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Flores no túmulo

de Tancredo

✽ a Constituição de 1988. O que fa-
zia Dilma no berço simbólico de
trarexpressãonaplataformapar-
tidária e as palavras escritas pelo
DEMÉTRIO tudo o que o PT queimou na partido não podem encontrar
MAGNOLI maior encruzilhada de nossa his- correspondência nos programas

P
tória recente? de governo.
ara onde pender A coerência absoluta é privilé- JáexistemduasversõesdaHis-
MinasGerais,sein- giodasseitaspolíticas, responsá- tória do Brasil, tal como narrada
clinará o Brasil, veis apenas perante seus pró- por Lula. A original, apoiada na
imaginam os estra- prios dogmas. Todos os partidos chavedaruptura,dizqueaNação
tegistasdeJoséSer- deverdade,aquiealhures,experi- alcançou a independência com a
ra e Dilma Rousse- mentam ambivalências ao olhar inauguração de sua presidência,
ff. A candidata do PT inaugurou paratrás,nadireçãodeseupassa- após a longa noite de “500 anos”
suacampanhasolocomumpéri- do. Mas o lulopetismo encontra- na qual “a elite governou este
plomineiroe–entretantosluga- se numa categoria separada. A país”. A segunda, apoiada na cha-
res! – enveredou pelo caminho narrativa histórica implícita na ve da continuidade, diz que Lula
de São João Del Rei, até o túmu- peregrinação ao túmulo de Tan- restaurou uma estrada de eman-
lo de Tancredo Neves, no qual credo se situa em algum ponto cipação projetada por Getúlio
depositou flores. O gesto recen- entre a esquizofrenia e o distúr- Vargas (“o presidente que tirou
deaoportunismoeleitoreiropa- biobipolar. E, no entanto, há mé- toda a Nação de um estágio de
roxístico, e também é isso. Mas todo na loucura. semiescravidão”), implantada
nãoésóisso:Dilmaestáfazendo OPTsurgiucomoleitodecon- por Juscelino Kubitschek
umadeclaração sobre aHistória fluência de muitas águas e dife- (“quem conscientizou o País de
– ou melhor, uma declaração renteshistórias.Namédia,identi- que o desenvolvimento nacional
contra a História. ficava-se como um partido de é uma prerrogativa intransferí-
Lula e o PT acercaram-se de ruptura, socialista mas avesso ao vel de um povo”) e pavimentada
Delfim Netto, celebraram com por Ernesto Geisel (“o presiden-
Jader Barbalho, aliaram-se a Jo- Dilma depreda a história te que comandou o último gran-
sé Sarney, trocaram figurinhas de período desenvolvimentista
com Paulo Maluf, assopraram
– a nossa, a dela, a do do País”). As duas versões lulis-
as cicatrizes de Fernando PT. Mas há método tas são contraditórias entre si,
Collor. O que é um Tancredo na loucura mas convivem na harmonia per-
perto disso? Uma diferença, en- feita do distúrbio bipolar.
tre tantas, está na circunstância “socialismoreal”.Depois,àmedi- No inverno de 1077, o impera-
de que a figura homenageada da que se aproximava do poder, dor excomungado Henrique IV
deixou o mundo dos vivos para converteu-se num partido da or- viajouao castelo papalde Canos-
ingressar no firmamento dos dem. A conversão, contudo, ja- sa e aguardou à porta, sob a neve,
símbolos. Tancredo é uma re- mais assumiu as formas de uma por três dias e três noites, até re-
presentação: o ícone da transi- releitura honesta de seu passado ceberoperdãodeGregórioVII.A
ção pactuada que deu origem à e de uma crítica política de suas peregrinaçãodeDilmaàCanossa
Nova República. O PT vilipen- ideias originais. A antiga corren- tropical do lulopetismo equivale
diou aquela transição e decidiu te liderada por José Genoino à adição de um novo capítulo na
não fazer parte da ordem que bem que tentou, mas o PT não versãocontinuístadaHistóriado
nascia. Primeiro, expulsou seus seguiu a dura trilha de aggiorna- Brasil. O que o capítulo adventí-
três deputadosque votaram por mento pela qual, ao longo de cio acrescenta ao conjunto, em
Tancredo no Colégio Eleitoral. meio século, os partidos marxis- termos de sentido?
Depois se recusou a homologar tas da Segunda Internacional se Há uma invariante nas narrati-
transformaram na atual social- vas lulopetistas sobre o passado,
democraciaeuropeia.Nahorado que é o conto de uma queda. Nas
triunfo de Lula, a distância inco- duas versões, a presidência de
mensurável entre palavras e atos FHC representa uma catástrofe
LOREDANO tevedeservencidapelorecursoa existencial:avendado temploea
um salto fraudulento: a Carta ao conspurcação dos lugares san-
Povo Brasileiro, produzida por tos. Para todos os efeitos, FHC
ex-trotskistas e assinada pelo desempenha o papel de chefe su-
candidato como negação do pro- premo dos “exterminadores do
gramapartidário.Nãoétrivialen- futuro”, na frase fresca de uma
carar o passado quando se joga Dilma que acabara de se ajoelhar
esconde-esconde com a política. diantedotúmulodeTancredo.O
Lula pilotou a política econô- capítulo novo, escrito em São
mica com o software elaborado João Del Rei, estende a narrativa
por FHC e foi buscar no ninho da continuidade e demarca o lu-
tucano o operador dos manetes gar exato do abismo.
doBancoCentral. Dilmajura que A escalada nacional rumo à
rezará as três orações do livro da montanha da glória começa em
ortodoxia:câmbioflutuante,me- Vargas e prossegue com Jusceli-
tas de inflação e superávit primá- no,Geisel e Tancredo, até se des-
rio. Paralelamente, as resoluções viar com FHC, projetando a Na-
do Congresso do PT de 2007 la- ção nas profundezas do vale da
mentamaquedadoMurodeBer- desolação. Sob a liderança de Lu-
lim e reiteram tanto as “convic- la,amontanhafoiafinal conquis-
ções anticapitalistas” quanto o tada. O despenhadeiro, porém,
compromissocoma“lutapeloso- continua à vista e uma melodia
cialismo”. No partido, desde as encantatóriaameaçareconduzir-
crises da cueca e do caseiro, nin- nos, de olhos vendados, para a
guém mais ousa sugerir um ag- perdição. Dilma depreda a histó-
giornamento – uma carência que ria – a nossa, a dela, a do PT. Mas
se traduz pelo agravamento dos há método na loucura.
sintomas de esquizofrenia. A di-
cotomia se desenvolve como ✽
umabifurcaçãodenegaçõescom- É SOCIÓLOGO E DOUTOR EM
plementares: a prática de gover- GEOGRAFIA HUMANA (USP). E-MAIL:
no lulopetista não pode encon- DEMETRIO.MAGNOLI@TERRA.COM.BR

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