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Prevenção das DST/AIDS: Novos Desafios

Populações mais vulneráveis: Capilaridade das ações – como fazer?1

Roberto Chateaubriand Domingues2

O Brasil sempre se destacou no cenário internacional em razão de sua capacidade de


responder de forma criativa aos desafios impostos pela epidemia do HIV e AIDS. No campo da
prevenção às DST e Aids este traço adquire coloração especial e se expressa por meio das mais
diversificadas ações empreendidas ao longo dos últimos de vinte e cinco anos, tanto pela sociedade
civil como por órgãos governamentais.
Mesmo tendo como pano de fundo um horizonte pouco amistoso, composto por uma
epidemia de difícil controle instalada em um país emergente e plural, apresentando recursos
escassos, associado, ainda, a uma cultura de saúde um tanto refratária às práticas de prevenção
dada, via de regra, a flertar com uma insistente lógica curativa e medicamentosa, conseguimos
avançar na discussão sobre estratégias de prevenção e empreender modelos e práticas que, se não
absolutamente exitosas, ao menos se insurgiram contra as mais pessimistas expectativas de
crescimento da Aids, incidindo, especialmente, sobre a velocidade de expansão do HIV no país.
Não obstante todos os esforços de prevenção envidados ao longo dos anos, a incidência do
HIV, sobretudo em populações específicas, denominadas mais vulneráveis à infecção do vírus,
continua alta, o que nos faz interrogar acerca de nossa capacidade de construir respostas resolutivas
neste campo, muito embora nunca tivéssemos deixado de fazê-lo. Aliás, a busca pelo
aprimoramento das ações de prevenção destinadas a segmentos específicos sempre pautou a agenda
dos profissionais de saúde, técnicos e ativistas na luta contra a Aids no Brasil, surgindo daí as
inventivas e ousadas formas de trabalho de campo com resultados importantes, mesmo que
apresentando, muitas vezes, alcance restrito.
Ademais, tendo em perspectiva o prenúncio das novas tecnologias de prevenção,
imperativamente, somos instados a repensar nossas práticas e modelos, em particular, aquelas que
passamos a conhecer como intervenções psicossociais no campo da prevenção em DST e Aids. No
geral, tais tecnologias sugerem um certo esgotamento do potencial de sucesso das estratégias de
prevenção até então utilizadas, operando, ao fim e ao cabo, como um “golpe narcísico” nos
corações e mentes de todos nós, uma vez que tendem a deslocar a ênfase da ação para mecanismos
externos ao indivíduo. Em outras palavras, passa-se a considerar e investir em dispositivos médicos

1 Texto apresentado no Seminário Ampliando o debate - Prevenção das DST/AIDS: Novos Desafios - Populações
mais vulneráveis: Capilaridade das ações – como fazer? promovido pela ABIA nos dias 17 a 19 de agosto de 2009, no
Rio de Janeiro.
2 Psicólogo e Advogado, ativista em Aids com atuação no Grupo de Apoio e Prevenção a Aids de Minas Gerais e
técnico da Coordenadoria de Direitos Humanos (CMDH) da Prefeitura de Belo Horizonte.
para a prevenção mitigando-se, em maior ou menor grau, o comprometimento do sujeito na tomada
de decisão acerca do cuidado de si.
Todavia, independente do cenário posto ou mesmo em razão dele, nos últimos anos nos
deparamos com uma tendência monotemática no que concerne às estratégias de prevenção, sem que
haja rupturas ou giros paradigmáticos na lógica que rege os trabalhos desenvolvidos. Isto não
implica, necessariamente, na ausência de projetos inovadores e efetivos, mas tão-somente na
repetição de fórmulas que vêm se mostrando desgastadas.
Historicamente trabalhou-se, no Brasil, o conceito de prevenção como sendo a construção e
implementação de estratégias pessoais e coletivas de enfrentamento à epidemia do HIV/AIDS
visando, prioritariamente, a proteção do indivíduo e sua qualidade de vida, tendo em perspectiva,
um projeto de educação para a saúde em seu sentido mais ampliado.
