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MONOCULTURAS DA MENTE Parspectivas da Biodiversidade « da Biotecnologia Vandana Shiva Tradugso (@ Vandana Shiva, 2002 raed jim oso oF mows Rs Br 2p Boos io: Cyt Sie, Teron Wf, UK ad 169 in vere, Asal Highs New Jey 07 USA, ay hd Wed Sewer, 2a} acs Rd, 1 Peng, Nay, 3 Jewreson LAs iro de Mart ‘Ream Ac Aves Ani Era opnes Wisin Bustin Grete de Pras "raw Sent cape owsne Onin ‘Maumso Nok oom Wat Ect ‘Eom eltorag arnt srome S10 Lares ‘Ghewa Brno dota San Diretos Reserodos Epmrona Gaia Lrpa. (ma aivisto de Global tora Distibuidor Lida) Rua Plrapiting®i, 111-A ~ Liberdade CEP 01508-020 ~ $20 Paulo ~ SP Tel: G1) 3277-7999 — Fax: (11) 3277-8141 Exmail: gais@dialdata.com,br CColabore com a proclucao cientifica e cultural Proibida a reprodulo total ou parcial desta obra sem a autorizayto do edior. De carauodo: 2014 Sumario Apresentagao . Introdugéo .. Q)- worccuntRAS DA MENTE on (Os sistemas de saber “desaparecidos" As rachaduras da fragmentagao .. A destruigio da diversidade, vista como “erva-daninha® . : As drvores € as sementes “milagrosas” A silvieultura “social” ¢ a drvore “mnilagrosa”.. 0 evealipto .. A Revohiglo Verde e as sementes “milagrosns? A insustentabilidade das monoculturas A democratizagio do saber arenes Referencias Bibliogrificas 2. ~ BIODIVERSIDADE: UMA PERSPECTIVA DO TERCEIRO MUNDO. Acctise da diversidade ., As principais ameayas @ biodvenidata au ai 25 36 2 44 46 56 68 78 82 85 Os efeitos da erosto da biodiversidade .. 4 © bioimperialismo do Primeiro Mundo ¢ os conflitos Norte-Sul.. 100 AAs limitagdes das abordagens dominantes & preservagio da biodiversidade .. Do bioimperialismo 4 biodemocracia wn. Referencias Bibliogrificas .. 116 3 ~ BIOTECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE oo... 117 Introdugio. Biotecnologia e rscos biol6gicos Biotecnologia e riscos quimicos Biotecnologia ¢ biodiversidade Substitutos da biotecnologia e priva¢ao econdmica no Terceiro Mundo Biotecnologia, privatizagto © concentragAo sa... Biotecnologia, patentes ¢ propriedade privada dos S€F€5 VIVOS onc Apéndices ‘ Referéacias Bibliogrificas 18 132 138 . 40 M2 145, ~ 155 158 4— A SEMENTE E A ROCA: DESENVOLVIMENTO: TECNOLOGICO E PRESERVAGAO DA BIODIVERSIDADE ... 159 Introdug© 159 Desenvolvimento tecnol6gico € sustentabilidade ... 161 Diversidade e produtividade su. 163 A preservagio da semente e a roca .. 169 Gonclusio " 174 Referencias Bibliograficas . 17 5— A CONVENGAO SOBRE BIODIVERSIDADE: UMA AVALIAGAO SEGUNDO A PERSPECTIVA DO TERCEIRO MUNDO. APENDICE 1 - Conven¢ao sobre Biodiversidade, 5 de junho de 1992 ... . 189 APENDICE 2 ~ Declaragio de Johanesburgo Direitos Humanos ... . 232 Pequena Biografia de Vandana Shiva .. Bibliografia da Autora .. 1 Monoculturas da Mente Os sistemas de saber “desaparecidos Na Argentina, quando o sistema politico dominante enfrenta discordincia, reage fazendo 03 dissidentes desa- parecerem. Os desparacidos, ou dissidentes eliminados, tém o mesmno destino que os sistemas locais de saber no mundo inteiro, que tém sido subjugados por politicas de climinacdo, nao por politicas de debate € didlogo. © desaparecimento do saber local por meio de sua interagio com © saber ocidental cominante acontece em muitos planos, por meio de muitos processos. Primeiro fa- zetn o saber local desaparecer simplesmente no 0 vendo, negando sua existéncia, Isso € muito ficil para o olhar dis tante do sistema dominante de globalizagio. Em geral, os sistemas ocidentais de saber sao considerados universais No entanto, o sistema dominante também € um sistema local, com sua base social em determinada cultura, classe € género. Nao é universal em sentido epistemol6gico. & ape- has a versio globalizada de uma tradigto local extrema- mente provinciana, Nascidos de uma cultura dominadora € colonizadora, 0s sistemas modernos de saber sto, eles préprios, colonizadores. 21 Mowocuntunas on MENTE A ligago entre saber € poder & inerente ao sistema dominante porque, enquanto quadro de referéncia concei- twal, esté associado a uma série de valores baseados no poder que surgi com a ascensio do capitalismo comercial. A forma pela qual esse saber € gerado, estruturado e le; ‘mado € a forma pela qual transforma a natureza € a socie- dade geram desigualdades e dominagio, e as alternativas sio privadas de legitimidade. © poder também é introdu- ido na perspectiva que vé 0 sistema dominante no como uma tradigAo local globalizada, mas como uma tradig universal, inerentemente superior aos sistemas locais. Con- tudo, 0 sistema dominante também ¢ produto de uma cul- tura particular. Como observa Harding, Agora podemos discernir os efeitos dessas marcas cul- turais nas discrepdncias enire os métodos do saber e as visoes de mundo apresentadas pelos criadores da moderna cultura ocidenial e aquelas caracieristicas do resto de nés. As crengas favoritas da cultura ocidental refletem, as vezes de forma clara, as vezes de forma distorcida, n&o 0 mundo ‘como ele é ow como gostariamos que fasse, mas os projetos sociais de seus criadores bistoricamente identificdveis.! A dicotomia universa/local € desvirtuada quando apli- cada as tradigdes do saber ocidental € autéctone porque a wadicio ocidental € uma tadicio que se propagou pelo mundo inteito por meio da colonizagao intelectual. (© universal deveria disseminar-se imparcialmente. O local globalizador espalha-se pela violencia e pela detur- pagio. O primeiro plano da violencia desencadeada contra (98 sistemas locais de saber € ndo consideri-los um saber. A invisibilidade € a primeira raz30 pela qual os sistemas lo- cais eniram em colapso, antes de serem testados € com- provados pelo confronto com o saber dominante do Oci- 22 AfonocuLrusas pa Menre dente. A prépria distincia elimina os sistemas locais da per- cepglo. Quando o saber local aparece de fato no campo da visio globalizadora, fazem com que desapareca negando- Ihe © status de um saber sistematico e atribuindo-the os adjetivos de “primitivo" e “anticientifico”. Analogamente, 6] sistema ocidental € considerado o Gnico “cientifico” € uni- versal. Entretanto, os prefixos “cientifico” para os sistemas modernos e “anticientifico” para os sistemas tradicionais de saber tém pouca relagio com o saber € muita com o poder. Os modelos dla cigncia moderna que promoveram essas visdes derivaram menos da familiaridade com uma pritica| cientifica real e mais da familiaridade com versdes ideali-' zadas que deram a ciéncia um status epistemoligico espe- cial. O positivismo, o verificacionismo e 0 falsificacionismo basearam-se todos no pressuposto de que, ao contririo das crengas tradicionais, das crengas locais do mundo, que stio construidas socialmente, pensava-se que o saber cientifico moderne era determinado sem a mediagio social. Os cien- tistas, de acordo com um método cientifico abstrato, eram vistos como pessoas que faziam afirmagdes corresponden- tes as realidades de um mundo diretamente observavel. Os| conceitos teéricos de seu discurso eram considerados, em| principio, redutiveis a afirmagdes observacionais No entanto, a experiéncia histérica de culturas nio ocidentais sugere que os sistemas ocidentais de saber € que sio cegos a alternativas. © rotlo de “cientifico” atribui uma espécie de sacralidade ou imunidade social a0 sistema oci- dental. Ao se elevar acima da sociedade e de outros sis- temas de saber ¢ simultaneamente excluir outros sistemas de saber da esfera do saber fidedigno e sistematico, 0 sis- tema dominate cria seu monopélio exclusive. Paradoxal- mente, 08 sistemas de saber considerados mais abertos € que esto, na realidade, fechados ao exame € a avaliago. A ciéncia ocidental moderna nao deve ser avaliada, deve ser simplesmente aceita. Como disse Sandra Harding: YA mae o94CEWNS ASL; oie Nem Deus, nem a tradig@o sao privilegiados com a ‘mesma credibilidade de que desjnua a racionalidade cien- tifica das culturas modernas... O projeto que a sacralidade da ciéncia transformou em tabu é 0 exame da ciéncia exa- tamente da mesma forma que qualquer outra institigao ou conjunto de priticas sociais SEA r 24 ‘Monocurmutasion Mente A\s rachaduras da [ragmentagao Além de tornar o saber local invisivel ao declarar que no existe ou nao € legitimo, o sistema dominante também faz as alternativas desaparecerem apagando ou destraindo a realidade que elas tentam representar. A linearidade frag- mentada do saber dominante rompe as integragdes entre os sistemas. © saber local resvala pelas rachaduras da frag- mentagao. & eclipsado com o mundo ao qual esti ligado. Desse modo, o saber cientifico dominante cria uma mono- cultura mental a0 fazer desaparever © espayo das alveuati- vas locais, de forma muito semelhante a das monoculturas de variedades de plantas importadas, que leva a substi- tuigio e destruigio da diversidade local. O saber dominante também destrdi as proprias condigées para a existéncia de altemativas, de forma muito semelhante introdugio de monoculturas, que destroem as proprias condigoes de exis- téncia de diversas espécies. Enquanto metifora, a monocultura mental talvez seja mais bem exemplificada no saber € na pritica da silvi- cultura ¢ da agricultura. A silvicukura “cientfica” © a agricul- tura “cientifica” dividem artificialmente a planta em domi nios separados sem partes em comum, com base nos mer- cados isolados de bens aos quais fornecem matéria-prima € recursos, Nos sistemas locais de saber, o mundo vegetal no € artificialmente dividido entre uma floresta que for- nece madeira comercial e terra cultivavel que fornece mer- cadorias em forma de alimentos, A floresta € 0 campo sao um continuum ecolbgico, e as atividades realizadas na flo- resta contribuem para satisfazer as necessidades alimenta- res da comunidade local, enquanto a propria agricultura & modelada de acordo com a ecologia da floresta tropical. ‘Alguns habitantes das florestas obtém comida diretamente 25 ‘Mowoctisrusas un Mane SISTEMAS LOCAIS DE SABER Floostes| Agricitara Agua Ferragem’ Fortiteanto + I Mada] | comida teaumes|| Sempra || Cereis SISTEMAS DOMINANTES DE 5) ee frome” ABER pons / Media| | Comics |kooumes nS || Tage lespneses|| “ance 0s Espagos Desaparecios Figura 1. O saber dominante e 0 desaparecimento das alternativas, MonocunTutasa Mente de seu meio ambiente, enquanto muitas comunidades pra- ticam a agricultura fora da floresta, mas dependem da fer- tilidade da loresta para a fertlidade da terra cultivavel, No sistema “cientifico” que separa asilvicultura da agi cultura ¢ reduz a silvicultura 20 fornecimento de madeira, a comida nio € mais uma categoria relacionada a silvicultura. Portanto, essa separacio apaga 0 espaco cognitive que rela~ ciona a silvicultura 4 producto de alimentos, quer dlireta- mente, por meio dos elos de fertlidade. Os sistemas de saber ‘que nasceram da capacidade que a floresta tem de fomecer alimento sto, por conseguinte, eclipsados ¢ finalmente des- truidos, tanto pelo descaso quanto pela agressio.