo, a médica Maria Líndia Elói da Luz
após constatar a realidade acima descrita, bem como o alto índice
de queixas relativas a transtornos mentais, tanto no atendimento
ambulatorial local, como no cadastramento das famílias feito pelos
ACS. Das 10 queixas mais comuns referidas pelas famílias, três
estão diretamente relacionadas a transtornos mentais (SIAB/PACS
– cadastramento das famílias – 2001). A partir dessa realidade,
decidimos começar nosso trabalho com uma conferência. Nos
dias 7 e 8 de novembro de 2001, realizamos a 1ª Conferência sobre
Saúde Mental de Poção de Pedras, com ampla participação da
comunidade.
Muitas discussões e reflexões aconteceram nessa Conferência
sobre os modelos de tratamento dos portadores de transtornos
mentais que perduram até hoje, tendo como base, principalmente,
os modelos hospitalocêntricos e asilar, os quais excluem o cidadão
de seu convívio familiar e social, violando, assim, os direitos
humanos e de cidadania.
Poção de Pedras foi o único município da Regional de Pedreiras
que realizou a Conferência Municipal de Saúde Mental, por esta
razão pôde enviar dois representantes locais para a III Conferência
Estadual, que aconteceu em novembro de 2001, em São Luís-MA e,
posteriormente, para a Conferência Nacional ocorrida em Brasília,
em dezembro de 2001.
Durante a conferência estadual, a coordenadora do Programa
119
Viva a Vida, Profª Cristina Loyola, informou que havia recursos para
financiar a implantação de três CAPS no Estado do Maranhão.
Coordenada pela Dra. Líndia Elói, Poção de Pedras tomou iniciativa
de implantar um CAPS no município, após discussões locais.
Essa iniciativa teve o apoio do então Prefeito da cidade,
Cristóvão Sousa Barros, que se dispôs a oferecer o apoio necessário
à implantação do referido Centro. Também teve o apoio unânime
do Conselho Municipal, ocorrendo o protocolo do processo de
solicitação de implantação em novembro de 2001.
3 PRÉ-REQUISITOS PARA IMPLANTAÇÃO DE CAPS
120
Em Poção de Pedras, o CAPS funcionará em dois locais: numa
casa, na qual já está implantado o ambulatório e em breve algumas
oficinas e terapias. Nessa casa, permaneceremos até a conclusão
da sede definitiva, a qual se situa em um grande terreno (de quase
dois hectares), na sede do município, em local de fácil acesso e
muito agradável. Nesse local, inicialmente, haverá as oficinas de
agricultura ecológica (horta, farmácia viva, um pomar, oficina de
mudas, atividades de jardinagem, etc.). Após a conclusão do 1º
galpão, também será implantada a oficina de marcenaria.
Um outro pré-requisito de funcionamento do CAPS é a a
formação da equipe mínima, que deve ser organizada de acordo
com a Portaria do Ministério da Saúde Nº 336-6m de 19/2/2002,
variando de acordo com o tipo de CAPS. Na equipe de nível superior,
deve conter, obrigatoriamente, médico e enfermeira; os demais
membros podem variar de acordo com a realidade local.
No caso de Timon, a equipe mínima foi escolhida através da
análise de currículos e entrevistas. Escolhemos 4 pessoas com o
perfil do profissional comprometido e apaixonado pelo que faz.
Está constituída por 1 (uma) assistente social, 1 (um) psicólogo, 1
(uma) terapeuta ocupacional e 1 (uma) professora de educação
física. O psiquiatra e a enfermeira já estavam definidos, pois eram
os elaboradores do Projeto. Essa equipe, após selecionada, passou
pelo processo de capacitação, através de treinamento e seminário
interativo; só posteriormente foi contratada. Hoje, contamos com
mais 2 (dois) psiquiatras.
Em Imperatriz, a atual equipe do Programa de Saúde Mental
é constituída por: 1 (um) médico psiquiatra, 5 (cinco) psicólogas,
1 (uma) terapeuta ocupacional, 1 (uma) assistente social, 1 (uma)
supervisora clínica, 1 (uma) recepcionista, 1 (uma) coordenadora
(também psicóloga) e 1 (uma) enfermeira.
Esses profissionais são funcionários públicos municipais,
lotados na Secretaria de Saúde. Alguns já prestam serviços no
Programa de Saúde Mental; os demais serão remanejados de outros
programas.
Atualmente, a equipe do ambulatório, em parceria com o IPUB
e UFRJ, está realizando a Especialização em Saúde Mental para 70
profissionais de Imperatriz e adjacências.
Em Poção de Pedras, a equipe mínima está sendo constituída,
121
a partir de um grupo de estudo acerca de um novo modelo de
assistência em Saúde Mental, iniciado em fevereiro de 2002, através
de uma identificação dos profissionais com a área. Está composta
por: pessoal de nível superior: 1 (uma) médica, 1 (uma) enfermeira,
1 (uma) psicóloga, 1 (uma) farmacêutica e 1 (uma) professora e
1 (um) agrônomo; pessoal de nível técnico: 1 (uma) auxiliar de
enfermagem, 1 (uma) recepcionista, 1 (um) agente administrativo,
2 (dois) técnicos agrícolas, 1 (um) marceneiro, 1 (um) mestre de
capoeira, 1 (uma) esteticista e 1 (uma) artesã; pessoal de apoio: 1
(uma) cozinheira, 1 (uma) auxiliar de serviços gerais, 1 (um) auxiliar
administrativo.
O Projeto Terapêutico, outro pré-requisito de construção
do CAPS, tem como objetivo detalhar as atividades que serão
desenvolvidas. Em relação a esse pré-requisito, verificamos que,
no decorrer dos encontros sob a coordenação do educador Tião
Rocha, fomos visualizando novas formas de dimensioná-lo de
acordo com o que aprendíamos. Confrontamos nossa realidade
com as teorias, por isso nosso PTA foi modificado em alguns
aspectos, como, por exemplo, o objetivo “Implantar CAPS no
interior do Estado” foi substituído por “Implantar CAPS no Estado
do Maranhão”, tornando-se assim mais abrangente. Reorganizamos
também nossas atividades, especificando-as melhor, de acordo
com as dimensões. Por último, substituímos a dimensão clientela
por sensibilização, por entendermos que a clientela já havia sido
contemplada em outras dimensões e por sentirmos a necessidade
da sensibilização em todos os momentos do processo de construção
e implantação de um PTA.
Em Timon, o Projeto Terapêutico foi elaborado, a partir do
levantamento das necessidades e das expectativas da comunidade,
através de visitas domiciliares, reuniões da equipe técnica, com a
ajuda dos ACS, para, então, desenvolver estratégias de atendimento,
construção de oficinas terapêuticas e formação de grupos com
pacientes e familiares.
As oficinas planejadas foram: tapeçaria, pintura em tela
e cerâmica, flores, horta medicinal. Já os grupos poderiam ser
trabalhados em forma de terapia comunitária, grupos operativos,
assembléia de pacientes, grupos de controle social, dentre outras
possibilidades de atendimento.
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Tais atividades teriam o objetivo de facilitar a reintegração
do paciente à comunidade, através de exposição de trabalhos,
feiras, participação em outros eventos que, conseqüentemente,
implicariam em melhoria de vida, pois eles seriam valorizados.
Isso contribuiria para recuperar a auto-estima e reduzir as
internações.
Assim como o de Timon, o Projeto Terapêutico do CAPS de
Imperatriz foi elaborado, a partir de um levantamento feito pela
atual coordenadora do Programa de Saúde Mental, Antônia Pereira
Silva, junto à clínica psiquiátrica do município. O levantamento
contemplou as internações e reinternações psiquiátricas, a
incidência dos transtornos mentais e as condições socioeconômicas
dos portadores de transtornos mentais.
Para atender às necessidades locais, constatamos que o
CAPS deverá funcionar em horário integral das 8 às 18 horas, de 2ª
à 6ª feira. O período de permanência dos pacientes será definido
a partir da avaliação da equipe, considerando a individualidade
e necessidade do paciente, o qual, conforme o caso, receberá a
indicação para permanência de 4 (quatro) ou 8 (oito) horas no
serviço, participando das oficinas terapêuticas ou recebendo apenas
assistência ambulatorial.
A nossa estratégia de trabalho terapêutico compreende:
triagem, atendimento individual, terapia de grupo, grupos
operativos, oficinas, palestras, reuniões de equipe, visitas
domiciliares, supervisão clínica, entre outras metodologias de
intervenção, no que se refere a tratamento e prevenção dos
transtornos mentais.
Em Poção de Pedras, o Projeto Terapêutico do CAPS foi
embasado na monografia de conclusão do Curso de Especialização
em Saúde Mental, promovido pelo Programa Viva a Vida, em
parceria com o IPUB/UFRJ, sob o título Como Estruturar e Implantar
uma Rede Especializada em Saúde Mental no Município de Poção
de Pedras como Estratégia para a Interiorização destas Ações. A
estratégia de trabalho compreende as seguintes modalidades:
Grupo de Recepção; Atendimento individual (ambulatório) e
grupal (com pacientes e/ou familiares); Oficinas terapêuticas; Visitas
domiciliares; Palestras na comunidade e/ou instituições; Reuniões
semanais da equipe multidisciplinar; Supervisão clínica quinzenal
123
ou mensal.
Convém ressaltar que o CAPS ainda não está funcionando
a contento. Os grupos ainda serão formados, obedecendo a uma
certa homogeneidade dos problemas detectados nos atendimentos
individuais ou pela equipe de recepção ou triagem.
O usuário será recebido pelo grupo de recepção, sendo
depois encaminhado à equipe interdisciplinar que, após cuidadosa
avaliação, o conduzirá para as atividades do CAPS.
Quanto ao processo de autorização e funcionamento, o
Projeto necessita ser aprovado no âmbito municipal, estadual e
federal. Foi o que aconteceu com os Projetos dos três municípios
em questão.
O Projeto do CAPS de Timon foi encaminhado, primeiramente,
para a Coordenação Estadual de Saúde Mental, após aprovação
do Conselho Municipal de Saúde, por volta de julho de 2001. Em
outubro de 2001, realizamos a Primeira Conferência Municipal de
Saúde Mental.
Um ano depois da 1ª entrega de nosso Projeto, foi necessário
encaminhá-lo novamente, pois, mesmo após várias tentativas,
não foi incluído na pauta da Comissão Intergestora Bipartite. A
aprovação só aconteceu no segundo encaminhamento à referida
Comissão e foi cadastrado no Ministério da Saúde em outubro de
2002.
Em Imperatriz, encaminhamos ao Conselho Municipal de
Saúde, que o aprovou e, logo, em seguida, foi encaminhado para
a Assessoria Especial de Saúde, passando para a Gerência de
Qualidade de Vida do Estado, para a Coordenação Estadual de
Saúde Mental; e para a Gerência Adjunta de Saúde e Comissão
Integestora Bipartite. Foi cadastrado pelo Ministério da Saúde em
novembro/2002.
Todo esse percurso não transcorreu de forma linear e
tranqüila, pois, por algumas vezes, o Projeto se perdem e foi era
esquecido, tendo a Coordenação de Saúde Mental do município
que mandar novas cópias para que o processo tivesse continuidade,
fato que também ocorreu com os municípios de Poção de Pedras
e de Timon.
Em Poção de Pedras, o processo de solicitação de implantação
do CAPS foi protocolado, pela primeira vez, em novembro de 2001,
124
na Regional de Pedreiras, após ter sido aprovado pelo Conselho
Municipal de Saúde local. A seguir, foi encaminhado para a
Gerência de Qualidade de Vida (GQV), que o devolveu à Regional
de Pedreiras para as devidas providências. O Assessor de Saúde, ao
recebê-lo, encaminhou-o ao proprietário do CAPS privado local,
talvez por imaginar que isso pudesse ajudar na implantação do
Centro. Entretanto esse fato contribuiu para retardar o processo
que ficou retido até o mês de junho/2002, quando o recebemos
sem o devido parecer.
