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ESPIRITUALIDADE PARA CÉTICOS

DA FILOSOFIA AO ESPÍRITO E À ESPIRITUALIDADE1

A palavra “espírito” evoca muitas imagens. Pode referir-se a disposição de


ânimo. Evoca também uma paixão partilhada não mística (espírito de equipe): é
nesse sentido uma idéia caracteristicamente social porque representa nossa
sensação de participar e pertencer a uma humanidade e um mundo muito maior do
que nossos egos individuais. No seu emprego mais dramático, espírito pode referir-
se a uma esfera que é sobrenatural. Hegel e Nietzsche rejeitaram um conceito de
alma que se afastasse sob algum aspecto do terreno e do natural, mas nenhum dos
dois podia tolerar um mundo desprovido de alma, um mundo sem espírito e
espiritualidade.
Passando do etéreo para o vulgar, “espírito” também se refere a aquelas
bebidas de alto teor alcoólico que, pelo menos em seus efeitos iniciais, tendem a
levantar energicamente nosso espírito. Hegel refere-se a isso como uma alegre folia
de embriaguez, o que significava deixar nossos pensamentos e sentimentos
seguirem seu curso natural, o que, pensava ele, levaria naturalmente ao
reconhecimento de nós mesmos com os outros e o mundo como Espírito. Para
Nietzsche, que considera sua filosofia como dionisíaca, o dionisíaco dizia respeito à
libertação, a perder a noção de individualidade racional e ganhar uma noção de
unidade com o cosmo maior.
“Espírito”, que soa como um nome, significa em última análise
espiritualidade, uma propriedade, uma aspecto, um estado de ânimo, um modo de
ser. A espiritualidade é um fenômeno humano. É parte essencial da existência
humana, talvez até da natureza humana. Ela requer uma pergunta fundamental: “Por
quê?” Requer um reconhecimento da morte (a nossa própria e a dos outros) e,
conseqüentemente, da contingência e da preciosidade da vida. Requer uma
consciência do trágico, das medonhas possibilidades que nos ameaçam e,
finalmente, nos acontecem. Requer uma aguda concepção do self, não apenas

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SOLOMON, Robert C., Espiritualidade para céticos, paixão, verdade cósmica e
racionalidade no século XXI, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, capítulo
primeiro
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consciência ou mera percepção, mas também autoconsciência e auto-reflexão, o