> ‘A maioria dos sistemas locais de saber tem-se baseado na capacidade que as florestas tém de manter a vida, no no valor comercial de sua madeira. Esses sistemas entram ‘no beco sem saida de uma perspectiva de silvicuitura que se baseia exclusivamente na exploragao comercial das flo- restas, Se alguns de seus usos locais puderem ser comer- Cializados, 6 atribuido a eles © status de "produtos secunda- rios*, sendo a madeira considerada “produto principal” da silvicultura, Desse modo, a criagio de categorias frag- mentadas faz com que os olhios se fechem para espagos inteiros que 0 saber local compreende, saber que est mui- to mais perto da vida da floresta e € muito mais represen- tativo de sua integridade ¢ diversidade. A ciéncia dominan- te na silvicultura nao tem espago para o saber dos hanunus das Filipinas, que dividem as plantas em 1.600 categorias, entre as quais 0s botinicos especializados s6 conseguem distinguir 1.200.6 Os fundamentos do saber dos sistemas de safras baseados em 160 tipos de plantas da tribo lua, da ‘Tailindia, nfo sto considerados saber, nem pela silvicultura dominante, que s6 vé a madeira comercial, nem pela agri- cultura dominante, que s6 vé a agricultura quimicamente intensiva, Portanto, os sistemas alimentares baseados na 7 MowocurrTunas da Ment floresta, quer direta, quer indiretamente, so coisas que no existem no campo de visio de uma silvicultura ¢ de uma agricultura reducionistas, mesmo que tenham sido ¢ aincla sejam a base do sustento de muitas comunidades do mundo. Por exemplo: as florestas timidas do sudeste da Asia fornecem toda a madeira necesséria a0s caians, aos queniés, aos punan ba e aos penans, que tiram-na da flo- Testa € praticam uma agricultura de subsisténcia. O povo tirurai depende da flora silvestre das florestas, que é a sua Principal fonte de alimento e de satisfagio de outras neces- sidades.” Os suprimentos vegetais slo colhidos principal- mente da floresta a sua volta, e cerca de 223 tipos bisicos de plantas s20 aproveitados regularmente. Os artigos ali- ‘mentares mais importantes sto cogumelos (kulats), samam- baias ¢ fetos (pakus) e 0 miolo de virias plantas (ubod), entre 8 quais brotos de bambu, palmeiras-silvestres e bananas. Vinte e cinco variedades diferentes de fungos sio comidos pelos queniis e 43 variedades so consumidas pelos ibans.8 Sagu, 0 alimento basico dos penans do Bornéu, é © amido contido no miolo da uma palmeira chamada Eugeissone uilis. Na Nova Guiné inteira (a Nova Guiné dos papuas e dos irian jaya), 100 mil consumidores produzem 115 mil toneladas métricas de sagu por ano) © trabalho etnobotd- nico com diversas tribos da India também esta descobrindo © saber profundo e sistemdtico que elas tém das florestas, No Sul da india, um estudo realizado entre os soligas, nas ‘montanhas beliranganas de Karnataka mostrou que eles usam 27 variedades diferentes de verduras em diferentes €pocas do ano, e um grande nimero de tubérculos, folhas, frutas € raizes sto usadas pelas tribos por suas proprie- dades medicinais. Um meniino irula analfabeto, de um po- voado perto de Kotagiri, identificou 37 variedades diferentes de plantas, citando seus nomes irulas € seus diferentes tisce.10 28 Mowocuzrunas ia Mente Em Madia Pradesh, embora 0 arroz (Oryza sativa)e as variedades de paingo ou milhete (Panicum miliaceum, Eleusine coracanae Paspalum scrobiculatum) constituam a dieta basica das tribos, quase todas elas suplementam-na com sementes, gros, raizes, rizomas, folhas e frutas de nu- merosas plantas silvestres abundantes nas florestas. Grigson observou que a fome nunca foi problema em Bastar, pois metade da comida consumida pelas tribos sempre derivou dos inémetos produtos comestiveis da floresta. Tiwari pre- parou uma lista detalhada de espécies de plantas silvestres consumidas pelas tribos de Madia Pradesh. Citou 165 arvo- res, atbustos € trepadeiras. Entre elas, a primeira categoria contém uma lista de 31. plantas cujas sementes sto torradas € comidas. Ha 19 plantas cujas raizes e tubérculos sd con- sumidos depois de assados, cozides ou beneficiados de alguma outra forma; ha 17 cyjo suco ¢ tomado fresco ou depois de fermentado; 25 cujas folhas stio comidas como verdura € 10 cujas pétalas sio preparadas como verduras. H4 63 plantas cujas frutas s80 consumidas cruas, maduras, assadas ou em forma de conserva; hd 5 espécies de Ficus que dio figos para os habitantes das florestas, As frutas do Pithcellobium dulce (nga dulcis), taribém chamadas de jalebi silvestre, sto as favoritas das tribos, As sépalas da ‘mobwa sio comidas avidamente © também fermentadas para obterse uma bebida ale6olica. A Morus alba, a amora, foinece alimento tanto para o ser humano quanto para os passaros. Além disso, a Ziziphus mauritaniae a Z oenoplia dao frutas deliciosas que tém sido consumidas pelos habi- tantes das florestas desde a época do mesolitico.!? Também as 4reas rio tribais das florestas fornecem ali- mento € meio de vida com suas contribuigdes criticas para 4 agricultura por meio da conservagao do solo e da agua dos suprimentos de forragem e fertlizante orginico. As priticas da silvicultura aut6ctone baseiam-se em maximiza- 29 ‘Mowacutrueas ba Menme io sustentivel ¢ renovavel de todas as diversas formas ¢ fungoes das florestas © das arvores. Esse conhecimento Popular da silvicultura € transmitido de geragio a geragio Por meio da participacdo nos processos de renovacao da floresta ¢ de obtencao do sustento em seus ecossistemas. Em paises como a india, a floresta tem sido a fonte da renovagao da fertilidade agricola. A floresta enquanto fonte de forragem e fertilizantes tem sido uma parte significativa do ecossistema agricola, No Himalaia, as florestas de carva- tho tém sido cruciais para a sustentabilidade da agricultura Nos Ghats Ocidentais, as terras “beta” tém sido criticas para @ sustentabilidade das antigas plantagoes de especiarias como a pimenta, 0 cardamomo e as nozes da areca. As esti- mativas indicam que mais de 50% do total de suprimento de forragem para as comunidades camponesas do Himalaia vem das florestas, visto que as drvores das florestas entram com 20% do total.!2 Em Dehra Dun, 57% do suprimento anual de forragem vem das florestas.!3 Além de contribuir com a forragem, as florestas também so importantes para 4 agricultura praticada nas colinas em razio do uso da bio- ‘massa vegetal como a palha na qual o gado se deita, As flo- restas so a principal fonte de folhas secas caidas e de fol- has verdes cortadas das arvores e de espécies herbiceas ‘que sio usadas para 0 gado se deitar e para fazer compos- 10s organicos. A biomassa da floresta, quando misturada a0 esterco animal, constitui a principal fonte de nutrientes do solo para a agricultura das colinas. Segundo uma estima- tiva, 2,4 toneladas meétricas de palha e esterco silo usadas Por hectare de terra cultivada anualmente.44 A medida que essa contribuigdo diminui, a produgo agricola também declina Os diversos sistemas de saber que evoluiram com os diversos usos da floresia como fonte de alimento ¢ auxiliar da agricultura foram eclipsados com a introdugao da silvi- 30 Mowocutueas ba Mens cultura “clentifica’, que trata a floresta apenas como fonte de madeira industrial © comercial. As ligagdes entre flo- restas ¢ agricultura foram rompidas, e a fungao da floresta como fonte de alimento deixou de ser percebida Quando 0 Ocidente colonizou a Asia, colonizou suas florestas. Trouxe consigo as idéias da natureza e da cultura enquanto derivagdes do modelo da Fabrica industrial. A flo- resta deixou de ser vista como uma entidade que tem valor proprio, com toda a sua diversidade. Seu valor foi reduzi- do ao valor da madeira industrial comercialmente explori- vel. Depois de exaurir suas florestas nativas, 05 paises euro- peus comecaram a destruir as florestas da Asia. A Inglaterra explorou a madeira das col6nias para sua marinha porque suas florestas de carvalho j tinham sido arrasadas. ‘As necessidadles militares de obter a teca indiana leva- ram a uma proclamagio imediata que arrancou o direito a essa drvore das maos do governo local e colocou-o nas mios da Companhia das Indias Orientais. $6 depois de mais de meio século de destruigio desenfreada das flo- restas pelos interesses comerciais ingleses € que foi feita ‘uma tentativa de controlar a exploragio. Em 1865, a pri- meira Lei Florestal Indiana (Vit de 1865) foi promulgada pelo Conselho Legislativo Supremo, autorizando 0 governo a aptopriar-se das florestas das populagdes locais e adminis- tréclas como reservas florestais A introdugio dessa lei marca o inicio do que o Estado € os interesses industriais chamaram de administragao “cientifica”. No entanto, para as populagdes nativas, foi sind- imo do comego da destruigao «las florestas ¢ a erosto dos direitos do povo de usi-las. Contudo, as florestas nao sto apenas uma mina de madeira, sto também a fonte de ali- mentos das comunidades locais. E, com 0 uso das forestas para obter alimento € como auxiliar da agricultura, estio relacionados diversos sistemas de saber sobre a Mloresta, A 31 | ‘MONoCUILTURAS DA Menre separacio entre silvicultura ¢ agricultura € 0 foco exclusive na produgdo de madeira como o objetivo da silvicultura levaram a criag2o de um paradigma unidimensional da silvi- cultura ¢ a destruico dos sistemas de saber multidimensio- nis dos habitantes das florestas e de seus usuitrios. A “silvicultura cientifica” foi a falsa universalizagao de uma tradigio local de exploragio dos recursos florestais ‘que nasceu dos interesses comerciais limitados que viam a floresta somente em termos de madeira com valor comer- cial. Primeiro reduziu o valor da diversidade da vida das lorestas ao valor de umas poucas espécies que tém valor comercial © depois reduziu 0 valor dessas espécies a0 va- lor de seu produto mono ~ a madeira. O reducionismo do paridigma da silvicultura cientifica criado pelos interesses industriais ¢ comerciais violentam tanto a integridade das florestas quanto a integridade das culturas florestais que precisam das florestas © de sua diversidade para satisfazer suas necessidades de alimento, fibras e moradia Os principios correntes da administragao florestal cien- tifica levam a destrui¢ao do ecossistema das florestas tropi- cais porque se baseiam no objetivo de modelar a dives dade da floresta viva uniformidade da linha de monta- ‘gem, Em ver de a sociedade tomar a floresta como modelo, como acontece nas culturas florestais, € a fibrica que serve de modelo a floresta. O sistema de “administragao cientfi- a", tal como tem sido praticado ha mais de um século, é, Portanto, um sistema de desflorestamento tropical, que trans. forma a floresta de recurso renovivel em recurso nao-reno- vavel. A exploragao da madeira tropical transforma-se, por conseguinte, em algo parecido com a mineragao: as flores- tas tropicais so reduzidas a uma mina de madeira. Segundo ‘uma estimativa da FAO, nas proporgdes atuais de explora- ‘S20, as florestas da Asia tropical estariam totalmente exau- ridas na virada do século. 32 MONOCULTUIAS DA Mestre As florestas tropicals, quando seu modelo € a Fabrica quando sto usadas como uma mina de madeira, passam a ser Um recurso nao renovdvel. Os povos tropicais também se tornam um lixo hist6rico descartavel. Em lugar do plu- ralismo cultural ¢ biolégico, a fabrica produz monoculturas sem sustentabilidade na natureza e na sociedade, Nao ha lugar para 0 pequeno; o insignificante nao tem valor. A diversidade orginica € substituida pelo atomismo e pela uniformidade fragmentada. A diversidade tem de ser erra- dicada como uma erva-daninha, ¢ as monoculturas unifor- mes ~ de plantas e pessoas — tém de ser administradas de fora porque nao sto mais auto-reguladas ¢ autogeridas. Aque- les que no se ajustam a uniformidade sio declarados incom petentes. A simbiose cede lugar A competigao, a dominagio © condigao de descanivel. Nao ha sobrevivencia possivel para a floresta ou seu povo quando eles se transformam em insumo para a indéstria. A sobrevivéncia das florestas tro- picais depende da sobrevivéncia de sociedades humanas Cujo modelo sio os principios da floresta. Essas ligdes de sobrevivéncia nao saem do texto da “silvicultura cientifica” Estdo incrustadas na vida e nas crengas das populagGes flo- restais do mundo inteiro, Na Asia existem dois paradigmas de silvicultura — um que promove a vida ¢ outro que a destr6i. O paradigma que promove a vida surgiu na floresta e nas comunidades florestais; 0 paradigma que destréi a vida surgi no merca- do. O primeiro cria um sistema florestal sustentivel, reno- vivel, que favorece ¢ renova os sistemas de alimento e de Agua. A manutenglo da capacidade de renovacio € seu principal objetivo administrativo, A maximizacao dos lucros por meio da extagao comercial € o principal objetivo adimi- nistrativo do segundo, Como maximizar os lucros resulta na destruigao da capacidade de renovagao, os dois paradigmas slo cognitiva ¢ ecologicamente desproporcionais. Hoje em dia, nas florestas da Asia, os dois paradigmas estio lutando 33 Mowocen.nucas va MENre centre si. Essa luta est muito clara nos dois slogans da ut dade das florestas do Himalaia, um que deriva dos conceitos ecol6gicos das mulheres garhwalis e 0 outro, dos concei- tos setoriais daqueles associadlos a0 cométcio dos produtos florestais. Quando o Chipko se tomou um movimento eco- Iogico em 1977, em Adwani, o espirito da ciéncia focal foi captado no seguinte slogan: O que as florestas produzem? Solo, agua ¢ ar puro, Essa foi a resposta ao seguinte slogan da ciéncia domi- nnante, aceito por muitos: 0 que as florestas produzem? Lucros com resina e madeira, [A percepgiio desses slogans representou uma mudan- ‘ca cognitiva na evolugo do Chipko. © movimento trans- formou-se qualitativamente, deixando de se basear exclusi- vamente em conflitos em torno dos recursos e pasando a envolver-se em conflitos em tomo de saberes cientificos ¢ abordagens filosblicas & natureza, Essa transformagio tam- bém criou aquele elemento do saber cientifico que permitiu a0 Chipko reproduzirse em diferentes contextos ecol6- icos € culturais, O slogan transformou-se na mensagem Cientifica e filos6fica do movimento € langou os alicerces de uma ciéncia alternativa da silvicultura, voltada para o intetesse piblico € de natureza ecolégica. O interesse com- ercjal tem como principal objetivo maximizar 0 valor de ‘roca com a extracdo de espécies comercialmente valiosas Por conseguinte, os ecossistemas florestais estilo sendo reduzidos 4 madeira das espécies que tém valor comercial. 