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Centro de Humanidades
Curso de Filosofia – Diurno - 2009.2
Disciplina: Filosofia da Educação.
Professora : Roberta
Data: 18/01/2010
A EDUCAÇÃO EM
FRIEDRICH NIETZSCHE
Mas isto não nos impede de apresentar, já hoje, um pequeno vislumbre desta
tarefa maior. A presente obra foi concebida, segundo os direcionamentos de nossa
orientadora, com bases fincadas em duas obras de Nietzsche: as conferências de
1872, proferidas na universidade de Basiléia, sob o título “Sobre o Futuro de Nossas
Instituições de Ensino”, e o livro “Schopenhauer Educador” – a terceira de suas
considerações extemporâneas, escrita em 1875. Para tanto, contamos com a
imprescindível contribuição de Noéli Correia de Melo Sobrinho, através de seu livro
“Escritos sobre Educação: Friedrich Nietzsche”. Não obstante estas bases,
estabelecemos diálogos com outras obras de Nietzsche, principalmente “Assim
Falava Zaratustra” (1885), no intuito de mostrar – como já dissemos, que a
educação em Nietzsche é um tema problematizado ao longo de toda sua obra.
11
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.144 1
INTRODUÇÃO
(SCHOPENHAUER)
Kant, nas suas três críticas: “Crítica da Razão Pura” (1781), “Crítica da Razão
Prática” (1788) e “Crítica dos Juízos” (1790) estabelece um tribunal da razão, para
julgar até onde pode ir o conhecimento humano. Esses limites - da racionalidade,
são definidos pela “experiência possível”, qual seja: o universo dos fenômenos, que
são as formas como se apresenta para nós a “Coisa-Em-Si”, isto é: a verdadeira
essência do mundo objetivo, que é velada ao nosso conhecimento, pois só se dá
através dos sentidos, da experiência; dela podemos apenas, ter uma “visão”:
comprovar a sua existência, através dos conhecimentos “a priori”, que resgatam o
mundo objetivo do caos onde foi jogado pelo ceticismo de David Hume (1711-1776).
Schopenhauer dirá que tal procedimento não tem poder nenhum sobre os
aspectos existenciais da vida, sobre as paixões e os ditames da Vontade, que são
infindáveis. Além disto, o “tu deves” do imperativo categórico de Kant, representa
para Schopenhauer, como uma tentativa de ocultar um Deus que mais uma vez
presida, de forma dissimulada e desonesta, os atos humanos, fazendo com que a
filosofia, ainda como na Idade Média, continue sendo uma serva da teologia.
____________________________________________________
3
SCHOPENHAUER, A.H.F. Parerga e Paraliponema: O Vazio da Existência, p.2
4
SCHOPENHAUER, A.H.F. A Arte de Escrever, p.81
5
YALOM, I.D. A Cura de Schopenhauer, p.108
6
SCHOPENHAUER, A.H.F. A Arte de Escrever, p.140 4
Como solução moral para esse turbilhão existencial vazio, Schopenhauer
aconselha refrear a Vontade individual ao máximo: “querer é sofrer”. Portanto,
querendo menos, sofreremos menos. Ele vai buscar conforto nas doutrinas orientais,
pricipalmente no Budismo, pois “(...) apreciava as técnicas de meditação orientais e
o destaque que elas dão à liberação da mente, de ver através da ilusão e aliviar o
sofrimento aprendendo a arte do desapego” 7. Ele acredita que na paz do nirvana
está o que há de mais próximo de uma solução para ao menos minimizar os efeitos
nocivos da Vontade, e assim alcançar alguma liberdade, e “viver heroicamente” na
“Metafísica do Belo”: a fórmula para o nascimento do gênio: “O olho claro do
mundo”! Por isso, a liberdade para Schopenhauer é negativa. Ela é apenas o
esforço heróico rumo à ausência... à negação... da Vontade... do desejo... do
sofrimento... e... da vida!
