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Estado de São Paulo - Ciência e Meio Ambiente

14 de março de 2007 - 01:32


Brasil pode ser a primeira biocivilização da história, diz Sachs

Uma nova coletânea de escritos do ecossocioeconomista, Ignacy Sachs, sobre desenvolvimento,


ambiente e sociedade será lançado no Brasil neste mês
Christina Amorim

Eduardo Nicolau/AE

Para ele, consciência ecológica coincide com a contra-reforma neoliberal

SÃO PAULO - Em quase 80 anos de vida, Ignacy Sachs - polonês naturalizado francês, que
cresceu no Brasil, formou-se adulto na Índia e integra os principais círculos do pensamento social
do mundo - transitou inúmeras vezes do discurso à práxis. Uma nova coletânea de escritos seus
sobre desenvolvimento, ambiente e sociedade será lançado no Brasil neste mês: Rumo à
Ecossocioeconomia (Cortez Editora, 472 págs.), organizado pelo colaborador professor Paulo
Freire Vieira. Em São Paulo, um de seus lares pelo mundo, Sachs fala sobre desenvolvimento
sustentável, oportunidades e a maior ironia da história.

O sr. defende a implementação de "estratégias de desenvolvimento socialmente includente,


ambientalmente sustentável e economicamente sustentado", pela superação da hegemonia
neoliberal. Como, se estamos inseridos neste contexto?

A grande ironia da história foi que a tomada de consciência ecológica, que coincide com a
Conferência de Estocolmo em 1972, aconteceu junto à contra-reforma neoliberal. As idéias sobre
como regular um mercado para que o respeito à condicionalidade ecológica e aos impactos sociais
positivos surgiram no momento em que se começou se tentar demolir os arranjos formados na
época do capitalismo reformado, que predominou de 1945 a 1975.

Chegamos a Estocolmo após 30 anos de crescimento rápido e progressos sociais discutíveis,


porém estragamos terrivelmente a natureza. E o período de 1970 até o fim do século é o período
da contra-reforma neoliberal, e essa contra-reforma complica a estratégia. Então vamos corrigir
isso, com o desenvolvimento orientado para os objetivos sociais mas integrando as
condicionalidades ecológicas. É melhor reconhecer esse conflito do que colocá-lo debaixo do
tapete.

A nova geração questiona o que foi feito pela e para a geração anterior. Essa ruptura viria
dessa nova geração?

Não se trata de idealizar o passado, nem se trata de voltar àquele capitalismo de 1945/1975. Não
existem modelos históricos, mas antimodelos para serem superados. O que eu estou pleiteando
não é uma volta pura e simples ao passado, mas um reatamento com a problemática que estava
na pauta no fim da Segunda Guerra Mundial. Apagar as memórias, raciocinar sem memórias,
empurrar para baixo do tapete leva a tropeços.

Da Cúpula da Terra (ECO-92), até agora, o sr. tem visto mudanças na direção de um
desenvolvimento sustentável?
Houve mais retrocesso do que avanços. Estamos há 15 anos da Cúpula da Terra. O número de
cidades que produziram e implementaram a Agenda 21 é muito reduzido. Não se fez o necessário
para que as principais mensagens chegassem à opinião pública enquanto o interesse criado pela
conferência existia. Deveríamos ter produzido uma espécie de folheto, em que cada capítulo da
Agenda 21 fosse resumido em uma página, com outra para sugestões. Uma resolução deveria ter
sido votada na Assembléia Geral das Nações Unidas para que o documento fosse traduzido em
todas as línguas do mundo e difundido largamente na sociedade. Teríamos gerado um movimento
ao redor da ECO-92, e esse movimento não aconteceu.

É possível retomar o interesse?

Olha, eu não sou Madame Soleil, eu não posso dizer o que vai acontecer. Mas estamos num
momento novo. Propor o que foi discutido em 1945 ou 1972 obviamente não funciona. Porém,
recolocar o debate atual numa perspectiva histórica, do que aconteceu e o que está acontecendo,
é absolutamente indispensável. O momento atual é marcado pelo fato de que nossas intervenções
funcionam como um entrelaçamento do processo do desenvolvimento da humanidade e do
processo histórico. Durante algum tempo, o que fazíamos não interferia de forma significativa no
âmbito maior. Hoje adquirimos tecnologia necessária para desencadear um processo de mudança
climática que, se não for contido a tempo, trará ameaças à própria humanidade.

Neste caminho, se a gente olha historicamente o que aconteceu nos últimos 25 anos: perdemos o
adicional social e entramos num crescimento que não gera um número suficiente de empregos.
Estamos numa época de défict cada vez maior daquilo que a Organização Internacional de
Trabalho (OIT) chama de trabalho decente: não só uma oportunidade de emprego, mas que seja
razoavelmente bem remunerado e que se realize em condições aceitáveis e dignas.

Como repensar o debate ambiental frente aos planos de desenvolvimento?