34 MowocuruRAs oa Mente Em sua forma atual, a “silvicultura cientifica” € um sis- tema reducionista de saber que ignora as relagdes com- plexas no interior da comunidade florestal ¢ entre a vida vegetal e outros recursos como 0 solo € a 4gua. Seu mode- lo de utilizagio de recursos baseia-se na *produtividade” crescente desses alicerces reducionistas. Ao ignorar as liga- ges do sistema com 0 ecossistema florestal, esse modelo de uso de recursos gera instabilidades no ecossistema € leva ao uso contraproducente dos recursos naturais no pla- no do ecossistema, A destruicio do ecossistema florestal € ddas maltiplas fungdes dos recursos florestais prejudica, por ‘sua vee, os interesses economicos daqueles setores da socie- dade que dependem das fungdes diversificadas dos recur- sos floresiais para sua sobrevivéncia. Entre eles temos a estabilizagiio do solo e da agua e a provisio de comida, for- ragem, combustivel, fertilizante etc. Movimentos florestais como 0 Chipko so simultanea- mente uma critica a silvicultura *cientifica” reducionista e a articulagdo de um quadro de referencias para uma ciéncia florestal alternativa que € ecolégica e tem condigdes de proteger 0 interesse piblico. Nessa ciéncia florestal alter- nativa, os recursos da floresta nao sao vistos isolados dos outros recursos do ecossistema. E 0 valor econémico de ‘uma floresta também nao é reduzido a0 valor comercial da madeira. Aqui, “produtividade”, “rendimento” e “valor econd- mico” so definidas em virtude do ecossistema integrado € para uma utilizacao miiltipla, Seu significado e medida sao, portanto, inteiramente diferentes do significado e da medida empregados pela silvicultura reducionista. Assim como na passagem da fisica newtoniana para a einsteiniana o sig- nificado de “massa” mudou, deixando de ser um termo inde- pendente da velocidade e passando a ser um termo depen- dente dela, na passagem da silvicultura reducionista para a 3s Monccunieas on Manne ecolégica, todos os termos cientificos deixam dle ser inde- pendentes do ecossistema ¢ passam a depender dele. Assim, enquanto para as tibos € outras comunidades flo- restais um ecossistema complexo € produtivo em termos de cervas, tubérculos, fibra, patriménio genético etc., para 0 explo- rador reducionista esses componentes do ecossistema das florestas sio indteis, improdutivos, descartiveis, ‘Os movimentos Chipko e Appiko sio movimentos de comunidades agricolas contra a destruigio das florestas que sustentam a agricultura, Os bloqueios madeireitos dos pe- nans € de outras tribos de Sarawak sao lutas de populacdes florestais contra sistemas de silvicultura que destroem a flo- resta ¢ seus habitantes. Segundo essas tribos: Essa 6 a terra de nossos antepassados, e de sous ante- passados antes deles. Se ndo fizermos nada agora para pro- 1eger 0 pouco que resta, ndo restaré nada para nossos fi- thos. Nossas florestas sao derrubadas, as montanhas sao niveladas, os ttimulos sagrados de nossos ancestrais foram profanados, nossas dguas e nossos ries sao contaminados, nossa vida vegetal é destruida e os animats da floresta sao mortos ou tém de fugir. O que mats podemios fazer além de fazer nossos protestos serem ouvidos, de modo que algo ‘possa ser feito para nos ajudar? AVEK MATAI AME MANEU MAPAT (vamos bloquear essa estrada até a morte).15 A destruisao da diversidade, vista como ‘erva-daninha A destruigao da diversidade biol6gica € inttinseca a propria maneira pela qual o paradigma florestal reducio- 36 ‘Mowocutrunns 0a Ment nista concebe a floresta. A floresta € definida como ‘nor mal" de acordo com o objetivo de administri-la para maxi= mizar a produgaio de madeira comercializével. Como a flo- resta tropical natural € caracterizada pela riqueza de sua diversidade, que inclui a diversidade de espécies nao comer- ializaveis e sem uso industrial, 0 paradigma da ‘silvicultura cientifica” declara que @ floresta natural € “anormal”. Se- gundo as palavras de Sclich, a administragao florestal impli- ca que “as condigées anormais sejam eliminadas”™® e, se~ gundo Troup: Para chegarmos a ter uma floresta normal a partir da condicéo anormal da floresta natural existente é preciso fazer um certo sacrificio tempordrio. Em termos gerais, quanto mais répida a passagem para o estado normal, tanto maior 0 sacrificio; por exemplo: é possivel obter flo- restas normais de uma vez sé com uma série de derrubadas completas seguidas de regeneracao artificial; mas, numa floresia irregular e sem uniformidade na idade de suas especies, isso significa o sacrficio de muitas drvores jovens que podem ser invendaveis. E provdvel que a questao de minimizar o sacrificio envoloido na introdugdo da ordem no cas nos leve a exercitar consideravelmente a nossa mente ‘em relacdo a administracao florestal}” Portanto, a floresta natural, com toda a suia diversi- dade, € vista como “caos". A floresta fabricada pelo homem 6 “a ordem". A administragao “cientifica” das florestas tem, por conseguinte, utha clara tendéncia antinatureza e uma inclinagao evidente pelos objetivos industriais e comerciais, 08 quais a floresta natural deve ser sacrificada. Assim, a diversidade cede seu lugar & uniformidade de espécies iso- ladas e todas da mesma faixa eviria, e essa uniformidade é © ideal de floresta normal que todos os sistemas da silvi- cultura almejam, A destruigto © 0 cariter descartével da 37 ‘Monocusrunas va Mente diversidade € intrinseca a administragao florestal guiada pelo objetivo de maximizar a produga0 comercial de ma- deira, que vé as partes ndo comercializaveis e as relagdes de um ecossistema florestal como algo sem valor - como ervas-daninhas que devem ser eliminadas. A riqueza da natureza, caracterizada pela diversidade, € destruida para ctiar riqueza comercial caracterizada pela uniformidade. Em termos biolégicos, as florestas tropicais slo os sis- temas biol6gicos mais produtivos dle nosso planeta. Uma grande biomassa costuma ser tipica das florestas wopicais. ‘As quantidades de madeira sio particularmente grandes nas tlorestas tropicais € sua média € de 300 toneladas por hectare. A média das florestas temperidas € de 150 tone- ladas por hectare. No entanto, segundo a silvicultura comer- cial reducionista, a produtividade global ndo é importante, nem as fungdes das Mlorestas tropicais tem valor para a sobrevivéncia de seus habitantes, Essa silvicultura procura somente as espécies utilizadas industrialmente e que po- dem ser comercializadas com lucro, ¢ avalia a produtividade ‘em termos somente da biomassa industrial ¢ comercial. Vé © resto como lixo ¢ ervas daninhas. Como afirma Bethel, um consultor internacional de silvicultura, referindo-se a grande biomassa tipica das florestas timidas dos tropico E preciso dizer que, de um ponto de vista do supri- mento de matéria-prima industrial, isso é relativamente insignificante. O importante & quanto dessa biomassa re- presenta drvores ¢ partes de drvores das especies preferidas que podem ser comercializadas com lucro... Segundo os modelos de utilizacdo de nasses dias, a maioria das drvores dessas florestas tropicais timidas é claramente, do ponto de vista da matéria-prima industrial, erva-daninha.'8 © ponto de vista cis matérias-primas industriais € a sil vicultura reducionista do capitalismo que divide a demo- 38 MowocuicTuRas va MENTE cra © a diversidade viva da floresta em duas categorias a madeira com valor cometcial € o resto, “ervas-daninhas' e “lixo’, que devem ser destruidos. Esse “lixo”, porém, é a riqueza de biomassa que coniém a gua e os ciclos dos nutrientes da natureza e que satisfaz as necessidades de comida, forragem, fertilizantes, fibras e remédios das comu- nidades agricolas, Assim como a silvicultura “clentifica” exclui as fungdes de produgio de alimento da floresta e deste6i sua diver dade, vista como “erva-caninha’, a agricultura “cientifica” também destr6i espécies que podem ser utilizadas como alimento, apesar de nao poderem ser vendidas no mercado. ‘A Revolugdo Verde substituiu nao s6 as variedades de sementes, mas safras inteiras do Terceiro Mundo. Assim como as sementes das comunidades locais eram conside- radas “primitivas” ¢ “inferiores” pela ideologia da Revolugio Verde, a5 safias de alimentos foram consideradas "“margi- nais", “inferiores" e “de ma qualidade”. S6 uma agronomia tendenciosa, enraizada no patriarcado capitaliste, poderia chamar safras nutritivas como 0 nachinim e 0 jowarde infe- riores, As camponesas conhecem as necessidades nutri- ionais de sua familia e 0 teor nutrtivo das safras que cul- tivam, Entre as plantas cultivadas, preferem aquelas com maximo teor nutritive as que tém valor de mercado. O que em geral tem sido chamado de “safras marginais’ ou “graos de md qualidade” sio as salras mais produtivas da natureza em termos de nutticlo. & por isso que as mulheres de Garhwal continuam cultivando 0 manduae as mulheres de Karnataka cultivam nachinim, apesar de todas as tentati- vas da politica estatal de substituir essas plantas por outras que dao dinheiro e tém valor comercial, as quais todos os incentivos financeiros do “desenvolvimento” agricola estio subordinados. A Tabela 1 mostra que aquilo que a Revo- luglio Verde declarou serem cereais “inferiores" so, na ver- 39 MoNOcuILTUKAS Dx Mente dade, superiores em teor nutritive aos cereais tidos como “superiores’, 0 artoz € 0 trigo. Uma habitante de uma akdein do Himalaia disse-me: “Sem nosso manciua e nosso jan- gor, no trabalhariamos como trabalhamos, Esses gros 880 nossa fonte de satice € fora.” Tabela 1. Teor mutritivo de diversas plantas cultivadas. Proteina| Minerais Ca Fe Gn 00 gr) (mg) | (100 mg)| Bajra 11,6 23 42 5,0 Nachinim 73 27 344 64 Jowar 104 16 25 58 Trigo (farinba) ug 06 23 25 Arroz (arinba) | 68 06 10 31 Nao sendo comercialmente dteis, as safras populares sio tratadas como “ervas-daninhas” e destrufdas com vene- nos, © exemplo mais extremo dessa destruigdo foi o da batua, uma verdura importante com um elevado teor nutti- tivo € rica em vitamina A, que cresce associada a0 trigo. ‘Todavia, com 0 uso intensivo de fertlizantes, a batua torna-se ‘um grande concorrente do trigo e, por isso, declararam que ela € uma “erva-daninha’, que € eliminada com herbicidas. Quarenta mil criangas da India fieam cegas todo ano por falta de vitamina A, os herbicidas contribuem para essa tragédia a0 destruir as fontes de vitamina A que S40 aces- siveis a todos. Milhares de mulheres da rea rural que 40 ‘MONOCULTURAS DA MENTE viver da produgio de cestos e esteiras, feitas de juncos colmos, estio perdendo seu meio de subsisténcia porque o uso intensivo de herbicidas esté matando os juncos € os colmos. A introdugio de safras resistentes a herbicidas vai aumentar 0 uso desses produtos quimicos e, com i8s0, vai au mentar também a eliminacao de plantas titeis econdmica e ecologicamente. A resisténcia aos herbicidas também exclui 4 possibilidade de rotagdo de culturas e de safras mistas, ‘essenciais para uma agricultura sustentivel e ecologicamen- te balanceada, pois as outras espécies sto destruidas pelos herbicidae. Retimativas norte-americanas mostran: hoje wm prejuizo de USS 4 bilhées por ano devido a perda resul- tante das pulverizagdes com herbicidas. Na India, a destrui- ‘¢0 vai ser muito maior por causa da maior diversidade vegetal e da predominancia de diversas ocupagdes com base nas plantas € na biomassa AAs estratégias da engenharia genética voltadas para a resistencia € que esto destruindo espécies de plantas titeis também podem acabar criando superervas-daninhas, Ha ‘uma relagao intima entre as ervas-daninhas e as saftas agri- colas, principalmente nos tropicos, oncle as variedades dani- fnhas © as variedades cultivadas interagem geneticamente ha séculos e se cnizam livremente, produzindo novas vatie- dadles. Os genes da tolerincia a herbicidas que os enge- nheiros genéticos estio tentando introduzir na agricultura podem ser transferidos para as ervas-daninhas das proximi- dades em conseqiiéncia de um cruzamento genético que ocorre naturalmente. ‘A-escassez de variedades de plantas tteis em nivel local foi criada pelos sistemas de saber dominante que despre- zam o valor do saber local e declaram que as plantas uteis para as comunidades locais s20 “ervas-daninhas". Como 0 saber dominante ¢ criado com base na perspectiva de uma producao comercial cada vez maior e S6 reage aos valores 41 ‘MONCCULTURAS DA Mate do mercado, no tem condigdes de perceber 05 valores atribuidos 4 diversidade biologica pela visio local. Desse modo, a diversidade @ destnuida em comunidades vegetais, 1a floresta e nas comunidades camponesas, pois, de acor- do com a légica comercial, ela nfo tem *utilidade”, E, como