Sie sind auf Seite 1von 12

117

Teoria das mediações e estudos culturais:


convergências e perspectivas*

Liráucio Girardi Júnior


Doutor em Sociologia (USP)
Professor da Faculdade Cásper Líbero e da USCS
E-mail: lgirardi@imes.edu.br

Resumo: Resgatamos o momento histórico em que a teoria das Corpo do trabalho


mediações e os estudos culturais desenvolveram-se e as catego-
rias que construíram para compreender os processos de pro-
dução de sentido. Tratamos das convergências na orientação da Na América Latina, o campo da comu-
pesquisa baseada nos trabalhos de Raymond Williams e as no- nicação sofreu profundas transformações
vas gerações dos estudos culturais com relação aos trabalhos de a partir das novas orientações teóricas que
Martín-Barbero, Canclini e Orozco. Trata-se de verificar como
podem contribuir para pesquisas sobre os novos ambientes de passaram a dominar o campo das Ciências
fruição trazidos pelas novas tecnologias. Sociais nos anos 1970-1980. Muitas dessas
Palavras-chave: teoria das mediações, estudos culturais, pro-
dução de sentido, comunicação mediada, novas tecnologias. transformações devem-se, em grande parte, à
influência de modelos lingüísticos ou semio-
Teoría de las mediaciones y estudios culturales: conver- lógicos. Além disso, a região estava vivendo
gencias y perspectivas
Resumen: Rescatamos el momento histórico en que la teoría de las
uma nova conjuntura social e política pela
mediaciones y los estudios culturales se desarrollaron y las catego- ação dos movimentos sociais, que passaram
rías que construyeron para comprender los procesos de producci- a desempenhar um importante papel nos
ón de sentido. Tratamos de las convergencias en la orientación de
la investigación basada en los trabajos de Raymond Williams y las processos de democratização e luta contra as
nuevas generaciones de los estudios culturales en relación con los ditaduras. Tratava-se, na verdade, de verda-
trabajos de Martín-Barbero, Canclini y Orozco. Verificamos como
pueden contribuir para investigaciones acerca de los nuevos am-
deiras lutas simbólicas pela representação do
bientes de fruición traídos por las nuevas tecnologías. mundo trazida pelas novas práticas sociais.
Palabras clave: teoría de las mediaciones, estudios culturales, pro- O vínculo entre ciências sociais e comu-
ducción de sentido, comunicación mediada, nuevas tecnologías.
nicação teve início nos anos 1970 com os
Theory of mediations and cultural studies: convergences trabalhos de pesquisadores da sociologia
and prospects da comunicação na FFLCH-USP1 e com os
Abstract: This article tries to look back on the historic moment
in which the theory of mediations and the cultural studies de-
veloped and the categories that they built in order to unders-
tand the processes of sense production. It tries to deal with the *
Trabalho apresentado ao Núcleo de Pesquisa “Teorias da Co-
convergences of orientation in research based on the works of municação”, durante o XXXI Congresso Brasileiro de Ciências
Raymond Williams and the new generations of Cultural Studies da Comunicação, realizado na cidade de Natal-RN, de 2 a 6 de
as related to the works of Martin-Barbero, Canclini and Orozco. setembro de 2008.
It is concerned with how they can contribute to researches about 1
Gabriel Cohn, Maria Arminda do Nascimento Arruda, Orlan-
new environments of fruition brought by new technologies. do Miranda e Sérgio Miceli. Para Gabriel Cohn (1973), o grande
Key words: theory of mediations, cultural studies, sense pro- pioneiro nessa área, tratava-se de uma análise sócio-histórica das
duction, mediated communication, new technologies. relações entre os sistemas simbólicos e os sistemas sociais.