Dentre um extenso espectro de ações lastreadas neste conceito identifica-se, grosso modo,
algumas comuns e basais para a concretização dos objetivos propostos, como o mapeamento e
identificação da população destinatária da intervenção, formação e capacitação de equipe,
acompanhamento e supervisão do trabalho de campo, previsão, provisão e distribuição de insumos
de prevenção, produção/reprodução e distribuição de material educativo e, por fim, avaliação das
ações implementadas. Estas ações, embora formalmente similares, apresentam variações
substanciais a partir do entendimento que têm sobre as representações simbólicas, construídas e
compartilhadas, relativas tanto à noção de risco frente ao HIV, quanto às representações acerca da
população a ser trabalhada, passando pelo modelo teórico e político sobre educação à qual se
baseiam.
A partir da articulação entre estas representações sociais pode-se construir uma tipologia
básica de estratégias de prevenção que foram e ainda são implementadas no país, bem como suas
derivações e combinações de modelos variados, sobretudo ao longo do tempo.
É importante salientar que todos estes modelos dialogam com o momento sócio-histórico e
as compreensões sobre a epidemia por ele determinado, fazendo com que, nos dias atuais, alguns
soem de forma anacrônica, muito embora ainda se possa identificar traços indefectíveis que
denunciam pseudo-transformações culturais por eles anunciados.
Seja como for, atualmente, não há proposta de prevenção implementada que não apresente,
ainda que formalmente, compromisso com um projeto de formação de sujeitos autônomos como
forma de enfrentamento das várias vulnerabilidades que incidem sobre determinado grupo social,
privilegiando ações que proporcionem ambiente favorável para a reflexão e transformação da
realidade circundante e conseqüente adoção de estratégias de prevenção autônomas e responsáveis.
Porém, ostentar esta bandeira sem a correspondente substância que garanta a sustentação do
projeto em sua forma anunciada constitui um perigoso engodo capaz de consumir esforços e
recursos, tanto humanos e técnicos como financeiros, sem que se alcance os objetivos propugnados.
É possível se localizar inúmeras iniciativas desenvolvidas junto a populações consideradas
mais vulneráveis nas quais os indicadores quantitativos utilizados para a avaliação do cumprimento
de seu objeto superam as expectativas, sugerindo expressivo êxito das ações implementadas.
Todavia, salta aos olhos a perpetuação dessas mesmas ações ao longo do tempo, em uma mesma
área geográfica e, não raramente, com a participação dos mesmos sujeitos das primeiras
intervenções. Tal fenômeno revela fraturas na concepção do projeto levado a cabo, que se não se
traduz, necessariamente, como fracasso, também não se revela como o que se pode chamar de
sucesso.
Em uma tentativa de aproximação de hipóteses capazes de iluminar este campo e, assim,
possibilitar o desenho de explicações e construção de respostas razoáveis para o fenômeno podemos
salientar alguns “nós” históricos nas ações de prevenção desenvolvidas no Brasil.
De início se mostra inescapável a produção de sentidos a partir de significantes-chave que
pontuam a história da Aids como é o caso do conceito de 'grupo de risco'. Mesmo sendo voz
corrente a superação deste conceito para além das fronteiras da Epidemiologia, chama a atenção a
incidência de sua matriz simbólica que irradia efeitos sobre o mundo vivido de sujeitos afetados
pela epidemia do HIV, se fazendo presente, substantivamente, ainda que outras palavras lhe venham
substituir.
Desta forma, mesmo com a ampla apropriação do conceito de vulnerabilidade, que apresenta
autoridade argumentativa inquestionável para superar, efetivamente, o conceito 'grupo de risco',
temos a tomada de um pelo outro em uma operação despida de pudores e, o que é mais gravoso, por
sujeitos insuspeitos.
É sabido que nos primeiros anos da epidemia do HIV e Aids no Brasil, sob a égide do
conceito de 'grupo de risco' associado aos ecos de mais de vinte anos de ditadura militar, construiu-
se metodologias de prevenção calcadas no repasse massivo de informações sobre as formas de
transmissão do vírus e sobre o imperativo uso do preservativo sem se levar em consideração a
ambiência na qual estes trabalhos eram desenvolvidos.
