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Reitor
Alfredo Júlio Fernandes Neto
Conselho Editorial
Conselheiros
Adão de Siqueira Ferreira João Carlos Gabrielli Biffi
Daurea Abadia de Souza Paulo Roberto de Lima Bueno
Décio Gatti Júnior Roberto Rosa
Gina Maira Barbosa de Oliveira
Técnica Administrativa
Maria Amália Rocha
história e loucura:
saberes, práticas e narrativas
2010
Editora da Universidade Federal de Uberlândia
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-7078-235-9
CDU: 616.89(091)
Equipe de realização
7 Apresentação
Capítulo 1
15 Um sistema instável: as teorias ginecológicas sobre o corpo
feminino e a clínica psiquiátrica entre os séculos XIX e XX
Ana Paula Vosne Martins
Capítulo 2
51 Política assistencial psiquiátrica e o caso da Colônia Juliano
Moreira: exclusão e vida social (1940-1954)
Ana Teresa Acatauassú Venancio e Janis Alessandra Cassilia
Capítulo 3
85 Misticismo e doença mental em Xavier de Oliveira
Artur Cesar Isaia
Capítulo 4
105 A loucura sob um outro olhar: reorganização dos serviços de
atendimento em saúde mental (Uberlândia-MG, 1984-2005)
Maria Clara Tomaz Machado e Riciele Majori Reis Pombo
Capítulo 5
143 A ordem psiquiátrica e a máquina de curar: o Hospício Nossa
Senhora da Luz entre saberes, práticas e discursos sobre a loucura
(Paraná, final do século XIX e início do século XX)
Maurício Noboru Ouyama
Capítulo 6
177 A loucura entre dois mundos: práticas de intervenção
médica e assistencialismo no Sanatório Espírita de
Uberlândia (1932-1970)
Raphael Alberto Ribeiro
II – Narrativas: literaturas, escrituras ordinárias,
escritos médicos e outras narrativas
Capítulo 7
217 Narrativas da loucura em Dyonélio Machado
Mauro Gaglietti
Capítulo 8
253 Psiquiatria e história cultural: a literatura como fonte e a
loucura como objeto
Nádia Maria Weber Santos
Capítulo 9
287 “Quem senta na pedra fica doente, vadio e com preguiça”:
a invenção do trabalho numa colônia agrícola gaúcha
(1972-1982)
Viviane Trindade Borges
Capítulo 10
307 A cura em saúde mental: história e perspectivas atuais
Vládia Jucá
Capítulo 11
331 Um lugar (im)possível: narrativas sobre o viver em espaços
de internamento
Yonissa Marmitt Wadi
7
O artigo Um sistema instável: as teorias ginecológicas
sobre o corpo feminino e a clínica psiquiátrica entre os séculos
XIX e XX, de Ana Paula Vosne Martins, analisa as contri-
buições teóricas da ginecologia para a clínica psiquiátrica,
considerando a relação entre feminilidade e loucura com-
partilhadas pelos médicos das duas especialidades. Nesta
análise, a autora chama atenção para a centralidade da cate-
goria gênero na formulação do pensamento psiquiátrico e
para o estabelecimento de terapêuticas associadas às distin-
ções de gênero.
Política assistencial psiquiátrica e o caso da Colônia
Juliano Moreira: exclusão e vida social (1940-1954), de Ana
Teresa Acatauassú Venâncio e Janis Alessandra Cassilia, co-
loca-nos frente à história desta colônia, apresentando, em
primeiro lugar, as linhas gerais da articulação entre a assis-
tência psiquiátrica e as políticas de saúde dos anos 1940 e, a
seguir, a constituição de um espaço institucional, ao mesmo
tempo produtor de isolamento dos internos e construtor
de um núcleo urbano de vida social que envolvia estes inter-
nos, funcionários e famílias.
O artigo de Artur Cesar Isaia, Misticismo e doença
mental em Xavier de Oliveira, estuda o posicionamento
deste médico, herdeiro de Juliano Moreira, frente a este bi-
nômio. O autor destaca a posição do médico cearense que,
no primeiro quartel do século XX, ao denunciar o misticis-
mo e detectar a misticopatia indicava a periculosidade e a
subversão da ordem urbana por indivíduos adeptos de tais
práticas, concatenando-se com a então fase da Psiquiatria
voltada para a classificação social e ação preventiva frente
aos indivíduos considerados perigosos.