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
118

novos direcionamentos que a antropologia Williams reposiciona, também, a manei-


passou a dar à noção de cultura popular. ra de pensar a relação entre tecnologia e prá-
Embora não seja esse o objetivo deste ar- ticas sociais, a partir de seus estudos sobre a
tigo, é preciso lembrar que a transição dos televisão. Sua análise do desenvolvimento das
estudos sobre a cultura popular para os tecnologias de comunicação está vinculada a
estudos de comunicação mediada aparece um conjunto de transformações históricas que
em um momento muito particular tanto marcaram a sociedade moderna. Entre elas,
na Europa quanto na América Latina. encontra-se a complexa instauração de uma
mobilidade privatizada centrada no lar na qual
revistas, jornais, telefones e televisões encon-
O grande salto é a tram “seu lugar”. Como observa Williams, o
desenvolvimento do broadcasting adquire uma
introdução do leitor forma cultural no interior dos conflitos de uma
como produtor de sen- ordem capitalista e de uma nova forma de or-
tido e não apenas um ganização do cotidiano e da sociabilidade. É
objeto submetido aos nesse contexto que os “meios de comunicação
efeitos de uma ação de massa” adquirem um sentido social.
comunicativa externa O mundo urbano moderno havia gerado
duas tendências aparentemente contradi-
tórias: uma maior mobilidade e, ao mesmo
tempo, a produção de um lar auto-suficiente.
Em 1964, na Inglaterra, um grupo de Se o primeiro processo de grandes investi-
pesquisadores, entre os quais se destacam mentos em tecnologias públicas de eletri-
Raymond Williams e Richard Hoggart, cria ficação (iluminação pública) e expansão de
o Centro de Estudos Culturais Contemporâ- rodovias e ruas já havia sido implementada,
neos, ligado à Universidade de Birmingham, surgia, em outro momento, um tipo de tec-
e modifica radicalmente a maneira pela qual nologia para o qual não se tinha um nome
estavam sendo tratados, até então, a análise adequado ainda, uma tecnologia que se dire-
dos meios de “comunicação de massa”. Em cionava para um modo de vida centrado na
primeiro lugar, Williams começa por des- casa. A ampliação das distâncias entre o local
construir o termo “massa”, recolocando-o de moradia e o de trabalho, a melhoria relati-
em uma chave histórica: va da renda e a conquista de menores jorna-
das de trabalho começaram a transformar a
O elemento mais inquietante da comple-
experiência social, voltando-se para o apro-
xidade da massa ou das massas, em seu
uso contemporâneo, são suas implicações veitamento do tempo disponível despendido
sociais em sensível oposição. Para se enga- no lar por uma parcela considerável da popu-
jar no trabalho de massa, para pertencer lação. No interior desses processos sociais:
às organizações de massa, para se valer
de encontros de massa e movimentos de A nova tecnologia de “consumo” que alcan-
massa para viver completamente a serviço çou seu estágio decisivo nos anos 20 serviu
das massas: estas expressões são de uma a este complexo de necessidades dentro de
tradição revolucionária. Mas, para estudar certos limites e pressões. Houve melhorias
o gosto das massas, o uso dos mass me- imediatas nas condições e eficiência do lar
dia, o controle do consumo de massa, para privatizado; houve novas facilidades no
se envolver na observação de massa, para transporte privado, entregas em domicílio;
compreender a psicologia das massas ou e então, com o rádio, houve uma facilidade
a opinião das massas: estas expressões são para um novo tipo de inputs sociais: notí-
de uma tendência política e social oposta cias e entretenimento trazidos para o inte-
(Williams, 1988:196). rior do lar (Williams, 1990:26-27).

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
119

Stuart Hall dirigiu o Centro de Estudos 1950 e 1960 o popular era pensado como im-
Culturais Contemporâneos de 1968 a 1979, portante categoria na busca de uma identidade
período em que publica o clássico ensaio “En- nacional, agora, com a presença de um merca-
coding/Decoding” gerando uma considerável do de bens simbólicos em expansão, a questão
polêmica no período. Posteriormente, Hall do nacional-popular era acompanhada da dis-
destacou que o seu objetivo era contrapor-se cussão cultura popular/indústria cultural.
ao tipo de pesquisa realizada pelo Centro de Ao mesmo tempo que se publicavam di-
Pesquisa em Comunicação de Massa da Uni- versas traduções de ensaios de Adorno (e,
versidade Leicester, um centro bastante con- conseqüentemente, diversas leituras redu-
servador nos estudos dos meios de comuni- cionistas da teoria crítica, apoiadas basica-
cação. Por meio do artigo, Hall mostrava que mente em alguns de seus escritos), para um
diversas camadas de significados abriam-se conjunto de pesquisadores, sua concepção da
nos atos de fruição produzida pelos leitores indústria cultural parecia inadequada para
em seus processos de apropriação dos con- representar o que estava acontecendo com
teúdos e formas representadas nos meios de as novas práticas midiáticas dos movimentos
comunicação mediada, destacando o seu ca- sociais (rádios comunitárias, rádios livres,
ráter multireferencial (Hall, 2003:354). reestruturação da imprensa sindical, greve
As representações, os textos, os discursos dos jornalistas etc.). O “povo” encontrava
estariam diretamente relacionados a certos formas alternativas de participação política
mapas de significados que permitiriam aos direta, ganhando visibilidade nos meios de
agentes sociais interpretar, conhecer, reco- comunicação quando tudo parecia monoli-
nhecer, contestar e agir no mundo social. ticamente controlado.
As condições sociais, ideológicas e políticas Em um primeiro momento, sob influ-
desiguais experimentadas por esses mesmos ência de Victor Turner e Geertz (Durham,
agentes no mundo social constituem as re- 1977) e do impacto dos pioneiros do que
presentações que se objetivam nesse mundo veio a se chamar, posteriormente, de “estudos
e nelas são constituídas por meio da práxis. culturais” ingleses (Richard Hoggart, 1973;
Nesses mapas de significados, produzidos Raymond Williams, 1969), a antropologia
pela fruição cultural, encontra-se uma estru- desloca a concentração de estudos (marxis-
tura em dominância, capaz de impor certas tas) focados na fábrica para um conjunto de
regras performativas, regras que sinalizam práticas culturais populares centradas nos
competências e usos dominantes e legítimos bairros e nas formas de consumo cultural
na sua interpretação. O trabalho interpretati- dessa população.
vo enfrentaria com maior ou menor intensi- O atual destaque que a antropologia ad-
dade uma situação de dominância simbólica. quiriu nos estudos de comunicação e nos es-
Essas mudanças no entendimento do pro- tudos culturais tem, portanto, uma história.2
cesso de comunicação terão, também, conse- Aqui pode ser encontrada uma das mudanças
qüências importantes nas pesquisas da teoria que marcarão profundamente o pensamento
das mediações no contexto latino-americano. latino-americano e terão conseqüências im-
No caso brasileiro, a emergência de novos portantes na teoria das mediações.
sujeitos sociais em um contexto de expansão Trata-se da “ponte” estabelecida entre
dos meios de comunicação sob censura (Ortiz, os estudos de cultura popular e os estudos
1989), em um processo de modernização con-
servadora e autoritária, impulsionou diversos 2
Cultura e comunicação são categorias que apresentam graus
agentes e cientistas sociais a pensarem o sig- de generalidade semelhantes, capazes de abranger quase tudo o
nificado dessas novas práticas, isto é, a refletir que existe no mundo social. Quanto aos primeiros ensaios de
aproximação entre essas áreas, ver as obras de Edmund Leach,
sobre as características e o papel histórico dos de 1976, Cultura e comunicação, e A situação negligenciada, de
“novos movimentos sociais”. Se até os anos Erving Goffman, que é de 1964.