disse Cotton Mather, 0 famoso cagador das bruxas de Salem, Massachusetts, “o que nao € Gul € maligno". Por- tanto, deve ser destruido. Quando 0 que € itil € 0 que nto € lit € algo determinado unilateralmente, todos os outros sistemas de determinagao de valores sio derrubados. Declarar que uma espécie stil em nivel local é uma erva-daninha é outro aspecto da politica de extingio, pelo do qual o espaco do saber local definha até desaparecer. O campo de visio unidimensional do sistema dominante percebe somente um valor, aquele baseado no mercado, € essa percepgio gera priticas de silvicultura e de agricultura que t@m por objetivo maximizar esse valor. Relacionado com a destruigio da diversidade como algo sem valor temos a inevitabilidade da monocultura como 0 tinico sis- tema “produtivo" e de “rendimento elevado” Ass &rvores ¢ as sementes milagrosas A perspectiva unidimensional do saber cominante esta baseada nas ligagdes intimas da ciéncia moderna com o mercado. A medida que as integragdes multidimensionais entre agricultura ¢ silvicultura em nivel local sio rompidas, novas integragdes entre mercados nio locais € recursos lo- cais so criadas. Como 0 poder econémico esta concentra do nos centros de exploracao remotos, o saber desenvolve- se de acordo com a l6gica linear de maximizar 0 fluxo em nivel local. A floresta e a fazenda integradas cedem lugar as esferas separadas da silvicultura e da agricultura. Os diver- 42 Mowocui.ruRas oa Menre sos ecossistemas florestais ¢ agricolas sio reduzidos a espé- cies “preferidas” pela aniquilacZo seletiva da diversidade das espécies que nao so “éteis” do ponto de vista do mercado, Finalmente, as proprias espécies “prefericas’ tém de passar pela engenharia genética e sio introduzidas com base nas caracteristicas “preferidas". A diversidade natural nativa € substituida pelas monoculturas de arvores € safras agricolas. Na silvieultura, A medida que a indstria do papel ¢ la polpa alcangaram proeminéncia, as espécies que produzem polpa passaram a ser as “preferidas” pelo sistema de saber dominante. As florestas naturais foram derrubadas e substi- twidas por monoculturas de Eucalyptus, uma espécie estran- zgeira que produz muita polpa. Entretanto, a silvicultura *cien- tifica” ndo projetou essa pritica como uma fesposta especi- fica ao interesse especifico da indGstria de polpa. Fez sua escolha com base em critérios universais e objetivos de “erescimento rapido” e “rendimento elevado”. Na década de 80, quando a preocupacio com 0 desflorestamento © seu impacto sobre as comunidades locais ¢ a estabilidade eco- logica criaram o imperative dos programas de refloresta~ mento, 0 eucalipto foi apresentado munidial mente como uma drvore “milagrosa”. Contudo, as comunidades locais de todas as partes do mundo tém outta opinio. © principal impulso de lutas pela preservagio, como © movimento Chipko, € que as florestas € as Arvores si0 sistemas de sustentaao da vida e devem ser protegidlas regeneradas por suas fungées biosféricas. A mentalidade monocultural, no entanto, vé a floresta natural € as arvores como “ervas-daninhas" € converte até 0 reflorestamento em desflorestamento e desertificacio. De sistemas de susten- tagio da vida, as Arvores sto transformadas em ouro verde = todo plantio € motivado pelo slogan “o dinheiro dé em Arvores". Quer sejam propostas como silvicultura social ou como recuperagao de terras devastadas, os programas de B ‘Monocuerurason Mave teflorestamento silo concebidos em nivel internacional por “especialistas”, cuja Mlosofia de livre plantio encaixa-se no paradigma reducionista de produzir madeira para o merca- do, nao biomassa para manter os ciclos ecologicos ou para satisfazer as necessidades locais de comida, forragem e ferti- lizantes. Todos os programas oficiais de reflorestamento, que tém grandes financiamentos ¢ um sistema centralizado de tomada de clecisdes, agem de duas formas contra os sistemas de saber locais: destroem a floresta enquanto sistema diver- sifieado que s¢ reproduz sozinho ¢ destroem-na enquanto bem comum, partilhado por uma grande diversidade de gru- pos Sociais, entre os quais até os mais humildes tém direitos, acesso € pretrogativas. A silvicultura “soe [owdtyore “atlastute Qs projetos de silvicultura social so um bom exemplo de grandes plantagdes de uma dnica espécie, de uma Gnica mercadoria, com base nos modelos reducionistas que divor- clam a silvicultura da agricultura e da administragio dos recursos hidricos, ¢ as sementes do mercado. Um estudo de caso patrocinado pelo Banco Mun sobre silvicultura social, no distrito Kolar de Karnataka)? ilustra © reducionisino ¢ a deformagio da silvicultura que se estende as terras cultivaveis. A agrosilvicultura descen- tralizada, com base em miitiplas espécies e em responsabi- lidade privada e comunitaria pelas érvores, € uma estratégia antiga que a india usa para manter a produtividade agrico- la em zonas dridas ¢ semivéridas, O bonge, o tamarindo, a jaca e a manga, a jola, 0 gobli, o kaglie o bambu fornecem tradicionalmente comida e forragem, fertilizantes e pestic- das, combustivel ¢ lenha, O quintal de toda residéncia rural era um viveiro, ¢ todo camponés era um silvicultor. O mo- 44 MoNOCUILTUEAS DA MENTE delo invisivel descentralizado da agrosilvicultura era importante porque até a mais humilde das espécies € a inais bumilde das pessoas podia participar dele; e, com es- ago para © pequeno, todos se envolviam cam a protecao 0 plantio. ‘A mentalidade reducionista tomou conta do plantio de 4rvores com a “silvicultura social”. Foram feitos projetos em capitais nacionais ¢ internacionais por pessoas que talvez ndio conhecessem 0s usos do bongee do neem e, por isso, consideraram-nos ervas-daninhas. Os especialistas chega- rami & conclusdo de que o saber aut6ctone nao tinha valor algum, era “anticientifico", e passaram a destruir a diversi- dade das espécies nativas substituindo-as por fileiras e filei- ras de mudas de eucalipto em sacos cle plistico, vindas de viveiros governamentais. AS sementes que a natureza ofe- recia localmente foram jogadas fora; o saber e as energias disponiveis das populagdes locais foram jogados fora. Com sementes importadas € conhecimentos especializados veio a importagao de empréstimos € dividas e a exportagdo de madeira, solos € pessoas. As drvores, enquanto recurs0 vivo, responsive pela manutengao da vitalidade do solo, da gua e das populagoes locais, foram substituidas por outras 4rvores cuja madeira morta ia direto para uma fabrica de polpa a centenas de quilémetros de distancia, A menor das fazendas tornou-se um fornecedor de matéria-prima para a inckistria e deixou de ser um fornecedor de alimentos para as populagées locais. A mdo-de-obra local, que ligava as Arvores as safras agricolas, desapareceu ¢ foi substituida pela mio-de-obra de intermedidtios que trouxeram os euca- liptos por causa da indistria. Os industriais, os silvicultores © os burocratas adoram 0 eucalipto porque ele cresce reto tem uma madeira excelemte para fazer polpa, a0 contrério do honge, que protege 0 solo com seus galhos profusos € sua copa densa, e cujo verdadeiro valor é ser uma Arvore viva numa propriedade rural. 45 ‘Mowoctitunas un Mente © bonge talver seja a idéia que a natureza tem de uma rvore perfeita para a drida Karnataka. Seu crescimento ripido exatamente daquelas partes que voltam a terra ~ as folhas e os galhos pequenos ~ enriquecendo-a € protegen- do-a, conserva sua umidade ¢ fertilidade. © eucalipto, toda- via, considerado em termos ecolégicos, & improdutivo © até niegativo, porque essa visio avalia 0 "crescimento” ¢ a “pro- dutividade” das arvores em relagio ao ciclo da agua ¢ sua conservagao, em relagio a fertlidade do solo e as necessicla- des humanas de alimento e proclugao de alimento, © euca- lipto destruiu o ciclo da agua das regiGes dridas em virtude de sua grande demanda de gua € sua incapacidade de produzir himus, que € 0 mecanismo da natureza para con- servar a Agua ‘A maioria das espécies nativas tem uma produtividade biolégica muito maior que a do eucalipto, quando se con- sidera a producio de gua e sua conservacio. A biomassa das frvores que no € constituida de madeira nunca foi avaliada pelas mensuragdes e quantificagoes floresiais den: tro do paradigma reducionista; no entanto, € exatamente essa biomassa que atua no sentido de conservar a agua ¢ «iar solos. Nao é de surpreender que as mulheres de Gathwal chamem uma rvore de “dali” ou ramo, porque veem @ produtividade da drvore em termos de sua biomassa que nao é madeira ¢ que tem uma fungao crucial nos ciclos da gua e dos nutrientes no interior da floresta, nos fertilizan- tes verdes € na forragem das terras cultivadas. Oceucalipto © argumento mais convincente em favor da expansio do eucalipto € que seu crescimento € mais répido do que todas as alternativas locais. Trata-se muito claramente de ‘uma inverdade em ecozonas onde 0 eucalipto nao tem pro- 46 Monocutrunas un Ment dutividade devido aos esiragos provocados pelas_pestes. ‘Também nao € verdade em zonas com solos pobres € pouca Agua, como os relat6rios sobre a produtividade tomnaram evi- dente. Até onde fatores bidticos e climéticos favorecem o seu rescimento, © eucalipto nao tem condigées de competir com uma série de espécies nativas de crescimento ripido. Quando afirmagdes cientificas bombésticas sobre a taxa de crescimento do eucalipto estavam sendo usadas para con- verter ricas florestas naturais em monoculturas de eucalipto, com base no aumento da produtividade da area, 0 diretor de Pesquisa Florestal do Instituto de Pesquisa Florestal (IPF) afirmou categoricamente que “algumas espécies nativas cres- cem to depressa quanto €, em alguns casos, até mais do que © valorizadissimo eucalipto". Como justificativa, apre~ sentou uina longa lista de espécies nativas de crescimento rapido que tinham taxas de crescimento que excediam a do eucalipto que, nas melhores condigdes possiveis, € de cerca de 10 m3 por hectare por ano e, em média, € de cerca de 5 m? por hectare por ano (Tabela 2). As drvores locais sa0 aquelas nativas do solo indiano ou sio plantas estrangeiras que se aclimataram no decorrer de milhares de anos. Essas dados baseados em plantagdes de florestas arti- ficiais ndo incluem espécies de arvores das fazendas ¢ que tém um crescimento ripido, como a Pongamia pinnata, a Grewia optiva ete., que tén sido cultivadas por seus insu- mos agricolas para as propriedades rurais, mas que nao despertaram o interesse da silvicultura comercial. Apesar de ser uma lista incompleta das arvores nativas de crescimen- to répido, os dados sobre a produtividade das florestas arti- ficiais revelam, muito adequadamente, que 0 eucalipto est entre as espécies de erescimento mais lento até em termos da produgio de biomassa de madeira. © hibrido do euca- lipto, a espécie mais plantada do Eucalyptus, tem diferentes taxas de crescimento em idades diferentes e em locais diferentes, como mostra a Tabela 3. 