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A leitura de reportagens em livros didáticos de Língua Portuguesa e as

habilidades argumentativas das crianças

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Maria Carolina Fernandes de Araújo
Hérika Alexandrina da Silva2
Ana Carolina Perrusi Alves Brandão3
Resumo

Neste estudo, buscamos investigar o desempenho de alunos das séries iniciais ao responder
questões de compreensão que visam desenvolver habilidades argumentativas, após a leitura
de reportagens. Tais questões foram extraídas com base na análise de coleções de livros
didáticos de Língua Portuguesa de 1a à 4a série, recomendadas pelo PNLD/2004. Buscamos
identificar as habilidades argumentativas implicadas nestas questões, bem como a ocorrência
de variações na natureza dessas habilidades. Os resultados revelaram que alunos de 3a série
conseguiram, com facilidade, expressar e justificar sua opinião sobre fatos tratados no texto.
Alunos de 4a, série, porém, tiveram dificuldades de identificar o ponto de vista do autor do texto,
comumente expressando o seu próprio ponto de vista.Tais resultados apontam a necessidade
de que a escola favoreça o desenvolvimento mais amplo das habilidades argumentativas das
crianças.

Palavras Chave: Argumentação – Leitura – Livro didático

1. Introdução
A presente pesquisa tem como objetivo principal identificar e analisar o
desempenho de crianças cursando as séries iniciais do Ensino Fundamental ao
responder questões de compreensão, que mobilizam habilidades
argumentativas, após a leitura de reportagens extraídas de livros didáticos de
Língua Portuguesa. Pretende-se, ainda, investigar a qualidade das habilidades
argumentativas envolvidas nessas questões ao longo das séries iniciais.
A escolha do gênero “reportagem” decorre do fato de que esses textos
abordam, comumente, temas polêmicos e, portanto, passíveis de debate. A
extração de atividades de compreensão no livro didático, por sua vez, é
pertinente pela importância que esse instrumento assume no cotidiano do
professor, servindo muitas vezes de guia para as atividades a serem

1
Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. mcfaraujo@gmail.com.
2
Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. herikaalexandrina@hotmail.com.

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desenvolvidas em sala de aula. Além disso, as pesquisas que enfocam o livro
didático raramente analisam gêneros textuais específicos ou dimensões
específicas relativas a esses gêneros, como por exemplo, a argumentação.
De fato, resultados de recentes estudos apontam para um baixo
investimento por parte dos professores e dos autores de livros didáticos de
língua portuguesa no ensino da argumentação (ver, por exemplo, Leal &
Morais, 2006; Andrade, Leal & Brandão, 2006; Guerra, Leal & Brandão, 2006).
Em relação à leitura, especificamente, Brandão, Leal & Ribeiro (2006),
encontraram um número inferior a 10% de questões de compreensão que
mobilizavam nas crianças capacidades argumentativas, num universo de 3.756
questões contabilizadas em quatro coleções de livros didáticos de língua
portuguesa, de 1ª à 4ª séries. Evidencia-se, portanto, uma quantidade
extremamente reduzida de perguntas de compreensão que desenvolvem
habilidades argumentativas, mesmo nos livros didáticos “recomendados com
distinção” pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, 2004). Porém, uma
questão tem permanecido em aberto: como as crianças respondem a essas
questões de compreensão presentes nos livros didáticos?
Pretendemos assim, com o presente estudo, investigar se as crianças
conseguem ter um bom desempenho em tais questões, mesmo tendo,
provavelmente, poucas oportunidades de trabalho na escola. Buscaremos,
ainda, identificar as eventuais dificuldades apresentadas em suas respostas,
como também as diferenças de desempenho entre as séries investigadas. Por
fim, analisaremos a natureza das habilidades argumentativas envolvidas nas
questões propostas nos livros ao longo das séries iniciais do Ensino
Fundamental.
Nos itens a seguir apresentaremos, de modo mais detalhado, os
objetivos que nortearam nosso estudo, o referencial teórico que orientou nossa
análise e a metodologia utilizada para a coleta dos dados. Finalmente,
apresentaremos os resultados da pesquisa.

3
Professora Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino – Centro de
Educação – UFPE. carol.perrusi@ufpe.br
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2. Objetivos da pesquisa
Objetivo Geral
• Identificar e analisar o desempenho de alunos das séries do Ensino
Fundamental ao responder a questões de compreensão, que
mobilizam habilidades argumentativas, após a leitura de reportagens,
apresentadas em livros didáticos de Língua Portuguesa.

Objetivos específicos
• Analisar quais habilidades argumentativas estão implicadas nas
questões de compreensão de reportagem, e se os livros didáticos
propõem um trabalho diversificado em relação a essas habilidades,
ao longo das séries iniciais do Ensino Fundamental.
• Identificar e analisar as capacidades argumentativas demonstradas
pelas crianças em suas respostas e as dificuldades que venham a
apresentar.
• Comparar o desempenho das crianças ao responder as questões de
compreensão propostas.

3. Referencial teórico
Diante da diversidade de conceitos e pressupostos relacionados a
compreensão leitora e à argumentação, consideramos fundamental expor as
nossas concepções sobre: Argumentação, Gêneros textuais, Livro Didático de
Língua Portuguesa e Leitura. Iniciaremos com algumas considerações a
respeito do tratamento dado no livro didático de língua Portuguesa ao ensino
da leitura.