____________________________________________________
7
YALOM, I.D. A Cura de Schopenhauer, p.105
8
SCHOPENHAUER, A.H.F. Parerga e Paraliponema: O Vazio da Existência, p.3
9
NIETZSCHE, F.G.W. Assim Falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém, p.297
10
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, p.150 5
1 – Linguagem Imagética
Um homem caminha margeando um rio. Este homem é feliz onde está. Ele
parece mesmo com uma vaca devoradora de pasto, cabeça sempre baixada, olhar
sempre para o que há em baixo. Não percebe-se, portanto, como um animal de
rebanho que é, nem se dá conta do que representa aquele rio a correr logo ali
pertinho. Tampouco sabe que só está ali por vontade e determinação do fazendeiro,
que em breve decidirá seu destino, mandando-a ao abate. Se este homem, se esta
vaca, soubesse elevar seus sentidos acima da sua pança, poderia farejar um cheiro
novo vindo de suas entranhas, poderia ouvir com clareza uma voz se elevar acima
dos mugidos do rebanho, poderia, enfim, ver que aquele rio não é um rio comum;
em verdade, é um rio de sangue, e é o seu próprio sangue que nele corre, que se
esvai; este é o rio da vida; o rio da sua vida, que passa ao seu lado enquanto ele,
ser autômato, e preguiçoso, não percebe. De fato, talvez perceba, uma vez ou outra,
de soslaio, uma fresta de liberdade além da cerca, mas ele não se atém àquela
imagem por muito tempo, e o motivo é a preguiça e o medo.
É muito mais cômodo para uma vaca ser alimentada dia-a-dia, do que caçar
seu próprio alimento, como faz o leão. É mais seguro para ela, entregar sua vida nas
mãos de outrem, confinada entre cercas “protetoras”; seria necessário, antes de
tudo, abandonar aquela preguiça e aquele medo para construir a ponte que a levaria
ao outro lado do rio, rumo ao “único caminho sobre o qual ninguém, exceto tu,
poderia trilhar”12, onde reina a lei: “viver segundo nossa própria lei e conforme a
nossa própria medida”13 e não a lei de um deus qualquer, chame-se ele Jeová,
Jornal Nacional ou Fazendeiro.
12
Ibidem, p.141
13
Ibidem, p.140 6
intelecto. Aquele que não admite que lhe dirijam a vida. Aquele que sente,
verdadeiramente, o peso de cada passo, e por isso adquire leveza para erguer o
olhar. Aquele que assume plenamente a responsabilidade pela própria vida; que não
se permite agir de outra forma senão “como verdadeiros timoneiros da vida”. E se
aparecer outro timoneiro, como no conto de Kafka14, e apoderar-se do timão de
nossa vida, não é aos camaradas sonolentos sob o convés que o homem
nietzscheano apelará. Ele preferirá bater-se até a morte com o usurpador, ou atear
fogo ao próprio navio, como fez Agátocles15. Em seguida, sairá como náufrago, em
busca de alguma ilha deserta que “transfigure” sua vida, pois uma vida sem
comando não teria valor, e tudo que não tem valor deve ser “transfigurado” para
adquirir um – esta, a fórmula do niilismo ativo.
2 – Natureza
3 – Germinação
Não foi à toa que iniciamos nossa exposição com metáforas à nietzscheana.
