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MEGAEVENTOS, COMUNICACAO ow E CIDADE ara ‘uf aaca Ricardo Fereira Freitas Flavio Lins Maria Helena Carmo dos Santos. (Orgunizadores) MEGAEVENTOS, COMUNICACAO E CIDADE EDITORACRV Curitiba ~ Brasil 2016 Copyright © ds ditora CRY Lea ‘altorchefe: Rails Nous Capa: Palo Costa Fotos da capa: Flvio Lins ena da Exposigéo Universal de Milo 2015) Diagramagie: Estora CRY Reviso: O5 Autores e Eitoa CRV ‘Conseho Eaitorial: Pte Asi Sha Quint SUNK) ‘ut roo de Cagia ik 47-58) "ro Dc Ato Pe Ga sr UFR) ro De ee ea UF) ret Cais Aen Vin sede LD Las Se Rac UMSDDS) (Unies sh MNO Pos) ote. etre Sve (0V) Prt Di Ca Fel Boye vs UNTER) hf Dns Pr FR perme apregm PrP Dr side La re in UNICA Jem casoeluiecs Pf DM i iti Sa Ces(LFOP) eee Dot De Pe emai Hern UNFAL =) = oD bigs Pane ce (UES) (Use ial Te Feng) TRE eee nee akc Pet. Heap UL) Fahiecieewesing ro De iodC UeiededtFin ALLS) Pap Sagres Ra UECA) Pof.DF. drat Laan Lt wth) PD Si Sen UE of Dees Cu Dare (UCR) Psi Ce Gas (UPA) of De Calms ris en eed Cis). a Sil ad Bae UEDA) ti fi srovsdo plo Conte Eeria _DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGACKONAPUBLICACAO (CIP) CCATALOGAGAO NA FONTE. was Megara comuninoc eld, Ricardo Feros reas, Fi Lin, Marites Care ds Sans (snares ~ Curd CR, 2016 4 ibogn ISBN Ds «4809770 |. Cominco 2. Evens 3. Cia 1 rs, Risa Fema I ting von Sis, Mais lens Carmo ds, rg V. To Se copss.a7 Ince pr casiogo sensi 1; Cues ven 338 2016 ui ito des egal cot Le 1.994 de 4122004 Poti eres pari cual dass ba sem suring da Eon RV ‘Tb os da dose rsa pa Tetra RV ‘aa s94418 wawedtorzercea. be E-mail sue@edirservzombe CIRIO DE NAZARE: —~ entre-a-fé-e-o-espeticulo®s = _Mircio Conta Henrique! Darcabana de Plicido a Basilica de Nazaré 0 Citio de Nazaré ocorre em Belém do Para desde 1793. Preocupado «em dinamizar a economia local, o portugues Francisco de Souza Coutinho, governador da provincia do Pard, determinou que se realizasse uma feira Para exposigo e comercializagto de produtos agricolas e extrativistas de todos os cantos da provincia. Souza Coutinho havia pereebido a grande mo- vimentagto de pessoas no arraial de Nazaré no més de outubro, na enti periferia de Belém, por ocasito dos festejos que 0s devotos costumavam fazer em honra da santa. ” De forma estratégica, o govemnador escolheu esse periodo para esta- belecer a feira, o que indica a popularidade da devogao aquela altura, Para abrilbantar mais 0 evento, Souza Coutinho determinou que, no sibado, a jimagem da santa fosse conduzida ao paldicio do Governo, sendo reconduzida em procissdo & sua igreja na mana seguinte, Nascia assim, no dia 8 de se- tembro de 1793, 0 Citio de Nazaré (BAENA, 1969, p. 227). ‘Ao longo dos anos, muitos elementos foram incorporados ao evento, enquanto outros desapareceram. No inicio, a festa de Nazaré era organizada pela Irmandade de Nossa Senhora de Nazaré do Desterro, constituida por leigos de ambos os sexos. Mas, a partir de uma série de conflitos com os bispos do Para, especialmente D, Macedo Costa, no século XIX, a irmandade fj sendo destituida ds onganizagao (NEVES, 2009). Em 1910, foi instituida a Diretoria da Festa, que até os dias de hoje Eresponsivel pela organizagdo do Cirio. Atualmente, ela € constituida por 30 diretores, todos voluntétios, dos qusis 5 so beneméritos. Todo o tra- balho ¢ dividido entte 8 diretorias executivas:* O Presidente da Diretoria da Festa é sempre o piroco da Basilica Santuario de Nazaré, Abaixo dele esti |B fase atera conten srs ara es Litre an Ces. itn tte sea 5 tire stops seo dazu Haas oo Pryanecesgagto ena dr rede fect Pa, ew eaves lates eGeopenSoPus Eat heiganal an {7 mapa Nine Stan Naat es So estas por os TED om foe, um amen spe, aco mu sloop hae pals Eur oa, ees een ae rare so saris sep oh opto shea Poses, ann era ps emg aa atgare agen os ares nr a ates Sap ae. a Ait Franc, coda, D6 cent Ee Slag Patino cesta 6 Diretor cootdenador, leigo, que possi mandato de dois anos. Esta orga nizacao, hierarquicamente submissa ao Arcebispo (presidente do Conselho Consultivo) ead parece” d& Nazare (elretor da festa), revela como arigreja local conseguiu obter 0 controle de uma devogto de origem popular. Oficialmente, apenas homens catdlicos podem fazer parte da Diretoria da Festa, muito embora os diretores reconhegam que, na prética, 0 trabalho 6 feito pelo casal. Mizar Bonna, ex-mulher de diretor, faz referéncias a esta caracteristica da Diretoria: 1968, Marido na Diretora...a mulher...na cozinba da Barrace da Santa, 1966. Marido na Ditetora...a mulher... jéna Presidéncia da Confraria de Nossa Senhora de Nazaré, fui me intrometendo aos poucos no que cchamnava