Em uma análise retrospectiva das estratégias de prevenção implementadas nesta época não
há como não destacar a ênfase em ações onde o termo intervenção assume a sua forma mais
próxima de uma metáfora militar, bem como a atuação de sujeitos que ocupam posições
assimétricas e claramente definidas na qual o emissor surge como o detentor do saber técnico,
cientifico e o receptor como um sujeito carente de conhecimento e desprovido de saber.
Nota-se, nas ações empreendidas, o viés autoritário que marca a cultura pátria desde tempos
imemoriais, traço que era reforçado pela metodologia de repasse das informações e orientações
sobre saúde associado a um imaginário conhecimento acerca do que é bom, saudável e próprio para
o outro.
Nesta época, todos estes elementos estavam materialmente presentes nas ações de prevenção
que eram desenvolvidas, via de regra, por autoridades da área de saúde ou agentes por estes
chancelados, uma vez que o trabalho apresentava, como referencial predominante, o saber técnico
cientifico. Indicações de práticas sexuais higienizadas associadas à tentativas de controle de suas
formas de expressão compunham, não raramente, o roteiro norteador dos discursos dominantes,
cujo conteúdo era transmitido de forma imperativa e descontextualizada, uma vez que ambiente
sócio-histórico-cultural no qual a população estava inserida não servia de mediador para as ações.
Como se pode deduzir, este modelo de intervenção apoiava-se na idéia de uma população-
alvo entendida como objeto de intervenção e, portanto, passiva com relação ao processo educativo
pretendido. Ademais, os destinatários da política de prevenção eram identificados como um
segmento populacional composto por indivíduos marginalizados, vitimizados e desprovidos de
conhecimento e crítica acerca de sua realidade.
O insucesso deste tipo de empreitada foi logo percebido e uma mudança de rota
empreendida, porém não sem consternação. Afinal, práticas de saúde e de educação estavam sendo
questionadas e resistidas por sujeitos que, supostamente, mais precisavam delas naquele momento
histórico.
Surge, então, como alternativa viável, a proposta da implementação do trabalho baseado na
educação de pares, apresentada como uma revolução paradigmática no campo da prevenção. A
intervenção heterônoma cedia espaço para o emergente protagonismo da população, que passa a
desempenhar um papel preponderante nas atividades de campo destinadas à evitação da
disseminação do HIV.
Começa-se a trabalhar com a ideia de intervenção face a face, na qual a ênfase recai sobre
os códigos lingüísticos e culturais da comunidade no repasse da informação por integrantes desta
população. Ato contínuo, aparece em cena a figura dos agentes multiplicadores, ator social
reconhecido organicamente como legitimo devido seus laços de identidade com a população alvo
das intervenções.
O caráter de autonomia reconhecido no seio das práticas de educação em curso advinha da
crença na capacidade da população em discutir questões relacionadas à saúde e prevenção de
doenças, bem como na certeza da eficácia da transmissão e absorção do conhecimento ofertado pela
e para a comunidade, uma vez que a sua confiabilidade tanto estaria relacionada ao emissor da
mensagem, organicamente vinculado ao grupo quanto por poder contar com a mediação de
elementos da cultura deste segmento populacional.
Por agregar vantagens e dialogar com tendências contemporâneas este modelo atravessou
décadas sendo replicado em todo o Brasil, com adaptações e novos arranjos locais, mas
conservando a sua estrutura básica, ou seja, a educação por pares por meio da intervenção face a
face. Todavia, ainda que pese as alterações que as experiências foram impondo ao modelo, a sua
repetição fez com que ele padecesse de um processo de naturalização que, paulatinamente, foi
impedindo a elaboração crítica acerca de elementos presente no curso da implementação dos mais
diversos projetos de prevenção, prejudicando, assim, a construção de uma avaliação mais precisa
sobre o método adotado.
Talvez, uma das questões neglicenciadas, mas, paradoxalmente, trabalhada à exaustão pelo
projetos de prevenção, foi a temática atinente ao estigma vivenciado pelos segmentos específicos
aos quais as ações eram direcionadas. Mesmo a questão sendo contemplada nas formações e
capacitações ofertadas, bem como nas discussões empreendidas nos contatos face a face ou
atividades coletivas, a problematização sobre o seu manejo e de outras tantas questões centrais para
estes grupos, tendeu a perder espaço para um contato burocrático entre agentes multiplicadores e a
população-alvo, muitas vezes reduzido ao repasse de preservativos.