Cremos que o principal traço da educação em Nietzschce revela-se pela análise da
simbologia que impregna toda sua obra, e que teve seu apogeu em “Assim falava
Zaratustra” (1885). Quem melhor do que nós compreendeu isto foi Mário Ferreira
dos Santos (1907-1968) – o maior (e mais desconhecido) filósofo já nascido no
Brasil, que, a despeito de sua vastíssima obra própria, composta de mais de 50
livros e mais de 10.000 páginas póstumas, ainda notabilizou-se pela tradução da
obra nietzscheana diretamente dos originais em alemão, e entre estes, destaca-se a
tradução de “Assim Falava Zaratustra” com direito a notas explicativas da simbólica
ali contida. E quando observamos que um mestre como Mário Ferreira dedicou tanta
____________________________________________________
14
Trata-se do conto “O Timoneiro” de Franz Kafka. Vide: http://www.alfredo-braga.pro.br/biblioteca/timoneiro.html
15
Tirano de Siracusa entre 317 e 289 a.C., que, em sua expedição de guerra contra Cartago, mandou queimar seus navios
após desembarcar no continente africano, impedindo qualquer possibilidade de desistência de suas tropas 7
atenção a este aspecto, só podemos concluir que daí, há algo muito importante a
extrair. Nietzsche compôs este livro completamente em linguagem simbólica,
metafórica e aforismática. Pensamos que estas três características em conjunto,
representavam para Nietzsche o arauto da linguagem fantástica – e portanto a mais
apropriada para a educação – e que pode ser representada pela sua máxima:
“Parece que todas as grandes coisas, para gravar suas exigências eternas, devem
vagar pela terra trazendo uma máscara assustadora e monstruosa”16 – assustadoras
e monstruosas, leia-se terríveis e fantásticas!
É claro que Nietzsche não escreveu apenas com esta linguagem, mas suas
inclinações neste sentido já vinham desde a juventude, como se pode perceber em
sua terceira consideração extemporânea: “Schopenhauer Educador” (1874) e
principalmente nas suas cinco conferências “Sobre o futuro dos Nossos
Estabelecimentos de Ensino” (1872), onde nota-se uma mescla de discursos
filosóficos com uma narrativa imagética tão vasta, que ficamos sem saber se é uma
história inventada a título de recurso pedagógico, ou se de fato é como ele afirma,
uma história real, cujo conteúdo foi assombrosamente guardado de memória!
Somente um assombro de algo terrível e ao mesmo tempo fantástico poderia causar
um efeito assim tão perturbador: uma atenção fotográfica!
São esses mesmos traços: fantásticos e ao mesmo tempo terríveis, que faz-
nos vacilar entre a veneração e a dúvida da verossimilhança que tornam a cultura
grega tão imponente e importante, respeitável e sagrada, a ponto de constituir para
Nietzsche o primeiro referencial educacional – aquele que, acreditava ele, deveria
ser o principal alimento dos alunos na fase ginasial alemã – período de quatro anos,
que equivale ao nosso segundo grau ou nível médio de três anos. Este contato com
a imagética da Antiguidade, do nosso berço, das nossas origens enquanto espécie,
seria fundamental para abrir as perspectivas humanas ainda em formação. Daquelas
fontes inesgotáveis de saber adviriam inúmeras sementes multicoloridas que após
depositadas na jovem alma, deveriam amadurecer sem pressa, e em silêncio – pois
devemos calar ante tudo aquilo que nos é mais sagrado e temeroso, e ser
cuidadosamente regadas pela própria cultura grega e pela língua-mãe, através da
obediência, respeito e da constância direcionadas a ambas, durante todo o período
____________________________________________________
16
F.G.W Nietzsche Além do Bem e do Mal, São Paulo: Editora Escala, p.15-16
17
Subtítulo da obra “Assim Falava Zaratustra” de F.G.W Nietzsche 8
pré-universitário, quando então estariam já aptos para romper os primeiros brotos,
iniciando o período de elevação própria que os levará mais tarde à condição de
homem-leão – aquele que mais tarde retornará novamente aos Clássicos Antigos,
só que não mais por obediência, e sim por amor.
Perceba-se que o aluno, ou a jovem alma, como diz Nietzsche, não deve
fazer resenhas, nem resumos, nem quaisquer outros expedientes do tipo, os quais
ele classifica de linguagem jornalística; e que, contrariamente, são tão praticados
pelos alunos por solicitação dos professores a título de prepará-los logo para o que
há de vir. Não! Os professores nesta etapa devem apenas incentivar as leituras.
“Não devemos apressar a natureza” – dirá Nietzsche. Uma semente germinada
artificialmente e apressadamente cresceria mirrada e doente. Da mesma forma, o
aluno nesta etapa, é um depósito de acumulação de energias – não deve
desperdiçá-las com práticas jornalísticas banais – ele deve apenas ler, ler, ler,
abismar, excitar, fantasiar, taumatizar, terrificar, sentir, sentir, sentir as energias do
intelecto.