brineando de Clube do Bolinhia (BONNA, 1992, p. 111) Brincando ou nfo, 0 comentirio de Mizar Bonna toca num ponto contro- ‘verso da organizagio do Cirio de Nazaré: num evento que homenageia Maia, mulher, mde de Jesus Cristo, considerada a “Rainha da Amazénia”, as me Theres ficam de fora da composigio oficial da Diretoria da Festa, Por outro Jado, 0 comentirio revela a atitude feminina de “intromissio”, minando, aos poucos, a estrutura do que ela chamou, “brincando”, de “Clube do bolinha’’ ‘O que atualmente conhecemos como Festa de Nossa Senhora de Nazaré compreende um conjunto de eventos que sto preparados a0 longo de todo ano. A festa propriamente dita tem inicio em setembro, com as chamadas Peregrinagdes de Nossa Senhora.” Em setembro, portanto, a capital paraense comega a entrar “no clima” do Citi. “Os momentos mais expressivos do Cirio so constituides por duas grandes procissdes a primeira se chama Trasladago, quando a imagem da santa” é com Guzida do Colégio Gentil, situado préximo Basilica Santudrio, até a Catedral ‘A Trasladagao se faz na noite do sibado que antecede a procissdo principal. No domingo ocome a Procissfio Principal do Citio, quando a imagem da santa é {Tre ss Soto cart cara a cr oe dacs ore Arian da lin ant ‘Doses test caro No rao wages torts et operate acon Op" (rte cals apron eet com isos rats. ‘a Duss lf omaponau lea sn char Pn chanodace ‘ge, oo mas ra cst si Bed bleconesia wien dh ara Fes gaan ivac ete uno Maza Dr dat Ss mgan ua, pao lr gece Nr perce > Cage Ge Ems 6 st 12 ee sovuerova ox mane, hata ce Poin ge # ds, anda as st ‘pours ie snchon Che deat APrepre pss Se. conduzida de volta da Catedral até a Basilica Santudrio de Nazaré.*!A imagem é conduzida ern uma Bernd que, por sua vez, é atrelada a uma Corda, o pont mais disputado pelos devotos pare pagamento de promessas.——~~ =~ Uns acompanham a procissio desde o inicio, seja & frente, atris ou a0 redor da Berlinda. Outros, porém, ficam parados nas Taterais das ruas, “es- perando a santa passer”. Dentre os eatros, uns servem para o recolhimento de “ex-votos” das promesseiros,™ enquanto outros lembram milagres atri- hnuidos a Virgem de Nazaré. Estudantes de escolas piiblicas e particulares de Belém acompanham 0 cortejo entre os pelotées, muitos deles pagando promessas, geralmente pedidos de aprovacao no vestibular. PPassagem da Berlinda com a imagem da Virgem de Nazaré, Cirio de 2013, aii Posner oot sc en et oars ane agenat $s Gaara saa oar ga ates et See pone er eat ‘eine sence ee repr sons ceesrst oP como aehn crane oh a Tezespanemimateagn taux reo ret omomrarccae Caraponhon iB nbn ences te bepress ten Serer Seer oe‘ (rcs hat 8 0 3 1 ree iam aor St, a at dienes 5 Sep nds Oa ta pte ra 5, Be emai Dia ie gn di sn ae te (4 Greunin sp rinsensrer omg taro aan pte opoqeners s one So wpeos prrodeupmencea Goce ones came poorer lx eben peas renner, mrs opts one ee. 22 Sto estas as duas procissdes que recebem o maior mimero de devotos. No entanto, varios outros eventos alteram a rotina da cidade. Oficialmente, ~ a Diretoria da Fesia reconbiece onze romarias como’ parte da ptogramagio do Ciro. A maior delas é chamada Traslado para Ananindeua, realizada na sexta que antecede a Procissfo Principal do Cirio, percorrendd 55 km, com impacto direto sobre trés cidades: Belém, Ananindeua e Marituba ‘Toda essa movimentagdo, envolvendo mais de dois milhdes de pessoas nas ruas de Belém, exige gigantesco aparato de organizayio e mobilizagio da Diretoria da Festa, juntamente com diversos érgios publicos, No Cirio de 2013, os maiores efetivos foram da Cruz. Vermetha (12.500), Policia Militar (6.100), Guarda de Nazaré (2.000),* Corpo de Bombeiros (1.400), Exército (1.300), Defesa Civil (1.000), Aerondutica e Policia Rodovidria Federal (550 cada um) (ROTEIRO DE EVENTOS, 2013)” O evento também envolve centenas de funciondrios de drgios de trinsito e de saiide, municipais, esta- duais e federais ( orgamento do Cirio de Nazaré 2013 foi o mais caro da histéria, com custo total de RS 2.848.200,00. Esse montante € arrecadado a partir de do- agdes de dois grupos, os Patrocinadores ¢ os Apoiadores. Parte da arreca- dagto é investida nas obras sociais desenvolvidas na paréquia de Nazaré, que inclui projetos de inserga0 no mercado de trabalho, atendimento labora- torial, ereches infantis e distribuigio de sopa. ‘Durante as procissbes ruas sfo interditadas, éreas sfo isoladas, o tinsito 6 desviado, 0 estacionamento de veiculos em certas éreas é proibido, ven- dedores ambulantes sto retirados de seus pontos de venda, passarelas so fechadas & circulagdo de pedestres, 0 fluxo de ciclistas é limitado, Ocorrem frequentes