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
120

sobre a indústria cultural que ganhou força da recepção”. A indústria cultural passa a ser
na América Latina por meio do trabalho de vista como um espaço de lutas simbólicas,
Martín-Barbero e da chamada “teoria das um espaço de reapropriações a partir de uma
mediações” (ou teoria “culturalista” da co- experiência particular do cotidiano.
municação), como pode ser identificada na García Canclini, seguindo algumas reo-
citação abaixo: rientações da antropologia produzidas por
Mary Douglas (2004), passa a tratar a produ-
Na redefinição da cultura, é fundamental a ção de sentido no mundo dos objetos a par-
compreensão de sua natureza comunicati-
va. Isto é, seu caráter de processo produtor
tir de uma teoria sociocultural do consumo,
de significações e não de mera circulação na qual o processo de apropriação do senti-
de informações, no qual o receptor, por- do, em condições sociais desiguais, aparece
tanto, não é um simples decodificador da- como demarcador da distinção, integração
quilo que o emissor depositou na mensa- e de diversidade simbólica (García Canclini,
gem, mas também um produtor. O desafio 1992, 1996).
apresentado pela indústria cultural aparece
com toda a sua densidade no cruzamento
Essa “teoria sociocultural do consumo”
dessas duas linhas de renovação que ins- seria, por natureza, multidisciplinar. Ela de-
crevem a questão cultural no interior do veria contemplar não apenas os processos
político e a comunicação, na cultura (Mar- de racionalização econômica geradas no in-
tín-Barbero, 1997:287). terior das grandes corporações por meio de
planificações e estratégias de marketing, mas
Nessa iniciativa, produz-se um reposicio- os processos de apropriação por parte da au-
namento de uma série de questões levantadas diência e dos usuários desses bens. A relação
pelas novas práticas dos movimentos sociais. entre consumo e cidadania começava a ficar
Os processos de dinâmica cultural (Durham, cada vez mais visível e o antigo espaço de “re-
1977), as novas formas de resistência produ- produção” da força de trabalho transforma-
zidas no cotidiano, os hibridismos culturais va-se, também, em um espaço de produção
(García Canclini, 1998), além da reavaliação e apropriação simbólica em meio ao qual a
do espaço doméstico e das atividades cotidia- produção social de sentido era negociada.
nas de recepção diante da indústria cultural e García Canclini critica a ênfase dada por
do consumo marcaram a ação de um conjun- Bourdieu ao aspecto distintivo do consumo
to de pesquisadores latino-americanos. (identificador de marcas distintivas entre os
Essas mudanças terão um significado agentes sociais) e procura mostrar que ele
importante no entendimento da produção também produz um espaço de integração e
social de sentido mediada pelos meios de co- de comunicação (um espaço de representa-
municação. Seguindo uma tendência muito ção das desigualdades, dos desejos, da histó-
forte na teoria literária, na lingüística e nos ria de um grupo social).3 Como destaca:
estudos culturais, a comunicação deixa de ser
pensada como um processo linear de trans- Contudo, nessas pesquisas costuma-se ver
missão muitas vezes centrada nos meios ou os comportamentos de consumo como se
só servissem para dividir. Mas se os mem-
no “texto”. O grande salto, influenciado pela
bros de uma sociedade não compartilhas-
“estética da recepção”, é a introdução do lei- sem os sentidos dos bens, se estes só fossem
tor como produtor de sentido e não apenas compreensíveis à elite ou à maioria que os
um objeto submetido aos efeitos de uma utiliza, não serviriam como instrumentos
ação comunicativa externa. de diferenciação (...) Logo, devemos ad-
O impacto dessa mudança de avaliação na
literatura foi deslocado para os meios de co- 3
Em outro momento, desenvolvi uma crítica a essa posição
de García Canclini a respeito da sociologia de Bourdieu. Ver:
municação pelos representantes latino-ame- GIRARDI JR, L. Pierre Bourdieu: questões de sociologia e co-
ricanos da “teoria das mediações” ou “teorias municação. São Paulo: Annablume, 2007.