4 – Raízes
18
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.141
19
Ibidem, p.141
20
Ibidem, p.141 9
É que nosso eu mais profundo é na verdade, um prisioneiro louco e imundo
das Serras Peladas. É aquele nosso eu que convive com nossos cães selvagens:
“Queres escalar a altura livre; tua alma tem sede de estrelas. Mas
também teus maus instintos têm sede de liberdade. Teus cães
selvagens querem ser livres; ladram de alegria em sua cova quando
teu espírito tende a abrir todas as prisões.”21
21
NIETZSCHE, F.G.W. Assim Falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém, p.64
22
Ibidem, p.64
23
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.142
24
Ibidem, p.142 10
Mas daí, será que podemos prescrever Schopenhauer como guia para todos?
O Nietzsche desta época – de juventude – dirá que sim, sem pestanejar! E
realmente o é enquanto arquétipo inimitável, pelo menos até o aparecimento de
Nietzsche, mas somente na mesma medida que também a cultura clássica antiga é
recomendada para todos, ou seja, como grau mais elevado de uma ascensão! Mas
o importante aqui é enfatizar o necessário encontro que tem de haver entre o aluno
e seu mestre, e que pode se dar em diversos graus menos intensos. Este encontro
tem a ver com uma idiossincrasia comum, ou para ir mais além, e ousar adivinhar o
pensamento de Nietzsche, tem a ver com uma mentempsicose25 que se estabelece
entre mestre e aluno. Foi a sensação que tivemos ao ouvir Nietzsche dizer:
“Só o acaso pode ser interpretado como uma mensagem. Aquilo que
acontece por necessidade, aquilo que é esperado e que se repete
todos os dias, não é, senão uma coisa muda. Somente o acaso tem
voz.” 29
25
Referimo-nos não só à transmigração de almas, mas também ao processo anamnésico de lembrar de outras existências.
26
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.146
27
M.F.SANTOS, Prólogo “O Homem que foi um Campo de Batalha”. Rio de Janeiro – RJ: Edições de Ouro, 1966, p.18
28
Ibidem, p.18
29
KUNDERA, Milan “A Insustentável Leveza do Ser”. Rio de Janeiro – RJ : Nova Fronteira, 1985, p.54 11
naturais: uma quer privilegiar um único botão de rosa da roseira, como se esta não
fosse um organismo único; a outra quer plantar diversas rosas diferentes no mesmo
vaso, esperando que não haja competição entre elas. Para Nietzsche, a questão não
é explorar, mas encontrar: “não somente descobrir a força central, mas também
impedir que ela agisse de maneira destrutiva com relação às outras forças.” 30
6 – Ervas Daninhas
30
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.143
31
NIETZSCHE, F.G.W. Assim Falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém; tradução e notas explicativas da
simbólica nietzscheana de Mário Ferreira dos Santos. 2.ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 2008, p.83
32
Apolo é o Deus grego da razão, beleza, harmonia, equilíbrio. É o Deus Sol; do conhecimento luminoso.
1
2
Mas também pode-se observar este descaso na atuação e disposição de
certos professores para com seus alunos. Eles são verdadeiros homens-vaca: os
que tem “o comportamento idiferente das mercadorias fabricadas em série” 33; já se
deixaram abater e tentam dissimular seu auto-descaso na palavra torpe e
descontrolada, na negligência para com seu próprio saber; não têm coragem para se
revoltar contra o verdadeiro culpado e extravasam esta falta de atitude contra alunos
inocentes; agem assim ou por ignorância, ou, pelo que Nietzsche acha mais correto,
por pura incapacidade.
33
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.139
34
Ibidem, p.145
35
Ibidem, p.139
36
Ibidem, p.141
37
Ibidem, p.151
38
Ibidem, p.186
39
Ibidem, p.174 13
40
Filósofo grego, representante da Escola Cínica. Vivia apartado da sociedade, de forma módica, dentro de um barril.