queimas de fogos, tanto em funeaio de homenagens durante as pro- cissdes oficiais, quanto por moradores nos mais diversos bairros de Belém. ‘Os hots ficam superlotados de turistas, mas a grande inaioria dos visi~ tantes fica hospedada em casa de parentes ou amigos na cidade, A principal preocupagio dos érgios envolvidos na organizaglo do Ciro & garamtir a se- jguranga dos romeiros e a pacifica realizagfo do evento. Prova desse euidado 0 fato de se fazer a limpeza da leito das ruas do percurso do Cirio, visando ® {BW pa ns kn Rea Raa (4k oma Pai 1S0 moh, Mo Rear Ir Tata (2780, Proomao Pres oC), Ce Romaa 1300 Rosia ue {ot mars cn Crares 20m, Posen ca aes 400 i eco OES tn) savor Name atu om 9 ensue po vnc ovr rasan dasa, 0 rebel cr po aber carsnge Ss Cut deans vest (Siatuato mene coo pare ogra spud exereze pa oxen dsc excel °° frvesimogn das aes (4,205), Seog ge te, stl Dade Fests ce Maz. curptet ctu 0 ea Ee 21% (cn tne uno 5 pores © 2 spel cre un arn an espe, aoe es. \oriatspraure renc elige anes sorgy re eel mrss roo FS eguola cans oa es PATROGNIGORES.- 2079). as retirada de vidros e outros objetos cortantes, a fim de se evitar acidentes com os promesseiros da Corda, que geralmente acompanham a procissto descalgos, Da mesma fornis;determinta-se- a utiizayau-de-maieriais-descartéveis nas festas que ocorrem préximo do percurso do Ciro, como a Festa da Chiquita. Durante a Trasladagio e Procissio Principal do Citio, diversos postos de aten- timento médico so montados para acolher as pessoas que passam mal, geral- mente desmains devido ao forte calor ou @ falta de alimentagdo. No periodo da Festa de Nazaré 0s pregos dos alimentos ¢ servigos softem aumentos, ensejando reclamagSes dos moradores, principalmente a respeito de produtes bésicos do tradicional Almogo do Cirio: pato, tucupi {suco extraido da mandioca), jambi, maniva (planta que produz a mandioca) «peru. A alta dos pregos faz com que nem todos os devotos consigam rea- lizar 0 Almogo do Cirio nos moldes tradicionais,” com todos os ingredientes tipicos da culinéria regional. Até o presente momento, pode-se dizer que ‘orzanizagdo do Cfrio de Nazaré tem sido bastante competente, de modo que, ‘mesmo reunindo uma multidao nas ruas de Belém, que hoje alcanga a cifra de mais de dois milhGes, nfo se tem néticia de incidentes mais graves ou de :mortes ocorridas durante 0 Cirio de Nazat ‘Quando “os que mexem com o turismo” mexem com 0 Cirio © Cirio de Nazaré de Belém do Pari sempre esteve associado a ideia dde multidio, Em 1886, estimou-se que “perto de 8.000 pessoas acompa- nharam a grandiosa romaria,..” (FESTA DE NAZARE..., 1886, p. 1). Dez anos depois, em 189, caleulou-se mais de 20.000 pessoas na procissto. Neste ano, a romaria sau da Tgreja da Sé por volta de 8:30 e chegou a ireja de Nazaré, ponto final do trjeto, por volta de 11:00 (ECOS E NOTICIAS... 1896, p. 2). ‘ fanace ate7, csanena gop tonsseusi een tiem an evi cate donee ‘Senna tne nage esheets Mex mn c emerge Vie Mua. a [ioranae osha a uae Poet Pipa Cie aanzs en ats socanafoba Pr rt Pees Repitea A Fson Colo # meres po oad Fecone rojas wana 70 Cos ois cme ost shat arma ch nl Basa Suede Nac Eo nena ‘erode fiow arg om ras on moses, ula eb ori, Sip canideed rtos tds ase see poarotung erent, 206 {Cine em 1895 (NOTA... 1877, 9.5) crescimento maior no nimero de participantes no Citio de Nazaré ocorren ao longo do século XX: em 1951, a estimativa foi de 200 mil (SALVE... 1951, p. 1). Em 1969, “uma multidgo de ealculadamente 300 mil pessoas...” (O MAIOR CIRIO..., 1969, p. 1). Em 1970, com a parti pagaio do presidente Emilio Garrastazu Médici, falou-se em “quinhentas mil pessoas, ein marcha lenta, aqui e ali serpenteando com a corda” ( CIRIO ETERNO..., 1970, p. 1). De acordo com Isidoro Alves, referindo-se nos Cirios de 1974-1975, “para a populacfo de Belém, estimada em 800 mil habitantes, isto significa que perto de % desse total participam do Citio” (ALVES, 1980, p. 31). Em 1989, estimou-se mais de um milhio ([NOTA...} 1989, p. 8). Eem 2013, a estimativa foi de 2milhBes e 100 mil pessoas (CIRIO DENAZARE..., 2014). ra, ocome que, se o niimero de participantes no Cirio de Nazaré é maior ‘cada ano, o percurso da procissdo sofieu poucas alteragdes ¢ as ruas da cidade de Belém nio se elargam a cada ano para receber tanta gente, De certo modo, 13 moradores esto acostumadas as alteragdes causadas pelo Citio, o que nile significa que todos fiquem satisfeitos com isso, conforme veremos mais adiante Segundo dados do IBGE (2014), a populagao atual de Belém & de ceree de 1,425,922 pessoas. Considerando a estimativa de pessoas que participarain MEGAEVENTOS, COMUNICAGAO E CIDADE 238 do titimo Cirio (2 milhées € 100 mil), é como se toda a populagfo da cidade decidisse sair ds ruas ao mesmo tempo, ou melhor, as mesmas ruas que equi= vvalem ao percurso da procissio. A Certamente que este fendmeno tem a ver com o aumento da populago € com a melhoria do sistema de transportes no Brasil. Mas, existe um dado que, apesar de silenciado pelos que organizam o Ciio, constitui um dos principais responsiveis por esse fendmeno: a apropriagdo do evento pela in- dstria cultural ¢ sua consequente transformagao num espetéculo.”