Pode-se notar este fato a partir de pistas deixadas em campo por projetos de prevenção
desenvolvidos de norte a sul do país.
Desde logo pode ser ressaltado um fenômeno clássico, já descrito pelas ciências sociais, mas
não devidamente atentado ou trabalhado no campo da prevenção das DST e Aids que é o paulatino
afastamento dos agentes multiplicadores de suas bases e a crescente identificação deles com o
discurso técnico-científico.
Analisando as ações de prevenção desenvolvidas verifica-se a transformação destes sujeitos
ao longo dos anos de trabalho. A princípio, eles foram selecionados para o trabalho de campo
justamente pela relação orgânica que apresentavam com a comunidade, mas passaram a se portar,
pensar e se apresentar ao mundo a partir de um outro lugar simbólico, bem mais positivado e
protegido do estigma que os afetava até então. De agentes multiplicadores passaram a ser técnicos
capacitados pela ciência e, como tais, adquiriram novo status que os diferenciavam dos demais,
reproduzindo a mesma lógica assimétrica existente nos primeiros trabalhos de prevenção
desenvolvidos no país. O “nós” facilmente substitui o “eles” e estes sujeitos passam a operar como
agentes externos ao grupo, não raramente denominado, a partir daí, como “difícil” e “complicado”,
quase que desconhecido deles.
Involuntariamente, são erigidos modelos de identificação exógenos ao grupo trabalhado,
amalgamados a hipotéticas competências pessoais, ao status social, à filiação institucional e a outras
representações de poder, inclusive como mecanismo inconsciente dos segmentos excluídos negarem
a exclusão social e as suas fragilidades, que todos queríamos superar.
Nesta perspectiva, o caráter dialogal e simétrico das intervenções, traço substantivo do
modelo, vai desaparecendo restando ao contato a mediação pela oferta de preservativos, que assume
o lugar deixado pelo silêncio estabelecido entre os pares, denominação imprópria, ao menos neste
momento, já que de um lado encontra-se um agente multiplicador e, de outro, uma PS, um HSH,
um UDI...
A adoção destes termos, forjados durante a prática de campo, denota o desaparecimento do
sujeito e a invenção de um objeto que porta traços característicos semelhantes, monoliticamente
percebidos, seja pelos profissionais de saúde, técnicos da prevenção, agentes multiplicadores.
Mais uma vez podemos observar a forma se impor sobre o conteúdo, oferecendo uma
imagem falseada da realidade.
Um dos efeitos colaterais imediato deste estado de coisas é o estabelecimento da ideia do
cuidado como responsabilidade do outro, algo externo ao sujeito que, passiva e acriticamente,
aguarda o contato do multiplicados para receber o preservativo, identificado como alternativa única
e absolutizada de proteção contra as DST e AIDS. Não são raros os relatos de casos extraídos do
trabalho de campo nos quais emerge a acusação de que a impossibilidade do exercício de prevenção
estava associada a falta da distribuição do preservativo pelos agentes multiplicadores sendo deles,
por via de consequência, a responsabilidade de uma possível infecção pelo HIV.
A apropriação da ideia de prevenção como ação autônoma, livre e responsável desaparece,
comprometendo a perspectiva emancipatória na qual, supostamente, este modelo se apoia e se
sustenta. Ademais, supor prevenção dissociada das questões constituintes do sujeito ou de seu grupo
social e, por conseguinte, das demais demandas apresentada por eles, não passa de uma
representação ingênua ou cínica da realidade.
Frente a este desafio não se tem respostas definitivas, mesmo porque, em uma sociedade
complexa e plural como na que vivemos, a proposição de verdades cabais se traduz em um
equívoco inominável e absolutamente ineficaz. Porém, convém arriscar algumas hipóteses
aproximativas que, em um futuro próximo, poderão se mostrar válidas.
Mantendo como eixo primordial a questão da educação como estratégia emancipatória e
transformadora da realidade vivida, na qual sujeitos livres e autônomos se interagem e interrogam-
se continuamente, aposta-se no fomento da constituição de capital social e garantia dos direitos
humanos e fundamentais como elementos essenciais para a consecução dos objetivos propugnados
pelos projetos de prevenção no campo do HIV e Aids.