7 ‘Monocuruans Da Mite Tabela 2, Algumas espicies nativas de crescimento relativamente rapido. Mowocti.runAs va Mere Tabela 3. Produtividade do bibrido do eucalipto. ‘Qualidade da | dade | IAM m3/ | IA corrente Nome da espécie [Idade (anos)|_ IAM (m3/hectare) terra hectare m3/hectare Diuabanga (eo) «co Sonneratioides 47 19 Boa 3 ai = Alnus nepalensis 22 16 4 TS 106 Terminalia 3 BS 23 myriocarpa e a e 144 187 Foodia meliafolia 7 70 7 139 T15 “Micholia Compaca 2 7 3 BS 106 Tophopetalum 9 129 Eg 10, T235 67 eee zt is 7 116 32 Casuarina a é ia 5 5 TZ 71,0 35 re c % Tod 36 Shorea robusta 30 TT it 7 = Toona ciliata 5 BD 5 34 5 Trewia nudiflora i 3 Rui 3 Or = Artocarpus 4 04 es chaplasha @ bia 5 07 TT Dalbergia Sis00 7 of e 08 a7 Gmelina arborea 3 22 7 09, Tz Tectona grandis 10 12 8 10 14 “Micbelia oblonga 7] 18 9 10 70 ‘Bischofia javanica 7 B 0 To TS Broussonatia iL 10 Ti Papyrifera 10 25 12 12 Or B 1,0 08 Bucklandia a nm a seesiaieg ue Z % 09 04 "Terminalia i tomentosa = {i -rronent mua ie Kydia calycina 70 a 48 49 Atowocucrunas va Mente Os pontos que surgem das Tabelas 2 e 3 slo: 1) Em termos de produtividade medica como incremento anual médio (IAM), 0 eucalipto produz lentamente a biomassa de madeira até em solos muito férteis ¢ com abundincia de agua 2) Quando a terra ¢ de ma qualidade, como solos erodidos 0u aridos, a produtividade do eucalipto é insignificante 3) Ataxa de crescimento do eucalipto nas melhores condi- Ges possiveis ndo é uniforme nas diferentes faixas etd- tias, Cai drasticamente depois de 5 ou 6 anos. A evidéncia cientifica relativa a produtividadle ue bio- ‘massa no corrobora a afirmagio de que 0 eucalipto cresce mais répido do que outras espécies alternativas, nem de que cresce bem em terras degradadas. Com um bom regi- me de chuvas, os maiores rendimentos do eucalipto tém sido de 10 toneladas anvais por hectare, Todavia, Segundo os doutores K. S. Rao e K. K. Bokil (velatérios inéditos), um hectare de Prosipis dé 31 toneladas de carvdo por ano. Em Vatwa, no distrito de Ahmedabad, estado de Gujarat, a producao anual de carvao com madeira da Prosopis tem sido de 25 toneladas anuais por hectare com um bom regime de cbuvas. ‘Uma comparagao da taxa de crescimento de dez espé- ies, feita pelo Departamento Florestal de Gujarat, mostra que 0 eucalipto ocupa o dltimo lugar da lista. Esté muito claro que 0 eucalipto nao vai preencher a lacuna na de- manda de biomassa de madeira com mais eficiéncia do que ‘outras espécies de crescimento mais rapido e que, além disso, esto mais bem adaptadas ao clima indiano, As florestas e as drvotes produzem vitios tipos de bio- massa, satisfazendo diversas necessidades humanas. Entre- tanto, a moderna administragio florestal surgiu como res- 50 posta as demandas por biomassa de madeira voltada para ‘objetivos comerciais ¢ industriais. Portanto, a taxa de cres- cimento das espécies que sao fornecidas pela silvicultura moderna esté limitada por dois fatores: primeiro esti limi- tada exclusivamente 20 incremento € crescimento da bio- massa do tronco, Mesmo nesse leque restrito, 0 eucalipto ocupa uma posigdo muito inferior em termos de cresci- mento e produtividade da biomassa. Eniretanto, as necessidades humanas nfo se restrin- ‘gem apenas ao consumo € uso da biomassa de madeira. A Manutengao dos sistemas de sustentacio da vida é uma fangao realizada principalmente pela biomassa da copa das Arvores. £ esse componente das arvores que conttibui posi- tivamente para a manutengao dos ciclos da agua € dos utrientes. Também é a fonte mais relevante que temos para @ producto de biomassa voltada para o consumo sob a forma de combustivel, forragem, adubo, frutas etc. A silvi cultura social, em contraposi¢io a silvicultura comercial, para a qual pretende ser um corretivo, esta voltada, em Principio, para a maximizagio da produgao de todos os tipos de biomassa titil que venha aumentar a estabilidade ecolbgica e satisfazer as necessidades bisicas e diversifica- das de biomassa. A unidade de avaliacao do crescimento € produtividade das diferentes espécies de arvores apro- priadas aos programas de silvicultura social se nlio pode festringir & produgio de biomassa de madeira para uso comercial. Deve, a0 contririo, ser especifica do uso final da biomassa. A crise de blomassa destinada a alimentagio dos animais ndo pode, evidentemente, ser superada com o plantio de arvores de crescimento ripido do ponto de vista da inddstria de polpa, mas que sio absolutamente impro- dutivas no que diz respeito as necessidades de forragem, A avaliagio da produtividade na silvicultura social tem de incluir os diversos tipos de biomassa que fornecem St Monccunrinason Mente insumos ao agroecossistema. Quando o objetivo do de drvores € a produgio de forragem ou de ferti ‘aturais, € importante avaliar a produtividade da biomassa da copa, A india, com sua rica diversidade genética de plan- tas © animais, foi generosamente dotada com virios tipos de arvores de forragem que tém uma produgio anual de biomassa da copa muito superior biomassa total ctiada elas plantagdes de eucalipto, como indica a Tabela 4. Tabela 4. Produtividade da biomassa da copa de algumas vores famosas por sua forragem. Nome daespécie | Toneladas anuais por hectare da biomassa da copa ‘Acacia nilotica 15-27 Grewia optiva 3B Baubinia G Ficus 175 Tewcena leucocepbala 75 ‘Morus alba 24 ‘Prosopis sineraria 30 Uma produgio imponante de biomassa das arvores ‘que nunca € levada em conta pelos silvicultores que procu- ram madeira é a quantidade de sementes € frutas das arvo- res, Arvores frutiferas como a jaqueira, a jaman, a man- ‘gueira, o tamarineiro etc. s1o components importantes das formas de silvicultura social tal como tem sido praticada ha séculos na india. Depois de um breve periodo de gestagio, as drvores fornecem safras anuais de biomassa comestivel rnurtia base sustentivel e renoviivel. © tamarineiro produz frutas durante mais de 200 anos. Outras drvores, como 0 neem, a pongamia ¢ o sal tém 52 | | | | | | | MoNocULTUIAS DA Mere safras anuais de sementes que sio transformadas em va- Hosos Gleos néo comestiveis. Essas diversas safras da bio- massa constituem fontes importantes de subsisténcia para milhoes de membros de tibos e de populagdes rurais. O coco, por exemplo, além de produzir frutas e éleo, fornece folhas usadas na cobertura de cabanas, e sustenta a grande indistria de fibra de coco do pais. Como os programas de silvicultura social, em sua forma corrente, baseiam-se exclu- sivamente nos conhecimentos dos silvicultores que foram formados para detectar somente a biomassa de madeira das arvores, essas espécies que tém uma grande safra de outras formas de biomassa tém sido totalmente ignoradas por esses programas. Duas espécies nas quais os antigos sistemas agro- florestais das zonas ridas puseram uma énfase especial s30 a pongamia ¢ 0 tamarineiro. Ambas so produtoras multidi- ‘mensionais dle carvao, ferilizante, forragem, fruta ¢ 6leo vege- tal extraido das sementes. E, 0 que € mais importante ainda, componentes da biomassa da copa que sio colhidos das Arvores frutiferas ¢ forraginosas deixam a arvore viva, em condigbes de realizar suas fungdes ecologicas essenciais em termos de conservagio do solo e da gua. A biomassa do eucalipto, ao contrario, s6 tem utilidade depois que a arvore € demubada Os diagramas 2 © 3 descrevem 2 contribuicao compa- rativa de biomassa das drvores nativas ¢ do evcalipto. As estratégias de reflorestamento baseadas predominantemente No eucalipto nao so, portanto, © mecanismo mais eficiente para solucionar a grave crise de biomassa que a india en- frenta, Os beneficios do eucalipto tém sido indevidamente exagerados pelo mito de seu crescimento ripido e de sua grande produtividade, O mito disseminou-se em virtude de uma propaganda anticientifiea injustificada da espécie. E teve a ajuda do crescimento linear do eucalipto numa tinica dimensiio, ao passo que a maioria das arvores nativas tem copas frondosas que se desenvolvem em ts dimensdes. 53 Sune vpxi vp ovSemuaisns op souasis so vand ordhyvone op wayminfuio opSinquusuos yeh 4 3 - ons oo zg 7 s wie wae 3 Serio 5 youn eps op ovSviusisrs ep sewers so pier soaonup ep siouotatppu se;sedso sep opSinqsatuon Vt wana 196) fae us 104 = g = 5 “MoNocULTRAS 0A MNT “A Revolusao Verde e as sementes ‘milagrosas” ‘Também na agricultura a mentalidade reducionista criou a salra de monoculturas, O milagre das novas sementes tem sido comunicado muito freqientemente pela sigla VAR (Wariedades de Alto Rendimento). A categoria VAR é crucial no paradigma da Revolugio Verde. Ao contririo do que 0 termo sugere, nao existe uma medida neutra ou objetiva de “produtividade”, cujo Fundamento seja sistemas de cultive baseados em sementes milagrosas que tem comprovada- mente um rendimento maior do que os sistemas de cultivo que substituem. Agora tem aceitagio universal a afirmacdo de que no existem termos observacionais neutros nem nas mais rigorosas das disciplinas cientificas, como a fisica, To- dos 05 termos so estabelecidos pela teoria. A categoria VAR também nao € um conceito observa- ional neutro. Seu significado e sua mensuracao sao deter- minados pela teoria e pelo paradigma da Revolugio Verde. E esse significado no facil nem diretamente traduzivel em termos de comparago com 0 conceito agricola dos sis- temas nativos de agricultura por uma série de motivos. A categoria de VAR da Revolucto Verde € essencialmente uma categoria reducionista que descontextualiza proprie~ dades tanto das variedades autéctones quanto das novas. Com 0 processo de descontextualizagao, 0 custos e 0s im- actos sio extemalizados € a comparagio sistémica com alternativas € impossibilitada, Em geral, 0s sistemas de cultivo envolvem uma intera- lo entre 0 solo, a Agua € os recursos genéticos das plan- tas, Na agricultura nativa, por exemplo, os sistemas de cul- tivo incluem uma relagio simbiética entre solo, 4gua, plan- tas e animais domésticos. A agricultura da Revolugao Verde 56 ‘Monocururas oa Mere substitui essa integracao no nivel da propriedade rural pela integracao de insumos como as sementes e os produtos qui- micos. © pacote semente/produto quimico estabelece suas prOprias integragdes particulares entre os sistemas de solo figua que, no entanto, nfo sio levados em conta na ava- lingao da produtividade Conceitos modernos de cultivo de plantas como as VARs recluzem os sistemas agrfcolas a safras individuais e a partes das safras (Figura 4). Depois as safras componentes de um sistema sio comparadas com os componentes de outro sistema. Como a estratéagia da Revolucto Verde tem por objetivo aumentar a produtividade de um tinico com- ponente de uma propriedade rural a expensas de reduzir ‘outros Componentes € aumentar os insumos externos, uma comparagio parcial como essa &, por definiglo, tenden- ciosa no sentido de tomar as novas variedades “extrema- mente produtivas" mesmo que, no nivel dos sistemas, nao las tradicionais baseiam-se em sis- temas de rotagio de culturas de cereais, legumes, sementes oleaginosas com diversas variedades em cada safra, en- quanto © pacote da Revoluca culturas geneticamente uniformes. Nunca € feita uma ava- liagao realista da produtividade das diversas safras produ- Zidas pelos sistemas mistos € de rotaglo de culturas, Em geral, o fendlimento de uma Gnica planta, como 0 trigo ou © milho, 6 destacado e comparado a produtividade de novas variedades. Mesmo que a produtividade de todas as safras fosse incluida, € dificil converter a medida da produgdo de legumes numa medida equivalente de trigo, por exemplo, porque, tanto na alimentaclo quanto no ecossistema, tm fungDes distinta © valor protéico dos legumes ¢ © valor cal6rico dos cereais sio ambos essenciais para uma a Verde baseia-se em mono- ‘Mowocucrutas on Mere brada, mas de formas diferentes, ¢ um no pode substituir © outro, como ilustra a Tabela 1. Da mesma forma, a capa- cidade de fixagto de nitrogénio dos legumes é uma con- tribuigto ecolégica invisivel para a produtividade de cereais associados a eles. Portanto, os sistemas de cultivo comple- x05 € diversificados das variedades nativas no sio ficeis de comparar com as monoculuras simplificadas das se- mentes VAR. Uma comparagio desse tipo tem de envolver sistemas inteiros € nio podem ser reduzidos 4 comparagio de um fragmento de um sistema agricola, Nos sistemas agri- colas tradicionais, a produgio também envolve a conser- vagao das condigdes da produtividade. A medida do rendi- mento e da produtividade do paradigma da Revolugio Verde est divorciada do entendimento de como os proces- sos de aumento da producio afetam os processos que man- tém as condigdes da produgao agricola. Essas categorias reducionistas de rendimento e produtividade, além de per- mitirem uma destruigdo maior que afeta safras futuras, tarn- bém excluem a percepsiio das diferengas draméticas entre 08 dlois sistemas em termos de insumos (Figura 5). 5 sistemas nativos de cultivo baseiam-se exclusiva- mente nos insumos orgdnicos internos. As sementes vém da fazenda, a fertilidade do solo vem da fazenda e 0 con- tole de pragas é feito com a mistura de safras. No pacote da Revolugio Verde, as safras estio intimamente ligadas & compra de insumos sob a forma de sementes, fertlizantes quimicos, pesticidas, petréleo e irrigagio intensiva e acura- da, Uma produtividade elevada nao € intyinseca as semen- tes: so uma fungio da disponibilidade dos insumos neces- sirios que, por sua vez, tém impactos ecologicamente des- trutivos (Figura 6). 