! Fago uso da nogdio de “espetéculo” de acordo com Guy Debord. O espetéculo é uma relagio social entre pessoas, mediatizada por imagens, que opera na préxis social, na experiéncia do vivido, a separagdo entre a realidade e a imagem, Feito isto, o espetéculo passa a ser pensado como a finalidade da vida, o que implica numa accitagio passiva que retira os homens de sua condigao de sujeitos historicos (DEBORD, 1997). Desde 0 inicio da década de 1950 os jomais paraenses registram a chegada de turistas estrangeiros a Belém, por ocasiso do Cirio de Nazaré: “romeiros chegam do norte, do sul, de todo 0 pais e até do estrangeiro, pé, a cavalo, em ubés, transatlanticos e monstros aéreos.." (CRONICA NAZARENA..., 1952, p. 5). Certamente que, a essa altura, o mimero de turistas de outros estados brasileiros era bem maior que o de estrangeiros, As vésperas do Cirio de 1960, o articutista Nilo Franco, se referia a0 rio como “uma festa para valer turismo” (FRANCO, 1960, p. 3). No Cirio de 1964, a profeitura de Belém armou um palangue na avenida Presidente ‘Vargas para que os turistas pudessem, mediante pagamento,assistr a passagem a Procissdo Principal do Cirio ((NOTA...}, 1964, p. 6). De modo semelhante, a prefeitura mandou construi, na Praga da Republica, arquibancadas para os turistasassistirem o Camaval, em 1974 ([NOTA..., 1974 p. 5). Em 1970, os departamentos Estadual e Municipal de Turismo enco- ‘mendaram folhetos sobre 0 Citio € a cidade de Belém, com textos em por- tugués e inglés, visando conferir “uma nova dimensio ao turismo” do Pari (INOTA...}, 1970, p. 5). No mesmo dno, anunciava-se que “O Ciro s6 serd exclusivo este ano, Em 1971, todo o Brasil o verd, através da EMBRATEL” {(NOTA..1, 1970, p. 1). Matéria anénimano 4 Provincia do Pard informava, referindo-se a0 Citio, que “de mancira natural, algumas vezes, e planificada, outras, foi montado um sficiente esquema publicitério em sen tomo (sic), capaz de garantt-lhe 0 sue esse divulgagio em todo o pats e, consequentemente, atrair cruzeiros pata a Ti Slee Cine mite, ef MONTARROVOS, 2 LUE, 22 2012, 208 cidade” Além disso, matéria eomemorava ofato de o jomal O Estado de Sd0 Paulo ter divulgado em seu cademo de turismo uma matéria sobre o Citio de Nazaré ((NOTA...], 1974, p.9), ‘No camaval de 1975, uma polémica envolvendo o Cirio de Nazaré ocupou as paginas dos jomais locais. A escola de samba Unidos de Sd0 Carlos, do Rio de Janeiro, decidin utilizar o Citio como tema de seu desfile, recebendo fortes criticas do Arcebispo de Belém, Dom Alberto Ramos. Enquanto o arcebispo protestava, o jomaliste ¢ historiador Carlos Rocque comemorava: “O Pars lucrou muito com o desfile da Unidos de S80 Carlos. Principalmente o turismo paraense. Todo o Brasil cantou o Citio de Nazaré. ‘Agora, é preparar hotdis ¢ aproveitar mais ainda a propaganda de nossa principal festa popular-religiosa” ([NOTA...} 1975, p. 3). Outra matéria do ‘mesmo dia afirmava que (Citi em matiria de turismo, étalveza nossa nica font de divs, Eo gederiahaver maior publiidade do que levada a efeito por quel Escola de Samba, Atéo herr em que ocoreno desi 0s foi fvorivel: 22 horas, o que deve ter penmiido que quase todo © Brasil asistise ao grandiso espetécle (CIRIO NO CARNAVAL. 1995, p. 13), Se 0 dinheiro e a propaganda oriundos do carnaval nio eram bem vindos em 1975, anes depois Dom Alberto Ramos assinou convénio com & Fundagdo Banco do Brasil visando “uma campanla de ambito nacional part 1 divulgacio e promogo do Citio de Nossa Senhora de Nazaré” por todo © Brasil, 0 que incluia 200 mil cartazes, um filme, um livro de peregrinagio © ‘instalagdo de outdoors nas prncipais apitas brasileiras ([NOTA...