O texto A loucura sob um outro olhar: reorganização
dos serviços de atendimento em saúde mental (Uberlândia-
MG, 1984-2005), de Maria Clara Tomaz Machado e
Riciele Majori Reis Pombo, analisa as práticas de cuida-
8
dos com os portadores de sofrimento psíquico a partir
do advento da reforma psiquiátrica no Brasil. As auto-
ras centram-se na análise do processo de organização de
uma rede de atendimento em saúde mental na cidade de
Uberlândia-MG, a partir da década de 1980, consideran-
do os recursos políticos, humanos e materiais investidos
neste processo específico.
A ordem psiquiátrica e a máquina de curar: o Hospício
Nossa Senhora da Luz entre saberes, práticas e discursos sobre
a loucura (Paraná, final do século XIX e início do século XX),
de Maurício Noboru Ouyama problematiza o processo de
constituição da primeira grande instituição psiquiátrica para-
naense – o Hospício Nossa Senhora da Luz –, num período
histórico situado entre o final do século XIX e o início do sé-
culo XX, em que uma tecnologia asilar específica toma conta
das práticas exercidas sobre a loucura, evidenciando a com-
plexa teia de relações de poder que marcam tal constituição.
Por fim, neste primeiro eixo, encontra-se o artigo
de Raphael Alberto Ribeiro, A loucura entre dois mundos:
práticas de intervenção médica e assistencialismo no Sanatório
Espírita de Uberlândia (1932-1970), que retrata a institu-
cionalização da loucura nesta cidade do Triângulo Mineiro,
a partir de uma especificidade: sua relação direta com o
Espiritismo kardecista. O autor destaca, por meio da análise
e dos discursos e práticas dos praticantes desta religião na re-
gião, os significados desta relação desde os seus primórdios.
No segundo eixo, intitulado Narrativas: literatura, es-
crituras ordinárias, prontuários e outras narrativas, há cinco
trabalhos que centrados na análise de diferentes narrativas,
oriundas do campo literário, do saber médico, da experiên-
cia da internação psiquiátrica, ressignificam nosso entendi-
mento sobre a loucura, em seu aspecto histórico, abrangen-
do algumas vias de reflexão, bastante contemporâneas no
estudo sobre a temática.
9
No artigo intitulado Narrativas da loucura em
Dyonélio Machado, Mauro Gaglietti tem como objetivo
examinar as narrativas acerca da loucura presentes em al-
guns textos do médico/escritor Dyonélio Machado. O
autor aponta, por meio de um diálogo estabelecido entre
o pensamento de Dyonélio Machado e uma releitura das
ideias de Michel Foucault, para a relativização dos conceitos
de loucura e lucidez, evidenciada tanto nos escritos científi-
cos do primeiro, quanto em sua literatura, mais especifica-
mente em O louco do Cati, de 1942.
Psiquiatria e história cultural: a literatura como fonte
e a loucura como objeto, de Nádia Maria Weber Santos, dis-
cute a contribuição da História Cultural na construção de
um novo olhar sobre a questão da saúde e da doença, es-
pecialmente sobre a loucura e a história da Psiquiatria, seu
foco específico de análise. Considerando textos literários,
a autora problematiza a noção de loucura, evidenciando a
perda da autonomia do indivíduo e da cidadania dos ditos
loucos, questão esta que perpassa a história da Psiquiatria
no Brasil e no mundo.
Em “Quem senta na pedra fica doente, vadio e com pre-
guiça”: a invenção do trabalho numa colônia agrícola gaúcha
(1972-1982), Viviane Trindade Borges analisa o discurso
médico que instituiu visibilidades e dizibilidades a respeito
do trabalho realizado pelos internados do Centro Agrícola
de Reabilitação, localizado no Hospital Colônia Itapuã, em
Viamão-RS. O objetivo principal da autora foi perceber
como, numa trama discursiva que perpassou a instituição,
sujeitos tidos como loucos tornaram-se trabalhadores aptos
a reabilitação.
O texto A cura em saúde mental: história e perspectivas
atuais, de Vládia Jucá, remete o leitor a uma discussão ori-
ginal sobre o problema da cura, fazendo uma breve viagem
pelo tempo, pelas noções surgidas e perpetradas de cura da
10
doença mental. A autora chega até o momento da reforma
psiquiátrica na década de 80 do século XX, quando ressig-
nificações do conceito são exigidas, a fim de que um novo
modelo se instale, perpetuando a ética nos cuidados aos pa-
cientes.