Estamos diante de uma epidemia que nos impõe o dever de produzir respostas efetivas
capazes de articular o enfrentamento coletivo da questão à respostas individuais, pois, em última
instância, é no sujeito, indivíduo afetado, direta ou indiretamente, pelo HIV, portanto, no campo da
subjetividade, que os sentidos da Aids se manifestam e se fazem presente no mundo.
Vem de Hannah Arendt, no corpo de sua obra Origens do totalitarismo uma importante
'pista' para traçarmos as primeira linhas para avançarmos no tema. Diz ela que "compreender
significa, em suma, encarar a realidade, espontânea e atentamente, e 'resistir' a ela - qualquer que
seja, venha a ser ou possa ter sido".
Tudo indica que as primeiras representações sociais acerca da epidemia da Aids mantém-
nos fixados em uma cadeia discursiva na qual determinados significantes se travestem por meio de
novas roupagens de modo a conservarem, intactos, seus significados originais. Como já
mencionado acima, o conceito de 'grupo de risco' e suas derivações, quer nos parecer, é um destes
significantes que se impõem e, como uma mácula, nos persegue.
Desta forma, atualiza-se o fraseado de Hannah Arendt e nos surge como compromisso a
criação de uma ambiente favorável para que a compreensão acerca da realidade, sobretudo aquela
construída socialmente sobre HIV e Aids, seja encarada e resistida, sobretudo, pelos segmentos
sociais mais vulneráveis, entendendo aqui se tratar de vulnerabilidades compreendidas em seu
sentido mais amplo e complexo, não se confundindo com o conceito de risco.
Para tanto, deve-se trasladar o conceito de capilaridade das ações de prevenção para um
outro campo que não o usual, ou seja, retirar a ênfase do espraiamento físico e geográfico
privilegiando estratégias capazes de produzir sentidos que ressoem e sejam devidamente
interpretados em todas as esferas da vida do sujeito, implicando-o, de forma livre e responsável na
construção de formas de estar e agir no mundo.
O desafio que se apresenta diz respeito a um movimento dialético na qual o sujeito se
transforma para poder transforma o mundo, mas não em ação isolada ou individual. Ao contrário,
pois para haver incidência subjetiva dos processos de transformação individual se faz necessário
um esforço coletivo concomitante.
É nesta perspectiva que se aponta para estratégias que apresentem lastro no fortalecimento
do que se conhece como capital social em ações orientadas pelo discurso dos direitos humanos.
Inobstante todas as controvérsias que envolvem o conceito, porém não alheios a elas,
tomamos de empréstimo a conceituação proposta de Bourdieu em seus Escritos de Educação que
compreende capital social como sendo o “conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão
ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de
interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, a vinculação a um grupo, como
um conjunto de agentes que, não somente são dotadas de propriedades comuns (passíveis de serem
percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por
ligações permanentes e úteis.”
Nesta mesma linha de raciocínio, porém guardando maior proximidade com os discursos
produzidos no campo da luta contra o HIV e Aids, Miracy Gustin compreende capital social como
a “existênciade relações de solidariedade e confiabilidade entre indivíduos, grupos e coletivos,
inclusive a capacidade de mobilização e organização comunitárias, traduzindo um senso de
responsabilidade da própria população sobre seus rumos e sobre a inserção de cada um no todo.”
A intersubjetividade e o sentimento de pertença a um grupo se revelam questões
imprescindíveis na construção de alternativas para o enfrentamento da epidemia da Aids, em
especial por se tratar de uma doença cujo vírus se transmite por meio do contato com o outro.
Ressignificar o caráter de alteridade presente aí, articulando-o com as demais esferas da vida
humana, não apenas simbólica, mas, também, objetiva e materialmente, tem se vislumbrado como
uma resposta tão válida quanto possível para instrumentalizar e instar o sujeito à uma ação
transformadora.