} 1989, p-2). Cada vez. mais 0 Cirio de Nazaré passou a ser citado nos “cadernos de turismo” dos jomais de Belém, As vésperas da realizagdo do Cirio 200 (1992), 0 jornal O Liberal informava que a Diretoria da Festa {Quere vai dar curho interacional ao festejo, © bicentensrio do Citio deverd ganhar as paginas © espacos dos vefeulosinternacionais nos prineipais paises emissores de turismo, [.] O St. Alvaro Negri 40 [Espirito Santo acha vilida a colocagto desse *produto’ nas pratelei®s {do mercado turstico internacional ¢ da divalgagso da festa de Nos#! ‘Senhora de Nazaré que vai comegar a (RODRIGUES, 1989, p. 1) MEGAEVENTOS, COMUNICACAO E CIDADE 2 Ao contrétio do lugar-comum que sustenta a ideia de que o aumento de devotos e turistas no Cirio de Nezaré se dé unicamente por causas espi- situais ou pelo reconhecimento natural da grandeza da devogtio dos para- enses, 6 preciso reconhecer que existe todo um esforgo de setores ligados ao turismo paraense (empresérios ¢ érgios governamentais), cor @ parti- cipagdo dircta da Dirttoria da Festa, no sentido de transformar o Cirio de Nazaré em “produto turistico” vendivel, atraindo cada vez mais turstas e capital para‘ economia loca. Evidéncia bastante signficativa da sintonia da Ditetoria da Festa com esse processo 6 a participagdo da Imagem Peregrina da Virgem de Nazaté em festivals de turismo pelo Brasil, onde sao feitos, cortejos conduzindo a imagem da santa (CIRIO ABRE FESTIVAL... 20133 CIRIO NAFEIRA..., 2013). A propria imagem de Nossa Senhora de Nazaré, -one maior do Cirio, participa do agenciamento dos milhares de turistas que agregarto & sua grande festa novos significados, ameagando, inclusive, 05 sigoificados tradicionalmente aribuidos por seus milhares de devotos desde Placido, Ela se toma ou, melhor dizendo, ¢ travsformada em Peregrina-tur Poderia 0 povo, tantas vezes acusado de “desregramentos” no Cirio, de- volver a acusagao contra o clero ¢ a Diretoria da Festa? (Ona, seria ingenuidade imaginar que a transformagto do Ciro em mais, ‘um produto da indistria cultural ndo teria “efeitos perversos” (CHOAY, 2001) sobre essa prtica. Em artigo anterior, chamei atengo pars a neces- sidade de se acompanhar processo de apropriagio e deturpacto desse pa- ‘viménio pela indistria cultural (HENRIQUE, 2011). £ preciso lembrar que o Citio de Nazaré tem como base uma devosio populsr, apropriada pelo poder piiblico.” De acordo com o pesquisador nao catblico Bidorfe Moreira, 0 Cirio representa assim @ predominio de uma romaria de origem popular sobre as formulas tradicionais de origem artifical, as prociss®es ou festas reais, impostas por lei. Ao cantréti destas, quo se frmaram ert ‘consequéncia do presto oficial que as cercava, © Cirio se imps por simesmo, em virtue de sua prépria popularidade. A sua oficializagao {foi decorréncia dessa populeridade (MOREIRA, 1970, p. 2). Em “O camaval devoto”, Isidoro Alves argumeniou que o Cirio de Nazaré epende de um equilfbrio entre o aspecio popular ds festa e 0 aspecto raciona- lizador ou disciplinador da organizaglo formal do evento. A partir de pesquisa de campo feita em 1974-1975, o autor spontava para um “modelo de gestdo teenoerata” que pretendia controlar e disciplinar o aspecto popular do evento. TE Senda Grae Mites Coe Code Fars de Soea ate ere densi etd ‘aedaupopd eros gh unde ome caeeatcds Sare sens Sra CoN fer COLL p18, 298 © predominia de qualquer um dos lalos trai “um desequilibria para a festa” (1980, p. 33). De qualquer modo o Cirio “perderd em eficdcia, visto que isto depende do equilirio em suas diferentes manifestagdes” (ALVES, 1980, p. 33), © que se pereebe na histéria do Cirio é um progressivo esvaziemento de sua dimensto popular, ‘A proximidade da festa de Nazaré com o poder piblico, se por um lado garante recurso financeiro necessério para sua organizagao, pode impliear em limitagdo da autonomia dessa pritica cultural. Observando o Roteiro de Eventos do Cirio 2013, nota-se que no trajeto atual da imagem de Nossa Senhora de ‘Nazaré até a cidade de Ananindeua, a Berlinda faz uma série de paradas e em algumas delas ocorre a descida da imagem para homenagens. Ocorrem paradas cm frente a muitas igrejas, hospitas, escolas, universidades e érgtos piiblios. A Berlinda com a imagem da santa também para em frente & Rede Brasil Amazénia de Comunicagao (RBA, propriedade do politico Jéder Barbalho) ‘A parada da Berlinda com descida da imagem ocorze nos seguintes lugares: ‘Hospital Ophir Loyola, Departamento Nacional de Infreestrutura de Transportes (DNIT), Shopping Castanheira e, por fim, na praga em frente & Igreja Mattiz de Ananindeua (ROTEIRO DE EVENTOS, 2013). As “paradas da santa” revelam, portanto, a articulagdo entre as distintas esferas do poder: a politica, # econdmica e a religiosa. Deslocando-se no ‘mesmo plano, todos se beneficiam, em certa medida, da “efeita de consagragao” (BOURDIEU, 1974, p. 46) proporcionado pelo Citio de Nazaré. E verdade ue os devotos também se beneficiam das “paradas da santa”, eis que esto sempre lé, com as mdos erguidas, pedindo bénglos ou agradecendo