Relatório do exercício quer os gestos, foi procurar variações nas reacções dos
transeuntes. Experimentou-se, ainda, associar alguns
Numa tentativa de averiguar quais alguns dos gestos estranhos ao uso inapropriado de uma peça comportamentos que, apesar de inocentes, evitamos de roupa, mais concretamente, um casaco vestido ao ter em espaços públicos, foram experimentados contrário (isto é, com as costas para a frente). gestos um tanto ou quanto constrangedores. Alguns Nas três sessões fez-se um esforço no destes gestos tinham sido previamente inventariados sentido de realizar gestos algo ambíguos, isto enquanto que outros foram pensados e executados no é, nem demasiadamente despropositados nem local, quase simultaneamente. demasiadamente inócuos. O objectivo, com a escolha A primeira experiência de trabalho de campo deste tipo de comportamentos, foi trabalhar na foi realizada terça-feira, dia 27 de Abril de 2010, fronteira entre o “normal” e o “anormal”. De notar entre as 16 horas e 15 minutos e as 17 horas nos a semelhança sentida entre a experiência e o filme seguintes espaços do Porto (percorridos por esta de Lars von Trier “Os Idiotas”. Neste filme, algumas ordem): Avenida dos Aliados, Rua Passos Manuel, pessoas agiam como se fossem doentes mentais. Loja Pingo Doce da Rua Passos Manuel, Praça dos Agora relativamente às conclusões tiradas. Poveiros e Avenida Rodrigues de Freitas. Os gestos Primeiro, confirmou-se no terreno uma realidade que experimentados foram principalmente variações da já se antecipava: foi difícil executar determinados forma de andar: passos muito pequenos, passos largos movimentos (aqueles que exigiam maior concentração) e lentos, passos que evitavam tocar nas juntas ou nas e ao mesmo tempo prestar atenção às reacções dos pedras brancas dos passeios, passos que desenhavam transeuntes. ziguezagues, entre outros. Depois, concluiu-se que quanto maior é o tráfego, A segunda experiência de trabalho de campo foi menos as pessoas reparam umas nas outras. Prestar realizada no dia seguinte, quarta-feira, 28 de Abril de atenção aos outros implica alguma disponibilidade 2010, entre as 10 horas e as 10 horas e 45 minutos, na e, quando estamos com pressa, mais dificilmente Rua de Santa Catarina, no Porto. Desta vez, repetiram- olhamos em volta, mesmo tendo em conta a natural -se alguns dos gestos ensaiados anteriormente e curiosidade pelo outro, aparentemente típica dos executaram-se outros novos, a saber, passo rápido portugueses. seguido de paragem abrupta, bicos de pés, “pezinhos Concluiu-se também, logo ao fim da primeira de lã” e corpo colocado na perpendicular ao sentido do sessão de trabalho de campo (da qual não temos percurso. registos), que a pergunta com que partimos para A terceira experiência foi feita no dia 4 de Maio o terreno deveria ser reformulada. Inventariar as de 2010, terça-feira, entre as 15 horas e as 16 horas, reacções aos comportamentos pareceu-nos mais útil, também na Rua de Santa Catarina. Mais uma vez mais realista e potencialmente mais interessante foram repetidos alguns dos gestos testados nas sessões num contexto de investigação, do que inventariar os anteriores. O objectivo, ao manter estáveis quer o local comportamentos. Assim, a primeira pergunta (Que regras — invisíveis mas consensuais — guiam o utilizados na estruturação destas categorias foram: comportamento das pessoas em espaços públicos de andar em bicos de pés, andar sem tocar nas juntas dos circulação, como as ruas? Isto é, quais são alguns dos passeios, andar apenas pelas pedras pretas do passeio, comportamentos, simples e inofensivos, que evitamos andar em “pezinhos de lã” e andar dando passos muito ter na rua, apesar de não existir qualquer proibição pequenos. Considerou-se que o grau de bizarria destes formal?) foi substituída pela seguinte pergunta: Quais gestos era aproximado. as categorias nas quais podemos agrupar as maneiras de olhar o outro, quando o outro age de forma 1. Olhar distraído: A grande maioria das ligeiramente desenquadrada das nossas expectativas, pessoas observadas simplesmente nem reparou no em espaços públicos de circulação? Escusado será dizer comportamento bizarro; que o contexto do estudo manteve-se o mesmo: Porto, Portugal. 2. Olhar desinteressado: Um grande número de Devemos fazer aqui uma ressalva: naturalmente, pessoas ignorou o comportamento bizarro; há gestos que chamam mais a atenção das pessoas do que outros. Isto é relativamente evidente 3. Olhar curioso: Um número considerável de se pensarmos no grau de estranheza do gesto: pessoas olhou sem pudor mas sem interesse para o quanto mais extravagante, mais probabilidade há comportamento bizarro, demonstrando apenas alguma de chamar a atenção. Partindo desta ideia como curiosidade; pressuposto, procurou-se, nas últimas sessões, manter relativamente estável este grau de bizarria. A definição 4. Olhar de soslaio: Algumas pessoas repararam dos gestos com um semelhante grau de bizarria foi em no comportamento bizarro mas sem insistir. parte intuitiva e em parte decorrente das experiências Pareciam querer dar a impressão de que achavam o anteriores no terreno. comportamento perfeitamente normal mas, embora De facto, porque o que se pretendia era identificar disfarçassem, percebeu-se algum desconforto; categorias de olhares, não interessava tanto perceber quais os gestos que provocavam um maior número de 5. Olhar desarmante: Um número reduzido de reacções, mas antes que diferentes reacções ao mesmo pessoas olhou insistente e repetidamente para o gesto (ou a gestos com um grau próximo de estranheza) comportamento bizarro, chegando mesmo a intimidar. podemos identificar. E, efectivamente, o mesmo gesto Em caso extremos, houve a necessidade de desistir e é capaz de desencadear as reacções mais díspares. passar a agir “normalmente”. De qualquer forma – e salvaguardando o facto de não se ter observado muitas das reacções – é ainda Procuramos agora possíveis aplicações para possível sugerir categorias onde elas se enquadram. uma investigação deste género. A que áreas poderão Segue-se então, a lista das categorias identificadas, interessar a identificação e a categorização das organizada com base no número de olhares. Os gestos maneiras de olhar o outro (quando este se comporta de forma pouco previsível em espaços públicos)? A primeira que podemos sugerir é a publicidade, principalmente se pensarmos em teasers e flashmobs. Parece-nos que um estudo deste tipo pode fornecer informações que visem optimizar os efeitos de uma dada campanha, atingindo diferentes públicos. Se passarmos para áreas mais nobres que a publicidade, como as ciências sociais, e se pensarmos que, no fundo, este é um estudo muito embrionário sobre o “outro”, a metodologia aqui ensaiada poderá eventualmente servir investigações antropológicas ou sociológicas. Uma vez que foi impossível deixar de notar semelhanças entre alguns dos olhares observados e os olhares que muitas vezes são dedicados a pessoas com doenças mentais, uma investigação que parta destes moldes interessaria eventualmente à psiquiatria e à psicologia. Não é fácil tentar especificar possíveis aplicações em universos científicos que nos são estranhos. De qualquer forma, a publicidade, o marketing, a antropologia, a sociologia, a psicologia e a psiquiatria são áreas que potencialmente beneficiariam de uma investigação como esta.