3.1 O livro didático de Língua Portuguesa e o ensino da compreensão


leitora
Segundo Batista (2000), o livro didático em sua origem se destinava ao
professor. Era, portanto, um manual que visava assegurar o domínio dos
conteúdos básicos a serem transmitidos aos aprendizes, que, por sua vez, não
tinham contato com o livro didático. Só no decorrer do século XIX é que o livro
passou a ser consumido por crianças e adolescentes.

3
Na sociedade atual, segundo Albuquerque e Coutinho (2006), o livro
didático tornou-se um agente determinador de conteúdos, condicionando
também estratégias de ensino, marcando, assim, de maneira incisiva o que se
ensina e como se ensina nas escolas. Na verdade, em muitos contextos, o livro
didático se constitui no único material de acesso ao conhecimento por parte de
professores e aprendizes.
No passado, o uso de livros didáticos sofreu várias críticas por
apresentarem, em muitos casos, erros conceituais, bem como incorporarem
preconceitos e estereótipos. As propostas não contemplavam as mudanças na
área do ensino da Língua Portuguesa, de modo que a utilização deste material
adquiriu conotações de uma prática tradicional de ensino. Visando a melhoria
dos livros didáticos com a correção desses problemas, o MEC instituiu em
1995 o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Neste programa, os livros
são submetidos a um minucioso trabalho de análise e avaliação pedagógica
por parte de especialistas nas diversas áreas de conhecimento, resultando na
publicação de um Guia de Livros Didáticos, contendo orientações para a
escolha do livro didático pelo professor.
Marcuschi (2001) aponta que até a década de 90 (antes da implantação do
PNLD), a maioria dos livros didáticos não satisfaziam as necessidades de
trabalho com a língua. No geral, eram repetitivos, enfadonhos, continham
exercícios descontextualizados da realidade dos aprendizes, não
apresentavam diversidade textual e as referências bibliográficas, quando
indicadas, eram apresentadas de forma inadequada.
Segundo o referido autor, as atividades de leitura e de compreensão de
textos, continham problemas em relação à qualidade dos exercícios propostos.
Partindo-se de uma concepção em que a compreensão de textos era
considerada uma atividade de decodificação ou cópia, muitas das “questões de
compreensão” eram passíveis de resposta sem a leitura do texto e havia pouco
espaço para o raciocínio, a reflexão crítica e o desenvolvimento de habilidades
argumentativas. Marcuschi (2001) destaca, ainda, que as perguntas mais
freqüentes solicitavam apenas a localização e cópia de informações dadas no
texto. Registram-se também muitas perguntas que não podiam ser respondidas
apenas com as informações do texto, e questões de opinião pessoal em que

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qualquer resposta poderia ser tida como correta. As questões inferenciais que
propiciam ao aluno refletir sobre o que está implícito no texto eram muito pouco
freqüentes.
Hoje, porém, para que um livro didático de Língua Portuguesa seja
aprovado pelo PNLD é preciso que atenda a certos critérios estabelecidos para
cada um dos eixos de ensino de Língua Portuguesa (oralidade, leitura,
produção de textos e análise lingüística). No caso específico da leitura, é
necessário que o livro didático apresente diversidade textual, e que os textos
sejam integrais (em caso de cortes é necessário que tal informação seja
explicitada), autênticos e contemplem o suporte original. Nas atividades de
leitura é de grande importância informar para os alunos, como ler, o que ler e
para que ler, ou seja, os alunos devem receber orientação sobre como será
feita a leitura (silenciosa em voz alta ou em dupla, por exemplo.), qual será o
gênero a ser lido, a finalidade da leitura proposta, bem como ter algumas
informações sobre o autor do texto e o contexto em que este foi produzido.
Considerando os objetivos da presente pesquisa, passaremos agora para a
explicitação do conceito de argumentação por nós adotado.

3.2 Argumentação em foco

Alguns autores como Koch (1987) afirmam que o ato de argumentar é uma
propriedade geral do discurso, visto que há sempre uma intenção do locutor de
provocar algum efeito no seu interlocutor. Pécora (1999, p.88), corrobora esta
posição afirmando que a argumentação “é uma propriedade fundamental para
caracterização da linguagem como discurso”. Partilhando esta noção Ducrot
(1980) também defende que a argumentação é a essência da língua. Em
síntese, Koch afirma que:

O ato de argumentar, isto é, de orientar o discurso no sentido de


determinadas conclusões, constitui o ato lingüístico fundamental, pois a
todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla
do termo. (Koch, 1987. p. 19)

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Mesmo concordando com a posição desses autores de que em todo texto
existe uma base argumentativa, acreditamos que alguns deles apresentam, de
forma mais específica, o objetivo de defender idéias.
Mazzotti e Oliveira (1999) discorrem sobre a argumentação afirmando que:
a argumentação se dá a partir do momento em que surgem opiniões
controversas sobre um determinado tema. Outros autores, como Toulmin
(1958), Golder e Coirier (1994) destacam que o texto argumentativo deve
conter certos elementos, tais como: ponto de vista, dados, justificativa,
justificação da justificação, modalização e contra-argumentação.

No entanto, assumimos, nesta pesquisa, a perspectiva de Leal (2003), em


que as representações sobre os interlocutores e o tipo da situação
comunicativa são fundamentais para auxiliar e determinar a organização textual
adotada pelo sujeito com vistas a provocar os efeitos pretendidos com a
argumentação. Dessa forma, é que, segundo Bronckart (1999), diferentes
modelos de textos argumentativos podem aparecer: há textos onde as
informações são mais explícitas e outros em que as inferências que o leitor
precisa fazer ganham destaque. Porém, nos dois casos, a argumentação é
sempre construída no processo de interação entre o leitor e o texto.