por gracas, aleangadas da Virgem. Mas, 0 povo esta lé cumprindo papel de espectador num ‘evento de origem popular de cuja organizagdo ele foi alijado.”” A transformagao do Cirio em produto turistico, agenciada pelos érafios go- vernamentais de turismo, juntamente com empresirios desse setor e a Diretoria da Festa, também constitui séria ameaga & preservago da marca tradicional 4o Cirio. Como parte da espetacularizagio do Cirio (DEBORD, 1997), pode- -se citar a ctiago da Romaria Fluvial, em 1986, por iniciative da Companhia de Turismo do Esiado do Pari (PARATUR), estando, portanto, dirctamente ligada a interesses da indistria cultural ou do turismo.” Nao a toa, o presidente da PARATUR aquela época era Carlos Rocque, © mesmo que, poucos anos aie pil at om ss ue pt gti Sn sree on otro nears sil (2 ea clos 5 eerste Sou tes Cassie enon ea bom ek tne aad Em reas ssa cores sel seca a ‘nei an pgs ee Cole MOOSE Tt, 14 Pras avalon sarge Nos Sree az agra en a ng i (id, cng pcs Se eoacaee MEGAEVENTOS, COMUNICAGAO E CIDADE antes,.comemerou a exibigo do Citio como tema de escola de samba no Rio de Janeiro. No inicio, o aspecto turistico era reconhecido pela Diretoria da Festa, algumas vezes com certo receio. Segundo Mizar Bona, foi um pensamento de curho turistico o eriador dessa romarin, que jé se realiza desde 1986 [..]. Gragas &Nossa Senhora nfo fleou apenas atrapdo turistica tis acontecimentos[..] (BONNA, 1992, p. 147). ‘Matéria publicada em 1989 dizia ser 0 “Citio, a maior procissiio do Brasil como destino turistico” ([NOTA...}, 1989, p. 2) que ‘Comepa a set simachurecida a ideia de se fazer a romaria fluvial (que ‘desde 1986 ¢ realizada no sibado pela manhd, véspera do Citi) no Tnaagen ue et mrad pines rcp snr cre a Anan, ne 8 0. theese com ote yea cm ga nian opr napa co Sar men mea Pe, oun auctem Boon oan ope Sac mess Cort CE 20 Sass Ee Noum 9 Ghoes cannon orton eke epesen pe arabe (ORERAS8E 92 8, 08 __lutns simblicas nflo sta mera expresso das relagdes de poder: elas atyam sobre 0 campo das priticas, elas reelaboram as praticas” (SANCHEZ, 2001, 1.34). A midia incide diretamente nfo apenas sobre a forma como as pessoas ‘veem 0 Cirio, mas também na forma como elas 0 experimentam, como elas 6 vivenciam, ‘Como parte das estratégins do “Ver-o-Pard, eonsta um projeto int tulado “Sangue cor de acai”, onde se prevé a “campanha orgulho de ser paraense” (PARA, 2011, p. 85), parte do processo de construgdo discursiva de lealdades afetivas entre as liderangas politices, 0 cidadto © 0 lugar (SANCHEZ, 2001). Bste tipo de campanha cumpre o papel de amenizar a cexclusio da populagio das instincias de decisto e formulagto das polticas piblicas. Na hora da execugdo, € nevessirio criar a ilusdo do consenso ¢ da participaglo de todos.*! Curiosamente, o projeto recebeu o nome do produto cuja espetacularizagao recente tém ameagado a tradigio de seu consumo dirio por grande parte dos paraenses (RIBEIRO; FONTES, 2012). A oferta do agai em “Points do Agai” espalhados Brasil afora & exemplar quanto a sua transformago em mais um “produto” com embalagem turistica, que cempurra para cima os pregos para os consumidores locais que veer no acai muito mais que um “espeticulo” da moda. A quem cabe o direito de definit cor do nosso sangue ou a cor da nossa fe? az parte, também, da espetacularizacto do Cirio de Nazaré uma hibil engenharia do consenso, que funciona como instrumento Tegitimador das agdes dos organizadores. Assim, de longa data 0 Cio & apresentado pela midia como “festa de todos”, “festa de todos os paraenses", “o Natal dos paraenses”.A imagem-sintese oficial do Cirio é marcada pelas ideias de une- nimidade, unicidade, inquestionabilidade, consenso. Todo esse discurso & capitalizado para a consolidagio do chanado patriotismo de cidade, cuja con ‘rapartida € 0 esvaziamento da dimensio politica do evento, Nesse sentido, ‘ engenharia do consenso converge para a politica do governo do Estado in- titulada “orgulho de ser paraense”, amplamente veiculada nos rneios de co- 'municagao locais e que parte do uso da emogao como instrumento politico, como parte de uma estatégia de criagdo de identidade local (SANCHEZ, 2001, p. 44). Ocorre, assim, 2 construcao de uma relaeao emotiva e afetiva entre 0 govemo do Estedo, organizadores do Cirio e populagao, sustenteda em fortes aparatos de comunicagao. 