41
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.104
42
Ibidem, p.103
43
Telenovela de autoria de Ivani Ribeiro, produzida e exibida pela Rede Globo de Televisão em 1993.
44
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.201
45
Ibidem, p.181 14
Existe portanto, a força da natureza dentro do homem que quer libertar este
mesmo homem dela mesma. Este seria o grande júbilo da natureza, como uma mãe
orgulhosa e verdadeira, que quer ver a elevação do filho, mesmo que isto custe sua
própria vida. Neste sentido, como a Natureza poderia se orgulhar de um filho que a
quer dominar cada vez mais e mais, que quer se meter sempre e cada vez mais
fundo nas barras de sua saia?! E esta ciência? Esta ciência que...
“(...) é fria e árida, ela não tem amor, e ignora tudo com um profundo
sentimento de insatisfação e nostalgia. Ela é útil apenas a si mesma,
tanto quanto é nociva a seus servidores, na medida em que transpõe
neles seu caráter próprio e assim ossifica de alguma maneira sua
humanidade(...) é surpreendente ver com que rapidez o homem fica
mirrado ao desenvolver semelhante atividade” 46
Nietzsche vai listar nada menos que treze variações dessa calcificação de
humanidade, presente nos eruditos da ciência. Para ele se tornam “defeituosos e
corcundas, ao se dedicarem sem reflexão e muito rapidamente à ciência”47. A
educação para a ciência é o sinônimo de uma educação abstratamente inumana48,
pois está, tal como ainda é hoje, desprovida de senso moral. A jovem alma foi
artificialmente germinada antes de estar preparada, antes de poder valorar
moralmente seus passos. Não, a verdadeira ciência é coirmã da natureza, e portanto
da cultura, e não sua algoz. O problema, na verdade está no direcionamento que é
dado pelo Estado que vê na ciência o gérmen de seu poder que para ele é tudo, e
portanto, para ser mantido, exige uma maioria de indivíduos moralmente deficientes,
tanto quanto os exércitos precisam de indivíduos destituídos de moral e de intelecto
para sobreviver.
7 - Schopenhauer.
46
Ibidem, p.191
47
Ibidem, p.144
48
Ibidem, p.145
49
Ibidem, p.152
50
Ibidem, p.153
1
5
todas as perguntas, menos as realmente importantes para se fazer a crítica de um
livro, como por exemplo, é original? É inovador? Suas teorias foram bem
demonstradas? Era uma “sociedade demasiadamente ligada à norma ordinária”, e
num ambiente assim tão hostil, muitos homens morreram ou enlouqueceram, como
Hölderlin e Kleist, por não “suportar o clima da pretensa cultura alemã. Somente as
naturezas de ferro, como Beethoven, Goethe, Schopenhauer e Wagner, puderam
torná-la boa” 51.
51
Ibidem, p.152
52
Ibidem, p.154
53
NIETZSCHE, F.G.W. Assim Falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém; tradução e notas explicativas da
simbólica nietzscheana de Mário Ferreira dos Santos. 2.ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 2008, p.83
54
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.154
55
YALOM, I.D. A Cura de Schopenhauer, p.168
56
Verbo comumente empregado por Schopenhauer para designar a atividade filosófica hegeliana: uma “parolagem”
57
”Vede que surge a contradição entre o mundo que veneramos e o mundo que vivemos, que somos. Resta-nos:
ou suprimirmos nossa veneração ou suprimirmo-nos – O segundo caso é o niilismo” – “Vontade de Potência”,
tradução, prólogo e notas de Mário Ferreira dos Santos. Rio de Janeiro – RJ: Edições de Ouro, 1966, p.109
1
6
mesmo muitos dos melhores de nós sucumbem. “Não me pergunte por que? Quem?