O artigo de Yonissa Marmitt Wadi, Um lugar (im)
possível: narrativas sobre o viver em espaços de internamento,
fecha o segundo bloco de artigos. Por meio da análise de
narrativas orais e escritas de mulheres que viveram a experi-
ência da internação, a autora problematiza os processos de
construção de subjetividades nos locais de internamento,
bem como o fato destes se constituírem como espaços pa-
radoxais, ou seja, são ao mesmo tempo lugares de exclusão
e violência e lugares onde sujeitos acreditam encontrar um
lugar para si.
Desejamos uma ótima leitura e esperamos que o lei-
tor encontre nesta obra questões que o estimulem a (re)
pensar conosco as questões históricas acerca da loucura e,
consequentemente, a compreender que, cada vez mais, os
tabus surgidos ao longo de tantos séculos precisam ser re-
movidos, para que estes indivíduos loucos tenham sua cida-
dania resgatada e seus anseios respeitados.
As organizadoras
11
I - saberes e práticas: medicina,
instituições psiquiátricas e direitos
Capítulo I
Um sistema instável • 15
de o estado patológico, seguindo uma tendência presente
no conhecimento médico finissecular e que só se intensifi-
cou ao longo do século XX.
Esta mudança epistemológica que visava à erradica-
ção da doença mental por meio de terapias intervencio-
nistas e de cirurgias está registrada nas páginas das cen-
tenas de publicações especializadas que divulgaram o co-
nhecimento médico psiquiátrico da época, especialmente
em língua francesa, alemã e inglesa. Apesar de tratarem
dos mais diferentes tipos de doenças mentais é notável
como a experimentação de novas terapias na Psiquiatria
atingiam mais certos grupos de indivíduos do que outros.
Também se percebe que algumas doenças em particular
estimularam a curiosidade médica, propiciando não só as
condições para o desenvolvimento de novas terapêuticas,
como a comunicação dos casos clínicos nas publicações
médico-científicas o que possibilitou a interlocução en-
tre médicos de especialidades diferentes.
Esta seletividade de doentes e de doenças mentais
não pode ser explicada por um aumento quantitativo de
patologias que exigiram maior atenção dos psiquiatras. A
historiografia que analisa as relações entre a medicina e a
sociedade demonstrou como determinados grupos sociais
foram transformados em objeto dos saberes e das práticas
médicas não por alguma especificidade patogênica – como
os portadores do vírus da varíola ou da gripe, por exemplo
–, mas porque estavam inseridos em determinadas relações
de poder que os definem por uma alteridade que é percebida
como impura, perigosa, contagiosa, enfim, como ameaça à
normalidade e à ordem.2
2
CHALHOUB, S. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial.
1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996; COSTA, J. Ordem médica,
norma familiar. 1. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979; DONZELOT, J. A
polícia das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986; EHRENREICH,
B.; ENGLISH, D. Para o seu próprio bem. 150 anos de conselhos de espe-
cialistas para as mulheres. 1. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2003;
MACHADO, R. Danação da norma: medicina social e constituição da
Psiquiatria no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1978; ROHDEN, F.
Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. 1. ed. Rio
de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001.
3
JORDANOVA, L. Sexual visions: images of gender in science and medi-
cine between the eighteenth and twentieth centuries. 1. ed. London:
Harvester Wheatsheaf, 1989; SAID, E. W. Orientalismo: o Oriente
como invenção do Ocidente. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1996; STEPAN, N. L. Raça e gênero: o papel da analogia na ciência. In:
HOLLANDA, H. B. (Org.) Tendências e impasses: o feminismo como
crítica da cultura. 1. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
4
Gênero é uma categoria de análise para pensar relações sociais e de poder.
De acordo com a historiadora Joan Scott o gênero é um elemento consti-
tutivo das relações sociais fundadas na percepção das diferenças sexuais,
mas é também um primeiro modo de dar significado ao poder. Desta for-
ma, entendemos que esta categoria não só organiza e significa as relações
sociais, mas é uma categoria de percepção, de conhecimento e de ação
que legitima práticas, representações e saberes. SCOTT, J. Gênero: uma
categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.