7 foapeionaaParfrmigends ener yf oasis Temata queeeoPa ‘sen es ozo set pb, erp da wn gaa dE ‘one nemo crc apecat o rea psp cas wc a oO, 2p 7,Aupitswoseadeemgua! ebayer af cae a paea ples os ap! ress pe MEGAEVENTOS. COMUNIGAGAO E CIDADE Ey ‘As vozes dissonantes.da engenharia do consenso articulada pelo go- vyerno do Estado e Dirotoria da Festa certamente so classificadas no rol dos {que ndo amam a cidade, Assim, a clasificaglo das ameagas ao consenso slo feitas a partir de crtéris jgualmente emotivos ¢ ndo como crticas (poiticas) a0 projeto dominante. No que diz. respeito ao Cirio, constitu Iugar-comun @ ideia de que, ao contrario do carnaval carioca, por exemplo, em que grande parte da populacto sai da cidade do Rio de Janeiro, o Cirio de Nazaré se distinguiria por manter todos os moradores em Belém. Entrevistas com moradores de Belém revelaramnalgumas dessas vozes dissonantes. Diante da pergunta “O que voeé costuma fazer durante o Cirio de Nazaré?", Emani Chaves respondeu: “De preferéncia, saio de Belém, (Ou vou para Soure, no Marajé, minha cidade natal, onde tenho uma casa, Cu aproveito a existéncia de algum congresso cientifico fora do Estado ou ‘mesmo no Exterior” (CHAVES, 2013). Outras respostas para a mesma pet- ‘gunta foram: “costumo ficar em casa —estudando, me distraindo com jogos de computador para evitar esse clima de fervor teligioso ¢ os milhares de cirios paralclos que surgem da noite para o dia” (SILVA, 2013); “sair da cidade ou dormir 0 dia todo” (GAMBOA, 2013) e “viajar e ficar com a familia” (OLIVEIRA DA SILVA, 2013). ‘Ao falar em “cirios paralelos”, Gabriel Silva se refere & mullplicidede de romarias que acontecem nesse periodo em Belém, Além da Trasladagao da Procissio Principal do Citio, 0 cotidiano da cidade é alterado pela Romaria Fluvial, Moto Romaria, Traslado para Ananindeus, Romaria Rodoviéria, Romeria da Juventude, Recitio, Citio das Criangas, Cielo Romaria, Procissao da Festa e ontras homenagens tais como Auto do Citio, Corrida do Citio, Regate do Cirio, Buggy romaria, entre outras. E como sea igrejacatolica local procurasse extrair meis-valia simbélica ad infinitum do Ciro de Nazaré, Para o entrevistado Emani Chaves, “o cirio e toda a para- femnlia que o envolve representa para mim, hoje, muito mais a afirmago do catolicismo diante do avango grande dos ‘evangélicos'. & um modo de dizer ‘ainda somos a maior religido do Brasil” (CHAVES, 2013). Por outro lado, esse processo tem a ver, também, com a “engenharia cultural”, vasto empre- endimento piblico e privado, a servigo do qual trabalha grande nimero de profisionais da comunicagdo, agentes de desenvolvimento, animadores & mediadores culturais, entre outros (CHOAY, 2001, p. 212). iante da pergunta “O que mais Ihe incomoda no Citio de Nazaré?", todos os entrevistados responderam ser o trinsito que, para Gabriel Silva (2013), “normalmentejé é infernal e fica ainda pior”. Ernani Chaves (2013) se referiu ao “excesso de eventos ligados ao Cirio, que transforma a cidade, 4G normalmente cadtica, num verdadeiro inferno”. Vanessa Gamboa (2013) a0 acrescenton “a sujeira nas mas ¢.0s precas sunerfaturados das comidas © he- bbidas, por conta da entrada de tuistas na cidade”. Muito embora insatisfeitos ‘com 0s desdobramentos do evento sobre seu cotidiano, todos os entrevistados reconhecem a importincia do Cirio enquanto importante marcedor da iden- tidade do paraense e como patriménio cultural brasileiro. De qualquer modo, esas vozes dissonantes devem ser levadas em conta poraqueles que organizam 0 Cirio de Nazaré, no sentido de pensar ages que minimize seus impactos sobre 0 cotidiano de todos os moradores,catSlicos ou nao. Afinal,trata-se de ‘um bem cultural eleito patriménio cultural brasitero no por ser calico, mas por aquilo que ele revela do Brasil e dos brasileios (HENRIQUE, 2013). Muito embora o Fstado brasileiro sea laico, una lei estadual proclamou Nossa Senhora de Nazaré Patrona do Estado do Paré, merecedora de honras de CChefe de Estado (PARA, 1971). * Repartides ptblicas da capital paraense ge- ralmente exibem uma imagem de Nossa Senhora de Nazaré, sendo comuns, no més de outubro, pequenos “cirios” no inferior de muitas delas, como acontece com 0 “‘Cirio dos servidores da Cémara Municipal de Belém”. At€ 0 inicio do século XX, ainda era possfvel ver nas publicagdes sobre © Citio de Nazaré verstes conflitantes sobre o mesmo episédio. Exemplo disso € a publicagio da obra "A devor&o a Vingem de Nazaré, em Belém éo Para”, do padre Floréncio Dubois (1953), em que o religioso apresenta 2s diversas vers®es existentes sobre 0 encontro da imagem da santa ou sobre Plicido. Com a massiva ‘repeticao de informagdes pela midia, a partir da ‘dgcada de 1970, inclusive em encartes especiais sobre o Citio nos jomais locais, foi se constituindo uma espécie de verdade tinica sobre a histéria da devogto. Contrib para isso outro lugar comum que afirma que o Cirio nfo pode ser explicado, apenas