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no meio do caminho tinha uma pedra.
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Nunca me esquecerei desse acontecimento
OLIVEIRA MEIRELES, Rafael Antonio de. Imprensa Brasileira - História e crítica do nosso jornalismo. São Paulo: 2006.
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Nunca me esquecerei que no meio do
caminho
tinha uma pedra
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tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
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O menino custou a começar a falar, e a dificuldade que tinha para
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pronunciar uma frase inteira provocava risos nos adultos [...] ele já beirava os três
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anos quando os pais entenderam que o menino era gago (MORAIS, 1994, p. 32).
Este menino é Assis Chateaubriand – Chatô. Um grande nome no jornalismo
brasileiro e de reconhecida significância no desenvolvimento das empresas de
de
tornando-se grande.
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calando-se porque muitas vezes o silenciamento lhe foi imposto, até chegar aos dias
de hoje, grande, imensa, maior que o próprio Chatô, pois nela falam outras vozes que
também fizeram e ainda fazem a diferença no cotidiano de cada brasileiro.
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sociedade, através do sentido polifônico e dialógico constitutivo da linguagem no
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sentido bakhtiniano.
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Entendemos polifonia como um coro de vozes que participam do processo
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dialógico; e dialogismo um princípio constitutivo da linguagem (BARROS;
FIORIM, 2003) e a condição para o discurso fazer sentido.
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O jornal impresso não é uma única voz, mas um diálogo entre as vozes dos
ive
leitores e as vozes dos jornalistas convivendo numa interação social, revelando as
consciências independentes e as consciências eqüipolentes. Assim a notícia impressa
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é polifônica e dialógica e é este princípio que garante a sustentabilidade estrutural do
jornal. Uma garantia de que a notícia é uma análise de um trabalho de um grupo
de
São Paulo que, em 1902, tem Júlio de Mesquita como único proprietário e representa
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(SODRÉ, 1999, p. IX). Foram necessários o rádio e a TV para acessar aos analfabetos, por
exemplo. Mesmo assim, convencionou-se, por mérito, a utilização do termo meios de massa para
veículos de comunicação num todo. Eugênio Bucci defende que “a ética na comunicação de massa
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não pode ser pensada a partir das mesmas balizas que nos guiam para discutir a ética na imprensa”.
Como primazia da imprensa, a busca pela “verdade factual, da objetividade, da transparência, da
independência editorial e do equilíbrio. Já o conceito de ‘meios de comunicação de massa’ traz em si,
desde a origem, o embaralhamento sistêmico entre fato e ficção, entre jornalismo e entretenimento,
entre interesse público, interesses privados e predileções da esfera íntima”. Bucci usa imprensa para
designar “a instituição constituída pelos veículos jornalísticos, seus profissionais e seus laços com o
público” (BUCCI, on-line. Acessado em 5 de outubro de 2006).
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Discurso, segundo Pêcheux, etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr
por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do
discurso observa-se o homem falando. Daí a definição de discurso: o discurso é efeito de sentidos
entre locutores (ORLANDI, 2002).
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de um grande órgão político –, estava atravessada por outras vozes, assim como
qualquer voz que enuncia, pois “as palavras não são nossas. Elas significam pela
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história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa nas nossas
palavras” (ORLANDI, 2002, p. 47).
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Além disso temos que lembrar que o proprietário de um jornal impresso
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jamais é um autor passivo no processo polifônico do discurso jornalístico. Ele é um
autor ativo e o seu ativismo tem um caráter dialógico com a sociedade e está
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diretamente vinculado à consciência dos leitores-interlocutores.
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Quem dá o tom discursivo da notícia, quem deixa entrever o viés ideológico
ou tendencioso do jornal impresso não é a voz do dono32, mas o som de uma
orquestra polifônica regida pelas formações discursivas33, ideológicas34 e imaginárias
de
dos pasquins – panfletos que circulavam na época do império – que eram violentas,
chegando ao nível da calúnia e do insulto pessoal – dado o momento histórico
violento, virulento e intranqüilo.
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Em outras palavras, o sujeito não é livre para dizer o que quer, mas é levado, sem que tenha
consciência disso (e aqui reconhecemos a propriedade do conceito lacaniano de sujeito para a análise
do discurso), a ocupar seu lugar em determinada formação social e enunciar o que lhe é possível a
partir do lugar que ocupa (MUSSALIM, 2004).
33
Formações discursivas são os determinantes do que pode e deve ser dito em um dado lugar sócio-
histórico determinado. Elas mantêm uma relação básica com a formação ideológica predominante: os
textos de uma formação discursiva espelham uma mesma formação ideológica.
34
Formação ideológica, segundo Fiorin (2003), “deve ser entendida como a visão de mundo de uma
determinada classe social, isto é, um conjunto de representações, de idéias que revelam a compreensão
que uma dada classe tem do mundo”.
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Inimigo dos Marotos, o Anglo-Maníaco, O Derrete Chumbo a
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Cacete, Piolho Viajante, entre outros.