impulso a “uma vida examinada”.
A espiritualidade é oposta ao meramente técnico e à argumentação
fastidiosa que se recusa a aceitar qualquer coisa como um todo vivo e insiste em
dissecar os pedaços inertes. Mas, ainda que a espiritualidade escape a categorias
analíticas estreitas e seja menos passível de argumento e “prova” que uma hipótese
empírica limitada ou uma experiência matemática, essa carência das categorias
adequadas não é razão para se dizer que ela é irracional ou indescritível.
No mínimo, a espiritualidade é a percepção sutil e não facilmente
explicável que envolve praticamente toda e qualquer coisa que transcenda nosso
mesquinho interesse pessoal. É uma forma expandida do self, o que não significa
dizer que é uma forma expandida do egoísmo.
A fusão de espiritualidade e religião por vezes é baseada na idéia que
ambas consistem fundamentalmente em crenças. Mas a espiritualidade não é
fundamentalmente uma questão de crenças, embora as envolva. É antes uma
maneira (ou um enorme número de maneiras) de experimentar o mundo, de viver,
de interagir com outras pessoas e com o mundo. Envolve um conjunto de práticas e
rituais, não necessariamente prece, cultos, meditação ou rituais prescritos de
purificação, mas um sem-número de maneiras, individuais ou coletivas, de pensar,
olhar, falar, sentir, mover-se e agir. A religião, em contraposição, é filiação.
Ciência e religião envolvem não tanto crenças ou sistemas de crenças
opostos quanto maneiras diferentes de ver o mundo. A ciência pode insistir em
explanações causais objetivas enquanto a religião prefere uma visão animada e
intencional do mundo. Segundo Kant, “a ciência é organização do conhecimento,
mas a sabedoria é a organização da vida”. Se a espiritualidade, como a ciência, não
começar com assombro, poderá começar de algum modo? Uma visão de mundo
como espírito e um senso de espiritualidade podem ou não ser científicos, mas não
precisam contradizer em ponto algum as afirmações da ciência. A espiritualidade
pode nos estimular a tomar a vida e a própria existência do mundo como uma
dádiva, até como um milagre, contanto que isso não seja usado como desculpa para
fechar a porta à curiosidade e à indagação cientifica.
É preciso não incorrer na “pretensão transcendental”. A pretensão
transcendental significa invocar não só autoridades (transcendentes) que imporiam
seus mandamentos ou o “único modo” ao mundo, mas também e sobretudo os que
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insistiriam que sua perspectiva do mundo é a perspectiva correta. Isso inclui tanto a
visão cientifica quanto qualquer visão religiosa do mundo.
Como a compreensão cientifica, a iluminação espiritual não surge de uma
vez. Requer atenção, trabalho, desenvolvimento e tempo. É muito menos uma
transformação instantânea que o inicio de um longo e complexo processo. Nesse
sentido ela é ritual e prática. Ritual não é meramente algo que se faz mas antes
algo que se vive, e envolve ações cotidianas e não só serviços e sacramentos
especiais. Pelo fato de requerer ação como parte de sua própria essência, a
espiritualidade é uma estranheza filosófica. É tanto um modo de fazer quanto um
modo de ser, pensar e sentir. Nesse sentido, a espiritualidade não é algo limitado ou
especial para alguns privilegiados: é nada menos do que a compreensão do que é
melhor em todos nós. É ela que nos convida a abraçar os outros e amar nosso
próximo como a nós mesmos, isto é, como espírito.
De todos os rituais que definiram a busca da espiritualidade, aquele que
parece mais central e mais diretamente instrumental é a própria filosofia. A filosofia é
uma prática social. Sócrates, mais do que qualquer outro filósofo, demonstrou a
natureza social da filosofia e daqueles rituais de conversa chamados dialética.
Identificar filosofia com espiritualidade é uma reação não contra a verdade ou a
ciência, mas contra a diluição da filosofia, que chegou a tal ponto que ela se tornou
quase irrelevante para o resto do mundo acadêmico, cultural e intelectual, para não
mencionar a comunidade mais ampla das humanidades. Trata-se de um retorno a
todas aquelas concepções anteriores de filosofia orientada para a sabedoria que
dominou a disciplina desde os antigos Vedas indianos até as filosofias religiosas da
Idade Média e também grande parte da filosofia moderna. Mas desde o Iluminismo
ocidental (um movimento que estranhamente buscou a “iluminação” intelectual,
homônima da iluminação religiosa celebrada no Oriente), tanto a religião quanto a
espiritualidade estiveram na defensiva. Desde então, espiritualidade e filosofia foram
pensadas como antagonistas, pelo menos no Ocidente: a espiritualidade, como o
sentimentalismo e a superstição, é com demasiada freqüência algo falso, algo
barato, algo com enormes pretensões desprovidas de conteúdo. Enquanto isso, a
filosofia tornou-se intraduzivelmente técnica e “cientifica”.
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NATURALIZAÇÃO DA ESPIRITUALIDADE
Significa rejeitar qualquer concepção que minimize o valor da vida em
favor de outro tipo de existência ou valor. Isto não significa que nada é mais
importante que a vida de uma pessoa (amor e honra, por exemplo, podem valer
mais). Significa insistir que esta vida, com todas as suas alegrias e atribulações, é a
única em que vale a pena pensar.
Naturalismo não é o mesmo que materialismo, tanto no sentido usual de
uma ênfase nos bens materiais da vida quanto no sentido filosófico de que só existe
matéria (e energia).