Sintetizando as informações supra-citadas, entendemos que não há uma


única estrutura de texto argumentativo: o modo de conduzir o discurso para a
defesa de certo ponto de vista é resultado da situação de produção, ou seja, da
interação entre o autor e destinatário, não havendo um modelo de texto fixo a
ser seguido.

No próximo item apresentaremos algumas considerações a respeito do


conceito de gênero textual e a proposta de agrupamento de gêneros textuais
de Schneuwly e Dolz (2004).

3.3 Gêneros textuais e os gêneros da ordem do argumentar

Nesta pesquisa nos fundamentamos na teoria de gêneros textuais de


Bakhtin (2000). Este autor considera que cada esfera de utilização da língua
elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, assumindo a

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perspectiva de que a comunicação verbal ou escrita só é factual por meio de
algum gênero textual.

Bakhtin (2000) apresenta três características do gênero textual: conteúdo


temático, estilo e construção composicional, sendo a escolha de um gênero
determinada pela esfera de utilização, necessidades do tema e intenção do
autor. Baseado nesse conceito, Marcuschi (2002) define gênero textual como:

“Uma noção propositadamente vaga para referir os textos


materializados que encontramos em nossa vida diária e que
apresentam características sócio-comunicativas definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica.
(p.22-23)”.

Partindo de pressupostos sóciointeracionistas, concebemos os gêneros


textuais como instrumentos mediadores das relações comunicativas humanas,
sendo através dessas mediações que se constroem e que são passadas as
experiências através das gerações. Schneuwly e Dolz (2004), alertam que,
para que o instrumento seja mediador precisa ser apropriado pelo sujeito,
sendo imprescindível o contato com diferentes gêneros textuais para
possibilitar o desenvolvimento das capacidades textuais do aprendiz, que, por
sua vez, o auxiliarão na melhor condução de seus processos de interlocução.
Nesse sentido, afirma Schneuwly (1998) que não há texto propedêutico que
prepare o indivíduo para dominar todos os outros gêneros textuais.
A esse respeito, Dolz (1994) defende que a intervenção sistemática do
professor, levando o aluno a refletir sobre as características dos textos e seus
contextos de uso, é indispensável para a apropriação da capacidade de
produzir diferentes gêneros textuais de forma competente. Para assegurar o
ensino sistemático dos gêneros textuais, os autores Schneuwly e Dolz (2004),
defendem, assim, o planejamento de seqüências didáticas, com o objetivo de
confrontar os alunos com os gêneros textuais, que não dominam ou dominam
de maneira insuficiente.
Considerando a presença de características comuns em diferentes
gêneros, os referidos autores propõem o agrupamento dos textos em cinco
categorias, constituídas por textos destinados a diferentes esferas sociais de
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utilização, são elas : (1) agrupamento da ordem do relatar (textos destinados à
documentação e à memorização das ações, tais como notícias, diários, relatos
históricos); (2) agrupamento da ordem do narrar (destinados à recriação da
realidade, tais como lendas, contos, fábulas); (3) agrupamento da ordem do
descrever ações (destinados a instruir e prescrever, tais como receitas, regras
de jogo, regulamentos); (4) agrupamento da ordem do expor (destinados à
construção e divulgação do saber, tais como artigos, seminários, conferências,
monografias); (5) agrupamento da ordem do argumentar, especialmente
relevante para a presente investigação, (destinados à defesa de pontos de
vista, como, por exemplo: cartas ao leitor; cartas de reclamação; cartas de
solicitação; debates; editoriais; requerimentos; ensaios; resenhas críticas;
artigos de opinião; monografias). Apesar de diferentes, os agrupamentos não
são isolados, podendo um gênero ser classificável em mais de um
agrupamento. Este é, por exemplo, o caso do gênero textual reportagem que
além de relatar ações humanas, geralmente, trata de temas polêmicos
apresentando a defesa (explicita ou implicitamente) de um determinado ponto
de vista4.
Vale ressaltar ainda que, segundo a proposta de Schneuwly e Dolz (2004),
para que o ensino de gêneros seja realizado de maneira efetiva, um ou mais
gêneros dos cinco agrupamentos de gêneros textuais devem ser ensinados a
cada ano da escolaridade. É importante também que sejam trabalhadas
características diversificadas do gênero escolhido, e que a reflexão sobre tais
características se complexifique a cada ano de ensino.

Com relação aos gêneros da ordem do argumentar, a interação com estes


exemplares familiariza os estudantes com situações em que indivíduos se
engajam na atividade de convencer outras pessoas a adotarem seus pontos de
vista. Argumentar, ou seja, utilizar recursos lingüísticos para apresentar e
defender nossas concepções sobre o mundo e sobre a vida é uma atividade
social essencial.

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Por este motivo, apesar de na classificação de Schneuwly e Dolz (2004), o gênero
reportagem se mostrar incluído, originalmente, na ordem do relatar, consideramos a
possibilidade de que alguns exemplares desse gênero possam também ser textos da ordem do
argumentar, como será o caso das reportagens utilizadas no presente estudo.