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imprensa política, representada principalmente pelos pasquins,
esmorece. É a época da conciliação, com o arrefecimento ou fim
das lutas partidárias.35
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Outro exemplo de polifonia nos jornais impressos está na imprensa escrita
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pelos anarquistas italianos, imigrantes que entraram no Brasil para substituir o
trabalho dos escravos recém-alforriados36. Estes imigrantes tinham uma postura
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ideológica heterogênea: uns eram apolíticos e outros anarquistas ou simpatizantes do
Anarquismo37.
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Os anarquistas organizaram sindicatos cuja ferramenta básica ou arma de
combate era a imprensa escrita. Os jornais cumpriam a função de conscientizar os
de
bem como sobre fatores fundamentais de mobilização operária e como uma forma de
resistência contra a exploração dos empregadores.
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buscar notícias. Essas chegavam aos montes na redação clandestina dos jornais: eram
as vozes da sociedade operária imigrante dialogando com o jornal, com a sociedade e
com o governo.
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LOPES, on-line. Acessado em 2 de outubro de 2006.
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36
“A introdução do trabalho europeu nas fazendas de café foi um processo lento, alcançado pela
pertinácia de cafeicultores empenhados na solução de seu maior problema: a falta de mão-de-obra,
agravada primeiro pela proibição do tráfico e depois pela abolição. As primeiras tentativas [...]
provocaram reclamação consulares e escândalos na imprensa européia, a que os brasileiros são
especialmente sensíveis” (RIBEIRO, 1994, p.399).
37
De um modo geral, anarquistas são contra qualquer tipo de ordem hierárquica que não seja
livremente aceita, defendendo tipos de organizações horizontais e libertárias [...]. O anarquismo
enquanto teoria política nada tem a ver com o caos ou a bagunça [...]. No início do século XX, o
anarquismo e o anarco-sindicalismo eram tendências majoritárias entre o operariado, culminando com
as grandes greves de 1917, em São Paulo, e 1918-1919, no Rio de Janeiro. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anarquia. Acessado em 2 de outubro de 2006.
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2.2 Uma busca pela liberdade de expressão
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Nas democracias liberais, a imprensa tem sido chamada de quarto
poder, um poder além do Executivo, do Legislativo e do Judiciário,
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[...] um poder autônomo exercido em nome do povo. [...] Ela é
tomada, por delegação implícita da sociedade, como instrumento
de defesa popular contra as injustiças, ilegalidades e
ilegitimidades.38
ive
Nas palavras de Melo (2003, p. 144), “a imprensa figura na História da
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Humanidade como a inovação que alterou profundamente a marcha civilizatória”.
Ela consolidou a cidadania e deu condições para a expressão das sociedades
de
democráticas.
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38
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resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Artigo
XIX - Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de,
sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer
meios e independentemente de fronteiras.
- LEI No 5.250, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1967. CAPÍTULO I - DA LIBERDADE DE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DA INFORMAÇÃO. Art . 1º - É livre a manifestação do
pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem
dependência de censura, respondendo cada um, nos têrmos da lei, pelos abusos que cometer.
- CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969) - (Pacto de San José da Costa
Rica). Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão: 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade
de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir
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As liberdades de imprensa, de informação e de expressão viram
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apenas testas-de-ferro para que as empresas midiáticas defendam
seus interesses econômicos. A liberdade de imprensa dá lugar à
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liberalização total, levando a informação a ser dourada com
persuasão ou entretenimento. Esvazia-se o compromisso da
imprensa com a defesa dos cidadãos, do interesse publico, da
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verdade, do Estado-nação ou do bem-comum. A nova liberdade
vira uma liberdade econômica, que privilegia apenas o capital. As
empresas midiáticas lutam, inclusive, para liberalização total da
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liberdade de imprensa, permitindo contemporânea-mente
licenciosidades capitalistas não condizentes com o papel social
desempenhado pela linguagem na era do liberalismo moderno. A
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liberdade, embora mítica, cria o mito da transliberlizacao: tudo
passa a ser livre, menos o que possa afetar ou atingir os interesses
empresariais (MARSHALL, 2003, p. 166).
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Além da liberdade de expressão ser regrada por forças econômicas, a
influência política não difere para com os meios de comunicação. No governo Lula
de
como diz o ditado, manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Qualquer jornalista que se aventurou a ter alguma idéia na cabeça –
e que não correspondesse àquela de seu patrão – sabe do que
estamos falando. [...]
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na Paraíba, apoiou unanimemente o envio do projeto de lei. TVs,
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jornalões e rádios não deram essa notícia, nem para dizer que esses
jornalistas são doidos: melhor não dizer, não é mesmo?
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Os críticos não estão vendo fantasmas, não. Eles estão muito
lúcidos. Estão atirando naquilo que vêem. Mas querem que
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pensemos que atiram em outra coisa. A “informação que chega à
sociedade” não “chega” – é levada por alguém. Alguém que quer
permanecer na sombra.