Diante desse fato, procuramos o então Coordenador de Saúde
Mental que nos orientou a iniciar um novo processo. Em julho/2002,
o novo processo foi protocolado, estando agora aguardando o
parecer da Vigilância Sanitária.
O relato desse fato se faz importante, apenas para mostrar o
grau de desinformação que tínhamos sobre a implantação do CAPS
no setor público, até aquele momento.
4 ENTRAVES E DIFICULDADES
125
foi a contratação de mais dois profissionais, 1 (um) psiquiatra e 1
(uma) estagiária em psicologia, para ampliar o atendimento.
Uma outra dificuldade tem sido a falta de transporte para
realizar visitas domiciliares, o que acaba voltando à questão
financeira. No momento, as visitas prioritárias são feitas em nosso
carro, com nosso combustível.
No município de Poção de Pedras, dentre as dificuldades para
implantação do CAPS, citamos a falta de informação quanto aos
passos necessários. Essa falta se verificou tanto na instância local
quanto na estadual. Também houve outras dificuldades como:
a mudança de portarias, de governo, de Gerência Estadual, da
Coordenação de Saúde Mental, da Assessoria de Saúde Regional,
bem como da Secretaria Municipal de Saúde; a falta de motivação
inicial da nova gestora municipal, a limitação financeira, o que
vem trazendo vários outros entraves, inclusive a contratação dos
profissionais que irão compor a equipe. A equipe de Estudos,
percebendo o desinteresse da gestora, avaliou que ela poderia ser
sensibilizada, se participasse de uma discussão com a comunidade.
Isso nos obrigou a realizar um Fórum de discussões sobre Saúde
Mental, ocorrido no final de julho/2002. A partir de então, pudemos
contar com mais uma aliada.
5 CONQUISTAS
126
organizacional dos usuários do CAPS II de Timon.
Nossa mais recente conquista foi o cadastramento de nosso
CAPS II em Brasília, ocorrido na 2ª semana do mês de outubro/2002.
Isso nos deu a sensação de estarmos no caminho certo e mais, deu-
nos a certeza de que vale a pena lutar por um ideal.
Em Imperatriz, neste curto período de 1 ano e 5 meses de
vida do Programa de Saúde Mental, já tivemos algumas conquistas
significativas, como: O 1º Encontro de Saúde Mental; a realização da
I Conferência Municipal de Saúde nos dias 30 e 31/10/2001; mais
de 5.000 pessoas atendidas no ambulatório até abril de 2002; a
especialização e capacitação em Saúde Mental para 70 profissionais
de saúde; o recebimento da verba federal de R$30.000,00 (trinta
mil reais) para a compra de equipamentos eletro-eletrônicos; a
contratação de uma supervisora clínica para compor a equipe,
elemento de extrema importância à organização de todo o
processo; uma equipe comprometida e atuante no processo de
reforma psiquiátrica; grupo de estudo, palestras para comunidade
fora do horário de trabalho.
Na 1ª quinzena de novembro de 2002, tivemos mais uma
conquista: o cadastramento de nosso CAPS II Imperatriz.
No município de Poção de Pedras, desde a realização da I
Conferência de Saúde Mental até o presente momento, já tivemos
importantes conquistas, tais como: a aquisição do terreno para
o funcionamento do CAPS; a casa onde já está funcionando o
ambulatório para portadores de transtornos mentais; o grupo
de estudo de Saúde Mental, cujas reuniões são semanais, tendo
127
ANEXO 01
128
Quais atividades - Promover - Saber passar
facilitam a exposições e troco, contar
reintegração ao feiras do material - Ter um trabalho
trabalho? produzido nas reconhecido e
oficinas remunerado
- Promover
contratos
para venda da
Quais atividades produção - Qualidade de vida
implicam em - Redução das
melhoria de vida? - Trabalho reinternações
reconhecido e - Auto-estima
remunerado - Associações
- Estímulo à de usuários e
formação de familiares atuante,
associações participando
de usuários e das atividades e
familiares lutando por novas
conquistas
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130
IMPLANTAÇÃO DOS LEITOS DE PSIQUIATRIA
NO HOSPITAL GERAL TARQUÍNIO LOPES FILHO
EM SÃO LUIS-MA
INTRODUÇÃO
131
tais como: CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), NAPS (Núcleo
de Atenção Psicossocial), Residência Terapêutica, é reforçada pelo
atendimento de curta permanência e sem isolamento às demais
áreas da saúde, que oferece um hospital geral.
Buscando acompanhar essa evolução, o Estado do Maranhão
criou o PROGRAMA VIVA A VIDA que, dentre suas metas, está a
reinserção psicossociofamiliar dos portadores de transtornos
mentais.
Em meados do ano 2001, o Programa Viva Vida procedeu
contatos com o Hospital Universitário, na época gestor do Hospital
Geral Taquínio Lopes Filho, com a finalidade de sensibilizar a direção
acerca da viabilidade de realização do desafio de implantar leitos
psiquiátricos no referido hospital.
Inicialmente, tínhamos uma equipe composta por uma
psicóloga, duas enfermeiras recém-formadas e recém-chegadas
do Rio de Janeiro, as quais seriam residentes de enfermagem e
deveriam morar na residência médica do Hospital Universitário.
Houve a promessa de juntar-se ao grupo mais dois componentes:
um psiquiatra residente do 2º ano e um médico recém-doutor,
vindo do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil - IPUB.
Não conseguimos que viessem; o novo, a distância e os desafios
foram maiores e esses profissionais desistiram. Depois, uma das
enfermeiras residentes, não suportando a saudade, retornou ao
Rio de Janeiro.
Vivenciando essa situação, foi oportuna outra atividade do
Programa Viva a Vida: promover e proporcionar aos profissionais de
saúde interessados um Curso de Especialização em Saúde Mental,
em convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
O Curso aconteceu em São Luís do Maranhão e nos forneceu a
possibilidade de reintegrar essa equipe com profissionais recém-
especializados e sensíveis à psiquiatria: uma enfermeira, uma
psicóloga e um médico do PSF – Programa de Saúde da Família,
por último foi incorporado um médico psicanalista seduzido pela
proposta.
No caminho desse ousado Projeto, certos de que tal
experiência necessitava de apoio para o seu fortalecimento,
iniciamos uma parceria: Programa Viva a Vida e Hospital Universitário,
traduzida em uma seqüência de reuniões, em busca dos acertos
132
necessários e aperfeiçoamento de detalhes que permitissem o
uso das rotinas existentes no próprio serviço da instituição. Houve
ainda o estabelecimento de um fluxograma de atendimento para
os cuidados em saúde mental e a discussão das experiências
pertinentes em outros Centros.
A possibilidade de implantação dos leitos e o estigma
envolvido, nessa história, acabaram por protelar o seu início.
Acreditamos que a diretoria nesse momento vivenciava pressões
de todo um corpo de profissionais, arraigado pelo preconceito
que provocava um medo extremo dessa nova realidade, a qual se
mostrava como possibilidade assustadora para eles e confrontava
a vontade de nos apoiar. Percebíamos, assim, o receio comum a
todos nós quando ousamos mudar realidades: a possibilidade
de acertar ou errar. A inauguração dos leitos foi por várias vezes
marcada e remarcada e até tornou-se providencial a comparação
com o cemitério de Odorico Paraguaçu, personagem da novela “O
Bem Amado”.
Talvez em função desse sentimento, a diretoria passou a
nos cobrar mais apoio traduzido por vezes na solicitação de nossa
presença em plantões, para que nos inteirássemos das rotinas
da instituição e tivéssemos maior contato com esta realidade (o
que muito serviu para aprimorar os mecanismos de atuação, em
face da instalação dos leitos). Cobravam-nos a realização de um
treinamento para todo o corpo funcional do hospital (recepção,
seguranças, maqueiros, copa, operacionais e equipes dos diversos
setores, como clínica médica, cirúrgica e ambulatório), e este
parecia-nos uma variável da qual a iniciação das internações nesses
leitos dependia.
O treinamento, denominado POSSIBILIDADES DE SER, foi
marcado para o período de 11 a 18 de março de 2002, sob a
responsabilidade da equipe que iria atuar como responsável direta
pelos leitos. A aula inaugural foi ministrada pela coordenadora do
Programa Viva a Vida, Profª Cristina Loyola. O referido treinamento
funcionou como uma estratégia importante para afastar os
obstáculos e disseminar a filosofia do nosso trabalho:“encantamento
pelo cuidar em saúde mental”.
Cumpre frisar que o treinamento exigia algo que ia
além da experiência curricular da equipe e foi fundamental
133
para identificarmos o teor do estigma que envolve a “loucura”,
representado pelo preconceito diante do doente mental, da
arcaica noção do modelo manicomial escudado na falsa idéia
da possibilidade permanente de agressão por parte desses
pacientes. Tal imagem fez-nos tomar consciência dos problemas
que poderiam surgir, cobrando de nós maior dedicação e tato no
direcionamento das eventuais situações.
Não obstante a baixa freqüência dos funcionários efetivos
do Hospital Geral no treinamento (termômetro indicativo de fraca
adesão dos mesmos ao Projeto), sentimo-nos fortalecidos em nosso
empenho, preparando-nos para iniciar o trabalho.
Um parêntese deve ser aberto para descrever a ansiedade
da nossa equipe, em face da implantação desses leitos, pois já
decorriam cinco meses desde o início do Projeto. Rondava-nos
o medo do desconhecido, pois embora nossa prática envolvesse
o atendimento em psiquiatria, ainda não havíamos ousado fazê-
lo de outra forma que não a tradicional e isso, para os que nos
cercavam, significava muito mais que inovar; representava uma
atitude insensata ou insana.
A idéia do compartilhamento do espaço físico entre doentes
mentais e pacientes de outras especialidades médicas parecia, para
muitos, inconcebível, mesmo nos tempos atuais em que falar de
atendimento em Saúde Mental representa quebrar preconceitos e
tratar com dignidade. Assim, iniciamos o nosso serviço cercados por
atitudes e comentários que evidenciavam a visão geral em favor da
separação dos pacientes psiquiátricos dos demais pacientes. Aos
primeiros, não se daria a oportunidade de expressar seu sofrimento
psíquico no interior de um hospital geral.
Nesse sentido, além da capacitação técnica proporcionada
pelo treinamento, ousamos ocupar a função de agentes
psicossociais, tendo em vista a desmistificação do estereótipo que
encerra a doença mental de forma a incluir seus portadores como
merecedores de cuidados de saúde tanto quanto os demais.
Para iniciarmos nossas internações, percebemos a necessidade
de um entrelaçamento com um serviço de emergência para assumir
a porta de entrada do fluxograma de atendimento. Dessa forma,
estabelecemos parceria com o Hospital Nina Rodrigues - HNR,
hospital público de referência em Psiquiatria no Estado, responsável
134
por todos os encaminhamentos da assistência psiquiátrica através
do seu Serviço de Emergência.
Nas reuniões da equipe do Programa Viva a Vida e direção do
HNR para tais acertos, foram estabelecidos critérios de triagem: o
perfil dos nossos pacientes, necessitando de atenção em regime
de internação de duração breve e a forma de encaminhamento
dos pacientes, de modo a se compatibilizarem com as rotinas de
admissão já existentes no Hospital Geral.