58 Seon | | | | | | | | | | | Mowccusreas ba MENT: sc, SC Sistema de Cultivo Misto [Monocultura da Revolugio Verde Salas diversificadas de cereals, legumes, painco, sementes ‘leaginosas Safras de tigo ou arroz Reduzidas a Reduridas 2 Pane da safta PS, Pane da safra’ PS (cereal) (cereal) Fonte: shiva (989). Figura 4. Como a Revolucdo Verde distorce as comparagbes. ‘+ A verdadeira comparacao cientifica deveria ser feita entre 5 dois sistemas de cultivo - SG; € SC, com a incluso de todo 0 leque de insumos e produtos. + Essa seria a comparaclo se SC no recebesse imunidade em termos de uma avaliagio ecol6gica + Segundo a estratégia da Revolugao Verde, € feita uma ‘comparacao falsa entre PS; © PS * Portanto, embora PS_ > PS, em geral SCy > SC, 59 TNs on Meroe i woo N ( o Mey Shiva (1989) Figura 5. Sistema agricola de insumos internos, For Como o Dr. Palmer concluiu no estudo com 15 nagdes para o Instituto de Pesquisa de Desenvolvimento Social das Nagdes Unidas sobre 0 impacto das sementes, o termo “vatiedades de alto rendimento” € enganoso, pois implica que as novas sementes so naturalmente de grande produ- tividade. Contudo, a caracteristica distintiva dessas semen- tes € que so extremamente receptivas a certos insumos- have como fertlizantes ¢ irrigagio. Por isso Palmer sugeriu © termo “variedades de grande receptividade” (VGR) em lu- ‘gar de “variedades de alto rendimento” 29 Sem os insumos adicionais de fertilizantes ¢ itrigagdo, 0 desempenho das ovas sementes € inferior a0 das variedades nativas. Com 08 insumos adicionais, o aumento da procugio € insignifi- cante comparado a aumento dos insumos. A medida da 60 ‘MonocuLTueas ba MENTE producio também é tendenciosa pelo fato de se restcingir 3 parte comercializavel das safras. Mas, num pais como a fndia, as safras tm sido tradicionalmente criadas e cultiva- das para produzir ndo s6 comida para os seres humanos, mas também forragem para os animais e fertlizante organi co para 0s solos. Segundo A. K. Yegna Narayan Aiyer, uma das maiores autoridades em agricultura: “importante enquanto forragem para 0 gado e, na ver- dade, a tinica forragem em muitas terras, a quantidade de pata que pode ser obtida por acre tem muita relevdncia em ‘nosso pais, Algumas variedades que sao boas produtoras de gros tém 0 inconvaniente de serem pobres no que diz respeito a patha."*! E ilustra a variagdo nas proporgdes de grao-palha pro- duzidas na fazenda Hebbal. De acordo com as estratégias de reprodugio da Revo- lugdo Verde, os multiplos usos da biomassa vegetal pare cem ter sido conscientemente sacrificados em nome de um nico uso com o consumo nao sustentivel de fertlizantes gua. O aumento de produgio de grios comercializéveis foi conseguido a expensas da reducdo da biomassa para animais ¢ solos € diminuigao da produtividade do ecossis- tema devido ao uso excessivo dos recursos. © aumento na produgio de gros para o mercado foi obtido com a estratégia da Revolugdo Verde pela reducao da biomassa para uso interno da propriedade rural, o que € explicitado pela afirmacio de Swaminathan: As wariedades de alto rendimento de trigo ¢ arroz tfm grande produtividade porque podem usar eficientemente quantidades matores de nutrientes e dgua do que as varie- dades mais antigas, que tendiam a encruar ou nao crescer bem quando cultivadas em solos férteis... Por isso tm um 61 ‘Monocutrurason Menre ‘NoWDS Custos NOWOS CUSTOS De DE insumos mapictes EcoLdcicos| Etetoestute com poluido atmosterica Destnuigso a on fect do solo Doicitncia de 77 mentees Posie. a Tit sla Fransporte do madeira peta Sous salience Na Doserttacto © escasser do 419 resto genouice "OTN ett da iomasse \ ara foragem € ‘dbo onaénico Represas paraa Deseaitiosmiconas srngacio tensive ‘com 9 re do legumes, semantes ‘oleaginosase paingo \Contaminacdo da comida, <0 so, dau @ co vido nutans ‘com pesticides Fonte: Shiva et al (1981) Figura 6, Sistema agricola com insumos externas. ‘Monocuttimas ba MENTE ‘Tabela 5. Produgdo de grito e palba nas variedades de arroz. Nome da veriodade ‘Gre Paina om libras por acre |em lbras por acre Chitarian sonew Toes 33 Budune a 230 | Fubar 1700 EE Chandragutt 186 760 Tata ata Zaza 3580 Kavada Gras Tae Tia ie Sona 085 300 lar sence 120 3880 [[Banpadkody azo 1760 ‘Banka tesiogio Gas Grae (932520) 1810 1700 CEE T 7800 150 “indice de produgdo” (isto é a proporeao entre o rendi- mento econémico ¢ 0 rendimento biolégico total) que é mais ‘favordvel ao homem. Em outras palavras, se uma variedade de alto rendimento e wma variedade comum e mais antiga de trigo produzem ambas, numa determinada série de condigées, 1.000 quilos de matiria bruta, a variedade de alto rendimento pode dividir essa matéria bruta em 500 quilos de graos e 500 quilos de palba. A variedade comum, por outro lado, pode ser dividida em 300 quilos de graos ¢ 700 quilos de pala 22 A redugio na produgao de biomassa em termos de palha provavelmente nao era considerada um custo muito grande, uma vez que os ferilizantes quimicos etam vistos ‘como um substituto completo para 0 adubo organico, € a mecanizagio era vista como um substituto para a traglo animal. Segundo um autor: cs ‘Monocui.ruras ba Mate Acreditava-se que 0 tipo de mudanca provocado pela ‘Revolucdo Verde” permitiria uma produgdo maior de gritos com a alteragdo da proporcao folbagem-gracs... -Houve uma epoca em que era urgente aumentar a produ- ¢a0 de graos; uma abordagem de engenbaria para alterar o mix de produtos numa planta individual pode ser acon- selbdvel, até mesmo inevitdvel. Isso pode ser considerado um outro tipo de mudanca tecnoldgica de sobrevivéencia. Usa ‘mais recursos, retorna ao que talvex nao tenha mudado (se dio tiver diminufdo). 3 Pontanto, reconhecia-se que, em termos de biomassa vegetal global, as varledades da Revoluca0 Verde poderiam até diminuir a produgio global das safras ¢ criar escassez ei termos de produtos como a forragem. Finalmente, agora ha cada vez mais evidéncia mos. trando que as variedades nativas também podem ter grande produtividade, dados os insumos necessirios. Richaria fez uma contribuigfo importante para o reconhecimento de que 0s camponeses tém criado variedades de grande pro- dutividade a0 longo dos séculos. Diz. Richaria: Uma pesquisa agronémica recente de variedades mostrou que quase 9% do total de variedades cultivadas em UP entram na categoria de tipos de alto rendimento (3.075 quilos ou mais por hectare). Um agricultor que plantava uma vartedade de arroz ‘chamada Mokdo de Bastar e que adotou seus proprios méto- dos de culttvo obteve cerca de 3.700 a 4.700 quilos de arroz com casca por hectare. Ouiro plantador de arroz da cha- cara Dhamtari (Raipur), com apenas um hectare de plan- tagdo, que faz parte de uma categoria muito comum de lavradores, disse-me que obtém cerca de 4.400 quilos de arroz com casca por hectare com a wariedade Chinnar, um 64 ‘Monocun.rusas va Mevre _famoso tipo perfumado, ano apés ano, com poucas flutua- gies. As vezes usava um suplemento de FYM com uma pequena quantidade de fentlizantes de nitrogénio. Nas ter- ras batxas da chacara Farasgaon (Bastar), uma variedade alta de arvoz que ndo encrua, a Surja, com griios bem for- ‘mados ¢ ligeiramente perfumados, tem condigdes de com petir com a variedade Jaya em potencial de produtividade ‘com doses menores de fertiltzantes, segundo um agricultor local que me mostrou recentemente sua safra de Sura. Durante uma visita recente que fiz @ regido de Bastar em meados de Novembro de 1975, quando a colbeita de uma nova safra de arvox ainda estava a plano vapor numa localidade, em uma das propriedades de um agricultor adi- asi, Baldeo, da tribo Bhatra da aldeia de Dhihonga da cha- cara Julgapur, observei um campo de Assam Chudl pronto ‘para a colbelta, com o qual 0 agricultor adivasi tinba se pro- ‘posto competi. O agricultor aplicara uma quantidade de (fertilizante de cerca de 50 quilos de N por hectare e ndo usote ‘nenbuma forma de protegdo as plantas. Fsperava uma sajra de cerca de 5 mil quitos por bectare. Ha bons exemplos de aplicagdo de uma tecnologia intermedidria para aumentar «a producao de arroz, As sajras obtidas por esses agricultores podem estar na faixa minima ou acima dos limites minimos ‘para as variedades de alto rendimento, ¢ esses métodos de cultive merecem toda a nossa atengéo24 A India € um centro Vavilov, ou centro de diversidade genética do arroz. Com essa diversidade espantosa, 0s cam- poneses e os membros de tribos indianas selecionaram € aperfeigoaram muitas variedades nativas de grande produ- tividade. No Sul da india, nas regides semi-dridas de Decan, as safras chegaram a 5 mil quilos por hectare com tratores e itrigagio de pogos. Com adubacto ompinica intensiva, poderiam ter sido maiores ainda. Como diz Yegna Narayan Aiyer: 65 ‘Mowoctr.rusas on Menré A possibilidade de obter safras fenomenais e quase ina- creditaveimente grandes de arroz na India esta se concre- tizando em conseqiléncia das competicées de safras orga- nizadas pelo governo central e realizadas em todos 0s esta~ dos. Assim, mesmo a safra mais modesta que participa dessas competigées é de aproximadamente 5300 libras por acre, 6.200 libras por acre em Bengala Ocidental, 6.100, 7.950 ¢ 8.248 libras por acre em Thirunelveli, 6.368 ¢ 7.666 quilos ‘por bectare em Arcot do Sul, 11.000 libras por acre em Goorg € 12.000 bras por acre em Salem25 © pacoie da Revolugio Verde fot criado para subsutuir a diversidade genética em dois niveis. Primeiro, as safras mistas € a rotagao de diversas culturas como 0 trigo, 0 milho, 0 paingo, legumes € sementes oleaginosas foram substituidas por monoculturas de trigo € arroz. Em segun- do lugar, as variedades de trigo ¢ arroz que foram introdu- zidas © reproduzidas em larga escala como monoculturas tém uma base genética limitadissima, em comparagio com a grande variedade genética da populacio tradicional do trigo e do arroz. Quando as sementes “VAR” substituem os sistemas de cultivo aut6ctones, a diversidade perdida 6 insubs- tituivel A destruigdo da diversidade e a criagao da uniformida- de envolvem simultaneamente a destruigao da estabilidade a ctiagéo da vulnerabilidade, No entanto, o saber local con- centra-se no uso miiltiplo da diversidade, © arroz no € so- mente um grio, ele fornece palha para os tetos de sapé e para a fabricagao de esteiras, forragem para 0 gado, farelo para os tanques de peixes, matéria-prima de combustivel. AAs vatiedades locais das safras so selecionadas para satis- fazer esses usos miltiplos. As variedades VAR aumentam a producio do grio e diminuem todos os outros componen- tes, aumentam os insumos extemos ¢ introduzem impactos ecologicamente destrutives 66 Mowocutcrutasa Mere 5 sistemas de saber local desenvolveram variedades altas de arroz e trigo para satisfazer necessidades miltiplas. Desenvolveram as variedades doces batizadas de cassava, cujas folhas sto comestiveis como verduras, No entanto, toda a pesquisa dominante sobre 0 cassava concentrou-se nna criagto de novas variedades que dessem tubérculos, ccujas folhas nao podem ser consumidas. ; lronicamente, criar novas sementes que trouxessem uma reduco na sua utilidade é visto como algo importante nna agricultura, porque os usos além dos que atendem o mercado nao sto percebidos, nem levados em conta. Os novos custos ecologicos também so deixados de fora co- mo “externalidades", convertendo dessa forma um sistema ineficiente € pautado pelo desperdicio em um sistema pro- dutivo. Além disso, hé uma distorgio cultural que favorece 0 sistema moderno, uma distorgio que se torna evidente no ‘nome dado as variedades de plantas. As variedades nativas, ou espécies autéctones, que evoluiram tanto em virtude da selegao natural quanto da selegio humana, produzidas e utilizadas pelos agricultores de todo 0 Tereeiro Mundo sio chamadas de “sementes primitivas". As variedades criadas pelos especialistas modernos em centros intemnacionais de pesquisa agricola ou por grandes empresas transnacionais de sementes sio chamadas de “avancadas” ou “de elite". No entanto, © tinico aspecto em que as novas varie- dades representam de fato um “avango” € nos seus sistemas ecolégicos apropriados, nao pelos experimentos ¢ avalia- ‘Bes, e sim pela rejeigdo anticientifica do saber local como algo primitivo ¢ a falsa promessa de “milagres’ ~ de arvores € sementes “milagrosas*. Contudo, como Angus Wright observou: Onde a pesquisa agricola tomou um caminko errado ‘foi exatamente ao dizer e permitir que dissessem que um o7 ‘MonocuLrutasia Mente ‘milagre estava sendo realizado... Historicamente, a ciéncia @ a tecnologia fizeram seus primeiros avangos rejeitando a ideia de milagres no mundo natural. Taluez fosse melhor voltar a essa postura?6 A insustentabilidade das monoculturas A caracteristica crucial das monoculturas € que, além de substituir as alternativas, destroem até mesmo a sua base. Nito toleram outros sistemas © nau Siu cxpazes de se reproduzir de maneira sustentavel. A uniformicade da flo- esta “normal” que a silvicultura *clentifica” esté tentando criar ransforma-se numa formula de insustentabilidade. A substituicdo dos conhecimentos florestais locais pela silvicultura “cientifica” correspondeu ao mesmo tempo uma perda da diversidade florestal e sua substituigio por mono- culturas uniformes. Como a produtividade biologica da flo- testa baseia-se ecologicamente em sua diversidade, a des- truigio do saber local e, com ele, da diversidade vegetal, Jevam a degradacao da floresta e a0 solapamento de sua sustentabilidade. O aumento da produtividade do ponto de vista comercial dests6i a produtividade do ponto de vista «das comunidades locais. A uniformidade da floresta adminis- ‘ada tem por objetivo gerar “safras