Mais do que nunca precisamos do conceito de desenvolvimento. É um instrumento de avaliação do


que passou para um conceito normativo. Acho totalmente descabível abandonar a idéia do
desenvolvimento. É como dizer que o doente está com febre e a febre não baixou, então joga-se
fora o termômetro. Não quero dizer que tivemos um processo favorável, aceitável, positivo. Não!
Usei em várias ocasiões um conceito que não se firmou no Brasil, mas em outro países sim, de
mau desenvolvimento.

O que é o "mau desenvolvimento"?

O crescimento econômico com resultados sociais e ambientais positivos, numa trajetória


triplamente vencedora, é desenvolvimento. Um crescimento forte, mas com impactos sociais e
ambientais negativos, não é desenvolvimento; é crescimento social e ambientalmente perverso.

É possível juntar as três premissas?

Todo o debate sobre crescimento gira em torno das diferentes formas de como o econômico, o
social e o ambiental se combinam. O crescimento econômico razoável, com pleno emprego e
destruição ambiental monumental é justamente capitalismo reformado. Então vamos partir para
corrigir este terceiro ponto.

Neste caminho, se a gente olha historicamente o que aconteceu nos últimos 25 anos, perdemos
esse mais social e entramos num crescimento que não gera um número suficiente de empregos.
Estamos numa época de defict cada vez maior daquilo que a Organização Internacional de
Trabalho (OIT) chama de trabalho decente, não só que seja uma oportunidade de emprego, mas
que seja razoavelmente bem remunerado e que se realize em condições aceitáveis e dignas.
Bom, caminhamos neste sentido então. Os últimos anos são de crescimento econômico forte, mas
não é acompanhado pela solução do problema social. Há desigualdade na repartição da renda e,
sobretudo, há desigualdade na repartição de riquezas. Não corrigimos a trajetória ambiental, ao
contrário; não conseguimos endireitar o social, mas temos crescimento.

O Brasil tem três premissas negativas?

Ele tem um crescimento pífio, com uma política social de cunho assistencialista e problemas
ambientais que se avolumam.

O problema ainda pode virar uma oportunidade?

O Brasil, como todos os países latino-americanos, teve uma trajetória de crescimento rápido,
porém socialmente perverso: um modelo que os latinos chamaram de excludente e concentrador.
O problema é como passar deste para um modelo includente e descentralizador. Pessoalmente
acho que abre-se uma janela de oportunidade extraordinária com a bioenergia. Se for bem
conduzida, sua expansão pode alavancar um novo ciclo de desenvolvimento rural includente e
sustentável. Se for bem conduzido. Se deixada aos mecanismos do mercado, corremos o risco de
ter mais latifúndio e mais favelas. Obedecendo a um conjunto de critérios de eficiência energética e
sustentabilidade ecológica e critérios sociais, de geração de oportunidade de trabalho ao longo da
cadeia da agroenergia, aí vamos avançar.

Por isso acho que o País está numa encruzilhada extremamente importante. Sempre gosto de citar
nestas ocasiões um texto de José Bonifácio. Vou lhe mostrar (sai da sala e volta). Este é um dos
livros mais importantes do últimos anos (Projetos para o Brasil). Primeiro porque gira em redor da
palavra-chave. Se tivesse que resumir a mensagem principal de Celso Furtado nos últimos dez
anos da vida dele, era essa. Temos de discutir ao redor de um projeto nacional. O projeto não está
hoje claro. Segundo, ele (Bonifácio) foi um crítico da escravatura extraordinário para a época, não
só o que diz respeito ao Brasil, mas ao mundo. Foi um grande pensador. E ele teve um momento
de desabafo, que eu vou ler: “Se eu pudesse alguma coisa para com Deus, lhe rogaria quisesse
dar muita geada anualmente nas terras de serra acima, onde se faz o açúcar; porque a cultura da
cana tem sido muito prejudicial aos povos:

1°) porque tem abandonado ou diminuído a cultura do milho e feijão, e a criação dos porcos; e
estes gêneros têm encarecido.” Olha, o milho que os americanos estão usando no etanol provocou
um aumento em 65% no preço da tortilla, e os mexicanos saíram na rua. “E esses gêneros têm
encarecido: assim como a cultura do trigo, e a do algodão e azeites da mamona.

2°) porque tem introduzido muita escravatura, que não só empobrece aos lavradores, corrompe os
costumes e caridade cristãs, mas faz mais preguiçosos os mestiços e mulatos que acham
desprezo de puxar pela enxada.

3°) porque tem devastado as belas matas e reduzido a taperas muitas herdades.

4°) porque roga muitos braços à agricultura que se empregam no carreto dos africanos.

5°) porque exige muito número de bestas muares que não procriam e que consomem muito milho.

6°) porque diminuiria a feitura da cachaça que tão prejudicial é do moral e físico dos moradores do
campo.”

Quando foi escrito?


Nos anos 1820. A culpa não é da cana. A cana é uma planta milagrosa. Nós temos de fazer tudo e
todos os esforços para fazer o melhor uso possível da cana e de outras plantas milagrosas que a
biodiversidade proporciona ao Brasil. A crítica é feita ao modelo social construído em cima da
cana. Este país, mais do que qualquer outro no mundo, tem as condições para formar um
desenvolvimento triplamente vencedor. Conquanto se adote estratégias e se dote de instrumentos
de políticas públicas que permita corrigir distorções de uma trajetória impulsionada unicamente
pelas forças do mercado.