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Para tanto, acreditamos que os alunos devem aprender, na escola, a
defender idéias e também a contra-argumentar, isto é, elaborar argumentos
para possíveis objeções que possam vir a aparecer em relação à proposição
defendida. Consideramos, portanto, que saber introduzir um ponto de vista,
defender tal ponto de vista por inserção de justificativas, justificativas das
justificativas e contra-argumentação, saber identificar pontos de vista, analisar
a consistência argumentativa de textos em atividades de leitura são
aprendizagens possíveis se forem proporcionadas na escola situações de
produção, leitura e reflexão sobre textos da ordem do argumentar.

No item a seguir apresentaremos, finalmente, a concepção de leitura que


orienta nossa pesquisa e como os livros didáticos de língua portuguesa têm
trabalhado o desenvolvimento das habilidades argumentativas.

3.4 O livro didático de Língua Portuguesa e o desenvolvimento de


habilidades argumentativas na leitura
Assumimos nesta pesquisa a concepção de que ler é antes de tudo
compreender. O objetivo de qualquer leitura é, portanto, a aquisição de
significados dos escritos de um determinado autor, sendo a compreensão
resultante da interação entre o leitor e o seu objeto de leitura (Kleiman, 1992).
Nessa perspectiva, para o leitor não é bastante que ele decodifique as
representações indiciadas por sinais ou signos, ao contrário, o leitor precisa
transformar e ser transformado pela leitura.
A esse respeito Safady (1968) coloca a leitura como atividade crítica
quando afirma:

“(...) o leitor curioso e interessado é aquele que está em constante


conflito com o texto, conflito representado por uma ânsia incontida de
compreender, de concordar, de discordar – conflito, enfim, onde quem
lê não somente capta o objeto da leitura, como transmite ao texto lido
as cargas de sua experiência humana e intelectual. (p.13)”.

Um texto escrito tem a capacidade de originar múltiplos significados ao ser


confrontado por diferentes leitores e diferentes leituras. Esta tarefa

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interpretativa correspondente à leitura é explicitada por Ricoueur (1977),
quando este afirma que o texto deve poder, tanto do ponto de vista sociológico
quanto do psicológico, descontextualizar-se de maneira a deixar-se
recontextualizar numa nova situação. Porém, como ressalta Brandão (2006)
não podemos construir o significado do texto ignorando ou distorcendo
informações colocadas pelo autor, sendo importante distinguir entre o que foi
escrito pelo autor e as nossas expectativas ou opiniões pessoais.
Além disso, conforme apontado por alguns autores (Solé, 1998; Brandão,
2006), a compreensão de texto não ocorre espontaneamente, devendo se
constituir em objeto de ensino e aprendizagem na escola. Para isso, Brandão
(2006) sugere que o trabalho com a leitura deva estar inserido em situações
significativas para o aprendiz, ou seja, é importante que se leiam textos que
circulam fora da escola para atender a reais finalidades. Além disso, a autora
enfatiza que: “(...) o trabalho que se faz com texto na sala de aula também será
determinante para formação de um leitor ativo, crítico, inteligente e
questionador, tão almejado por todos nós. (p. 60)”.

Nas situações de leitura de textos da ordem do argumentar, a tarefa


fundamental dos leitores é a identificação do ponto de vista do autor do texto,
que nem sempre está explícito, assim como analisar se as justificativas
apresentadas para tal ponto de vista são consistentes. Quando o pensamento
do leitor é contrário aos argumentos apresentados pelo autor, o leitor ativa
possíveis objeções a esses argumentos, e analisa se há refutação de seus
contra-argumentos configurando um verdadeiro debate entre autor e leitor do
texto. É a partir desta leitura que o leitor constrói sua posição diante do tema e
reflete sobre os seus próprios pontos de vista. Poucos são os estudos que
investigam tais questões, sobretudo com crianças em início de escolarização.
Lima (2006), investigou a compreensão de artigos de opinião por alunos da 4a
série. Os resultados de tal estudo mostraram que a maioria dos alunos
conseguiram identificar o ponto de vista dos autores, e entre as dificuldades
encontradas, foi verificado que nos pontos de vista de natureza mais polêmica,
alguns alunos tiveram dificuldades em distinguir entre seu próprio ponto de
vista e o ponto de vista dos autores

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Com relação ao trabalho proposto pelos livros didáticos voltado ao
desenvolvimento de habilidades argumentativas na leitura de textos, Andrade,
Leal & Brandão (2006), encontraram um número ínfimo de gêneros da ordem
do argumentar. Em 3 coleções de 1ª à 4ª séries (ou seja, 12 livros didáticos)
foram encontrados 739 textos no total, dos quais apenas 54 textos (7,3%) eram
da ordem do argumentar. Em relação às atividades de leitura, Brandão, Leal &
Ribeiro (2006), por sua vez, encontraram 3756 questões de compreensão em 4
coleções de livros didáticos de Língua Portuguesa (16 LDs), das quais apenas
9% proporcionam aos alunos algum tipo de reflexão argumentativa. As autoras
concluíram que não havia um trabalho sistemático de ensino de compreensão
de textos da ordem do argumentar nas 4 coleções investigadas. Em 4 anos de
escolaridade, os alunos são levados a argumentar, em atividades de
compreensão de textos, apenas 16 vezes na coleção “Português: uma
proposta para o letramento”, 9 vezes na coleção “Com texto e trama”, 24 vezes
na coleção “Linguagem e Vivência” e 11 vezes na coleção “ALP novo”. As
habilidades mais freqüentemente encontradas em tais coleções, que visavam o
desenvolvimento de capacidades argumentativas, nas atividades de
compreensão de textos propostas pelas coleções foram: opinar sobre fatos ou
personagens do texto e opinar sobre o texto lido. No referido estudo também
não foi encontrado um trabalho diversificado e de crescente complexidade, ao
longo das séries de ensino, na oferta das atividades que visavam desenvolver
habilidades argumentativas nas coleções investigadas.
Em um trabalho seguinte (Brandão, Leal & Araújo, submetido),
investigaram as questões de compreensão de textos que visavam o
desenvolvimento de habilidades argumentativas em livros didáticos de Língua
Portuguesa destinados à alfabetização e também recomendados pelo
PNLD/2004. As autoras encontraram um total de 542 questões de
compreensão, em que apenas 8% das perguntas mobilizavam o
desenvolvimento de estratégias argumentativas. Os resultados do estudo
evidenciaram, mais uma vez, o baixo investimento dos autores no trabalho com
a argumentação.
Para analisar as habilidades argumentativas envolvidas nas questões de
compreensão propostas nos livros didáticos utilizaremos, na presente