Outras necessidades emergiam nesse caminho e, com presteza,
eram solucionadas: a contratação de técnicos de enfermagem para
complementar a equipe, formalização junto à farmácia do Hospital
Geral das necessidades dos medicamentos psicotrópicos para os
pacientes bem como o controle dos mesmos.
Uma vez ultimadas todas as providências planejadas,
comunicamos ao HNR que estávamos em condições de receber
pacientes para internação, a partir do dia 13 de maio de 2002. Nesse
dia, conscientes de que aquele momento representaria um marco
histórico para a psiquiatria no Maranhão, mantivemos uma natural
apreensão para receber o primeiro paciente, o que aconteceu
somente no dia subsequente.
Devemos mencionar que, nesse período, nosso Estado
passava por um momento pré-eleitoral e as mudanças dos chefes
do Poder Executivo promoveram alterações na direção da Gerência
de Qualidade de Vida e na Coordenação Estadual de Saúde Mental,
seguidas de sérias modificações estruturais, tais como: o fim
do convênio de gestão e a manutenção do Hospital Geral pelo
Hospital Universitário, retornando, assim, o seu gerenciamento
pelo Estado.
Um forte impacto foi sentido no desenvolvimento do nosso
trabalho, seja pela substituição de alguns funcionários já treinados,
seja pelos rumores de que havia um iminente rompimento por
parte da nova gestão com os serviços recém-instalados. Apesar de
conviver com estes fantasmas, continuamos a traçar nossas metas,
realizando o treinamento dos novos funcionários e preparando-
os para os efetivos cuidados junto à nossa clientela, de modo a
estabelecer uma aproximação cautelosa com a nova diretoria do
hospital para definirmos nossa real situação.
Convém ressaltar que o nosso trabalho tem sido o de estreitar
135
as relações com os diversos setores do Hospital Geral, objetivando
congregar uma unidade de ações passível de favorecer a estada
dos pacientes durante o período de internação. Cabe registrar que,
no início de todo esse processo, a diminuição da resistência por
parte dos funcionários se deveu mais por conta do declarado apoio
da direção que pelos nossos incansáveis esforços, nas oficinas de
sensibilização.
Sabemos que a prática supera os preceitos teóricos e somente
a experimentação do dia-a-dia será capaz de exigir de nós reflexões
e eventuais modificações de conduta. É o que vem acontecendo
com as mudanças de atitudes, no sentido positivo, dos novos e
antigos funcionários, no que diz respeito aos pacientes portadores
de transtornos mentais.
O NOSSO SERVIÇO
136
ao atendimento clínico, independente de sua patologia. A intenção
certamente não é isolá-lo por ser doente mental, perdendo, assim,
o direito de ser atendido clinicamente nos hospitais; ao contrário, a
intenção é desconstruir a idéia de que o atendimento psiquiátrico
deva ocorrer em segregação.
Assim, iniciamos nosso serviço, com a estrutura física que nos
havia sido oferecida e com o grande desafio de construirmos uma
estrutura organizacional, pois sabíamos que dela dependeria o
sucesso ou fracasso de nossa experiência.
Ao pensarmos essa estrutura, construímos, através do Curso
já mencionado em outros momentos deste relato, o PLANO DE
TRABALHO E AVALIAÇÃO – PTA (Anexo 01).
O primeiro passo foi determinar as dimensões do nosso
serviço, pois elas norteariam todos os passos subseqüentes. Após
várias discussões e sugestões, delimitamos as dimensões de nosso
PTA:
- ACOLHER
- CUIDAR
- INCLUIR
Pautando nosso fazer nessas dimensões e enriquecido com
as experiências vivenciadas no trabalho, nosso sonho tomou
corpo. Não queríamos reincidir nos mesmos erros vivenciados nos
contatos com estruturas hospitalocêntricas. Queríamos construir
algo diferente e melhor. Foi com essa expectativa que iniciamos
nosso atendimento.
A admissão dos pacientes foi nosso primeiro obstáculo.
Queríamos acolhê-los, mas as pessoas que os recepcionavam
nem sempre estavam disponíveis para recebê-los. Os pacientes
que vinham encaminhados por um serviço de emergência com o
qual fixamos parceria, após período de observação por 48 a 72h, já
passando assim a fase aguda da crise ou agitação, ainda assustavam
os que estavam na recepção, muito mais pelo imaginário que
possuíam sobre os que chegavam, do que pelo próprio estado do
paciente.
Ao chegar, nossa equipe era a primeira a ser informada da
presença do paciente num grande frisson que mais parecia uma
situação emergencial denunciando sua condição para todos os que
137
se encontravam no local de atendimento. Esta situação perdurou
por pouco tempo, pois passamos a acolher o paciente, na tentativa
de minimizar os traumas causados por aquele primeiro contato
dele com a instituição, tratando-o cordialmente e mostrando aos
demais que não havia periculosidade naquele contato (não mais
que os riscos de se viver). Sempre levávamos o paciente para realizar
os procedimentos da admissão em nossa companhia e assim
conquistamos os que antes se assustavam com a presença deles.
Terminados os trâmites da admissão (abertura de prontuário,
preenchimento de cadastro, contato com o Serviço Social),
seguíamos com o paciente e familiares para uma sala onde
colhíamos uma história clínica inicial e orientávamos os pacientes
quanto ao tipo de internação.
Aos poucos percebemos a necessidade de detalharmos a
questão do tempo de internação, pois os pacientes, em sua maioria
já com experiências de internações em outros serviços, mostravam-
se muito resistentes a ela (internação), pois representava um
distanciamento de sua rotina por, pelo menos, 3 meses (média de
internação das outras instituições).
Colhida a história, esse paciente era encaminhado com o seu
acompanhante e/ou profissional que fizeram a abordagem inicial,
para a enfermaria e apresentado aos outros internos com quem
dividiria o espaço. Interessante que nesse momento, ainda tomados
por experiências anteriores, alguns desses pacientes, antes de
usarem os leitos, colocavam seus chinelos sob o colchão e insistiam
em ficar com as sacolas contendo seus pertences com medo de
serem roubados (até hoje nunca tivemos furto de quaisquer objetos
dos pacientes).
Em um momento subseqüente, criamos um grupo denominado
Bom Dia como forma de minimizar um distanciamento inicial entre
os pacientes da clínica médica e os da psiquiatria. Esse grupo acabou
tomando outras proporções e passou a servir para apresentar os
pacientes recém-admitidos à estrutura hospitalar, inclusive por
outro paciente admitido há mais tempo, mostrando-lhe que não
se trata de um manicômio e, sim, de um hospital clínico. Isso tem
ajudado a minimizar as resistências quanto ao atendimento.
Nesse trabalho de acolhimento, o fato de o serviço funcionar
em um hospital clínico já traz ao paciente um conforto, muitas
138
vezes manifestado em falas do tipo: “Eu não estou sendo tratado
num manicômio”. Por vezes, inclusive nós da equipe, utilizamos
esse fato para quebrarmos resistências quanto à internação e para
aplacarmos os ânimos dos mais exaltados, quando já internados
(contenção comunitária), obtendo bons resultados.
Nossa equipe teve o cuidado de não atrelar esse acolhimento
apenas ao que já possuíamos; procuramos, assim, criar estruturas
que promovessem novas formas de acolher e que oferecessem o
conforto e a segurança necessária a esses usuários que vivenciam
um instante delicado de suas vidas.
Para tanto, abrimos espaço para a permanência de um
acompanhante junto ao paciente durante sua estada no hospital,
de forma a não o distanciarmos por completo de sua realidade.
Ressaltamos que essa não é uma prática comum na realidade
psiquiátrica brasileira.
A partir da sugestão de uma de nossas usuárias, de que o
nosso serviço assemelhava-se a um hotel, e que o paciente e seus
familiares se sentiriam bem mais seguros, se pudessem dispor
das informações acerca de seu tratamento, criamos o Cardápio
de Acolhimento (Anexo 2), folder com todas as informações
necessárias.
Caminhando ainda nessa linha, resolvemos personalizar
as nossas enfermarias, proporcionando ao paciente objetos que
tornassem sua permanência mais agradável e menos restritiva. Assim
equipamos as enfermarias com relógios, calendários, espelhos, um
Quadro Informativo, que é atualizado diariamente, com a data,
nome dos profissionais responsáveis pelo andamento do serviço
naquele dia, nome dos pacientes internos, seus respectivos leitos,
bem como a quantidade de dias que permanecem sob nossos
cuidados. Instalamos ainda a Caixa de Opiniões, onde o paciente
e familiares avaliam e criticam os nossos serviços, através do
preenchimento da ficha de avaliação “Sua Palavra é Importante.”
Diante das necessidades e situações que foram se apresentando
em nosso quotidiano, criamos alguns grupos. Um deles foi o Grupo
Conquista, para intervir nas situações em que o paciente e/ou
familiares não estão contribuindo para a eficácia do tratamento,
como por exemplo, nas recusas ao uso de medicações, nas
tentativas de suicídio, nos casos de contenção física e nos casos de
139
internações involuntárias. Essa intervenção é realizada através de
esclarecimentos e, se for o caso, até de convencimento, de forma
cautelosa, sem impor posições.
Um ponto que não deixamos de priorizar foi o da internação
involuntária. Para esses casos, decidimos admitir apenas pacientes
que ofereçam riscos a si e a outros, por um período máximo de 72h.
No momento da admissão, o Grupo Conquista tem se mostrado
eficaz e tem conseguido, na maioria das vezes, transformar
involuntariedade em voluntariedade. Quando essa mudança não
ocorre, avaliado o paciente por todos os membros da equipe que se
encontram de plantão, ele segue ou para internação ou para receber
orientações quanto à necessidade do tratamento e a existência de
outros serviços, respeitando assim seu desejo de não permanecer
sob nossos cuidados (já ocorreram dois casos e um destes pacientes
retornou posteriormente, para ser admitido em nosso serviço por
decisão própria).
Nos casos em que procedemos com a admissão, iniciamos
imediatamente um trabalho terapêutico intensivo, através de
medicações, acompanhamento e várias intervenções do Grupo
Conquista. A posição involuntária do paciente passa a ser
avaliada pela equipe a cada 24h, sendo registrada em relatório.
Convém ressaltar que ainda não houve nenhum caso em que
a involuntariedade tenha ultrapassado as 72h, entretanto, caso
cheguemos ao final dessas horas sem destituir o paciente dessa
posição, ele será liberado.
Quanto à contenção física, que inicialmente nos parecia
desnecessária, acabou tornando-se inevitável em alguns poucos
momentos (só a realizamos em dois pacientes, um catatônico e
uma maníaca). Embora tenham sido realizadas, foram proteladas
ao máximo, pois decidimos que as contenções seguiriam uma certa
ordem seqüencial, uma vez que a própria estrutura hospitalar, com
suas paredes e enfermarias, já iniciam um trabalho de contenção
junto ao paciente, quando lhe tiram o direito de ir e vir.
Em nosso atendimento, realizamos uma contenção
comunitária, valendo-nos das pessoas e do ambiente para tentar
acalmar o paciente (o fato de não tratarmos apenas de doentes
mentais dentro do hospital, muitas vezes é positivo para a
contenção). Quando não surgem bons resultados, colocamos em
140
cena o Grupo Conquista, para tentar uma contenção emocional.
Se não obtivermos os resultado, esperados, usamos a contenção
medicamentosa, como última tentativa de evitarmos a física. No
entanto, quando esta se fez inevitável, a equipe teve o cuidado para
que fosse o menos traumática possível: teve duração máxima de 30
minutos, só foi realizada após prescrição médica, foi registrada em
prontuário, e acompanhada permanentemente pela equipe que
tentou transformá-la em emocional.