Como? Onde?” 58. Apenas considere que Schopenhauer, não só mergulhou nestas
areias movediças, como saiu vitorioso empunhando a Coisa-em-Si, até então
intocável. Denunciou a metafísica kantiana como puramente abstrata – uma
característica de todo idealismo alemão moderno, e portanto, falsa. Atacou sem
piedade todas as filosofias baseadas em sistemas, apontando o que havia nelas de
vícios subjetivos e antropomorfismo geométrico59. Desta forma, ele derrubou um dos
ídolos mais pesados e venerados na filosofia de sua época. Ele não só fez
denuncias, como propôs as correções. E tais correções transfiguraram de tal
maneira a filosofia kantiana que fizeram dela um mero apêndice de um organismo
mais completo: a Vontade do Mundo, a imagem da vida. É o que Nietzsche afirma
quando diz:
É claro que – como Mário Ferreira disse, “Para entender Nietzsche, é preciso
antes de certa forma, sentir-se Nietzsche” 61. Talvez também, seja necessário “sentir-
se Schopenhauer” antes de compreendê-lo, mentempsicosamente!
Mentempsicosamente talvez, como ele, Nietzsche, tenha sentido o pensamento
shopenhauriano. E tenha chamado isto de realização da natureza. A vida real. A
vida comunitiva62. E quantos mais de nós atingiriam tal evolução!? Seria o sonho das
comunidades de comunicação de mentes do presente e do passado... e do futuro?
“(...) ele viu mais longe e mais claro do que qualquer outro homem, lá
onde o conhecimento e o ser se reconciliam, lá onde dominam a paz
e a negação do querer (...) qual não deveria ser a unidade
inconcebível e indestrutível da natureza de Schopenhauer, para não
ser nem rompida nem esterilizada por esta nostalgia” 63
____________________________________________________
58
Trecho da música de Raul Seixas “Todo Mundo Explica”, 1968
59
Schopenhauer acusará, por exemplo, o número de categorias kantianas. Por que dez e não onze? Kant era obcecado pela
harmonia matemática e por isso, adequou sua obra dentro destes parâmetros. Uma atitude no mínimo, desonesta.
60
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.156-157
61
NIETZSCHE, F.G.W. Vontade de Potência; tradução, prólogo e notas de Mário Ferreira dos Santos. Rio de Janeiro – RJ:
Edições de Ouro, 1966, p.34
62
Fusão das palavras: Comunidade, Auditiva e Diminutiva
63
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.159
1
7
E a força se torna tanto maior quando percebemos que nosso herói é um ser
humano de carne e osso, que nos conta suas misérias, e por meio delas se
aproxima piedosamente de nós para nos erguer. Ele é um sofredor como nós, e não
esconde isto, ao contrário, faz desta “fraqueza” o ponto de partida para a construção
de uma fortaleza. Tão diferente eram todos os outros mestres que vieram antes
deles: ou eram “cabeças de anjo alados”, que fingem nunca ter sofrido, que fingem
serem os soberanos da verdade, isto é, monopolizadores do poder, ou eram
idealistas depreciadores do poder, que só reconhecem a elevação humana
enquanto elevação de massas, como se o homem, individualmente, fosse impotente
para fazer alguma coisa por si mesmo. Sendo assim, Schopenhauer restituiu um
____________________________________________________
64
YALOM, I.D. A Cura de Schopenhauer, p.105
1
8
certo poder – o verdadeiro poder! individual que o homem do Humanismo nos havia
legado, através de grandes Mandevilles66 e pequenos Menocchios67, e ao que
parece, há muito vem perdendo seu poder de fogo, não por falta de fogo, mas por
falta de mira. Esta mira tem sido constante e incessantemente embassada por
imagens modais, totalitaristas, nacionalistas, dogmatizantes, sistemáticas e tele-
dramaturgadas – pela imagem da verdade! Tais imagens, podem ser variadas,
cabendo ao ser existente transformá-las. Tais imagens são geradas pela atenção
que dedicamos a elas em nossa existência, e claro, elas também são geradoras – o
organismo e cada uma de suas partes gera e é gerado - a Coisa-Em-Si está
subjetivamente e objetivamente dada - daí sua raiz existencialista. Cabe ao homem
Neo-Humanista conhecê-la pelas raízes, subjetivar-se mais e mais, numa
descendente, rumo ao nada – a direção apontada pela natureza, até a
despersonalização, que ocorre sobretudo, na contemplação artística, na música, na
“Metafísica do Belo”, na límpida ausência de imagens abstratas da verdade, a não
ser a existência plena – a própria verdade.