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pesquisa, as mesmas categorias de perguntas extraídas do estudo de
Brandão, et al. (submetido) citado acima. Tais categorias foram formadas com
base nos tipos de questões encontradas nos livros didáticos analisados pelas
referidas autoras. Vejamos:
Bloco 1: Questões que exigem que os alunos analisem dimensões
argumentativas dos textos. Neste bloco estão as perguntas que buscam
identificação de ponto de vista e/ou justificativas do autor ou de personagens
do texto; opinião sobre o ponto de vista do autor ou personagem; questões
sobre as estratégias argumentativas do autor ou de personagens do texto; e
por fim as questões comparando os diferentes pontos de vista inseridos no
texto.
Bloco 2: Questões que exigem que os alunos argumentem acerca de valores
ou temas mobilizados no texto. Neste bloco estão as seguintes questões:
opinião sobre fatos ou ações de personagens do texto; questões sobre a
relevância do tema tratado no texto; questões de opinião sobre o tema, com
exigência de leitura do texto; questões de opinião sobre o tema, sem que seja
necessário ler o texto;
Bloco 3: Questões que exigem que os alunos justifiquem gosto pessoal. Neste
bloco são categorizadas as perguntas que buscam justificativa de gosto
pessoal sobre o texto; questões de justificativa de preferência pessoal sobre
temas diversos (não polêmicos); e outras questões que solicitam justificativas
para as perguntas formuladas.
Por fim, vale salientar que diante da constatação do pouco investimento
no ensino da argumentação em LDs, a presente pesquisa visa coletar
informações acerca de um outro elemento, que não tem sido foco de
investigação: o aluno e as habilidades argumentativas que demonstra ao
responder as propostas de compreensão dos LDs, voltadas para o
desenvolvimento de habilidades argumentativas. Enfocando o gênero
reportagem, investigaremos ainda se os livros investem no desenvolvimento de
habilidades argumentativas diferentes ao longo das séries iniciais. Para chegar
a essas respostas utilizamos a metodologia descrita no item seguinte.

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4. Metodologia

4.1 Sujeitos:
20 alunos, divididos igualmente entre a 3a e 4a séries de uma mesma
escola municipal na cidade do Recife. Na seção 5, em seguida, ficará
claro porque não foi possível aplicar as tarefas propostas nesta pesquisa
com alunos de 1a e 2a series, fechando o bloco das quatro primeiras
séries do Ensino Fundamental.

4.2 Procedimento:
O presente estudo é composto por 3 etapas:
Primeira etapa -
Esta etapa envolveu a seleção de reportagens extraídas de livros
didáticos de 1a à 4ª séries, seguidas de questões de compreensão,
voltadas ao desenvolvimento de habilidades argumentativas nos alunos.
Para tal seleção foram analisadas sete coleções de livros didáticos de
língua portuguesa, recomendados pelo PNLD/2004: Coleção Análise
Linguagem e Pensamento, Nova ALP; Coleção Linguagem e Vivência;
Coleção Vitória Régia; Coleção Construindo a Escrita: Textos, Gramática
e Ortografia; Coleção Português: Uma Proposta para o Letramento;
Coleção Português na Ponta do Lápis e da Língua; Coleção Com texto e
trama.
Segunda etapa-
Esta etapa contemplou a identificação e descrição das habilidades
argumentativas implicadas nas questões de compreensão selecionadas
na etapa anterior. Também analisamos se havia alguma variação na
natureza de tais habilidades ao longo de diferentes séries.
Terceira etapa-
A terceira e última etapa foi destinada à aplicação das atividades
selecionadas nas etapas anteriores (Ver ANEXOS I,II,III,IV). Ou seja, foi
proposta a leitura de reportagens aos sujeitos seguidas das perguntas de
compreensão, selecionadas na primeira etapa. As perguntas deveriam ser
respondidas por escrito, sendo as atividades realizadas em dois dias,

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coletivamente, na própria sala de aula dos alunos e com todos os
presentes.
Primeiramente, realizamos uma leitura em voz alta da reportagem,
acompanhada de leitura silenciosa pelos sujeitos. Não houve nenhum tipo
de intervenção das pesquisadoras, apenas seguimos o comando que
estava no livro didático e que foi transcrito para a atividade em posse dos
sujeitos. Após a coleta foram excluídos os sujeitos que apresentaram letra
ilegível. Em seguida, sorteamos grupos de 10 sujeitos de cada uma das
séries investigadas para posterior análise das respostas dadas.