ESPIRITUALIDADE AUTO-REALIZADORA
A espiritualidade á auto-realizadora, isto é, passa a existir quando se
acredita nela. A adoção de uma atitude que evita as dúvidas e o desânimo mais
debilitantes torna o sucesso pelo menos mais provável. A espiritualidade pode não
ser uma façanha ou um sucesso no mesmo sentido que vencer uma corrida ou sair-
se bem, mas é a adoção de uma postura ou de uma atitude positiva em que se
abrem possibilidades de toda sorte, que talvez não estivessem evidentes antes.

Existe uma analogia com a consciência. Ser consciente é preencher


algumas condições conceituais bastante complexas, entre as quais ter um conceito
de mente, um conceito do “eu”, e a capacidade narrativa para contar alguns tipos de
história. A auto-reflexão, em certo sentido, não é algo acrescentado à consciência,
mas sua própria precondição. A consciência existe, poderíamos dizer, apenas na
medida em que criaturas conscientes têm um conceito de consciência, isto é, têm
uma concepção de si mesmas como conscientes, uma concepção de uma “vida
interior”. Em outras palavras, acreditar que se é consciente (que foi a famosa
descoberta de Descartes) é nesse sentido uma profecia que promove sua própria
realização (embora Descartes tenha cometido o erro de pensar que com isso
descobríamos nossa autoconsciência e não que a constituíamos). Da mesma forma,
alcançar a espiritualidade requer, como precondição, ganhar (constituir) alguma
noção de si mesmo como espiritual.
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ESPIRITUALIDADE COMO UM SENTIDO MAIS AMPLO DA VIDA


O sentido da vida é a própria vida. O propósito da vida não é a busca de
alguma outra vida e ela é tampouco a luta sem sentido pela sobrevivência e a
existência deplorada por darwinistas melancólicos ou pessimistas. O significado da
vida não deve ser medido por algo externo a ela, mas pelo modo como vivemos e
apreciamos nossas vidas em seus próprios termos. Em lugar do duvidoso propósito
de transcender a vida, defendamos o ideal de transcendermos a nós mesmos na
vida.
A música expressa toda a gama das emoções humanas e, ao mesmo
tempo, é sua sociabilidade e sensualidade que fazem dela um paradigma tão
apropriado ou pelo menos uma metáfora útil da espiritualidade naturalizada. A
espiritualidade, como a música, é uma celebração da vida, e nós a sentimos nos
ossos. Pensar em nós mesmos restritivamente como seres espirituais, isto é, como
almas potencialmente flutuantes que estariam melhor sem o estorvo dos nossos
corpos, é rebaixarmos e entender mal a espiritualidade. Apreciar as pessoas pelo
que elas são é também a chave do nosso próprio bem-estar. Significa também que
não deveríamos ver a natureza como um mero recurso ou obstáculo para ambições
humanas, ou um objeto de estudo cientifico. Em sua melhor forma, a ciência
apresenta uma dimensão espiritual.
A política, em sua melhor forma, representa a espiritualidade, não talvez
em suas minúcias prosaicas, mas em sua sensibilidade social, a idéia de que
estamos todos juntos nisso e que para viver bem juntos precisamos pensar em nós
mesmos como fazendo algo mais que meramente viver juntos.

LIBERTAR A ALMA DA FILOSOFIA

Filosofia é uma tentativa de enfrentar o problema humano do significado,


perene, pessoal e universal. Isto não é negar que também exista, como Nietzsche
sugeriu, um curioso “desejo de verdade”, um fascínio por enigmas e paradoxos que,
uma vez estimulado, pode se manter aceso por anos. Mas filosofia não é isso. É
uma luta corporal, encarniçada com os problemas perenes da vida. Filosofia não é
uma especialidade, uma profissão, um clube exclusivo com suas própria regras e
senhas. Filosofia nada é senão lutar corpo a corpo com nossas paixões e refletir
sobre questões como o sentido da vida, da tragédia, da morte, nossa noção de nós
mesmos e, é claro, da própria filosofia, que não é em absoluto uma reserva
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exclusiva para um punhado de profissionais com formação universitária. A filosofia


se torna espiritualidade quando aprende como ouvir.

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