Convém ressaltar que em nossa assistência, além do
acolhimento, temos modificado o cuidado aos pacientes
psiquiátricos, dimensão necessária a essa diferente forma de tratar,
pois
“Cuidar revelou-se como atitude fundamental,
de ocupação, de pré-ocupação, de implicação
e de envolvimento afetivo com o outro. Apenas
o cuidar pode se opor ao descaso, ao descuido”
(LOYOLA, 2000, p.7)
141
manuais; o Canto do Conto, oficina de leitura; o Grupo do Tibiritar,
que funciona como grupo operativo, grupo terapêutico, grupo
informativo, grupo de atendimento e apoio a familiares e grupo de
escuta; o Espaço Música, para ouvir músicas e dançar; o Pelas Ruas
da Cidade, que consiste em passeios por nossa cidade; o Quadro
das Mensagens, mural em que o paciente pode deixar registrada
sua mensagem, no momento da alta, atividade criada por nossos
usuários e um presente inestimável para nós.
No intuito de tornarmos mais ameno os contatos com essa
clientela para trabalharmos situações delicadas, criamos o Jogo
da Balança, com o qual conseguimos, através de uma balança de
madeira com pesos iguais, trabalhar os prós e contras do tratamento,
numa espécie de contrato de vida, de viver bem, de avaliar ou medir,
o que vale mais. Criamos, ainda, o jogo Rumo à reabilitação, que
trabalha os passos a serem dados na busca da qualidade de vida, de
forma descontraída, com orientação e mensagens de estímulo.
O trabalho de inclusão do nosso serviço não se constitui
apenas dessas novas tecnologias ou das atividades já mencionadas;
ao contrário, valemo-nos do já criado e inovamos a partir das
situações que vão surgindo. Até o momento já criamos: uma
Assembléia de Pacientes, onde são estimulados a reivindicar seus
direitos, o Grupo de Volta para Casa, que realizar um trabalho de
preparação para alta, direcionado a pacientes e familiares; Grupo
Estamos de Olho, através do qual realizamos um trabalho de
acompanhamento e supervisão dos pacientes no período pós-alta,
utilizando um serviço
Gráficode
1: busca ativa
Média de e contatos
internação dos com os pacientes,
para reforçarmospacientes
orientações
- maioea novembro
ajudarmos em dificuldades; o Ô
2002
de casa, que são as nossas visitas domiciliares, realizadas pelos
profissionais da equipe; o Faça Sozinho, através do qual trabalhamos
o incentivo à autonomia do paciente; o Cartão Conte Conosco, uma
forma que encontramos para manter o elo entre o paciente e a
equipe, após sua alta.
Sabemos que nosso trabalho está inacabado, mas temos a
certeza de que nos evolvemos para construí-lo da melhor forma
142
O AZUL DAS ONDAS
143
JMS, 34 anos, foi decididamente um paciente com presença
inesquecível para todos nós. Internado em nossa primeira semana
de serviço, ainda havia muito receio no ambiente sobre o que
representaria esse serviço para o hospital. Esse paciente tinha
uma história de sucessivas internações psiquiátricas (+ de 20), com
curtíssimo intervalo entre as mesmas. Já havia se acostumado à
vida e às duras rotinas do hospital. Assim, acreditamos que a casa
acabava, em seus breves momentos de alta, funcionando como uma
ameaça, uma quebra de sua árdua rotina quando internado, já que
sua condição até o impedia de dar-se conta de quão ela era dura.
Esse paciente tinha uma grande oscilação de humor,
exaltando-se facilmente, quando então afloravam os seus delírios
que, diga-se de passagem, eram extremamente intensos e variáveis,
sendo mais comuns os místicos e persecutórios. Assim saía do
calmo, gentil e galanteador (era natural a sua reação de elogiar
a todos os que com eles cruzavam, intitulando-os de príncipes,
sereias, princesa Dayana, linda entre outras) para uma reação de
ameaçar alguns e falar em tom extremamente alto, assustando os
já temerosos pela presença desse tipo de clientela. A verdade é que
tínhamos um paciente cujas possibilidades terapêuticas pareciam
bastante reduzidas, talvez em função de repetidas internações de
longa duração e em função de manejo terapêutico inadequado.
Esse paciente constituiu-se para nós um desafio. Assim
caminhamos com o atendimento que, por vezes, não sabíamos se
era possível avançar mais um pouco. Depois de muitas oscilações
no quadro clínico, a equipe decidiu então pela alta. Ainda tínhamos
dúvida se havíamos feito todo o possível para recuperá-lo. Após sua
alta, demo-nos conta do quanto tínhamos alcançado no tratamento.
A família, já preparada, recebeu-o ciente de que deveria manter
algumas rotinas, às quais o paciente já estava adaptado, pois as
mudanças seriam gradativas. Assim funcionou, até ele perceber as
vantagens de estar em casa, comer o que desejava em horário não
pré-estabelecido, até desfrutar do direito de ter vontades e poder
realizá-las, substituindo naturalmente os hábitos adquiridos pelos
muitos anos de internação hospitalar.
No início, o paciente não tinha consciência do que representava
ter vida própria e não ditada por rotinas hospitalares; aceitava
prontamente as medicações e até com alegria. Depois passou
144
a reagir de forma diferente mostrando-se não muito satisfeito e
verbalizando: “será que nunca mais me livro disso?”.
Nós percebemos que, para esse paciente, as rotinas hospitalares
não mais representam segurança, mas são lembranças desagradáveis
que invadem seu espaço domiciliar. Agora não fazemos mais a sua
medicação no espaço de sua casa, em respeito à sua interrogação de
desagrado; passou a ser feita em ambulatório. Já decorreram cinco
meses e o paciente até hoje está sem internações. Em virtude disso,
compreendemos que fizemos um bom trabalho, e o mais importante:
devemos continuar nesse caminho.
M.F, 35 anos, paciente de aspecto jovem, beleza exótica,
chegou ao nosso serviço com a vaidade traduzida em sua
apresentação nada casual de roupas e maquiagens em tons fortes
e vibrantes que não combinavam entre si e, juntamente com seu
diálogo desconexo, denunciavam à primeira vista sua condição de
sofrimento psíquico. Após abordagem inicial com ela, tivemos a
impressão de sua real situação: era uma paciente esquizofrênica,
com mais de vinte anos de vida perdidos em hospitais e clínicas
psiquiátricas, em regime de internações de longa duração, com
intervalos curtos entre as mesmas e sem nenhum progresso
terapêutico na direção do seu restabelecimento. Aliado a isso, havia
a família que tinha pouca tolerância e nenhuma aceitação para com
a paciente. Realizavam verdadeiros rodízios nas diferentes clínicas
psiquiátricas locais, de modo a manter a paciente afastada deles, de
tal forma que, ao ser dada alta em uma clínica, já era encaminhada
para outra.
Esse fato levou-nos a expor aos familiares que sua permanência
em nosso serviço seria de curta duração pelo modelo de atenção
que seria oferecido. Eles, no entanto, queriam que ela ficasse
internada pelo menos três meses e que, se a paciente fosse logo
liberada, seria levada para outro hospital, pois “ELA NÃO TEM MAIS
JEITO”.
Percebemos então que a abordagem e envolvimento familiar,
de modo específico, seria indispensável ao bom andamento do
projeto terapêutico, o que exigiu da equipe maior desprendimento
de tempo, resultando em prolongamento do tempo de internação
da paciente. A construção desse envolvimento familiar constituiu
um desafio, pois, além de solicitarmos a presença dos familiares
145
da paciente em nosso serviço, decidimos caminhar em direção
a eles, através de visitas domiciliares, com as quais descobrimos
que tanta intolerância e resistência para com a paciente resultava
da insegurança e incapacidade de manejo dos familiares a seu
sofrimento psíquico.
Ao mesmo tempo que envolvíamos a família, fomos
descobrindo peculiaridades da paciente como: detentora de um
carisma que conseguiu sensibilizar e comover vários funcionários
do hospital; inteligente e criativa, com grande habilidade para
costura, (tendo-a utilizado como forma de trabalho); possuía uma
casa, com a qual demonstrava grande preocupação (eu preciso sair
daqui, ir para minha casa cuidar de minhas coisas); possuía bom
gosto para escolher suas roupas e maquiar-se; um senso muito
crítico, ao comparar o hospital a um hotel: Aqui parece um hotel.
Só falta uma cascata e um elevador. Esta colocação conformou
melhor nossa visão, levando-nos à criação de um cardápio de
acolhimento e caixa de sugestões para o nosso serviço. A partir de
então, os familiares observaram que podiam contar com o apoio
dos que eram responsáveis pelo tratamento e, não se sentindo mais
sozinhos, passaram a cooperar com a equipe, o que foi fundamental
para que conseguíssemos um bom resultado.
Atualmente, M.F. está há cinco meses sem internação
psiquiátrica. Ao fazermos uma visita domiciliar, fomos surpreendidos
com a seguinte placa em sua porta: “Costura-se para fora”. Recebe-
nos sempre cordialmente com orgulho de que recebe visitas em sua
casa; às vezes nos oferece suco de acerola colhida de uma pequena
árvore no quintal. Assim reconstrói sua vida, certamente com
uma felicidade bem diferente da que possuía em nosso primeiro
encontro. Essa paciente é fruto de uma nova realidade e mostra a
146
NOSSOS INDICADORES
REFÊRÊNCIAS
LOYOLA, Cristina et al. Composição e crítica para uma clínica de enfermagem psiquiátrica. Cader-
nos IPUB, nº 19. Rio de Janeiro: UFRJ/IPUB, 200.
FILHO, João Ferreira da Silva, LEIBING, Annette g. et al. Práticas ampliadas em saúde mental. IPUB,
nº 14. Rio de Janeiro: UFRJ/IPUB, 1999.
147
ANEXO 01
Equipe: Antônio Gentil, Fernanda Carneiro, Patrícia Anunciação, Sara Fiterman
OBJETIVO: Implantar projeto terapêutico em leitos psiquiátricos no Hospital Geral.
IMPLANTAR PROJETO TERAPÊUTICO
OBJETO E PERGUNTAS ATIVIDADES, INDICADORES E PÚBLICO TEMPO E
SUAS IMPORTANTES TÉCNICAS E EVIDÊNCIAS ALVO RESPONSÁVEL
DIMENSÕES INSTRUMENTOS
Projeto
terapêutico
implantado.
1 – Acolher 1) Como acolher? 1) Oficina de sensibilização 1) Profissionais capazes de: 1) Profissionais de todos -1) 1 mês (2 semanas
(carga horária 8h) para os • Cumprimentar os pacientes os setores : portaria, para os níveis
profissionais da portaria, e a equipe de saúde mental; recepção, copa, limpeza, elementar e médio
da recepção, da copa, da • chamar os pacientes pelo maqueiros e de saúde. e 2 semanas para o
limpeza, os maqueiros, para nome; (elementar, médio e nível superior).
discussão sobre preconceito; • solicitar notícias sobre os superior).
exclusão/inclusão e tratamento pacientes egressos; 2) durante o período
do doente mental; • oferecer informações aos de internação.
pacientes
2) Pacientes. Membros da Equipe
2) Avaliação entre bom e de Saúde Mental.
excelente para 80% a 100%
dos pacientes (caixa de
opiniões implantadas nas
enfermarias) (ANEXO)
- Pacientes internados. 3 dias.