5. Análise de resultados
Como foi dito na seção anterior, na primeira etapa deste estudo
buscamos selecionar reportagens em coleções de livros didáticos de 1a à 4ª
séries de Língua Portuguesa, seguidas de questões de compreensão voltadas
ao desenvolvimento de habilidades argumentativas nos alunos. No entanto,
das sete coleções analisadas não encontramos nenhuma que apresentasse o
gênero reportagem nos quatro volumes e que, ao mesmo tempo, apresentasse
pelo menos uma questão de compreensão visando ao desenvolvimento de
habilidades argumentativas.
Apenas duas coleções (Linguagem e Vivência e Vitória Régia) ambas no
terceiro e quarto volumes apresentaram reportagens seguidas de questões de
compreensão de textos associadas à habilidades argumentativas. Sendo
assim, não parece haver por parte da maioria dos autores dos LDs analisados
um trabalho intencionalmente planejado para levar o aluno a refletir sobre o
gênero reportagem, abordando aspectos diferentes desse mesmo gênero ao
longo da escolaridade, contrariando em certo sentido a proposta Schneuwly e
Dolz (2004).
Diante do quadro descrito acima, nos restou utilizar as reportagens
extraídas das duas únicas coleções (Linguagem e Vivência e Vitória Régia),
que apresentaram alternativas (apenas nos 3º e 4º volumes) para o ensino de
habilidades argumentativas com esse gênero textual. Sendo assim, 10 alunos
de 3a série e 10 alunos de 4a série leram e responderam questões relativas a
duas reportagens, uma em cada coleção.

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Antes de apresentar os resultados das análises conduzidas, vale
ressaltar algumas características dos textos extraídos das coleções
selecionadas. Como vemos, os textos 1 e 3 (ver ANEXOS I e III), extraídos da
coleção Vitória Régia são constantemente abordados pela mídia, e portanto,
certamente mais familiares aos sujeitos. O texto 1 aborda o perigo de tomar
medicamentos ao dirigir e informa sobre um teste que a polícia francesa quer
implantar para diminuir os acidentes de carro. O texto 3 trata da opinião do
autor em relação aos meninos de rua. O texto 2 (ver ANEXO II), extraído da
coleção Linguagem e Vivência, relata um episódio fictício a respeito de um
vilão que se utiliza de uma estratégia duvidosa para comprar o castelo Rá-Tim-
Bum. O texto 4 (ver ANEXO IV) extraído da mesma coleção, aborda um tema
bastante atual e também muito difundido pela mídia: o lixo produzido pelas
pessoas e a coleta seletiva. Este tema, freqüentemente presente nos livros
didáticos, é, porém, pouco passível de controvérsia entre os alunos, já que
parece haver um certo consenso na nossa sociedade sobre a necessidade da
realização da coleta seletiva do lixo e da reciclagem.
No Quadro 1, apresentamos as questões de compreensão propostas
após a leitura de cada reportagem nos dois volumes das duas coleções
selecionadas. No Quadro 1 também estão descritas as habilidades
argumentativas implicadas em cada uma das perguntas de compreensão.

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Quadro 1: Questões de compreensão extraídas das Coleções Vitória Régia e
Linguagem e Vivência e as capacidades argumentativas que visam
desenvolver
Coleção Vitória Régia Coleção Linguagem e Vivência
Coleções
selecionadas Volume 3 Volume 4 Volume 3 Volume 4

Pág.162 Pág.138 Pág.140 Pág.59


Títulos das Texto 1: Texto 3: Texto 2: O
reportagens Medicamentos Eles viram castelo Rá- Texto 4: O lixo de
podem levar a adultos muito Tim-Bum é cada uma
riscos ao guiar mais cedo vendido!

Pág.163 Pág.140 Pág.141 Pág.62


“a) Qual a
opinião de
“Os autores da
Gilberto
reportagem dão início
Dimenstein
à matéria fazendo uma
sobre os
“O que a polícia afirmação: O lixo de
meninos de “Você acha
Questões de francesa quer cada pessoa pode
rua? que Tìbio teve
Compreensão implantar? Ela afetar muito o meio
culpa pelo que
está certa em ambiente. Que
b) Como ele aconteceu?
querer fazer isso? argumentos ou
justifica o fato Por quê?”
Por quê?” justificativas eles
desses
apresentam para nos
meninos,
convencer de que
muitas vezes,
estão certos?”
tornarem-se
violentos?”
Bloco 1: Bloco 2:
Habilidades Bloco 2: opinião
identificação de opinião sobre
argumentativas sobre fatos ou Bloco 1: identificação
ponto de vista fatos ou ações
que as questões ações de de ponto de vista e/ou
e/ou de
de compreensão personagens do justificativas do autor.
justificativas do personagens
visam desenvolver texto.
autor. do texto.

De acordo com o Quadro 1, acima, podemos constatar, que apesar de


haver pouquíssimas questões, as coleções propõem o desenvolvimento de
habilidades argumentativas diferentes para os volumes 3 e 4, após a leitura de
reportagens. No 3º volume, as coleções propõem o desenvolvimento de uma
habilidade, aparentemente, mais simples, já que as perguntas solicitam que os
alunos apenas exponham e justifiquem sua opinião sobre determinado fato ou
ação exposta no texto. No 4º volume das duas coleções, a habilidade parece
ser mais complexa, pois requer do aluno a identificação do ponto de vista do
autor e a sua justificativa para tal ponto de vista.

16
Para a análise das respostas dos sujeitos às perguntas de compreensão
realizadas, após a leitura das reportagens, elaboramos categorias que serão
descritas a seguir, acompanhadas de exemplos com vistas a facilitar a
compreensão das mesmas.