66
Bernarde de Mandeville (1670-1733). Humanista autor de “A Fábula das Abelhas” em 1723
67
Domenico Scandella (1532-1599): moleiro italiano, simples camponês, autodidata, que contestou o supremo poder da igreja
católica, e seu pensamento gerou até uma nova cosmogonia. Foi condenado e queimado pela santa inquisição no século
XVI. Vide livro “O queijo e os Ratos” de Carlo Ginzburg. Resenha em http://www.klepsidra.net/klepsidra5/menocchio.html
68
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.159
69
NIETZSCHE, F.G.W. Assim Falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém; tradução e notas explicativas da
simbólica nietzscheana de Mário Ferreira dos Santos. 2.ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 2008, p.13
70
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.171
1
9
“(...) ser puro para consigo e para com seu bem pessoal, de uma
serenidade admirável no que diz respeito ao conhecimento, ser cheio
de um fogo forte e devorador e estar bem longe da neutralidade fria e
desprezível do pretenso homem de ciência, muito acima de uma
contemplação tristonha e desagradável, oferecendo-se sempre ele
próprio como a primeira vítima da verdade reconhecida e penetrada,
no mais profundo da consciência, pelos sofrimentos que nascerão
necessariamente da sua autenticidade” 71
Quem ouvir este discurso hoje, mais do que no século XIX, irá se espantar.
Afinal, vivemos no século onde o bem mais precioso não é conhecimento, nem ouro,
nem prata; é a felicidade! Principalmente nesta época de início de ano, onde
renovam-se as esperanças, podemos perceber nas congratulações das pessoas: o
item mais desejado para si e para os outros é a felicidade! Paralelamente a isto
temos o rio de sangue que se impõe a revelia de tal felicidade; o rio de sangue de
nosso primeiro discurso imagético se impõe energicamente (milhões de pessoas
morrem de fome) mesmo que insistamos – nós ou nossa imagem de verdade e de
felicidade, em obstruir a visão. O abstrato de uma imagem nada pode contra a
imponência de todos os sentidos – da existência – combinados. Mesmo assim ainda
nos escondemos em um profundo sentimento de orgulho e sucesso, de auto-
afirmação desta felicidade, como se a confirmação de nosso caso particular (que é
muito mais dissimulação) servisse de alívio para tantos casos desastrosos que
alimentamos – isto sim é o que Nietzsche chamava egoísmo! – que se expressa
hoje em carros, lojas, casas e orkuts: “é fácil falar, difícil é ser eu”; “sua inveja é o
combustível do meu sucesso”; e finalmente, como não poderia deixar de ser, para
coroar esta felicidade, as bênçãos divinas se expressam em manifestações do tipo:
“Deus é fiel” (a mim, só a mim!); “Foi Deus que me deu”; “O que Deus dá ninguém
tira!”.
71
Ibidem, p.172
2
0
uma verdadeira disseminação da cultura do devir. É uma fabricação de uma
Vontade artificial que transformam mais ainda os humanos deste século em
“bípedes” e “mercadorias”.
Por isso, a jovem planta deve fincar raízes no solo de sua pátria, sua
comunidade, mas sem se permitir afundar nele – há que ser, portanto, um solo duro!
E se ele não for duro o suficiente – como o de hoje, compete a nós por nossas
atitudes endurecê-lo. Não trata-se aqui de uma corroboração ao instinto niilista do
parágrafo anterior. Endurecer o solo não significa corromper e agourar a vida. Pelo
contrário, significa, transmutá-la para que só as idéias e atos grandiosos nela
presentes sirvam de bases e fortificações para nossas raízes.