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
121

mitir que no consumo se constrói parte da Por meio dos rituais, dizem Mary Douglas
racionalidade integrativa e comunicativa de e Baron Isherwood, os grupos selecionam
uma sociedade (García Canclini, 1996:56). e fixam – graças a acordos coletivos – os
significados que regulam sua vida. Os ri-
As noções de consumo cultural, recepção tuais servem para “conter o curso dos sig-
e usos sociais dos bens simbólicos produzi- nificados” e tornar explícitas as definições
dos pelos meios de comunicação (Cantú; Ci- públicas do que o consenso geral julga
valioso. Os rituais eficazes são os que uti-
madevilla, 1998) passam a circular nos meios lizam objetos materiais para estabelecer o
acadêmicos como indicação de um novo sentido e as práticas que os preservam. (...)
modo de se pensar a indústria cultural nas Consumir é tornar inteligível um mundo
sociedades latino-americanas. Por “consu- onde o sólido se evapora. Por isso, além de
mo” pode-se entender o “conjunto de proces- serem úteis para a expansão do mercado
sos socioculturais nos quais se realiza a apro- e a reprodução da força de trabalho, para
nos distinguirmos dos demais e nos comu-
priação dos produtos”, condições de acesso e nicarmos com eles, como afirmam Douglas
controle sobre a produção e circulação dos e Isherwood, “as mercadorias servem para
bens culturais, acesso aos meios e equipa- pensar” (García Canclini, 1996:59).
mentos necessários para isso etc.; por “recep-
ção” pode-se entender um modo particular
de consumo dos meios, o ato de ver televisão, O interlocutor produz
ouvir o rádio ou ler o jornal, que envolve a
produção e negociação de sentidos.
uma “atitude responsi-
Embora não possam ser considerados va ativa”, pois o pro-
como “momentos” diferenciados do proces- cesso de interpretação
so de produção de sentido, é o “uso social” obriga-o a se “posicio-
dos meios e seus textos que integra a expe- nar” no universo das
riência cultural ao mundo da vida e permi- trocas simbólicas
te a negociação de sentido entre os textos e
as práticas sociais cotidianas. Sobre a lógica
dos usos sociais dos meios de comunicação,
Martin-Barbero observa: “Enquanto uma O próprio processo de produção dos bens
classe normalmente só pede informação à simbólicos também pressupõe o seu pro-
televisão, porque vai buscar em outra parte o cesso de consumo. Como observa Bakhtin
entretenimento e a cultura – no esporte, no (1997), a enunciação pressupõe um auditó-
teatro, no livro e no concerto –, outras classes rio e enreda-se a um conjunto de outros tex-
pedem tudo isso só à televisão” (1997:301). tos já produzidos. O grande erro das teorias
Essa experiência marcada por processos de da comunicação consistia em considerar o
consumo, recepção e usos sociais dos bens locutor de um modo isolado, ignorando que
simbólicos no cotidiano institui-se por um a presença do outro, do interlocutor, da au-
complexo campo de mediações. diência, é fundamental na produção de qual-
A influência de Mary Douglas é marcante quer enunciado. O interlocutor produz uma
no trabalho de García Canclini. Inicialmente, “atitude responsiva ativa”, socialmente ativa,
ao mostrar que o consumo “é bom para pen- pois o processo de interpretação obriga-o a
sar”, retoma uma célebre afirmação de Levi- se “posicionar” no universo das trocas sim-
Strauss a respeito da importância das trocas bólicas, concordando ou discordando com
e da reciprocidade nas sociedades humanas. o que foi dito, ignorando-o, complementan-
Por outro lado, essa influência também pode do-o, adaptando-o.
ser encontrada na ênfase dada ao aspecto ritu- “O locutor postula esta compreensão res-
alístico dos processos de consumo cultural: ponsiva ativa”, observa Bakhtin. Além disso,

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
122

vincula-se a enunciados anteriores que mo- comunicação, ou em qualquer outra esfera,


biliza, reelabora, critica, transformando-se depende de um conjunto de constrangimen-
em mais um em elo da cadeia complexa de tos no que diz respeito aos objetivos, concep-
enunciados. Os gêneros televisivos são umas ções estéticas, gêneros, regras deontológicas,
entre outras tantas mediações que permitem “equipamentos” disponíveis, orçamentos etc.
ao produtor e aos canais de televisão man- A produção simbólica é realizada no interior
ter alguma relação com o mundo da vida de de campos, com contextos organizacionais
seus espectadores. Para Bakhtin: muito particulares. São eles que delimitam
de alguma forma o “processo de seleção” do
que entrará ou não nesses tipos de produção
A própria existência e a maneira pela qual se relacionam com o
dos meios ­tecnológicos processo de recepção. Como já foi dito, os gê-
neros passam a ter um papel importante na
de comunicação
estabilização e na aceitação desses limites.
depende de complexas Produções simbólicas exigem, portanto,
mediações culturais seleção. Além disso, criam uma lógica pró-
produzidas pelos pria de “tradução”: roteiros, anotações de
grupos humanas campo, entrevistas, observação direta, são
traduzidas em diálogos, tabelas estatísticas,
gráficos, reportagens, perfis, documentários,
novelas etc. Sua organização no interior dos
A obra, assim como a réplica do diálogo,
visa a resposta do outro (dos outros), uma gêneros obedece a “arranjos” muito particu-
compreensão responsiva ativa, e para tan- lares, hierarquização das anotações, associa-
to adota todas as espécies de formas: bus- ções, desmembramento por capítulos etc.
ca exercer uma influência didática sobre o Finalmente, todo o processo só existe por-
leitor, convencê-lo, suscitar sua apreciação que a produção sempre terá como pressupos-
crítica, influir sobre êmulos e continua- to a existência do outro, de um interlocutor,
dores etc. A obra predetermina as posi-
ções responsivas do outro nas complexas ouvinte, audiência, recepção etc. Qualquer
condições da comunicação verbal de uma trabalho de produção simbólica envolve ine-
dada esfera da cultural. A obra é um elo na vitavelmente processos de “interpretação”. Se
cadeia da comunicação verbal; do mesmo uma imagem do possível receptor da enun-
modo que a réplica do diálogo, ela se rela- ciação (ou comunidade à qual pertença o
ciona com as outras obras-enunciados (...)
interlocutor) interfere, desde o começo, no
Em qualquer enunciado, desde a réplica
cotidiana monolexemática até as grandes processo de produção, chega-se, finalmente,
obras complexas científicas ou literárias, à razão de ser de qualquer bem cultural: o
captamos, compreendemos, sentimos o consumo, a fruição, a recepção e seus usos
intuito discursivo ou o querer-dizer do lo- sociais ou o que Bakhtin chama de “atitude
cutor que determina o todo do enunciado: responsiva ativa”. Tem-se, assim, o “processo
sua amplitude, suas fronteiras (Bakhtin,
de interpretação” (socialmente construído)
2000:298-299).
na complexa cadeia de enunciados que de-
De um modo indireto, a análise de Bakhtin finirá, provisoriamente, o sentido e o “valor”
aproxima-se da análise de Becker (1997) do bem produzido.
quando este pesquisador ligado à Escola de De certo modo, todos esses processos fo-
Chicago verifica que qualquer produção sim- ram sintetizados entre os pesquisadores la-
bólica depende do contexto organizacional e tino-americanos na noção de “mediações”.
das regras profissionais que orientam seus Além daqueles já citados, as próprias for-
produtores. Representar algo nos meios de mações sociais e culturais latino-americanas