1. Respostas de acordo com o texto: respostas que se baseiam nas


informações do texto apresentadas explícita ou implicitamente.
Ex. 1: (texto 1)

(Sujeito 8, 3 a série)

2. Respostas que expressam o conhecimento de mundo dos leitores


sobre o tema, e não parecem distinguir as idéias do autor das idéias
do leitor: respostas em que o leitor apresenta suas idéias, em
detrimento das idéias do autor colocadas no texto.

17
Ex. 1: (texto 3)

(Sujeito 2, 4ª série)

3. Respostas que confundem a opinião do autor com a sua justificativa


ou vice-versa: respostas em que os sujeitos identificam a justificativa
dada pelo autor como se fosse a opinião do mesmo, ou o contrário.
Ex: (texto 3)

(Sujeito 7, 4ª série)

18
4. Outras respostas: respostas em que os alunos pareceram não ter
compreendido o sentido global do texto.
Ex: (texto 1)

(Sujeito 10, 3ª série)

O Quadro 2, abaixo, apresenta o percentual de respostas as questões


de compreensão por cada texto de acordo com as categorias descritas em
função da série cursada pelos sujeitos. Vejamos os dados do Quadro 2:

Quadro 2: Freqüência e percentagem dos tipos de resposta apresentadas


pelos sujeitos em função da série e dos textos lidos
3ª série 4ª série Total por
Texto 3 categoria
Categorias de resposta
Texto 1 Texto 2 Questão Questão Texto 4
a)5 b)6
1. Respostas de acordo com o 9 10 3 (30
1 (10%) 4 (40%) 27 (54 %)
texto (90%) (100%) %)
2. Respostas que expressam o
conhecimento de mundo dos
leitores sobre o tema, e não - - 5 (50%) 5 (50%) 4(40%) 14 (28%)
parecem distinguir as idéias do
autor das idéias do leitor
3. Respostas que confundem a
opinião do autor com a sua - - 3 (30%) 1 (10%) - 4 (8%)
justificativa ou vice-versa
4. Outras respostas 1(10%) - 1(10 %) - 3(30%) 5 (10%)
10 10 10 10 10
Total 50 (100%)
(100%) (100%) (100%) (100%) (100%)

De acordo com o Quadro 2, acima, podemos verificar que os sujeitos de


3a série, conseguem facilmente responder de acordo com as informações

5
Questão de identificação de ponto de vista do autor.

19
apresentadas no texto, demonstrando habilidade de opinar e justificar o seu
próprio ponto de vista.
Entre os sujeitos de 3a série, que responderam de acordo com o texto,
identificamos 3 sujeitos que tiveram dificuldades em fornecer todas as
informações necessárias para tornar sua resposta mais clara e objetiva, nas
respostas relativas à pergunta do texto 1: “O que a polícia francesa quer
implantar? Ela está certa em querer fazer isso? Por quê? Como por exemplo, o
sujeito 1: “Teste Para motorita sim Para eles pode verifica o caso ”.
No texto 2, ao responderem a pergunta: “Você acha que Tíbio teve culpa
pelo que aconteceu? Por quê? também não se observou dificuldade dos
sujeitos de 3a série quanto à exposição e justificativa de seus pontos de vista.
Ainda em relação a essa pergunta foi interessante observar que alguns sujeitos
utilizam a mesma justificativa para culpar ou inocentar o personagem do texto.
Assim, alguns sujeitos culpam Tíbio “porque ele deixou uma pessoa estranha
entra e também porque ele não leu o recibo” (Sujeito 7), o que seria a resposta
mais esperada, ou inocentam o personagem exatamente pelo mesmo motivo:
“porque ele deixou uma pessoa entranha entra e não leu o recibo.” (Sujeito 1).
Tal fato propiciaria uma boa oportunidade para uma discussão em sala de aula,
confrontando as respostas dos sujeitos.
Na 4a série os sujeitos tiveram muita dificuldade de identificar a opinião
do autor do texto e as justificativas apresentadas por ele para fundamentar sua
opinião. Assim, na pergunta “a” do texto 3: “a) Qual a opinião de Gilberto
Dimenstein sobre os meninos de rua?, apenas um sujeito conseguiu identificar
na sua resposta a opinião do autor. Na indicação das justificativas, o
desempenho das crianças foi um pouco melhor: No texto 3, 4 sujeitos
identificaram a justificativa que o autor fornece para o fato dos meninos de rua
tornarem-se violentos (ver questão “b” no Quadro 2). No texto 4, apenas 3
sujeitos conseguiram apresentar os argumentos do autor do texto em relação a
afirmação apresentada na própria pergunta de que o lixo poderia afetar o meio
ambiente. Os baixos resultados nessas habilidades é um dado preocupante, já
que ao final de quatro anos de escolaridade seria esperado dos sujeitos um
melhor desempenho.