2) Entrevista clínica com Ausência de internação Membros da Equipe
paciente e/ou familiar involuntária por mais de 72 h. de Saúde Mental.
realizada por no mínimo um
profissional de nível superior
- Pacientes e familiares. 3 dias ;
3) Grupo formado no mínimo - Pacientes e familiares Responsável:
por 1 paciente, 1 familiar e aceitando a internação. profissionais de
1 profissional para discutir a nível superior.
necessidade de internação
A) Pacientes e a) Membros da
A) GRUPO SEJA BEM-VINDO A) Pacientes capazes de: acompanhantes Equipe de Saúde
para recepção do paciente e • Aceitar a aproximação da Mental envolvidos
apresentação da enfermaria, equipe; na admissão
leito e companheiros de • Compartilhar o espaço da
quarto. enfermaria com os outros
pacientes;
• Utilizar as dependências da
enfermaria
B) Paciente e b) Membros da
B)GRUPO BOM-DIA para B) Pacientes deslocando-se acompanhantes. Equipe de Saúde
apresentação do ambiente (sozinhos ou acompanhados) Mental e pacientes
hospitalar. pelas dependências do internos.
Hospital - Pacientes, familiares e
5) CARDÁPIO DE acompanhantes. Durante toda a
ACOLHIMENTO. Pacientes mostrando –se internação
informados quanto :
• nome dos integrantes da Membros da Equipe
equipe; de Saúde Mental
• nº dos telefones úteis; (SM).
· Horários das visitas,
medicações e das refeições; - Pacientes e familiares
6) Equipar as enfermarias • cronograma de atividades.
com relógios , calendário, Permanente
espelhos,quadro informativo. Pacientes informados sobre: R – Membros da
• o dia da semana, mês e ano, Equipe de Saúde
hora, e há quantos dias estão Mental.
internados;
-2) O que fazer no • Pacientes arrumando-se em - Pacientes
caso das internações 1) GRUPO CONQUISTA para frente ao espelho.
involuntárias? esclarecimento quanto 72h. Membros da
ao tipo e necessidade de 1)Diminuição das internações Equipe de Saúde
internação; involuntárias;
2) Admissão somente nos 2)Pacientes internados
casos em que o paciente involuntariamente apenas
ofereça riscos a si e aos com a condição de auto
outros; e heteroagressividade
148
4) Acompanhamento 4)Involuntariedade convertida
intensivo nas primeiras 72 h. em voluntariedade em até
5) Alta em 72h, em caso 72h.;5) Ausência de internações
de permanência da involuntárias por mais de 72h;
involuntariedade. 6)Pacientes que
permanecem involuntários
por 72h, recebendo alta com
alguma melhora em quadro
clínico.
2) Cuidar 1) Como garantir que - Pacientes - Durante a
a alimentação seja uma 1) Adequar a alimentação à Ausência de comida internação.
atividade do cuidado? capacidade de deglutição devolvida; - Membros da
e/ou mastigação do paciente; Ausência de queixas Equipe de Saúde
2) garantir a alimentação fora do paciente acerca da Mental.
dos horários estipulados pelo alimentação.
Hospital, a partir de situações Melhora dos níveis
específicas glicêmicos, da PA, do trânsito
3) Atender às necessidades gástrico intestinalÏ
clínicas escolha da preferência
4) Levantamento das alimentar.
preferências alimentares
5) Avaliação nutricional diária.
2) Como cuidar através dos Pacientes e familiares
hábitos de higiene. 1) Realização da higiene pelo Durante o período
menos 1 vez ao dia de acordo de internação
c/ as suas preferências de 1) pacientes realizando sua
horários; higiene de acordo com suas Resp. Equipe de
2) Incentivo à família para necessidades; saúde mental e
trazer objetos de higiene do 2) Presença de: sabonete, familiares.
paciente numa quantidade escova e creme dental,
mínima que atenda suas shampoo, desodorante,
necessidades (sabonete, toalha nas gavetas
desodorante, shampoo, individuais de cada paciente.
creme e escova dental, 3) Pacientes: -usando
3) Como garantir que toalha); sabonete e shampoo;- Pacientes e familiares
a medicação seja um enxugando-se com sua
cuidado? toalha após o banho- Durante o período
1) GRUPO TIBIRITAR com escovando os dentes de internação.
informações sobre os Membros equipe de
psicofármacos; Pacientes e familiares saúde mental.
2) prescrições que priorizem esclarecidos quanto aos
a medicação via oral (VO); tipos de psicofármacos,
3) GRUPO CONQUISTA para suas indicações, reações,
evitar a medicação injetável, interações, e contra
em casos de recusa a indicações;
medicação por VO; Diminuição do uso de
4) Contenção emocional para medicações injetáveis;
evitar medicação S.O.S Diminuição do uso
5) Registro e controle das de SOS;
medicações intramusculares Índice de contenção
(IM), endovenosas e S.O S; química inferior ao de
6) Mapa de rodízio contenção emocional;
para administração das Ausência de abscessos
medicações IM; e flebites;
7) Acompanhamento da maior aceitação da
ingestão das medicações. medicação por VO;
8) Prescrição diária; Medicação atualizada
9) Prescrição de doses Ausência de
medicamentosas mínimas impregnações;
para psicotrópicos Ausência de interações
10) Monoterapia (para medicamentosas. Pacientes
4) Como fazer da contenção antipsicóticos)
um cuidado? 30 min.Membros
1) Utilizar a contenção da Equipe de Saúde
obedecendo a seguinte
seqüência:
1 - C. comunitária
2 - C. institucional
3- C. emocional Contenção física, somente
4 - C. química nos casos em que esgotaram-
5 - C.física se as possibilidades das demais
2) Contenção física formas de contenção.
acompanhados Pacientes
permanentemente por um acompanhados durante a
profissional da equipe; contenção física
3) GRUPO CONQUISTA
quando houver contenção
149
física visando buscar uma Ausência de contenção Mental .
contenção emocional. por mais de 30 min.;
4) Retirada da contenção Pacientes vivenciando a
até 30min; contenção física, somente
5) Contenção física mediante em casos de extrema
prescrição médica, não mais necessidade e de forma
que 30min e registrada no menos traumática;
prontuário. 5) Índice de contenção
química inferior ao de
5) Como respeitar as contenção emocional.
necessidade do paciente?
Pacientes e familiares
150
ANEXO 02
VISITAS
Acolher, Cuidar O Paciente seu acompanhante e o Hospital Terça-feira
& Geral. Quinta-feira
Domingo
Incluir Nosso serviço é composto de duas enfermarias, 207, 15:00 às 16:00h
208 com os leitos de número 44 a 48, no segundo
Pacientes, Familiares, Amigos, Equipe Técnica andar deste Hospital.
Informativo de Internação SERVIÇOS DISPONÍVEIS
EQUIPE CLÍNICA
Serviço de Saúde Mental Direcionados aos pacientes internos e aos
Contamos com uma equipe formada por um familiares:
Acolher, Cuidar e Incluir é um boletim assistente social, duas enfermeiras, dois médicos,
informativo da equipe de Saúde Mental, que uma psicóloga e seis auxiliares de enfermagem que
visa esclarecer aos pacientes, familiares e assistem o paciente 24h por dia. • GRUPO BOM DIA
comunidade aspectos relacionados às normas, Diariamente das 7:30 às 8:00 h
rotinas e atividades assistências oferecidas em MEDICAÇÃO • CINE GERAL
nosso serviço. 8:00 horas Sexta-feira: das 17:00 às 18:00 h
151
Estamos recebendo você para um período 14:00 horas
20:00 horas • FAZENDO E ACONTECENDO
de internação para tratamento.
Lembramos que nosso objetivo é oferecer- Trabalhos Manuais
lhe um atendimento de qualidade, para que Segunda-feira: das 9:30 às 10:30 h
sua permanência seja a mais agradável e curta REFEIÇÕES Quarta-feira: das 16:00 às 17:00 h
possível, respeitando suas necessidades. 7:00 Café da Manhã • CANTO DO CONTO
Nossa Equipe é composta pro profissionais 9:30 Lanche Quarta-feira: das 9:30 às 10:30 h
de diversas áreas que, em conjunto, têm como 12:30 Almoço
objetivo maior a Saúde Mental e a ampliação 15:30 Lanche • GRUPO DO TIBIRITAR
das possibilidades afetivas e psicossociais do 18:00 Jantar Grupo de Conversas
ser humano. 21:30 Ceia Quinta-feira: das 15:30 às 16:30 h
Esperamos oferecer um atendimento de • ESPAÇO MÚSICA
qualidade, que contemple o acolher, o cuidar Terças e quintas: das 18:00 às 19:00 h
e o incluir. TELEFONES ÚTEIS
Sábado: das 16:00 às 17:00 h
Seja Bem-vindo Orelhão: (098) 221-87-44 • Ô DE CASA
Visitas Domiciliares
Hospital Geral Tarquinio Lopes Filho Terça-feira: das 8:00 às 12:00 h
Rua Neto Guterres nº 02 – Madre Deus • PELAS RUAS DA CIDADE
ANEXO 02
ORIENTAÇÕES
AOS PACIENTES:
152
AOS FAMILIARES/ACOMPANHANTES
• Em nosso serviço, solicitamos
a presença permanente de um
acompanhante para o paciente.
• A p ó s re a l i z a r a d m i s são do
paciente, dirija-se à sala do Serviço
Social para solicitação do Cartão de
Permanência.
• O acompanhante tem direito às
refeições.
ATENÇÃO:
• Não é permitido entrar com
sacolas e vasilhas com alimentos;
usar aparelhos sonoros e fumar nas
ANEXO 03
153
ANEXO 04
FICHA DE AVALIAÇÃO
( ) ótimo ( ) regular
( ) bom ( ) ruim
( ) ótimo ( ) regular
( ) bom ( ) ruim
( ) ótimo ( ) regular
( ) bom ( ) ruim
( ) ótimo ( ) regular
( ) bom ( ) ruim
Obrigado !!!
154
NOSSA TRAJETÓRIA – NOSSA TEIA – A CASA
*
Assistente Social do Hospital Psiquiátrico Nina Rodrigues; Especialista em Saúde Mental.
**
Psicóloga do Programa Viva a Vida; Especialista em Saúde Mental.
155
O trabalho profissional desenvolvido em dois Estados tão
diferentes, no que se refere às políticas e às práticas na área de
saúde, foi marcado pelo nosso desejo de transformação dessas
práticas, na certeza de que algo mais era possível de fazer para os
usuários, familiares e comunidade, bem como para a própria saúde
mental. Trabalhávamos então em serviços públicos de saúde, onde
dificuldades e obstáculos que enfrentávamos também eram de
ordens diferentes: uma na área comunitária (promoção de saúde)
e a outra na área administrativa (como coordenadora estadual de
saúde mental) e em instituição psiquiátrica hospitalar.
Nossos fios começaram a se cruzar quando, uma fazendo
parte do Programa Viva a Vida e a outra profissional do Hospital
Psiquiátrico Nina Rodrigues, nos engajamos na implantação das
Residências Terapêuticas em São Luís. Era, então, a possibilidade
de passar para a ação o que buscávamos desde o início de nossas
carreiras, unindo nossas tramas.
Ao sermos incluídas no Curso de formação das “Pérolas do
Maranhão”, e fazendo parte do “Grupo Mental”, a oportunidade de
que o Projeto das Residências Terapêuticas pudesse ser discutido e
planejado em suas especificidades somou-se ao que consideramos,
hoje, uma teia com um formato acabado. Entretanto, apesar do
formato acabado, ela ainda tem muito a crescer. E os fios que
estaremos tecendo vão apenas complementar o seu tamanho,
através de nosso objetivo em comum: construir uma saúde mental
diferente no Maranhão.