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Roberto Romano: [...] As investidas do atual chefe da Casa Civil,
do ministro do Trabalho, do ministro encarregado pela
Comunicação e, o mais espantoso, do próprio ministro da Justiça
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contra a imprensa ecoam perfeitamente as palavras emitidas em
1985 pelo então candidato à presidência da República, Luiz Inácio
Lula da Silva, sobre as liberdades: “Acho que a liberdade
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individual está subordinada à liberdade coletiva. Na medida em
que você cria parâmetros aceitos pela coletividade, o
individualismo desaparece. Ou seja, não há razão para a defesa da
liberdade individual. O que você precisa é criar mecanismos para
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sem cólera nem parcialidade [Segundo Tácito, é o modo pelo qual deve ser escrita a história.]
(Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, 2002, CD-ROM).
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apud Melo (2003, p. 144).
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sócio-democrática, a imprensa se resguarda sob direitos adquiridos e conquistados
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nas lutas contra a repressão do governo. “Retira-se do Estado o privilégio de fazer
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censura a priori dos impressos, mas cabe-lhe o dever de coibir a posteriori os abusos
cometidos” (MELO, 2003, p.145).
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Falamos de censura política a qual funde-se e confunde-se com o próprio
grito de liberdade e autonomia do jornal. Lembramos também, do processo histórico
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da imprensa que nos traz a censura presente na dependência econômica44. Deste
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modo, a imprensa permanece silenciada à expressão dos interesses político e
econômico, e direcionada ideologicamente a uma parcela mínima representada pelos
Ol
multiplicadores de opinião – o que exclui o “restante da sociedade que, embora não
faça parte do seu grupo de leitores, também têm interesses que devem ser
preservados para o pleno funcionamento da sociedade democrática”.45
de
poder das elites; “parte de um processo indicado por Noam Chomski como
‘construção de consenso’, onde a imprensa, por trás de uma ideologia de
lA
44
A imprensa só pode atingir uma produção industrial por meio de anúncios, financiamentos externos
e concessões políticas - o que a torna dependente destes recursos -. Neste caso, manifestações
contrárias aos interesses econômicos são abafadas, descartdas e coibidas.
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45
Novelli acredita que o jornal nega o papel de quarto poder quando defende o interesse do seu grupo
de leitores. Ao estabelecer o grupo de leitores como base social, a imprensa deixa de privilegiar a
sociedade com notícias pertinentes a todos se estas não tem “eco entre os leitores do jornal” (MOTTA
(org.), 2002, p. 194).
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“Segundo o jornalista [Bernardo Kucinski], a Folha, ao longo dessas três eleições, teria projetado e
até mesmo criado preconceitos e estigmas contra Lula. Nas eleições de 1989, por exemplo, o jornal
contribuiu para projetar o sentimento de medo contra Lula, ao afirmar, na edição de 15 de dezembro
daquele ano, que as correntes majoritárias do PT tinham a intenção de fazer ‘tudo o que estiver ao seu
alcance para cercear e se possível suprimir a liberdade de expressão’. O objetivo seria mostrar à
população que votar em Lula poderia significar a volta do regime autoritário” (PAIXÃO, artigo, on-
line. Acessado em 4 de outubro de 2006).
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“No entanto, apesar desse veículo orgânico47 com o poder, a imprensa foi, e
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ainda é, igualmente, um dos instrumentos principais da oposição e da resistência
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Se ela de fato exerce democraticamente esse quarto poder,
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representando todos os grupos sociais, é uma questão que só o
exame de cada circunstância pode responder.
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E aí reside um paradoxo. A imprensa pode ser instrumento do
poder instituído ou um instrumento de resistência e de oposição a
esse poder [que pode pender] para um ou para outro lado,
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dependendo da situação histórica. [...] O paradoxo revela assim,
que não existe imprensa sem inserção política [desempenhando]
igualmente funções econômicas, especialmente comerciais, quando
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estimula, por meio dos seus anúncios, o consumo de bens. [...]
(idem, p. 15).
voz de outros conglomerados econômicos ou grupos políticos que querem dar às suas
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valores da modernidade.50
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Então, qual a saída para a crise da imprensa? A indagação de Sodré (1999, p.
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428), é respondida pelo porta-voz das agências estrangeiras de publicidade:
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Mas a não ser que as classes produtoras se compenetrem de que a
imprensa é o quarto poder dos regimes democráticos, e que sua
independência está intimamente ligada à compreensão dos
ira
anunciantes, que possibilitam sua existência, a imprensa latino-
americana irá perdendo sua liberdade de movimento, e, com ela,
seu prestígio perante a opinião pública. Este é o relevante papel
ive
esclarecedor que as Agências de Propaganda precisam
desempenhar junto aos seus clientes, sobretudo perante aqueles que
ainda não se convenceram do sentido subjetivo da propaganda.51
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Considerado por Marshall como um dos mais severos críticos da imprensa.
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Martínez Albertos, 1997, p.31 apud MARSHALL, 2003, p. 28
51
SODRÉ, 1999, p. 428