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
123

funcionam como mediações no processo de mesma forma, nem toda forma de consumo
produção de sentido dos bens culturais, o é interiorização dos valores de outras classes.
que poderia explicar as complexas reapro- O consumo pode falar e fala nos setores po-
pulares de suas justas aspirações a uma vida
priações produzidas no processo de inter- mais digna (Martín-Barbero, 1997:289).
pretação local de produtos culturais globa-
lizados. Em seus estudos sobre telenovelas, Deslocar-se dos meios para as mediações
por exemplo, Martín-Barbero procura defi- produz um resgate da cotidianidade e do es-
nir com maior precisão o que entende pela paço de recepção doméstico (e outros espa-
expressão “mediações”. ços de interação e sociabilidade), pressupõe
Os espaços sociais, os espaços de relações reconhecer importantes contribuições de
sociais locais e suas situações de interação Bakhtin e da “estética da recepção” quanto ao
cotidianas (a casa, a vizinhança, o bairro, a processo de encontro com o outro, de troca,
escola etc.) estabelecem mediações na pro- de apropriação cultural. Produtores e consu-
dução de sentido. Os movimentos sociais, midores precisam partilhar, estabelecer pon-
por exemplo, com suas práticas e reivindica- tes entre si por caminhos que não podem ser
ções, colocaram em questão a lógica “media- controlados com total precisão pelas estraté-
centrista” ao tornarem visíveis esse complexo gias das grandes corporações midiáticas.
universo de mediações: A própria existência dos meios tecnológi-
cos de comunicação depende de complexas
Por isso, em vez de fazer a pesquisa partir mediações culturais produzidas por socieda-
da análise das lógicas de produção e recep-
ção, para depois procurar as relações de des humanas. Caso contrário, seria possível
imbricação ou enfrentamento, propomos imaginar uma tecnologia desenvolvendo-se
partir das mediações, isto é, dos lugares dos autonomamente. Tecnologias estão inseridas
quais provêm as construções que delimi- em relações de sentido e produzem novas
tam e configuram a materialidade social e a possibilidades de produção de sentidos. Desse
expressividade cultural da televisão (Mar-
modo, destaca-se a importância de Raymond
tín-Barbero, 1997:292).
Williams ao pensar a televisão desenvolven-
Esses lugares mobilizam elementos e prá- do-se no interior de uma formação cultural e
ticas relacionadas com a cotidianidade fami- histórica muito particular (Williams, 1990).
liar (espaço cotidiano no qual a TV se insere), A televisão, por exemplo, pode ser pen-
com a temporalidade social (a cotidianidade sada como uma construção tecnológica e
e a temporalidade gerada pela TV) e com a social baseada em múltiplas mediações. A
competência cultural necessária para o reco- tecnologia cria condições para trocas des-
nhecimento prático dos gêneros televisivos. A territorializadas, produzindo um campo de
teoria das mediações produz um deslocamen- experiências culturais muito específicas. O
to importante nos estudos sobre os meios de próprio desenvolvimento do design e das
comunicação ao resgatar a “cotidianidade” funções disponíveis nos aparelhos eletrôni-
como espaço de produções simbólicas que cos (diminuição de tamanho, melhoria da
merecem consideração teórica, ao transfor- recepção, funcionalidade) abre a possibili-
má-lo em um espaço de criação e não apenas dade de novos usos e apropriações no inte-
de reprodução da força de trabalho. Assim: rior do espaço doméstico e sua integração ao
cotidiano da família. É importante notar a
Na percepção popular, o espaço doméstico convergência teórica que se desenvolve entre
não se restringe às tarefas da reprodução da a teoria das mediações e as novas gerações
força de trabalho. Pelo contrário, e frente
a um trabalho marcado pela monotonia e
dos estudos culturais, particularmente, com
despojado de qualquer atividade criativa, o os trabalhos de Morley (1992) e Silverstone
espaço doméstico representa e possibilita (1991), concentrados na construção das cha-
um mínimo de liberdade e iniciativa. Da madas “tecnologias domésticas” e de uma