156
fevereiro/2001. Os profissionais, inicialmente, não tinham muita
clareza de como se daria esta nova forma de cuidar. Dois momentos
foram importantes neste sentido: o curso/treinamento com a
Psicóloga Patrícia Albuquerque (IPUB-UFRJ) e as oficinas com o
psiquiatra William Valentini (Campinas – SP), realizado no HNR
com seus profissionais de nível superior e médio, bem como com
outros profissionais engajados na proposta. O primeiro tinha como
objetivo o esclarecimento acerca do assunto, o que possibilitou uma
visão do processo de implantação, e a construção do anteprojeto
das Residências Terapêuticas, que mais tarde, seria incorporado
ao projeto final, enviado ao Ministério da Saúde para aprovação.
O segundo foi um curso de sensibilização e de reelaboração dos
aspectos subjetivos para os profissionais envolvidos no processo
que, por todo o aspecto de mudança, possuem seus medos e
fantasias de ver seus pacientes fora da instituição.
Cabe salientar que esta implantação tem a ver com as
propostas do Programa Viva a Vida (com sua história de atuação
no Estado) e com o engajamento, na época, do Coordenador de
Saúde Mental, autoridade política responsável pelo projeto. As
primeiras casas (num total de oito previstas), diferentemente do
que acontece no resto do país, seriam adquiridas pelo governo do
Estado, que também demonstrou o interesse de “reinserir na vida”
pessoas excluídas socialmente: os doentes mentais moradores há
muitos anos nos hospitais e clínicas psiquiátricas do Estado.
A procura das casas foi feita pelo grupo de profissionais nos
meses de julho e agosto/01, dentro das características desejadas
para abrigar seis moradores, conforme nosso projeto, prevendo
a implantação de quatro residências inicialmente. O processo
de compra das oito residências foi demorado e, ao final do ano,
somente três foram possíveis de ser adquiridas pelo fato de as
demais não possuírem a documentação e exigências legais para
serem compradas.
Neste período de busca e processo de compra, os pacientes
continuaram a ser mobilizados, sendo isto o mais importante.
Tínhamos 24 pacientes indicados pelo hospital para serem
distribuídos nas quatro residências. Era necessário, portanto,
formarmos os grupos que iriam passar a residir juntos. Entretanto
não poderíamos, como profissionais (embora alguns tivessem
157
a tendência), realizar a escolha. Esta deveria partir dos próprios
pacientes, já que eles é que estariam convivendo entre si e, ao
contrário do que acontece nas instituições, deveriam começar a
exercer seu direito de escolha.
Hoje podemos pensar que este foi o primeiro momento de
resgate das condições de cidadão e de poder de decisão que estas
pessoas começaram a fazer em suas vidas, após a eclosão da doença.
Inicialmente, cada paciente escolheu cinco pessoas com as quais
gostaria de morar. Assim, pudemos perceber que alguns foram
escolhidos por vários colegas, sendo que nenhum deles deixou de
ser lembrado pelo menos uma vez. Isso prova que a exclusão não
foi reproduzida entre eles, apesar de também existir no espaço
hospitalar.
Como então formar os grupos? Nesse momento, a discussão
junto aos profissionais foi importante: levando-se em consideração
as características e preferências pessoais, fizemos os arranjos dos
quatro grupos, pensando-se sempre que estes não eram definitivos
e nem estariam fechados.
Após essa formação, os profissionais foram distribuídos nos
grupos, sendo que o objetivo seria trabalhar com os pacientes a
mudança e tudo o que ela envolveria: resgate de competências,
reaprender a andar na cidade, discutir as rotinas de morar numa
casa, reelaborar seus medos, aprender a negociar, encaminhamento
para a retirada dos seus documentos, entre outros. Com a demora
para a aquisição das casas, percebemos a desmobilização da maioria
dos profissionais, o que não aconteceu em relação aos pacientes.
Nestes, apesar do receio de que mais uma vez suas esperanças
estariam sendo frustradas, havia a demonstração clara de que
seus desejos e projetos de voltar a viver em uma casa estiveram
continuamente presentes num ambiente institucionalizante e de
abandono familiar, mesmo que não verbalizados ou percebidos
pela instituição hospitalar.
Com a mudança de governo no início do ano de 2002
e a conseqüente mudança da coordenação de saúde mental,
gestor responsável pela direção política do projeto, as questões
administrativas (discussão e aprovação nas instâncias gestoras
competentes, regulamentação, repasse de financiamento) mais
uma vez andaram em marcha lenta, sendo outro fator de dispersão
158
dos profissionais que, até então, não acreditavam na mudança. E
mais uma vez, os pacientes continuaram acreditando e sonhando
com a “sua casa”.
Nesta reorganização política, era necessário que os
responsáveis, gestores estaduais e municipais, compreendessem
e fossem sensibilizados para assumir, também como seu, o projeto
das residências. Nesse momento é que pudemos nos confrontar
com a realidade de que a nossa vontade (ou nossos desejos) estava
condicionada também à vontade política de que desse certo.
Manter a confiança e acreditar que nossos sonhos eram possíveis
foi o grande trabalho desde então. Mas a grande força veio dos
próprios pacientes, atores deste programa.
Transformar o trabalho prático em objetivos e Planos de
Trabalho e Avaliação – PTAs foi a parte mais fácil, embora também
trabalhosa. Incluir nos objetivos do GRUPO MENTAL o projeto
das Residências Terapêuticas (um dos dedos de nossa mão) era
a oportunidade de podermos pensar, repensar e escrever nossa
experiência de forma clara, possibilitando contribuir para outras
experiências com esse dispositivo no resto do País. Passamos a ser
o “subgrupo das residências”, formado apenas por dois integrantes
dos nove do Grupo Mental, sendo uma psicóloga e outra assistente
social, ou simplesmente, Ivelise e Arlete, conforme referido
anteriormente. Mesmo que duas pessoas não formem um grupo,
mas uma dupla, nós somos um grupo, porque, como mencionamos
no início, é formado não só pelos profissionais engajados, mas por
todos aqueles que sonham os mesmos sonhos.
Tínhamos trabalhado inicialmente em cima do PTA cujo
objetivo era a “Implantação de Residências Terapêuticas”, um plano
de trabalho relacionado a dimensões concretas de implantação
como: o imóvel, o mobiliário, equipe de trabalho, clientela,
autorização, financiamento e manutenção, os quais dizem respeito,
na sua grande maioria, a questões burocráticas e dependentes de
vontade política. Percebíamos que a parte do PTA que tínhamos
condições de realizar, já havíamos realizado e, as que dependiam
da vontade pública, a nossa atuação foi como promotoras de
entusiasmo pela proposta.
Assim, nas discussões, surgiu a necessidade de um outro
PTA, mais humano e contendo o objetivo real do nosso trabalho,
159
ou seja, a reabilitação psicossocial de doentes mentais, seus
principais atores. Foi aí que surgiu o PTA “Programa Terapêutico
para moradores das Residências Terapêuticas”. Ele seria a nossa
bússola de trabalho e o grande instrumento de avaliação para o
que estávamos fazendo. Baseamo-nos em dimensões relacionadas
à reabilitação psicossocial, ou seja: poder decisório, autonomia,
trocas sociais, auto-estima, cidadania e trabalho produtivo. Foram
longas as discussões e muitas modificações para o trabalho adquirir
um corpo sólido, dentro daquilo que tínhamos em mente do que
seria o trabalho de reabilitação. Vale salientar que a experiência
em Residências Terapêuticas no Brasil ainda é recente e são poucas
as produções científicas sobre o tema. Assim, o trabalho foi se
construindo na medida em que íamos caminhando – tecendo a
teia.
Estávamos, então, na metade do ano e as promessas da
mudança para a primeira casa ainda estavam condicionadas à
reforma de sua estrutura física. Vários foram os prazos que foram
dados para que ela ocorresse e várias foram as “desculpas” para a
demora do cumprimento desses prazos. A cada nova prorrogação,
novas expectativas eram adiadas (e por que não dizer frustradas).
O sonho estava tão perto e ao mesmo tempo não se podia
concretizá-lo. A cada novo encontro com o grupo de futuros
moradores, coexistiam dois sentimentos em nós: o de não perder
a esperança como eles e o da responsabilidade que aumentava
frente a esta mesma esperança. Foram estes sentimentos que
estiveram presentes até que a concretude do trabalho pudesse
ser estabelecida.
Apesar de a reforma da casa não estar sendo providenciada,
ou melhor, faltava o “empurrão diretor” para que ela ocorresse, a
“reforma humana” já estava acontecendo. Os futuros moradores,
ainda pacientes por morarem na instituição, participavam
ativamente de todas as decisões que estavam sendo tomadas:
a troca de um integrante do grupo, a escolha das cuidadoras, a
limpeza da casa, a escolha dos móveis, dos quartos da casa e da
cor da pintura, o planejamento de tarefas e horários, as regras de
boa convivência, as necessidades pessoais como os documentos,
benefícios, consultas médicas, medicação, entre outras.
Mais uma vez este processo foi pouco visível pelos profissionais
160
da instituição que, a esta altura, não tinham muita participação
na mudança, sendo alguns objeto de resistência e abuso de
autoridade frente ao grupo de pacientes. Entretanto, o que poderia
significar um enfraquecimento repercutiu neles como um elemento
promotor de “saúde mental”, já que agora todos tinham uma meta
a vencer: sair realmente da instituição e assumir suas vidas. Isto foi
simbolizado no empenho do grupo em relação a uma das futuras
moradoras, a qual possuía uma situação de grande dependência
institucional e sofria pressão para que não saísse da instituição. A
luta do grupo foi marcada por um forte sentimento de inclusão (ou
“não exclusão”), a fim de manter seu poder de decisão (e escolha), já
começando a ser evidenciado o processo de reabilitação. A escolha
também esteve presente no processo de seleção das cuidadoras,
já que tínhamos três pessoas para ocupar duas vagas. Muitas vezes
sentíamos que o grupo tendia a delegar esta decisão para nós, já
que isto não era uma prática incentivada no ambiente hospitalar,
onde tudo era decidido pelos profissionais. Percebíamos que, além
do medo de uma “escolha errada”, os pacientes haviam perdido a
capacidade de decidir sobre pequenas rotinas do seu dia-a-dia e,
conseqüentemente, sobre sua vida. Mas na escolha prevaleceram
critérios coerentes sobre o que esperavam de uma pessoa que fosse
conviver com eles, embora sabendo que a convivência é que daria
a noção de que a escolha teria sido acertada.
Escolhidas as cuidadoras, o PTA “Projeto Terapêutico” serviu
como instrumento de preparo e discussão junto às selecionadas,
pois seriam elas que vivenciariam com os moradores a sua
reabilitação.
Outra decisão importante do grupo foi referente à própria
mudança. Após os vários prazos que a Gerência Regional
(responsável legal pelo imóvel) deu para o início da reforma não se
concretizarem, começamos a perceber que, o fato de esperarmos
e condicionarmos a mudança com a reforma, mostrava também
nossas resistências frente a ela. Até então não estava claro que
também tínhamos nossos medos, mas não sabíamos quais seriam
eles. Eles ficaram evidentes quando também nós nos acomodamos,
por um período, às “desculpas oficiais”. As discussões produzidas nas
nossas apresentações durante o curso e as contribuições dos colegas
161
e do prof. Tião possibilitaram, não somente as transformações nos
PTAs, mas a concretização das nossas dificuldades. Ao apresentar
os “próximos passos”, conseguimos ter a clareza de que nossos dois
PTAs deveriam acontecer de forma integrada e não em seqüência
como pensávamos inicialmente: “Implantar Residências Terapêuticas”
estava integrado com “Vivenciar o Programa Terapêutico” junto com
seus moradores, o que só se daria a partir da mudança para a casa.