Agora não basta isso. Na Indonésia, aconteceu recentemente uma catástrofe. Os holandeses
encomendaram muito óleo de palma para alimentar seus automóveis. Os bons indonésios
pegaram várias caixas de fósforo e deitaram fogo sobre a floresta nativa. Soltaram toneladas e
toneladas de gases do efeito estufa. Quando o fogo baixou, foram olhar que tipo de solo tinham.
Era pantanoso. Drenaram. Ao drenar, jogaram outra vez toneladas de gases do efeito estufa no ar.
É claro que o balanço desta operação era ambientalmente altamente negativo. A culpa não é do
óleo de palma, é dos indonésios. E é absurdo usar este exemplo para dizer “olhem, as bioenergias
não têm futuro”.

O que falta ao Brasil para aproveitar esta oportunidade?

O Brasil tem as melhores condições no mundo para tirar proveito desta saída gradual da civilização
do petróleo. Tem tudo para construir o que eu chamaria de uma biocivilização, baseada no
aproveitamento do trinômio: biodiversidade, biomassas e biotecnologias - esta última nas duas
pontas do processo, para aumentar a produtividade da biomassa e para abrir cada vez mais o
leque dos produtos dela derivados, como alimentos, rações para animais, bioenergia, adubos
verdes, materiais para construção, matérias-primas industriais, insumos para química verde,
fármacos e cosméticos. É um mundo que se abre.

Hoje o Brasil já tem vantagens comparativas naturais, pela sua dotação de recursos naturais,
abundância de terras e clima tropical que favorece a produtividade primária da biomassa. Do ponto
de vista de capacidade de potencializar as vantagens comparativas, o Brasil tem vários trunfos na
mão: pesquisa e uma indústria de equipamentos de ponta para este tipo de unidade de produção.
Falta definir uma estratégia que transforme esses trunfos num processo de desenvolvimento
autêntico, baseado no tripé dos objetivos sociais.

Não se trata de multiplicar a riqueza. Trata-se de multiplicar a riqueza mudando drasticamente as


formas da sua partilha. Um grande pensador do desenvolvimento francês, e que andou muito pelo
Brasil e influenciou toda uma geração de brasileiros nos anos 1950, (Louis-Joseph) Lebre, dizia
que o “desenvolvimento é a construção de uma civilização do ser na partilha eqüitativa do ter”.
Olha, não conheço uma fórmula melhor. Nosso problema é como construir esta civilização
aproveitando a chance que a bioenergia abre para um novo ciclo de desenvolvimento rural,
rompendo com a idéia de que se deve reproduzir o que os outros fizeram.

Por que não é possível repetir o padrão?

O caminho dos países industrializados - de um passado rural e agrícola, para um urbano e


industrial - não é mais possível que aconteça porque mudaram três coisas essenciais no contexto
da história.

Primeiro: não somos capazes de organizar migrações em escala comparável aquelas migrações
dos camponeses europeus para as Américas no século 19. Hoje haveria centenas de milhões de
camponeses indianos e chineses. Sabemos organizar isso? Não.
Segundo: aconteceram as duas guerras mundiais, que matou dezenas de milhões de pessoas nas
batalhas e em campos de concentração. Vamos repetir essa solução? Não.

Terceiro (e o mais importante ponto): estamos vivendo uma fase de desindustrialização. Não no
sentido de que as indústrias produzem menos, mas no sentido de que as indústrias empregam
menos. Aquele que migrava do campo para a cidade tinha boas chances de ser acomodado nas
indústrias que empregavam muita mão-de-obra. Esta fase passou. Empurrar agricultores familiares
na América Latina, na África, na Ásia para as cidades gera um inferno chamado favela.

Não se iluda: quem chega na favela não é um urbanizado, é um candidato a urbanização. A


palavra “urbanizado” deve ser reservada àquele que tem teto decente, emprego razoável e
condições de exercício da cidadania.

Não é preciso ser urbanizado para se obter estes três pontos.

Certamente. O tema mais importante que eu vejo hoje é repensar o ordenamento territorial
ultrapassando a falsa dicotomia cidade-campo, levando emprego para o campo mas também
algumas das amenidades que a cidade oferece, e não se trata de urbanizar o campo.

Nesta questão, as cadeias da agroenergia e o conceito da biocivilização oferecem pontos de


partida interessantes para definir estratégias pensadas a partir dos diferentes biomas. Não adianta
pensar que as coisas vão funcionar no Rio Grande do Sul e no Amapá da mesma maneira. Temos
de partir do potencial do território, mobilizar os atores sociais que já lá estão e, com eles, definir
sistemas integrados de produção de alimentos e energia.

Depois, ampliá-los até chegar a um conceito bem mais amplo da biocivilização, trabalhando com a
biodiversidade, a produtividade primária de biomassa e um conjunto das tecnologias para produzir
mais e extrair um leque maior dos produtos. Essa seria a minha visão do debate sobre como
pensar o desenvolvimento no Brasil.

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