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
124

nova “economia moral” centrada na famí- A experiência ritualizada com a televisão


lia. Esses estudos mostram que o ambiente cria novas possibilidades de identificação e
comunicacional produzido pela televisão é construção de comunidades virtuais e víncu-
tanto tecnológico como social e que as me- los mais ou menos provisórios. Eles podem
diações nele presentes devem ser avaliadas ser estabelecidos por meio dos programas
com bastante cuidado como uma série de (futebol, novelas, filmes, noticiário) e de sua
práticas rotinizadas e ritualizadas, como prá- regularidade (organizando o ritmo da vida
ticas culturais. cotidiana, conferindo uma estabilidade sim-
Porém, o estudo da televisão não pode ser bólica, uma sensação de que as coisas estão
separado do uso de outras mídias no espaço no seu lugar). Como destacam Douglas e
doméstico. Embora não faça uso do termo Isherwood (2004), todo consumo envolve
“mediação” ou mesmo “ecologia midiática”, uma complexa interação entre consumidor
Silverstone parece propor estudos desse tipo e produtor e entre a inovação e a negociação
na análise das interações em torno da mídia de seus próprios significados.
no espaço doméstico. De um lado, observar Nesse sentido, essa nova geração dos es-
a dinâmica interna das práticas midiáticas tudos culturais aproxima-se muito das aná-
domésticas distribuídas entre variáveis como lises latino-americanas sobre as mediações.
idade, gênero, tamanho da família, condi- Para Morley e Silverstone (1990), existem 4
ção social e por outro lado, relacioná-la à importantes dimensões a serem abordadas
dinâmica externa de consumo cultural, uso nos estudos das tecnologias de comunicação
de bens e serviços, acesso a financiamentos e entretenimento (basicamente, a televisão):
e recursos culturais. A televisão é uma tec- a) o significado da televisão não está no ato
nologia que articula dois grandes processos de ligá-la, mas na sua inclusão às atividades
de produção de significados e produz uma rotineiras e ritualizadas centradas no lar; b)
“economia de significados” muito complexa, a televisão está inserida em um campo de ex-
identificada da seguinte forma: a) ela pode periências (traduzido no interior do ambien-
ser vista como um demarcador do estilo de te doméstico e nas relações sociais externas)
vida e, ao mesmo tempo, abre a possibilidade que é mobilizado no processo de interpreta-
para o acesso simbólico a um vasto conjunto ção dos espectadores; c) os graus de envolvi-
de estilos de vida; b) ela produz um conjun- mento com as tecnologias de comunicação
to de significados mediados disponibilizados e entretenimento (televisão, telefone, vídeo,
para negociação e transformação por aque- DVD etc.) variam entre os membros da famí-
les que a ela tem acesso. lia; d) os variados modos de direcionamento
A televisão é um signo que disponibiliza ou endereçamento (“modes of address”) des-
signos. É uma mercadoria que disponibiliza sas tecnologias integram-se a contextos cul-
mercadorias. Ela exerce sua influência como turais e sociais muito particulares.
experiência privada (o ato de ver televisão) As condições de recepção, como já foram
e pública (como indicador de inclusão ao vistas, interferem nas próprias condições de
mundo tecnológico moderno). Ela deve en- produção. O mesmo pode ser dito em sentido
contrar seu lugar no espaço doméstico ao inverso. O contexto de recepção da televisão
qual se integra e, simultaneamente, reorga- interfere consideravelmente na construção do
niza o uso ritualizado do tempo nesse espaço fluxo dos bens simbólicos que os meios dis-
(início das atividades, ajustes de horário en- ponibilizam. Para que provoque um mínimo
tre o jantar e o programa preferido, o deslo- de atenção do espectador, eles devem disputar
camento da mesa para o sofá como espaço essa atenção, sua hegemonia, diante de uma
preferencial de trocas afetivas e simbólicas, série de outros eventos presentes no espaço
os conflitos sobre os programas preferidos doméstico. A possibilidade de uso de diversos
de cada um). televisores espalhados pela casa resolveu um