sustentiveis". No entan- to, a uniformidade destr6i as condigdes de renovacao dos ecossistemas florestais e € ecologicamente insustentével No paradigma da silvicultura comercial, “sustentabili- dade" € uma questio de oferta para © mercado, nao de Feprodugio de um ecossistema em sua diversidade biolo- igica ou em sua estabilidade hidrica ¢ climatica. Como diz Schlich: "Os projetos florestais regulam as coisas de ma- neira que, segundo a época ¢ a localidade, a administragio das florestas realize tanto quanto possivel os objetivos da 6s Monocurrusns oa Mente indidstria."27 A administragdo sustentivel das safras tem por objetivo produzir “os melhores resultados financeiros, ou 0 maior volume possivel, ou a classe mais apropriada de pro- dutos", Se isso pudesse ser feito ao mesmo tempo em que fosse mantido o ecossistema florestal, terfamos a sustenta- bilidade da natureza, e nao apenas uma sustentabilidade de curto prazo para suprit 0 mercado com madeira industrial € comercial. No entanto, 0 “cultivo sustentivel’, tal como 0 compreende a administragao florestal, baseia-se no pressu- posto de que a floresta real, ou a floresta natural, nao € ‘uma floresta “normal”, @ uma entidade “anormal”. Quando a “normalidade” € determinada pelas demandas do merca- do, os componentes no comercializaveis do ecossistema da floresta natural sto vistos como “anormais" ¢ destruidos pelas recomendagdes dos projetos floresiais. Uniformidade na floresta € uma exigencia dos merca- os centralizados e da indiistria centralizada. No entanto, a uniformidade € contritia aos processos da natureza. A transformacao de florestas naturais mistas em monoculturas uniformes permite a entrada direta do sol e das chuvas tro- picais; © sol resseca os solos com o seu calor, as chuvas arrancam a camada superior fértil do solo. Menos umidade €arazio de um rapido retrocesso das regides florestais. Os incéndios recentes de Kalimantan estdo intimamente rela- cionados com a aridizagio provocada pela conversio de florestas Gmidas em plantagdes de eucaliptos © acicias, Inundagdes € secas so criadas onde antigamente a flores- ta tropical amortecia o impacto das chuvas. Nas floresias tropicais, a derrubada seletiva de espé- ies comerciais produz somente pequenas safras (5-25 m> Por hectare), a0 passo que © corte indiscriminado pode chegar a 450 m? por hectare. A insustentabilidade de der- subadas seletivas também pode ser vista na experiéncia do Picop, um empreendimento conjunto criado em 1952 entre 69 “MonocucrutAs on Menre a International Paper Company, uma empresa norte-ameri- cana € a maior produtora de papel do mundo, € a Andre Soriano Corporation, das Filipinas. Esse empreendimento tetira apenas 10% do volume total de madeira, aproxima- damente 67 m? por acre da floresta virgem. Entretanto, as medidas do crescimento anual feitas pela companhia mos- tram que o segundo conte s6 vai produzir 34m} de madeira litil por acre, a metade do primeiro corte, insuficiente para manter a produgao de madeira compensada e de folheados, © as serrarias da empresa funcionando num nivel lucrativo. A Picop pode obter *safras sustentaveis" reduzindo o diametro da extragio. No momento, 0 governo permite que a Picop retire todas as érvores com mais de 80 cm de dia- metro, € uma certa proporgio daquelas que tém 60 cm ou mais de diametro. Se no segundo cone a empresa puder derrubar todas as arvores'com mais de 30 ou 40 cm de di- ‘metro, poderiam ter condigdes de um terceito corte. Mas Cortar vores menores na segunda rodada nao faria, evi- dentemente, com que a floresta crescesse mais rapido para uma terceira, uma quarta € uma quinta rodada, As plantagdes da Picop também fracassaram. A em- Presa teve de replantar 30 mil acres de uma variedade de eucalipto da Nova Guiné Papua que foi atacada por uma raga. Suas plantagoes de 25 mil acres de pinheiros tam- bém fracassaram. A USS 400 por acre, foi um erro de US$ 10 milhoes. Angel Alcala, professor de biologia da Siliman Uni- versity, das Filipinas, observa que a derrubada seletiva de arvores € boa teoricamente, mas no di certo na pritica “Com a derrubada seletiva, supae-se que voc vai reti- rar somente algumas drvores e deixar o resto crescendo, de ‘modo que wat poder voltar depois e retirar mais algumas, sem desiruir a floresta. Esse 6, supostamente, um sistema sustentével. No entanto, agui, embora usem a expresso 70 MonocULTLRAs DA Mere derrubada seletiva, bd apenas uma cotheita, uma grande colbeita. Depois ndo ha mais nada," ‘Um estudo descobriu que 14% da rea madeireira € derrubada para a construgo de estradas ¢ outros 27% para @ passagem de caminhOes com sapatas. Assim, mais de 40% de uma concessio pode ser privada de sua vegetagio pro- tetora e ficar extremamente vulnerdvel @ erosao. Essa cifra pode chegar a 603.2 Em florestas dipterocdtpicas, com uma média de 58 Arvores por acre, para cada 10 derrubadas deliberadamen- ©, outras 13 sto quebradas ou damificadas. A derrubada seletiva danifica mais Arvores do que retira, Em uma flores- ta dipterocdrpica da Malisia, somente 10% das drvores fo- ram retiradas; 55% foram destruidas ou gravemente dani- Ficadas. $6 3396 ficaram intactas. Na Indonésia, segundo 0 gerente da Georgia-Pacific, eles danificam ou destroem um niimero de arvores mais de trés vezes superior ao que der- subam deliberadamente 20 Segundo um relatério da Unesco sobre ecossistemas florestais dos tr6picos, ndo ha muitas florestas ricas o bas- ante para permitir uma derrubada realmente seletiva — a remogio de cada arvore (la espécie desejada) assim que ela atinge 0 tamanho comercializiivel. Além de toda drvore causar danos consideriveis a0 cair, 0 equipamento pesado necessirio a derrubada causa mais danos ainda. Em sintese, a derrubada realmente seletiva € impraticivel, independen- temente da estrutura, composigio € dinamismo das pro- postas originais. Esse paradigma, que destr6i a diversidade da comuni- dade florestal tanto pelo corte indiscriminado quanto pelo seletivo, destr6i simultaneamente as proprias condig&es de renovagao da comunidade florestal. Embora a diversidade das espécies seja 0 que tora a floresta tropical rica bio- logicamente, © sustentivel, essa mesma diversidade Jeva a 7 ‘Monocuerunas va Mente densidade das espécies individuais. Portanto, o paradigma reducionista converte um sistema biologicamente rico num recurso empobrecido e, em consequencia, nao renovivel. Desse modo, embora a producdo biolégica anual da flores- ta tropical seja de 300 toneladas por hectare, em compara- 40 com as 150 toneladas por hectare, a produgio anual de madeira comercial & de apenas 0,14 m? por hectare em mé- dia nas florestas tropicais, em comparagto com os 1,08%6 m3. Na Asia tropical, a produglo comercial é de 0,39 m> por hectare, devido a riqueza da diversidade de espécies comer- ciais das florestas dipterocérpicas 3! No sistema dominante, as estrategias de sobrevivencia financeira determinam o conceito de “safra sustentivel” € sao, em geral, uma violagto dos principios da produtivi- dade biol6gica sustentével, As safras sustentiveis baseadas em categorias de plantas com um difimetto cada vez menor que podem ser derubadas leva 20 suicidio biolégico ¢ a destruicdo total das florestas Fahser fala de um projeto florestal do Brasil, com obje- tivos de “auto-ajuda” € satisfagio de necessidades basicas, que destruiu tanto as florestas quanto as comunidades cuja melhoria de condigdes de vida era a meta: Gom a fundagao da primeira Faculdade de Ciéncia Florestal ¢ a disseminagdo do saber da silvicultura moder- na, um fato marcante aconteceu de fato nas florestas do Brasil. Um conbecimento maior de economia incentivou pessoas treinadas a adotar novas abordagens: a floresia natural, com suas muitas espécies, fol substituida por imen- sas plantacées de pinbeiros e eucaliptos para a industria ‘madeireira; trabalbadores fracos ¢ que n&o inspiravam confianga foram substituidos por uma poderosa maquina: ria de coleta de madeira; as cordilbeiras Mtordneas, intactas aid esse momento, foram conquistadas, com 0 1s0 de guin- dastes como elegante meio de transporte, 72 ‘MoNocuLrawas Da Menre Desde que comegou o programa de ajuda ao desenvol- vimento florestal, 0 reflorestamento do Parana catu de cer- ca de 40% para seu nivel atual de 8%. A transformagao em estepe, a erosiio e as inundagdes periédicas estiio aumen- tando. Nossos congéneres brasileiros altamente qualificados ‘agora estado voliando os olbos para as regides amazénicas do Norte, onde ainda ba muitas florestas e onde estado “administrando” plantagées de madeira para obter celulase (como a Gmelina arborea, por exemplo) com periodos de rotagéo de apenas seis anes. (© que aconteceu @ populacdo durante o periodo de cerca de 20 anos do projeto, aquelas pessoas cuyas necesst- dades basicas deviam ser satisfeitas e que deviam receber ajuda para que pudessem ajudar a si mesmas? Hoje 0 Parand perdeu grande parte de suas florestas e estd coberto de agricultura mecanizada. A maioria dos indios ¢ muitos imigranies que viviam ali numa economia de subsisténcia, ow conto pequenos fazendeiras, desapareceram silenciosa- mente, empobreceram e foram para as favelas dos arredores das cidades grandes. Na unidade florestal de capital inten- sivo, 0 modelo de mecanizaco da América do Norte e da Bscandinavia agora predomina. S6 uns poucos especialistas @ uns poucos assalariadas ainda sdo necessdrics para as épocas de pico do trabatho3? ‘Onde o saber local nfo extinto por completo, as comunidades resistem a destrui¢io ecol6gica perpetrada pela introduc de monoculturas. “Disseminar 0 verde” com eucaliptos algo contririo 4 matureza e a seus citlos € esta enfrentando a resisténcia de comunidades que depen- dem da estabilidade dos ciclos naturais para obter seus sus- tento sob a forma de comida e agua. Nas condigdes especi- ficas das regides onde ha pouca chuva, as necessidades absurdas que o eucalipto tem de nutrientes € Agua nio deixam nada no solo além de terpenos que, por sua vez, 2B MonecuLrutas oa Mane inibem o crescimento de outras plantas e sto toxicos para organismos do solo responsiveis por sua ferilidade e pela melhoria de sua estrutura, © eucalipto cestamente aumen- tou © fluxo de dinheiro € mercadorias, mas resultou numa interrupgio desastrosa dos fluxos de matéria organica e gua no interior do ecossistema local. Seus proponentes no calcularam os custos em termos de destruigao da vida € do solo, do esgotamemto das reservas de Agua ¢ da escas- sez de comida ¢ forragem que 0 cultivo do eucalipto cri E também ndo viram que, na india, enquanto procuravam diminuir os intervalos entre as derrubadas, 0 tamarineiro, a Jaqucira © 0 bonge ei cicles muito rpidus de um ano, em que a biomassa coletada € muito superior & do eucalipto que, apesar de tudo isso, declaram ser uma arvore “mila- grosa", O “x” da questo € que a produgio de frutas nunca foi de interesse da silvicultura em seu paradigma reducio- nista — concentrou-se apenas na madeira, e exclusivamente na madeira para 0 mercado, © eucalipto € uma espéci estrangeira introduzida com total desconsiderago por sua adequagio ecologica e tomou-se um exemplo de reflores- tamento antivida.33 Populagdes de todos os lugares do mundo resistiram a expansio do eucalipto porque ele destrdi os sistemas hidri- cos € alimentares, assim como 0 solo. No dia 10 de agosto de 1983, os camponeses das aldeias Barha e Holahalli, no distrito de Tumkur (Karnataka) marcharam em massa até 0 viveiro florestal e arrancaram milhées de mudas de eucalip- tos, plantando sementes de tamarindo e manga em seu lu- gar. Esse ato de protesto, pelo qual foram presos, fala con- tra a destruigio virtual e planejada dos sistemas de dgua solo pelo cultivo do eucalipto. Também questiona a domi- nagio da ciéncia florestal que reduziu todas as espécies a uma tinica (0 eucalipto), todas as necessidaces a uma ‘nica (@ da indistria de polpa) € todo saber a um nico (0 do Banco Mundial € das autoridaces florestais). Questiona o 74 ‘Monocutrueasba Mente mito'da drvore milagrosa: 0 tamarindo e a manga sio sim- bolos das energias da natureza e da populagao local, dos Vinculos entre suas sementes € 0 solo, e das necessidades que essas frvores — © outras como elas ~ satisfazem a0 manter a terra € as pessoas vivas. Silvicultura voltada para a producao de alimentos ~ alimentos para 0 solo, para os animais criados nas fazendas, para as pessoas — todas as Iutas das mulheres ¢ dos camponeses gira em torno dese tema, quer sejam travadas em Garhwal ou em Karnataka, nas Santhal Perganas ou em Chattisgarh, em reservas flo- restais, em fazendas ou terras comunitérias. Em junho de 1988, €m protesto contra © plantio de eucaliptos, os aldeoes do norte da Tailindia queimaram