8 - Frutos
72
Slogan da atarefada sociedade das abelhas de “A Fábula das Abelhas” (1723), de Mandeville
73
SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.211
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Sem dúvida, muitos de nós necessitamos ainda de tempo para chegar a tal
radicalidade. Afinal, temos filhos, temos contas; já nascemos inseridos e amarrados
nas mesmas teias que fomentam a incultura. E no nosso século, mais que nos
anteriores, este poder da incultura atingiu alturas atemorizantes, status praticamente
“religiosos”. Sem dúvida poderíamos espelhar a falta de poder e a falta de controle
sobre a própria vida da humanidade da idade medieval em nossa época
contemporânea, bastando para isto apenas adicionar alguns atores: a mídia e os
negociantes, que no final das contas são “farinhas do mesmo saco”. Praticamente o
único ator que foi substituído desta cômica peça foi o Despotismo Absolutista pelos
atuais Estados Democráticos Nacionais, que aparentemente não têm mais nada de
absolutistas, mas se fizermos este simples raciocínio: “poderíamos viver sem
Estado?”, veremos pelas respostas como esta idéia de Estado – seja qual for sua
forma ou conteúdo – ainda reina absoluto nos domínios do nosso pensamento.
Como nos sentimos impotentes frente a tão grandiosa maquinaria!
Com que prazer e com que tristeza entregamos em suas mãos o controle de
nossas existências, abandonando assim o caminho rumo ao homem-leão. A tristeza
e impotência nascem ainda e sempre das caminhos da crença e da fé em uma
potência maior que olhe por nós. E, fechando o ciclo de controle, a incultura, a mídia
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Ibidem, p. 217
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o novelismo e o jornalismo, encarregam-se tanto de prover-nos do prazer do
entretenimento quanto de fazer as ligações das teias de controle: do sentimento de
inferioridade e medo presente até nas pequenas tragédias ela estende um fio até a
força e o controle dos Estados; e a estes, interliga imediatamente a caridade e o
estreitamento de rebanho, presentes na fé. Para que o homem não se debata em
meio a tantas câmaras mortuárias e correntes, a incultura dopa-o com doses
maciças do ideal de “felicidade” e principalmente com a venda da idéia de que
devemos e podemos conquistá-la através do consumo e da realização dos ideais
burgueses.
Como é fácil para nós caluniarmos nosso irmão; para nós que encerramos o
espírito deste século dentro de nossos corpos como se fosse um vírus benfazejo! É
até mesmo classificado de anti-social aquele que se nega a atirar a pedra, ou
assentir com determinada notícia! Como temos que trair e negar tudo que há de
mais profundo dentro de nós, por pura sociabilidade! Quando na verdade o que
gostaríamos mesmo era de escancarar e soltar o verbo: caluniar o caluniador, e de
frente! Mostrar-lhe o quanto ele é manipulado e o quanto este atual conceito de
sociabilidade se afasta de um elevado conceito de humanidade! Com efeito, parece
até que temos um Alien75 dentro de nós, com o qual temos que aprender a conviver
– mas sem nos trair! Até encontrarmos a força e o tempo necessários para o
rompimento radical.
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Personagem extra-terrestre do filme “Alien, o Oitavo Passageiro” – 1979, um clássico dos filmes de ficção científica com
direção de Ridley Scott
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O Dr. Josef Breuer é hoje reconhecido como o fundador da psicanálise e precursor de Sigmund Freud.
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De “Gaia Ciência“ ou o Alegre Saber..
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A esse respeito recomendamos o livro “Andar a Pé” de Henry David Thoreau, Fonte Digital disponível em
<eBooksBrasil.com>, do original em papel “Clássicos Jackson”; Ed. W.M.Jackson Inc. – Rio de Janeiro, 1950
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SOBRINHO, N.C.M. Escritos sobre educação: Friedrich Nietzsche, Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2003, p.137
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CROWLEY, Aleister. Liber Al vel Legis: sob figura CCXX , Cairo, 1904, (Livro II: 7)
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BIBLIOGRAFIA
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REFERÊNCIAS