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
125

sério problema que transformava a sala de es- ra interna de um gênero ou seu lugar na gra-
tar em um campo de batalhas pelo acesso às de de programação (vertical na grade da rede
maravilhas e ao torpor trazido pela televisão. ou horizontal na comparação com outras re-
É preciso lembrar que, de certo modo, des), mas as condições de suas apropriações.
a própria relação dos leitores com os livros Desse modo:
inspirou a produção de uma série de “inter-
faces” (sumário, índices, manchetes, nume-
ração, a instituição do códice etc.) que ex- Produtores e consumido-
pressavam uma nova forma de organização res precisam estabelecer
do pensamento e de sua recepção mais ou
menos previsível (Lévy, 2006).
pontos entre si por ca-
Para Orozco (2005), a televisão é um meio minhos que não podem
técnico de produção e transmissão de infor- ser controlados pelas
mação, mas, ao mesmo tempo, transformou- estratégias das grandes
se em “uma instituição social produtora de corporações midiáticas
significados”. O pesquisador identifica uma
série de mediações envolvidas na relação en-
tre espectadores e as produções televisivas (e
a própria televisão como um signo do uni- Hoje se prefere falar de “roteiros” (ou
“scripts”); eles definem contextos que per-
verso sócio-midiático moderno).
mitem que o leitor integre informações do
As formas de mediação cognitiva e me- texto em encadeamentos coerentes. Têm
diação situacional, por exemplo, estão dire- ao mesmo tempo uma função de filtra-
tamente relacionadas. A recepção depende gem e de expansão. Identificar um roteiro
de um tipo de mediação baseada em scripts é “desdobrar” um leque a partir de indica-
que se ajustam a uma situação dada. A pre- ções lacunares, mas é também reduzir uma
sença dos scripts na socialização da criança indeterminação, pois a mesma ação pode
a priori participar de uma produção de
lembra muito a função dos “jogos de lingua- roteiros distintos. (...) Confrontado a indí-
gem”, identificada por Wittgenstein (1989), e cios pertinentes, o leitor ativará o roteiro
dos frames, destacados por Goffman (1986). correspondente, se sua familiaridade com
Como se pode ver: o intertexto literário for suficiente (Main-
gueneau, 1996:47-50).
Deste modo, os scripts prescrevem para o
atuante formas “adequadas”, culturalmente Esses roteiros podem ser reconhecidos
aceitas para a interação dele com os outros pelo leitor como um estereótipo genérico, isso
(...) Um script pode ser aprendido por meio
da observação de atuações específicas dos como um exemplo de um gênero (literário,
outros, ou de atuações próprias. Na medi- televisivo etc.) já conhecido, ou entendê-lo
da em que os guias podem se reproduzir como um caso “original” e “inovador”. Certas
a partir da mera observação, permitem ao produções propõem-se a ativar roteiros mais
atuante saber o que fazer em situações so- ou menos conhecidos enquanto outras “jo-
ciais novas (Orozco, 2005:32).
gam” com as suas fronteiras. Por meio dessas
Os gêneros televisivos ganham enorme mediações, o espectador ou leitor torna-se,
relevância na produção de um tipo muito de algum modo, cúmplice do autor e segue
particular de competência midiática, pois pelas indicações lacunares deixadas pelo tex-
são eles que produzem a mediação entre o to. Desse modo, ele é capaz de “enquadrar” o
sistema produtivo da mídia e a lógica dos tipo de bem cultural com o qual se relacio-
usos produzida pelos espectadores. Uma na, perceber uma mudança de rumo ou até
análise da pragmática associada aos gêneros mesmo de gêneros na grade da programação
televisivos observa não somente a arquitetu- televisiva (Eagleton, 1983:83).

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
126

Os scripts, postulados ou mobilizados sim, uma mesma comunidade de apropriação


para se assistir a um programa de televisão, pode desdobrar-se em múltiplas comunida-
são integrados às formas de mediação situ- des de interpretação (na escola, no trabalho,
acional. A relativa solidão do espectador, a no bar, no futebol etc.) conflitantes.
presença de várias pessoas no ato de recep- Se, ao ligar o aparelho de televisão, os
ção, a presença de mais de uma televisão na agentes sociais transformam-se em telespec-
casa (os limites espaciais e controle sobre o tadores, não se deixam, por isso, de serem
barulho) são mediações situacionais. pais, filhos, irmãos, patrões, empregados,
alunos, vizinhos, homens, mulheres, crian-
ças etc. A família (em alguns casos, cada vez
Estaria a sociedade menos) torna-se uma primeira instância de
mediação institucional, já que o lar é o local
diante de uma nova privilegiado para esse tipo de experiência mi-
espécie de mediação diática. Essa mediação institucional relacio-
sócio-técnica para um na-se de modo complexo com a mediação de
novo campo de pro- referência, que se caracteriza pelos diversos
duções em situação de modos de produção da identidade por gêne-
convergência digital? ros, geração (idade), etnia, orientação religio-
sa, o local de moradia e a origem geográfica
(migrações), a classe social, a profissão etc.
A presença das mediações no processo de
Sendo assim, ver televisão torna-se um produção de sentido pode ocorrer de forma
processo cultural muito mais complexo contraditória ou de modo complementar,
do que pode ser normalmente avaliado. A podem neutralizar umas às outras ou refor-
televisão ganha a vida cotidiana, ocupa o çá-las. Portanto, é preciso pensar as media-
espaço das conversações diárias, torna-se ções como uma espécie de “jogo” no interior
foco de atenção. A presença da televisão de uma economia de significados:
se faz mesmo antes de se ligar o aparelho,
Três premissas básicas orientam a análi-
dada a familiaridade que os espectadores
se da recepção televisiva. Primeira, que
já estabeleceram com esse meio, sua grade a recepção é interação; segunda, que essa
de horário e seus gêneros. Uma verdadeira interação está necessariamente mediada de
rotina midiática é instaurada, regulando e múltiplas maneiras e terceira, que essa in-
ritualizando o uso do tempo no interior teração não está circunscrita ao momento
do espaço doméstico. Se a relação com a de estar vendo a tela. O objeto de estudo,
por conseguinte, serão as diversas media-
televisão ocorre muito antes de se ligar o
ções ao “longo e amplo” processo de recep-
aparelho, essa relação é prolongada mesmo ção (Orozco, 2005:37).
depois de ele ter sido desligado. Ela ocupa
a conversa com a esposa, o conselho aos fi- As convergências e perspectivas das teo-
lhos, as piadas no trabalho, a indignação rias abordadas acima são fundamentais para
pública com a personagem e o seu papel no o estudo da comunicação, mas merecem ain-
horário nobre etc. da alguns desdobramentos.
Além disso, é preciso observar que nem Com certeza, a criação de dispositivos de
sempre a comunidade de apropriação em que recepção móveis trazidos pelas novas tecnolo-
essas mediações estão presentes coincide com gias de comunicação e entretenimento provo-
a comunidade de interpretação, uma vez que cará uma série de transformações nos proces-
o processo de produção de sentido continua sos de fruição ou recepção. Estaria a sociedade
por um tempo mais ou menos indefinido. As- contemporânea diante de uma nova espécie de