Não há, portanto, como se falar em respostas ou estratégias únicas para os desafios
apresentados pela epidemia do HIV e Aids. Para se aproximar dos objetivos e resultados propostos
pelos trabalho de prevenção, de um lado, se faz imprescindível a cooperação articulada entre
setores diversos da vida do cidadão que, ativamente presentes, fazem a diferença em todas as
etapas deste processo. A formulação e implementação de ações intersetoriais estratégicas
compõem elementos essenciais para se atacar as várias vulnerabilidades institucionais, criando um
ambiente favorável à respostas individuais ou coletivas de enfrentamento à Aids. Do outro lado,
ações de educação em direitos humanos que apresentem o potencial de (re)inserir o sujeito em uma
rede socialmente articulada por iguais, oferecendo-lhe condições de constituir-se como ser
autônomo, livre e responsável.
Este processo de educação, complexo e dinâmico, enfatiza a vida cotidiana considerado-a
como referência permanente da ação educativa, ao mesmo tempo em que promove o
desenvolvimento da capacidade do sujeito em se interrogar sobre o sentido dos acontecimentos que
impactam o seu tecido vital e sua consciência.
A promoção de uma educação para a cidadania pressupõe o entendimento deste conceito
como sentido de co-responsabilidade pela vida em sociedade, em outros termos, como política do
cotidiano. Para tanto enfatiza a formação de sujeitos sociais ativos, protagonistas – atores sociais
capazes de viver uma cidadania consciente, crítica.
Todavia, a construção de uma prática educativa dialógica, participativa e democrática
implica em um árduo esforço de superação de uma cultura profundamente autoritária presente nas
relações humanas e no tecido social como um todo, o que, por si só, compreende um desafio
hercúleo. Reproduzimos no cotidiano, ainda que de forma involuntária e até mesmo inconsciente,
práticas que reduzem o outro a uma condição de inferioridade e dependência, absolutamente
incompatíveis com um projeto de emancipação social.
Intimamente articulado a isto, outro problema a ser encarado e superado, diz respeito à
democratização e criação de canais de participação e organização comunitária que possam permitir
o exercício concreto de tomada de decisões grupais. Horizontalizar espaços de relações ainda se
mostra uma política de difícil implantação, seja de contorno institucional ou estritamente
interpessoal, pois requer o compartilhamento de poderes e saberes, sem a imposição de
conhecimentos hierarquizados que obstacularizam o projeto de respeito ao outro, mesmo este sendo
considerado diferente, mas nunca desigual.
Umas das principais vias de acesso à superação destes desafios aponta para o real
compromisso com a afirmação da dignidade do ser humano como eixo central do trabalho no
campo da prevenção das DST e Aids. Tal compromisso apresenta como exigência a articulação
entre a problemática individual e coletiva, local e internacional, fazendo transcender a dignidade
humana para além de um princípio abstrato, em um processo de concretização do
comprometimento do projeto de prevenção com a transformação e a emancipação do sujeito.
Para concluir, se faz necessário apontar alguns aspectos básicos de uma proposta educativa
articulada com o cotidiano e com os Direitos Humanos, a partir do legado que nos foi deixado por
Paulo Freire. O filósofo-pedagogo defendia uma Pedagogia da indignação que implicava na
formação de sujeitos sensíveis e capazes de se escandalizar diante de toda forma de violência e
desrespeito aos direitos. Porém, afirmava ser essencial a sua articulação com uma Pedagogia da
admiração que diz sobre o entusiasmo frente toda expressão de afirmação, promoção e preservação
da vida e de resistência, bem como a uma Pedagogia da afirmação ética traduzida como promoção
de convicções firmes sobre a vida e valores que lhe oferece consistência ética – Solidariedade,
justiça, esperança e liberdade.
Acredita-se que estes aspectos constituem elementos chaves para o êxito de um projeto de
prevenção no campo do HIV e Aids, assim como para todo e qualquer projeto que tenha o ser
humano como protagonista, sujeito e destinatário da ação.

Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 1989. 568p.

BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Org. Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani.
Petrópolis, Editora Vozes, 1998. 250 p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo,
Ed. Paz e Terra, 1996. 148 p.

GUSTIN, Miracy. Das necessidades humanas aos direitos – Ensaio de Sociologia e Filosofia do
Direito. Belo Horizonte, Ed. Del Rey, 1999.

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