Assim, a decisão de mudar sem a reforma da casa foi um
impulso importante para nos tirar dessa situação de acomodação,
o que foi também compartilhado com os futuros moradores,
os quais tiveram reação de enfrentamento e de mobilização no
sentido de terem seu sonho realizado: viver novamente em uma
casa. O fato de ter um prazo fixo para a saída tornava-os cada vez
mais confiantes, embora os medos frente às reações da instituição
à sua saída estivessem presente. Percebiam a “torcida do contra” e
se apoiavam em suas esperanças e sonhos. A decisão da mudança
parece que também mexeu com a inatividade dos responsáveis
por ela, já que a mudança era um fator político importante no que
se refere a um projeto de governo e a um compromisso assumido
com estas pessoas.
ENFIM A MUDANÇA
162
medos: impossibilidade de sair (porque ficou doente), proibição da
instituição, possibilidade de não dar certo, medo de ter que voltar...
Mas novamente a certeza do “vai dar certo, sim!” era depositada na
nossa presença constante. Ao longo desse processo, ela foi sentida
como ponto de apoio e de confiança de que não sonhavam em vão
e de que havia pessoas que também acreditavam nos seus sonhos.
Deixar as “malas prontas” dois, três dias antes da mudança e rever-
nos constantemente era a garantia da saída do hospital.
O dia 09 de agosto de 2002 será um dia importante a ser
sempre lembrado por todos nós. Para os moradores, marcou o
fim de uma espera e de uma etapa de vida de sofrimentos, mas
também o início da retomada de suas vidas, de seus sonhos, de
suas esperanças que não sucumbiram ao ambiente de descrença
a que estavam sendo submetidos. A despedida de seus colegas e
dos profissionais, dos seus quartos e ambientes institucionais, a
colocação de seus poucos pertences no caminhão de mudança
foram rituais marcados por muita emoção: emoção de despedida,
mas, sobretudo, emoção de vitória e de esperança na construção
de uma nova vida.
Para nós foi a concretização de um trabalho de luta em prol
de pessoas que merecem exercer seus direitos enquanto cidadãos
brasileiros, e que dentro da instituição eram simplesmente
pacientes crônicos. A partir de então não seriam mais chamados
de pacientes, mas de moradores, como qualquer um de nós que
mora em casas independente das doenças que sofremos. E como é
difícil chamá-los moradores já que estamos acostumados a vê-los
como pacientes!
Novamente aqui temos a clareza do quanto, para a instituição,
é difícil romper com seus estigmas frente aos seus usuários. Vivenciar
com os moradores situações de violação dos seus pertences e da
sua casa, após estarem dentro dela, remeteu-nos à noção do quanto
até hoje isso foi “normal” em sua vida dentro do hospital. Mas
também, o quanto deixou de sê-lo, quando começam a expressar
o seu inconformismo (que antes não podia ser expresso) por esta
atitude. Foi a partir daí, também, que percebemos o quanto é
importante para qualquer pessoa apropriar-se do que é seu: ser
dono de uma casa.
A inauguração oficial da Residência Terapêutica no dia 15 de
163
agosto, com a presença de Gerentes de Estado, do Coordenador
de Saúde Mental e outras pessoas importantes politicamente, foi
apenas um marco político, porque, para o grupo de moradores e
para nós, o marco estava dado pela saída do hospital, esta sim, uma
data importante.
Começamos, então, a vivenciar as pequenas rotinas, ou
melhor, o nosso PTA. E as perguntas começaram a estar presentes:
Como garantir poder decisório para os moradores da Residência
Terapêutica? Qual o nível de autonomia que cada morador
conseguiria na casa e como desenvolver a autonomia possível?
Como será o relacionamento entre si, com os vizinhos, com pessoas
conhecidas e desconhecidas, com as cuidadoras? Como promover
a sua auto-estima, perdida muitas vezes no ambiente hospitalar?
Como eles irão vivenciar sua cidadania: possuir documentos, ir e
vir para casa, cuidar e gastar seu dinheiro, votar, freqüentar escola?
Qual a atividade produtiva, ou remunerada, que cada um tem
164
ANEXO 01
Equipe: Arlete, Ivelise
- Quais as -Estudo/confecção
características da planta baixa -Dimensões e
do imóvel? -Avaliação técnica características
legal conforme portaria
106
(nº de quartos,
cozinha,
banheiros, sala de
-Quantos e -Levantamento estar)
2-Móveis e
quais são junto à clientela
utensílios
os móveis e os móveis -Móveis e
utensílios que e utensílios utensílios em - 1 semana
são necessários? necessários quantidade - Coordenador e
-Pesquisa nos suficiente para as pacientes
fornecedores para necessidades de 7
levantamento de (sete) pessoas
preço -Móveis e
utensílios
escolhidos pelos
moradores
3-Equipe
mínima -Quantos -Seleção e -Móveis e
profissionais treinamento dos utensílios
de Nível cuidadores comprados
Médio serão -Oficinas de
necessários? adaptação 2 cuidadores:
-Confecção escala -Escolhidos pelo
de trabalho grupo
- 1 mês
-Interessados pelo - Coordenador de
trabalho Saúde Mental
-Identificado com
os moradores
-Investido
na proposta
terapêutica dos
moradores
-Respeitando
os moradores e
colegas
-Dedicados
165
treinamento dos 2 profissionais de
profissionais de Nível Superior
Nível Superior -Contratados
-Confecção da segundo as
escala de trabalho necessidades do
serviço
-Engajados
com a proposta
da Reforma
Psiquiátrica
-Aberto a
mudanças na sua
atuação
-Com
disponibilidade e
dinamismo
-Investido na
melhoria da
qualidade de vida
dos moradores
-Estabelecendo
trocas com os
moradores
-Capazes de buscar
soluções para os
-Escolha dos problemas
grupos de -Interessados pelo - 1 mês
4-Clientela moradores trabalho - Coordenador +
-Oficina de profissionais do
discussão e preparo -Grupos de 6 HNR.
p/ mudança moradores com
-Mudança dos projeto terapêutico
pacientes elaborado
-Escolha dos
-Levantamento moradores definida
e estudo da pelo próprio grupo
legislação
5-Autorização específica
de -Elaboração do
projeto a ser - 1 semana
apresentado - Coordenador
e aprovado -Projeto aprovado saúde mental
às instâncias no Ministério
competentes: GQV da Saúde após
-Definição da discussão junto
pessoa competente às instâncias
-Encaminhamento municipais,
do p/ser discutido estaduais, federais
nas reuniões
bipartite
-Avaliação da
vigilância sanitária
- 6 meses
-Estudo da - Gestores,
legislação Coordenador de
específica Saúde Mental
-Definição -Financiamento
das instâncias repassado do
responsáveis município para o
-Reuniões Bipartite SAI-SUS em forma
de AIH
- Administração do Tempo:
SRT pelo serviço - Semanal
psiquiátrico de
*Contratação de referência definida Responsáveis
um administrador - Administrador +
*Reuniões coordenador.
- Moradores com *Administrador
administrador/ contratado
coordenador -Engajado com
- Administrados SRT
com o serviço de -Dinâmico
saúde responsável -Capaz de
(HNR) administrar a
dinâmica da
casa (compras,
pagamentos,
manutenção de
equipamentos em
geral, etc)
*Problemas de
manutenção
166
167
168
169
170
CONSTRUINDO FUTUROS
171
ocorrer sempre: transitar pelo conhecer e chegar ao saber.
Já no primeiro encontro com os profissionais da área de
saúde que participaram do Curso, surgiu a expressão que, a partir
de então, deu sentido e unidade de propósito ao grupo: “as pérolas
do Maranhão”. Junto com o nome estava também a sua missão e
desafio. Durante 140 horas de trabalho coletivo e vários meses de
convívio, o que era uma idéia foi se transformando numa ação; o
que seria um ideal pessoal adquiria contornos de realidade para um
grupo; o que era um desejo de ser uma luz mostrava a possibilidade
de produzir uma fonte de energia. A travessia do conhecer, para
se chegar ao saber, passou a ser a nossa determinada busca pela
“terceira margem do rio”, tomando por empréstimo a expressão de
Guimarães Rosa.
Desde o início, o que nos movia era a grande possibilidade
que tínhamos, dada privilegiadamente pelo Programa Viva a Vida,
de criação e construção de futuros; de ousar e de teimar em ousar.
Reconhecemos que, mais que as denúncias e os inconformismos,
o que nos alimentava era, exatamente, a possibilidade de investir
nos “pontos luminosos”, os nossos próprios e os das comunidades
onde atuamos, para construir esse novo caminho, esse jeito novo
de fazer velhas coisas, enfim, essa busca por“novas formas de cuidar
em saúde”, nome do livro que nos acolhe e nos abriga.
Como uma pérola, sempre desejada pela sua raridade, seu
brilho, seu ineditismo, sua luz e sua beleza, escrever juntos este livro
e realizar um seminário2 para generosamente compartilhar nossa
experiência coletiva de trabalho, passaram a ser o nosso “presente
do futuro”3 e, como uma paixão, um desafio permanente.
Como o nosso trabalho e os frutos dele (este livro e o
seminário) poderiam nos apresentar, não o futuro de um outro
dia que virá certamente, ou de um sonho que se espera realizar
algum momento, mas a convicção de que estamos, no presente,
construindo realidades futuras, transitando pelo conhecer para
chegar ao saber?
2
I Seminário Interativo de Tecnologias Sociais em Saúde do Maranhão, realizado de 11 a 13 de
dezembro de 2002, no Rio Poty Hotel, São Luís/MA, promovido pelo Programa Viva a Vida, Governo
do Estado do Maranhão e Fundação Sousândrade de Apoio ao Desenvolvimento da UFMA.
3
Santo Agostinho, filósofo e teólogo que viveu no século IV, dizia que“só existe um tempo: o presente”.
E as pessoas vivem no presente-do-passado, no presente-do-presente e no presente-do-futuro.
172
Para realizar desejos tão sofisticados, resolvemos fazer da
simplicidade das relações entre as pessoas a base para a construção
de uma teia de sustentação desses ideais. Aprender o outro
intensamente foi um exercício de profundo respeito e enorme
curiosidade.
Pouco-a-pouco, lentamente, um grupo de pessoas,
profissionais competentes em suas áreas de atuação, carregados
de experiência e aprendizados, senhores de um monte de caminhos
e alternativas para se fazer saúde de qualidade e para todos, sem
distinção, decidiram disponibilizar seus saberes e fazeres para criar
uma equipe, um time para jogar este jogo, fundamental para a
construção da cidadania plena da população maranhense, através
de novos caminhos, investindo em novas formas de conhecer e
saber.
Um grupo, uma equipe, um time. De repente, percebemos
que caminhávamos para formar uma nova tribo, como tal, com
linguagem e dialetos próprios, rituais de iniciação, de compromisso
ético e de comemoração festiva e elaborações simbólicas.
A maioria dos integrantes dessa tribo trabalha no Programa
de Saúde da Família – PSF. E uma das decisões mais sábias que essa
tribo tomou foi a de assumir a posição intransigente de não mais
olhar as pessoas, a família ou a comunidade por suas “doenças”,
ausências ou carências, mas pelo lado luminoso de cada uma delas,
mesmo nas fragilidades, como principal “remédio” para seu bem-
estar, solução para suas enfermidades e conquista da saúde pela
força da vida.