viveiros de mudas de eucaliptos num posto florestal ‘A destruigio da diversidade na agricultura também & uma fonte de insustentabilidade. As variedades “milagro- sas” substituiram as safras cultivadas tradicionalmente e, gragas 4 erosio da diversidade, as novas sementes torna- ram-se um mecanismo para introduzir ¢ aumentar as pri- ‘825. As variedades nativas ou espécies autéctones sao resis- tentes a pestes ¢ doengas locais. Mesmo que certas doencas se manifestem, algumas variedades podem ser atingidas, enquanto outras mostram resistencia e sobrevivem. A roti- ho de culturas também ajuda no controle de pragas. Como muitas delas s40 especificas de determinadas plantas, 0 plantio em diferentes estagdes ¢ em diferentes anos leva a grandes redugdes na populagio de pragas. Entretanto, 0 plantio da mesma safra em grandes reas ano apés ano promove © aumento das pragas. Os sistemas de cultivo baseados na diversidade tém, portanto, um sistema inato de protesio. Depois de destriir os mecanismos de que a natureza dispoe para controlar as pragas com a destruigio da diver- sidade, as sementes *milagrosas’ da Revolucio Verde trans- formaram-se em mecanismos de criagio de novas pragas € 75 ‘Monocutrueas pa Mente de novas doengas. A grande roda de criagio de novas va- riedades gira incessantemente a medida que variedades eco- logicamente vulneriveis criam novas pestes, que criam a necessidade de criar outras novas variedades, © nico milagre que parece ter sido realizado com a estratégia de criaclo de sementes da Revolucio Verde € 0 ‘Surgimento de pragas ¢ doengas , com elas, a demanda cada vez maior por pesticidas. No entanto, 05 novos custos das novas pragas e pesticidas venenosos nunca foram con- siderados parte do “milagre” das novas sementes que seus criadores modemnos trouxeram a0 mundo com o nome de “seguranga alimentar* crescente. As *sementes milagrosas* da Revolugio Verde tinham como objetivo libertar 0 agricultor indiano das restrigées impostas pela natureza. Em vez disso, monoculturas em lar- ga escala de variedades estrangeiras geraram uma nova vul- nerabilidade ecologica com a redugao da diversidade gené- tica € 2 desestabilizagao dos sistemas do solo ¢ da Agua. A Revolugdo Verde levou a uma mudanga das antigas rota- ses de culturas de cereais, sementes oleaginosas e legu- ‘mes para uma rotagdo de arroz/trigo com insumos intensi- vos de irrigagdo e produtos quimicos. A rotagao arroz/trigo ctiou um retrocesso ecolbgico com problemas graves de alagamento em regides irigadas por canais e esgotamento dos lengbis fredticos nas regides irrigadas por canos, Além disso, as variedades de alto rendimento levaram a deficién- ‘cias em larga escala de mictonutrientes nos solos, princi palmente de ferro, onde o arroz é cultivado, e de manganés, onde 0 trigo é cultivado. Esses problemas foram criados pela ecologia das se- mentes VAR, ainda que no deliberadamente. A grande de- ‘manda de Agua dessas sementes requer maiores quantidades de digua € a conseqiiéncia € 0 risco de aridizagio devido 20 ‘alagamento de algumas regides e desertficagao em outras. A grande demanda de nutrientes causou deficiéncias de micro- 76 ‘MonocuLTuRAs a MENTE nutrientes, por um lado, mas também é insustentavel, porque maiores aplicagdes de fertilizantes quimicos tornaram-se necessirias para manter a producao, aumentando assim os custos sem retornos crescentes, A demanda das sementes VAR por insumos intensivos e uniformes de agua ¢ produtos quimicos também tomou as monoculturas de larga escala tum imperativo €, como as monoculturas so extremamente vulheriveis a pragas € doengas, um novo custo foi criado: a aquisicio de pesticidas. A instabilidade ecolégica inerente as sementes VAR traduziu-se, portanto, em inviabilidade econé- mica, As sementes milagrosas nio sto milagre nenhum, afi- nal de contas. ‘A agricultura sustentavel baseia-se na reciclagem dos nutrientes do solo. Isso implica devolver ao solo parte dos nutrientes que vém dele, seja diretamente como fertilizante orginico, seja indiretamente por meio do esterco dos ani- mais criados nas fazendas. A manutencio do ciclo de nutri entes e, por meio dela, da fertilidade do solo, baseia-se nessa lei inviolvel do retomo, que € um elemento atempo- ral, essencial & agricultura sustentavel. © paradigma da Revolugdo Verde substituiu © ciclo dos nutrientes por fluxos lineares de insumos de fertlizan- tes quimicos comprados de fabrics e produtos comerciali- zados de bens agricolas. No entanto, a fertilidade dos solos nao pode ser reduzida a NPK de fabricas, ¢ a produtividade agricola inclui necessariamente retomar a0 solo parte dos produtos biolégicos que ele fornece. As tecnologias nao tém condigdes de substituir a natureza ¢ 0 trabalho fora dos processos ecolégicos da natureza sem destruir a propria base da produgio. E 0s mercados também nao podem cons- tituir a Gnica medida de “produgao” ¢ “rendimento' ‘A Revolugio Verde criow a idéia de que a fertilidade do solo & produzida nas fabricas de substancias quimicas € que a produtividade agricola 56 pode ser medida por meio das mercadorias vendidas. Safras que fixam 0 nitrogénio, 7 ‘MONDCULTURAS WA MQTE como os legumes, sio, portanto, descartadas. Os paingos ou milhetes, que t&m uma produtividade elevada do ponto de vista do retomo de matéria orginica ao solo, foram rejei- tados como safras “marginais”. Os produtos biol6gicos que no sto vendidos no mercado, mas que s30 usados como insumos internos para manter a fertlidade do solo foram totalmente ignorados nas equagdes de custo-beneficio do milagre da Revolugio Verde. Nao aparecem na lista de insumes porque ndo foram comprados, e ndo aparece ‘como produtos porque nio foram vendidos. No entanto, 0 que € “improdutivo" ou “lixo” no con texto comercial da Kevolugio Verde agora esti comecando @ aparecer como algo produtivo no contexto ecol6gico © como © Gnico caminho para uma agricultura sustentivel ‘Ao tralar os insumos orgénicos essenciais que mantém a integridade da nawureza como ‘lixo", a estratégia da Revo- lucdo Verde assegurou que 0s solos férteis € produtivos ‘sdo, na verdade, um mionte de lixo, A tecnologia de *me- thoria da terra” mostrou ser uma tecnologia de degradagao € destruigio do solo. Com 0 efeito estufa ¢ © aquecimento global, uma nova dimensao foi acrescentada a ago eco- logicamente destrutiva dos fertlizantes quimicos. Os ferti- lizantes & base de nittogénio liberam 6xido nitroso. na atmosfera; este € um dos gases de efeito estufa que esti causando © aquecimento global. Portanto, a agricultura quimica contribuiu para a erosio da seguranga alimentar por meio da poluigto da terra, da Agua e da atmosfera.24 A democratizagao do saber As silviculturas modernas sto um sistema de saber exclusivista que gira unicamente em tomo da produgio de madeira industrial € tomaram o lugar dos sistemas de saber locais que véem a floresta do ponto de vista da producio 78 Monecuiriansn Mente de alimentos, da produgao de forragem € cla produgio de Agua. O foco exclusive na madeira industrial destr6i a capa- cidade de produgao de alimento, forragem e agua da flo- resta. Rompe as ligagdes entre a silvicultura € @ agricultura €, 20 tentar aumentar a produgio de madeira comercial/in- dusttial, cria uma monocultura de espécies de arvores. eucalipto tomou-se um simbolo dessa monocultura ‘A agricultura modema gira exclusivamente em torno da produgio de mercadorias agricolas. Toma o lugar dos sistemas de saber locais que véem a agricultura como a producto de diversas safras com insumos internos, subs tuindo essa diversidade por monoculturas de variedades estrangeiras que precism de insumos industrials externos. 0 foco exclusivo nos insumos extemos ¢ na producio co- mercial destr6i as safras diversificadas de legumes, semen- tes oleaginosas e paingo e rompe os ciclos ecolégicos local na tentativa de aumentar a produgio de uma Gnica safra, ccria monoculturas de certas variedades. O VAR tomou-se tum simboto dessa monocultura. A ctise do sistema dominante de saber tern muitas facetas: 4) Como © saber dominante tem relagdes muito intimas como 0 economicismo, nao tem vinculo nenhum com as necessidades humanas, 90% dessa produgtio de saber poderia ser descartada sem nenhum risco de privagao humana. Ao contririo: como uma grande parte desse saber ¢ fonte de perigo e ameagas a vida humana (Bho- pal, Chernobil, Sandoz), seu fim aumentaria as possibili- dades de bem-estar humano. bb) As implicagées politicas do sistema de saber dominante ‘slo incompativeis com a igualdade e a justica, Rompe a coesto no seio das comunidades locais ¢ polariza a so- Giedade entre os que t@m acesso a ele € os que nao tem, tanto em relagao aos sistemas de saber quanto a0 sis- tema de poder, ‘MonocuLrueas ba MENTE ©) Sendo inerentemente fragmentador € tendo uma obso- lescéncia inata, 0 saber domninante cria uma alienagio entre saber © conhecimento, dispensando o primeiro. ) Inerentemente colonizador, inerentemente mistificador, promovendo a colonizacdo com a mistificacao. €) Afasta-se dos contextos concretos, desqualificando © sa- ber local e pritico como inadequadeo. f) Impede o acesso e a participago de uma pluralidade de sujeitos, ) Descarta uma pluralidade de caminhos que levam ao conhecimento da natureza ¢ do universo. £ uma mono- cultura mental ‘Tabela 6. Comparacdo entre os sistemas de saber local e dominante. Sistema local ‘Sistema dominante 1 Siva 6 agieukora 1 Sivcuhiva © agieukura sepa integra rads, 2 Os sistemas jtegiedos tom produgses maldkmensiona | 2 Todo stoma sopavado tome-se ‘Astlorestes produrem madera, | unidimensional. As florestas forragern, gua ete. A agneu- | pleduzem apenas madeira co- Tura produ uma gtande ghersi. | erGa. A agriculture produz sor dade do sates slmenticis, mente safras comercies, 3. A produtividade do sistema | A produttidode 6 ume medida local é uma medida muttidiman- | unidimensional, em enum sional, uo tom um aspecto de | incu com @ preservaczo, presenorso © 0 aumento a produiveade | 0 aumento da produinidade esses sstomes de seber leva | nesses sistemas de saber lee 20 aurento de produgées mu- | a0 aumento do uma prodgdo ‘idimensionais @ 20 fortalec- | unidimensional a romper ae manta integra. Integragdes @ tomer 0 ugar das Produgdes diersiadas. 5. Produthidade taseads na pre- | Produtvdace baseads na crngao ‘srvagse os cveridode de monocultres © na destuigio da dhersidod 6. Sistema sustortave ‘Sitoma insusiontavel Monocu suas on Menne © saber ocidental moderno € um sistema cultural par- ticular com uma relagao particular com © poder. No entan- to, tem sido apresentado como algo que est acima da cul- tura e da politica. Sua relacio com o projeto de desenvol- vimento econdmico € invisivel e, por isso, tornou-se parte de um processo de legitimagao mais efetivo para a homoge- neizacio do mundo € da erosio de sua riqueza ecol6gica ¢ cultural. A tirania € os privilégios hierérquicos que fazem parte do impulso de desenvolvimento também fazem parte do saber globalizante no qual o paradigina de desenvolvi mento esta enraizado € do qual deriva sua argumentacio légica © sua legitimagio. © poder com © qual o sistema de saber dominante subjugou todos 0s outros torna-o excli- sivista € antidemocritico. ‘A democratizagto do saber transformou-se num pré- requisito crucial para a liberacdo humana porque o sistema de saber contemporiineo exclui o humano por sua propria estrutura, Lm proceso desse tipo de democratizacao envol- veria uma tal redefinigio do saber que © local e diversi cado viria a ser considerado legitimo € visto como um saber indispensavel porque a concretude € a realidade, a globalizacao € a universalizacio sio meras abstragdes que violam concreto e, por conseguinte, o real. Essa passa~ gem da globalizacio para o saber local € importante para © projeto de liberdade humana porque libera o saber da dependéncia de formas estabelecidas de pensamento, tor- nando-o silmultaneamente mais aut6nomo e mais auténti- co, A democratizagao baseada numa “insurreigdo do saber subjugado” € um componente desejavel € necessirio dos processos mais amplos de democratizagio porque © para- digma anterior esti em crise e, apesar de seu poder de manipulagio, € incapaz de proteger tanto sobrevivencia da natureza quanto a sobrevivéncia humana a1 ‘Monocu.zuras.oa Mere Referencias Bibliogréficas 1, HARDING, 8. The Science Question in Feminism, thaca: Cornell University Press, 1986. p. & 2. KUHN, T. The Sintcture of Scientific Revolutions, Chicago: University of Chicago Press, 1972. 3. HORTON, X, “African Traditional Thought and Western Science’, Afrtea 37, p. 2 1967. 4, HARDING, op. cit. p. 30. 5. SHIVA, V. Ecology and the Politics of Surv. 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