6
Questão de identificação da justificativa do autor.
20
A categoria 2 (Respostas que expressam o conhecimento de mundo dos
leitores sobre o tema, e não parecem distinguir as idéias do autor das idéias do
leitor), aponta a maior dificuldade encontrada pelos sujeitos de 4a série. No
texto 3, os sujeitos que manifestaram esta dificuldade na identificação da
opinião do autor, foram os mesmos que também apresentaram na identificação
da justificativa. Vale ressaltar que esta dificuldade apareceu nos textos 3 e 4,
aqueles que abordavam os temas, aparentemente, mais presentes no cotidiano
dos sujeitos. Sendo assim, podemos supor que a provável maior intimidade dos
sujeitos com o tema tratado parece favorecer que os seus conhecimentos de
mundo, suas expectativas e opiniões prevaleçam sobre as idéias expostas pelo
autor do texto, conforme salienta Brandão (2004).
Em relação à categoria 3, é importante frisar que no momento em que os
sujeitos foram solicitados a responder qual a opinião do autor do texto e qual a
sua justificativa, em questões separadas (ver texto 3), 30% dos sujeitos
confundiram a opinião do autor com a justificativa e 10% confundiram a
justificativa com a opinião do autor. Talvez esse fato possa ser atribuído à falta
de contato com textos da ordem do argumentar e carência de intervenção
didática a respeito da argumentação. Sendo assim, os alunos parecem ter
dificuldade em diferenciar o que é um ponto de vista ou opinião, do que é uma
justificativa.
Na categoria 4, apenas um sujeito da 3ª série demonstrou dificuldade de
compreender o texto de forma global, verificando-se um maior índice de
respostas desse tipo entre os sujeitos de 4ª série. Tal resultado vem reafirmar a
maior dificuldade de compreensão demonstrada por esse último grupo.
Em síntese, verificamos que os sujeitos de 3a série tiveram melhor
desempenho nas questões propostas conseguindo expressar e justificar suas
opiniões sobre o texto. Talvez o bom desempenho desses sujeitos possa ser
atribuído à utilização da habilidade de expressar e justificar opiniões no
cotidiano, já que costumamos fazer isso oralmente nas nossas interações.
Mesmo sem que escola ensine aprendemos na oralidade a expressar e
justificar opiniões quando precisamos defender nossos interesses.
Porém, conforme observado anteriormente, as habilidades implicadas
nas perguntas relativas aos textos 1 e 2, utilizados com os alunos de 3a série

21
eram de natureza mais simples. Por outro lado, seria esperado que no último
ano das séries iniciais de Ensino Fundamental, os sujeitos estivessem mais
aptos a responder perguntas que mobilizassem habilidades argumentativas
mais complexas, fato que não foi confirmado pelo presente estudo.

6. Conclusões
Os resultados indicaram que as coleções de livros didáticos de Língua
Portuguesa, recomendadas pelo Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD/2004) para utilização nas escolas oferecem poucas oportunidades de
desenvolvimento de habilidades argumentativas a partir da leitura de
reportagens.
Apesar disso, as coleções em que tais oportunidades foram identificadas
propõem o desenvolvimento de habilidades argumentativas diferentes nos
volumes 3 e 4. Isto é um fato positivo pois, como foi dito, recomenda-se que o
ensino dessas habilidades argumentativas envolvam um trabalho diversificado
e de crescente complexidade ao longo das séries de ensino.
Chamam a atenção nesta pesquisa os muitos problemas ortográficos e de
organização de idéias nas respostas escritas pelos alunos, sendo necessário
em muitos casos considerar certos implícitos para que fosse possível
compreender o que o sujeito parecia querer expressar. É importante, portanto,
que os professores fiquem atentos a este fato, criando espaços de discussão
oral das respostas dadas, solicitando que os alunos retornem a suas respostas
e revisem o que foi escrito.
Um aspecto que nos pareceu relevante foi a constatação, já mencionada,
de que uma maior familiaridade com o tema do texto não parece ser,
necessariamente, um facilitador para a compreensão do texto, conforme foi
constatado nos textos 3 e 4.
Outro fato importante é que, justamente no último ano das séries iniciais do
Ensino Fundamental, em que espera-se que os alunos apresentem melhores
condições para responder perguntas que mobilizem habilidades
argumentativas mais complexas, várias dificuldades foram manifestadas.
Considerando as ações que realizamos no nosso cotidiano, em que a todo
o momento precisamos defender nossos interesses e opiniões de forma

22
competente, se faz necessário que a escola garanta, desde cedo, o ensino da
argumentação, enquanto atividade comunicativa essencial.
A fim de contribuir nessa direção, constatamos, na presente pesquisa, que
os livros didáticos precisam oferecer mais oportunidades de leitura de textos
que ofereçam chances de debate e de utilização de diferentes estratégias
argumentativas para convencer outras pessoas. Os dados desta pesquisa
apontam ainda para a necessidade de um maior investimento por parte dos
professores na busca de novos textos que possam preencher as lacunas
existentes nos livros didáticos relativas ao trabalho com argumentação,
explorando mais amplamente o caráter argumentativo do gênero reportagem.

7. Bibliografia
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23
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25
8. Anexos
I. Atividade extraída do Vol. III da Coleção Vitória Régia (Texto 1)
II. Atividade extraída do Vol. III da Coleção Linguagem e Vivência (Texto
2)
III. Atividade extraída do Vol. IV da Coleção Vitória Régia (Texto 3)
IV. Atividade extraída do Vol. IV da Coleção Linguagem e Vivência (Texto
4)

26
Anexo I
Atividade aplicada na 3º série extraída do vol. III da Coleção Vitória Régia
(Texto 1)

27
Anexo II
Atividade aplicada na 3º série extraída do vol. III da Coleção Linguagem e
Vivência (Texto 2)

28
Anexo III
Atividade aplicada na 4º série extraída do extraída do vol. IV da Coleção
Vitória Régia (Texto 3)

29
Anexo IV
Atividade aplicada na 4º série extraída do vol. IV da Coleção Linguagem e
Vivência (Texto 4)

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