O CPCD e o Programa Viva a Vida, durante dois anos (2001-
2002), promoveram a capacitação de todos os mais de 10 mil
Agentes Comunitários de Saúde do Maranhão para atuarem
como “educadores sociais”. A razão deste investimento se tornou
necessária porque os ACSs até então foram treinados e preparados
para visitar as famílias e entrar nas suas casas para ver, mapear,
diagnosticar e tratar as suas doenças.Teria sido melhor se fossem
chamados na prática de “agentes comunitários de doença”. Investir
na construção de um novo olhar, aparentemente simples, requer a
adoção de uma série de novas habilidades sofisticadas (de escuta,
de aprendizado, de atenção e cuidado), de uma postura inovadora
(profissional, ética e solidária) e de uma crença nos saberes,
173
quereres e fazeres (dos outros, dos diferentes, das relatividades, das
alternativas, das potencialidades e das oportunidades). Este grande
mutirão de reaprendizado investiu no lado luminoso dos ACSs e
das comunidades onde atuam, cujos resultados e indicadores são
visíveis na mudança de comportamento e de atitudes dos ACSs e
das comunidades que cuidam e os acolhem.
E isto é o que começamos a chamar de construção da cultura
de futuro: descobrir e conceber as suas configurações culturais e
o vislumbrar dos seus fragmentos tornam-se uma atividade de
exploração dos indícios do futuro, do novo desejado, das mudanças
necessárias, do distinto das novas situações, do surgimento
de elementos que antes não eram reconhecíveis, dos padrões,
desenhos e dinâmicas produzidas e suas interações.
E se este futuro começa a ser apalpado, tocado, é porque a
gente começa a ter saudades dele, saudades do futuro. É quando o
futuro deixa de ser um tempo cronológico (que nunca chega) para
assumir sua dimensão cultural (que nos rodeia e nutre).
Para alcançar este patamar não adianta previsões de
futurologia, mas construtivismo. De pouca utilidade são as
astrologias e seus similares, mas é essencial a disposição corajosa
para mergulhos densos e profundos, na direção da compreensão
e aprendizagem do eu e do outro, dos saberes, dos fazeres e dos
quereres humanos.
Ao adotar os PTAs como estratégias de trabalho, as equipes
perceberam que o ponto do doce de seu trabalho estava em
perceber as “piscadelas”, os “pequenos nadas”, este cuidado
fundamental em não perder ou excluir nada ou alguém, mas e
principalmente, em absorver todos os sinais e indicadores que
permitam não perder os objetivos de vista e do alcance de nossas
mãos. Algumas destas piscadelas, de tanto serem notadas, passaram
a ser denominadas e foram metabolizadas nas práticas das equipes,
adquirindo o ‘status’ de valor.
E é neste mar de “piscadelas” micro e macroscópicas
(simbólicas, ritualistas, intencionais, coerentes ou não) que
navegamos (aprendemos, construímos, intervimos, interpretamos)
durante nossa vida.
As estratégias de construção de caminhos novos dependem
principalmente das possibilidades de quem tem a seu cargo a
174
responsabilidade e o firme desejo de alcançar soluções duradouras
e não tanto de como se origina algum problema ou da simples
análise das suas causas. Esse foi outro grande aprendizado.
O futuro que estamos construindo no presente depende de
nossa governabilidade e não da transferência de sonhos ou da
terceirização dos nossos fracassos.
Grande parte dos problemas do mundo, como por exemplo,
a elevada (e não justificável) taxa de mortalidade infantil neonatal,
passa, obrigatoriamente, por Paço do Lumiar, este lugar singelo, cujo
nome já é um ponto de luz, no interior do Maranhão, Brasil. Ali uma
equipe de enfermeiras chamou para si, colocou como objeto de
sua governabilidade, a redução drástica desta taxa, através de um
programa exemplar de aleitamento materno exclusivo para todas
as crianças de zero a seis meses de vida. O programa “Flor de Mãe”
é mais que um exemplo bem sucedido; é um caminho novo, um
futuro ao alcance de toda e qualquer comunidade, uma garantia de
vida com qualidade para toda criança, não importa onde nascida,
mas como foi acolhida, cuidada e alimentada, de qualquer parte
deste mundo.
E esse é outro futuro que “O caminho das pérolas: novas
formas de cuidar em saúde” nos oferece. Precisamos urgentemente
multiplicar os nossos pontos de luz e universalizar este Banco de
175
* Às Pérolas do Maranhão
176
DISCURSO DE ABERTURA DO I SEMINÁRIO INTERATIVO DE TECNOLOGIA SOCIAIS EM
SAÚDE DO MARANHÃO
É com muita alegria e esta sensação de encantamento coletivo que estamos abrindo
o I Seminário Interativo de Tecnologias Sociais em Saúde do Maranhão com o lançamento
do livro “O caminho das Pérolas, novas formas de cuidar em saúde”.
E digo que “estamos”, porque tudo que fizemos até aqui e que faremos nestes três
dias é de autoria, direta e indireta, de mais de 50 pessoas que ao longo destes 6 últimos
meses se debruçaram sobre esta tarefa de realizar um duplo registro, escrito (o livro),
e oral coletivo (o seminário), sobre o trabalho em saúde, cotidiano, que realizam com
delicadeza, beleza e encanto.
Quero registrar um agradecimento especial à Fundação Sousândrade para a
sensibilidade com que apoia nossos projetos culturais.
Estaremos falando de nossas verdades e estaremos produzindo as conseqüências
deste registro.
Quero pensar este nosso seminário como um contraponto, ou um antídoto a um certo
movimento global contemporâneo.
Parece que temos três enfermidades mundiais neste momento civilizatório:
A crescente incomunicabilidade, uma revolução tecnológica que não temos condição
e tempo para assimilar e nem sabemos para onde nos leva, e uma concepção de vida que
passa unicamente pelo pelo que se chama triunfo pessoal.
Os homens reduziram a comunicação verbal a um mínimo imprescindível.
Mas ao não usar as palavras, perdem-se os sentimentos.
Vivenciamos todos esta inquietude com o futuro do homem que vive hoje em um
mundo em transformação por esta revolução tecnológica que contraditoriamente, faz
com que a cada dia tenhamos mais informações e saibamos menos.
A comunicação sempre permanecerá como um mistério e se os problemas que não
podem ser resolvidos devem ser dissolvidos, resta-nos encontrar a validade de nossas
expressões dada pelo outro diferente.
O que importa não é chegar a respostas ou conclusões e sim interrogar as certezas
veiculadas pelos detentores de certos saberes.
Só assim é possível perceber os limites inerentes a qualquer campo do conhecimento,
e, como os sentidos são imprevisíveis, prosseguir trabalhando para liberar e desvencilhar
esse outro daquilo que, quase sempre por desconhecimento, o domina e causa medo.
Este seminário e este livro apresentam uma forma de trabalhar que reverencia os
saberes e os quereres de todo indivíduo e de cada comunidade.
E tratam do cuidado, porque se opõem ao descuido e ao descaso. estaremos
apresentando uma assistência em saúde que é um antídoto contra o descuido que os
excluídos, os desempregados, os idosos, as crianças, os loucos denunciam na maioria das
instituições públicas que se preocupam cada vez menos com o ser humano e se ocupam
cada vez mais com a chamada “economia da ciência”, à custa da dignidade e da compaixão
necessárias para devolver ao outro a dignidade humana.
Estaremos trabalhando numa certa contramão da ciência moderna, que é um sistema
de saber onde o que importa é a não contradição entre os sinais, e por isso ela exclui
o real. Na verdade a ciência funciona sempre como um sistema simbólico que não dá
conta do real.
O livro e o seminário são desdobramentos do curso de formação de facilitadores que
o programa viva a vida, em parceria com o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento,
programou e realizou neste ano de 2002.
Somos privilegiados, porque podemos olhar para trás e registrar sucessos neste
programa:
177
- Formamos 40 especialistas em Saúde Mental, todos com monografia entregue
e aprovada;
- Capacitamos como educadores sociais e treinamos em saúde mental para
manejo de atenção primária em saúde mental os 10.000 agentes comunitários de saúde
do maranhão e só neste ano realizamos cursos em 94 municípios de todo o estado. No
total, cada ACS recebeu, individualmente, em torno de 50 horas de curso e tivemos apenas
10% de absenteísmo nas turmas, o que não é relevante numericamente, sobretudo de
pensarmos nas dificuldades de acesso, mesmo que nossos educadores tenham sido, eles
próprios, itinerantes pelos municípios;
- Apoiamos tecnicamente e com recursos para reforma de imóvel, 5 Centros
de Atenção Psicossocial: Timon, Imperatriz, Parnarama, Rosário, Poção de Pedras e
Pedreiras;
- Treinamos em saúde mental 423 profissionais de nível superior do PSF;
- Treinamos 344 auxiliares de enfermagem em saúde mental, nos municípios de
São Luís, Pedreiras, Timon, Imperatriz, Parnarama, Coroatá e Rosário;
- Temos uma Residência Terapêutica em São Luís com 6 pacientes ex-moradores
do Hospital Nina Rodrigues, que ao longo destes 6 meses de experiência não tiveram
nenhuma reinternação;
- Temos 5 leitos de psiquiatria no Hospital Geral Tarquínio Lopes Filho, mantendo
um tempo médio de internação atualmente em quartorze dias, contra os 108 dias de média
das outras clínicas de internação psiquiátrica de são luís. podemos dizer que um leito do
Hospital Geral vale por oito leitos das clínicas conveniadas. Já internamos 128 pacientes,
apenas dois com internação involuntária, usamos contenção física menos de 6 vezes e
não temos caso de reinternação de nossos pacientes; temos medicação sedativa S.O.S.
como exceção e não como regra, e estes são indicadores soft de qualidade de serviço;
- Temos os projetos pedagógicos Sementinha e ser Criança, implantados com
sucesso e em desenvolvimento em Pinheiro e em Miranda do Norte, com 80 professores
da rede de ensino capacitados nesta metodologia e com 1600 crianças atendidas;
- No ano de 2001 realizamos o I Seminário Internacional de Saúde Mental e
Qualidade de Vida do Estado do Maranhão e em abril de 2002 lançamos aqui o livro que
registra as falas do seminário;
- Recentemente cedemos, generosamente, imóvel comprado pelo estado para o
programa viva a vida, para a coordenação de saude mental, para a implantação imediata
de um CAPS de álcool e drogas, conforme política atual da Coordenação Estadual de
Saúde Mental e sobretudo, pela necessidade de rede, inconteste, deste tipo de dispositivo
assistencial.
E quero registrar que quando falo em “PROGRAMA VIVA A VIDA”, estou me referindo ao
trabalho dedicado de maranhenses de corpo ou maranhenses de alma: aos companheiros
do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, principalmente ao Prof. Tião Rocha e
à Doralice Mota e seu grupo de educadores, ao Sr. Sales, Sônia, Ivelise, Maria de Jesus,
Guilherme, Eliana, Fernanda, Patrícia, Gentil, Raimundo Teodoro, Juraci, Ismália, Sr. Silva,
Sr. Batista, Rodrigo e Sebastiana.
Este trabalho, que já realizamos e ainda por realizar, é sobretudo este livro, é dedicado
a Roseana Sarney, ex-governadora do Estado do Maranhão, por ter acreditado e viabilizado
este programa.
Obrigada, Roseana, por ter nos permitido sonhar tão lindos sonhos.
A mim, por ter aprendido aqui tudo que as universidades, mesmo as melhores, não
podem ensinar. Como sair do escafandro contra o mundo das idéias e vir olhar o mundo
com olhos de brasileiro. Como caminhar na contra-mão de certezas endurecidas – as
velhas verdades da universidade – e encontrar contradições que pulsam, nomeações da
vida para aquilo que habitualmente se cala. E muita indisciplina...
A inadequação é própria do ato de falar. Talvez eu tenha cometido injustiças, omissões
178
não desejadas. Perdoem-me por isso. Trago o coração encantado e a alma em dia de
gala.
Termino com as palavras de fernando pessoa:
Eu sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. Fora disso, sou doido,
com todo direito a sê-lo.
Considero aberto o I Seminário Interativo de Tecnologias Sociais em Saúde do
Maranhão.
179