observado, sentido. Einecessério distinguir entre as préticas tradicionais no Citio de Nazaré que so reveladoras da cultura e da identidade brasileira © aquelas ditadss pelo imperativo da moda. Tanto umas quanto outras so, num certo sentido, ““inventedas", mas sob pontos de vista diferentes, A espetacularizagio empo- brece a tradigdo e a experiéncia da fé, além de correro risco de transformat ‘© Citio num produto cuja embalagem esté muito distante do que ele significa para os devotos que mantém essa tradicio hé mais de 200 anos. A hist6ria do Citio de Nazaré tem algo que Ihe € peculiar: tradicional- mente definidos como “turba”, “massa”, “multidfo”, os devotos (ou niic) ‘nunca assistivam passivamente as tentativas de implantar mudangas no Citi. 2 Aeratezeracis urea ved oJ Buta cm Tuomas dts HS resto here assign azo Ms uPors S pee Saabs frre wu rancrve® aie PROIETODR SHA. Tn MEOMEVENTOS, COMUNIGAGAO E CIDADE pear Mitas.vezes a voz popular foi vencida, sufocada, mas nunca deixou de ser ranifestada, Foi assim quando tentaram retirar a Corda, quando trocaram a Berlinda tradicional por outra considerada mais moderna ou quando Dom Macedo Costa proibiu os festeos, no século XIX, ¢ a populagdo invadiu as portas da igreja de Nazaté, rezando ladainhas por conta propria. No Citio de 2013, um eatélico andnimo envio mensdgem eletrénica ao jomalista Hamilton Gualberto, de O Liberal, manifestendo sua insafisapio com 0 emiorme nimero de prociss6es denominadas “Ciro”, Relatou Gaulberto: ‘de todas, a que sofre maior resisténcia € 0 Cirio Fluvial. Diz. ineon= formado crstio que o Cirio Fluvial é mais um convescote, um recreio ‘ou um piguenique, onde as pessoas vdo comer, beber e usuffuir das ‘elezas natura da bais do Guajard, do que propriamenterezar, pregar ‘ou expressar sentimentoreligiaso (GUALBERTO, 2013, p. 2) 0 Cirio de Nazaré sempre foi polissémico, sempre fbi o resultado dos ‘muitos encontros e desencontros de miltiplas vores. Essa tem sido ¢ grande riqueza do evento e disso depende, a meu ver, a manutengo de sua vite lidade, As vozes dissonantes nos ajudam a pensar que nfo apenas a Dirctoria de Nazaré esti sujeita a0 monopélio da apaténcia imposto pelo modelo eco- indmico hegeménico atual. Este é um desafio de todos nés, Hoje, 0 Citio de Nazaré nao pertence mais apenas aos paraenses ou aos brasilciros. Ele patrimdnio cultural da humanidade, “indice de prestigio internacional” (CHOAY, 2001, p. 208). Conforme Goodey, € fundamental que @ comunidade “decida sobre aquilo que deseja compartithar & 0 que deseja guardar s6 para si; € que es- colha onde e como deseja que esta troca ocorra” (2002, p. 55). Quanto mais distante a Diretoria de Nazaré estiver do povo, mais o Cirio perder em vi- talidade. Nao questiono os beneficios que o evento geta para a cidade, nem 4efendo nenhum ideal de “pureza” ou “esséncia” na ttadigfo no Cirio. O {que questiono & como a organizagio tém sido pensada ¢ executada nos til- timos anos, Afinal,o espetaculo é 0 contririo do didlogo (DEBORD, 1997). E nesse sentido que utilizo as nogdes de deturpagto e “efeitos perversos”. Se todos se referem ao Cirio de Nazaré como festa “tradicional” e valo~ rizam isso, ampliar a participagao popular na organizacdo do evento consti- tuitia retorno a tradigao. Exemplar, nesse sentido, foi a postura adotada pela diretoria da festa, em 1854, quando pensow em mudar o hordrio da realizagio da procissto para o periodo da manha, em fuelo das chuvas constantes em Belém no periodo da tarde. Os diretores da época publicaram nos jornais ‘uma nota em que anunciavam a mudanga, mas dizi: we Contudo, reconhecendo Diretoria que Festa de Nozaré send de todas, deve ser feta a aprazimento do povo e ndo 86 seu. fazendo ‘manifetogo do desejo desta renovagdo, tem por fi fazer apelo 20 sprite piblice, prgue segundo ele ¢ que a Diretoria fard ou ndo a indicadainovagéo (FESTA DE NAZARE..., 1854, p. 4 rifos mous). Penso que as palavras da diretoria da festa de 1854 expressam com mais vigor o que tentei argumentar até aqui. Um bom retomo a tradigdio para 0s diretores atuais seria a criagio de mecanismos de participacdo popular na otganizagao do Cirio, dentro de limites possiveis. Afinal, a historia nos ‘mostrou que, sem o cleto, jé houve Ciro. Sem o povo, nao, MEGAEVENTOS, COMUNICAGAO E CIDADE a3 REFERENCIAS——_— Fontes eletrdnicas: CiRIO DE NAZARE 2013, disponivel em , acesso em 18 dez. 2013. IBGE, disponivel em , acesso em 10 jan. 2014. PARATUR RECEPCIONA..., disponivel em , acesso em 18 dez. 2013, PATROCINADORES... Disponivel em , acesso em 18.12.2013. ROMARIAFLUVIAL.... disponivel em

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