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
127

mediação sócio-técnica para um novo campo Nesse caso, como deslocar o estudo das
de produções artísticas e de informação em mediações em um contexto de tecnologias
situação de convergência digital? domésticas para um novo ambiente comu-
O acesso a conteúdos em condições de nicacional, que acena com a possibilidade de
mobilidade ou em espaços públicos como uma intensa convergência midiática por meio
cafés e livrarias redimensionará considera- de novas interfaces e redes de conexão sem
velmente a “ecologia” midiática e suas me- fio? Quais serão as novas mediações encon-
diações. Como as tecnologias de informa- tradas em contextos de intervenção, mais ou
ção e entretenimento não existem isoladas, menos direta, do próprio usuário no conteú-
elas terão de se integrar a um conjunto de do comunicacional por meio de interfaces de
outras práticas encontradas no universo interação? Como pensar os usos e apropria-
social na qual estarão inseridas, ou mesmo ções de conteúdos que não terão necessaria-
reorientá-las. mente o espaço doméstico como referência?

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins LEVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural. 2. ed. Rio de Ja-
Fontes, 2000. neiro: Tempo Brasileiro, 1985.
BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. 3. ed. MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário.
São Paulo: Hucitec, 1997. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
GARCÍA CANCLINI, N. Los estudios sobre comunicación y MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações. Rio de Janei-
consumo. Dialogos de la comunicación. Lima: Felafacs, v. 32, ro: Editora UFRJ, 1997.
1992. p. 8-15. MICELI, S. A noite da madrinha. São Paulo: Perspectiva,
________. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Editora 1972.
UFRJ, 1996. MORLEY, D. Television, audiences and cultural studies. Lon-
________. Culturas Híbridas. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1998. don: Routledge, 1992.
CANTÚ, A.; CIMADEVILLA, G. Orientación, consumo, re- MORLEY, D.; SILVERSTONE, R. Domestic communication:
cepción y uso de los medios: una propuesta de articulación technologies and meanings”. Media, Cultura and Society. Lon-
conceptual. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação: don: Sage, v. 12, 1990. p. 31-55.
recepção & consumo, v. 21, n. 2, 1998. p. 41-54. ORTIZ, R. A moderna tradição brasileira. 2. ed. São Paulo:
COHN, G. Sociologia da comunicação: teoria e ideologia. São Brasiliense, 1989.
Paulo: Pioneira, 1973. OROZCO, G. O telespectador frente à televisão. Communica-
DOUGLAS, M.; ISHERWOOD, B. O mundo dos bens. Rio de re. São Paulo: FCL, v. 5, n. 1, 2005. p. 27-42.
Janeiro: Editora UFRJ, 2004. RÜDIGER, F. Introdução à teoria da comunicação. São Paulo:
DURHAM, E. R. A dinâmica cultural na sociedade moderna. Edicon, 1998.
Ensaios de opinião. Rio de Janeiro: Inúbia, v. 4, 1977. p. 32-35. SILVERSTONE, R. From audiences to consumers: the hou-
EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. São sehold and consumption of communication and information
Paulo: Martins Fontes, 1983. technologies. European Journal of Communication. London:
GIRARDI JR., L. A sociologia de Pierre Bourdieu e o campo Sage, v. 6, 1991. p. 135-154.
da comunicação. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2004. SOUSA, M. W. de. A recepção sendo reinterpretada. Novos
GOFFMAN, E. Frame analysis. New York: Harper&Row, 1986. Olhares. São Paulo: USP, n. 1, 1998. p. 39-46.
________. A ordem social e a interacção. In: WINKIN, Y. SOUZA, M. C. J. de. A construção social de sentidos e o fenô-
(Org.). Os momentos e os seus homens. Lisboa: Relógio meno da recepção: em questão o papel dos realizadores. Fame-
D’Água, 1999. cos. Porto Alegre: PUCRS, n. 20, 2003. p. 46-56.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. WILLIAMS, R. Cultura e sociedade. São Paulo: Editora Na-
Belo Horizonte, Editora UFMG, 2003. cional, 1969.
HOGGART, R. As utilizações da cultura. Lisboa: Editorial ________. Television: technology and cultural form. London:
Presença, 1973. Routledge, 1990.
LÉVY, P. As tecnologias da Inteligência. 14ª reimpressão. São WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. São Paulo:
Paulo: Editora 34, 2006. Nova cultural, 1989.

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas
128

Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 117-127, jun. de 2009


Liráucio Girardi Júnior – Teoria das mediações e estudos culturais: convergências e perspectivas

Das könnte Ihnen auch gefallen