Um sistema instável • 17
Para tanto é preciso entender qual era a definição de fe-
minilidade estabelecida pelos psiquiatras. Contudo, nesse
exercício epistemológico e político, eles compartilharam
com outro grupo de especialistas os mesmos conceitos,
definições e valores ideológicos de gênero. Trata-se dos
ginecologistas, os especialistas da natureza sexual da mu-
lher. Nosso objetivo é analisar as contribuições teóricas
da ginecologia para a clínica psiquiátrica, especialmente
no que se refere à teoria sobre a natureza essencialmente
sexual das mulheres e às correspondências entre os órgãos
sexuais e o cérebro.
Recorremos aos escritos médicos produzidos no
século XIX e no início do XX para demonstrar como o
gênero fundamentou as teorias e as práticas destes dois
importantes especialistas do corpo e da mente das mu-
lheres. Da mesma forma, discutimos como a contribui-
ção da ginecologia foi além da formulação teórica da
natureza feminina. As terapias e a cirurgia ginecológica
– esta bastante desenvolvida a partir de 1880 – tiveram
um papel preponderante na Psiquiatria. Como a etiolo-
gia sexual estava na origem de todas as doenças mentais
das mulheres, os ginecologistas e os psiquiatras não só
encontraram nos corpos femininos as causas de manias,
psicoses, histeria, melancolia e tantas outras patologias,
como também defenderam que a cura, ou pelo menos a
amenização dos sintomas para os casos mais graves, de-
mandava terapêuticas ginecológicas. Compartilhando
da mesma definição sexual da feminilidade, psiquiatras
e ginecologistas desempenharam um importante papel
nas estratégias de normalização e de marginalização das
mulheres, mesmo que para isto precisassem alterar seus
corpos e dobrar suas vontades.
Um sistema instável • 19
reconhecido como um cidadão partícipe da construção de
uma nação soberana, eram atributos para poucos no século
XVIII e, principalmente, no século XIX. Alguns homens
e mulheres esclarecidos perceberam estas contradições do
pensamento político e filosófico, reivindicando direitos de
participação social e política para todos os cidadãos, bem
como condenaram a escravidão, entre outras formas de ex-
clusão e exploração que foram alvo do pensamento crítico e
radical do final do século XVIII.6
No entanto, as contradições do liberalismo não fo-
ram superadas pela crítica social e política, sendo fortale-
cidas pelo conhecimento científico que então começava a
se institucionalizar e conquistar reconhecimento social e
político. Os filósofos que defendiam a igualdade e apon-
tavam para a origem histórica e social das desigualdades
constituíram uma minoria frente àqueles que defendiam a
naturalidade das diferenças entre homens e mulheres, sus-
tentando hierarquias sociais e a exclusão das mulheres das
esferas públicas de decisão, do debate político e de todas as
possibilidades de autonomia.
Os discursos da diferença sexual recorreram ao ar-
gumento da determinação natural e apoiados nas investiga-
ções sobre a anatomia dos corpos femininos reforçaram a
ideia da inferioridade física e intelectual das mulheres. Para
além das querelas de fundo moral e religioso que sustenta-
ram os argumentos da tradição misógina no Ocidente, o
determinismo naturalista encontrou um lugar para elas na
nova ordem social e política que se configurava no final do
século XVIII: a maternidade. Para este discurso naturalista
6
BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. 1. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985; HOFFMAN, P. La femme dans la
penseé des Lumières. 1. ed. Paris: Edition Ophrys, 1976; SCHIEBINGER,
L. Nature’s Body: sexual politics and the making of modern science. 1. ed.
London: Pandora, 1994.
Um sistema instável • 21
papel cada vez mais importante, pois o bom exercício desta
função social e natural dependia das noções de normalidade
e de saúde. Era imperioso, portanto, conhecer a mulher, não
a partir de aforismos e de generalizações que tanto a cultura
das classes superiores quanto a cultura popular difundiam
por meio de provérbios e ditados que contribuíram para
as representações preconceituosas sobre o feminino, mas
a partir da verdade que somente o conhecimento dos fatos
observados poderia produzir. Tal necessidade de conhecer e
de responder à pergunta o que é a mulher é o que explica a
expressiva produção de tratados de Obstetrícia ainda no sé-
culo XVIII, voltados para os fenômenos pouco conhecidos
da gravidez e da parturição. É também neste contexto que
tais fenômenos começam a interessar aos cirurgiões, que
passam a entrar na cena do parto, primeiro para intervir em
situações difíceis que as parteiras não conseguiam resolver,
depois nos chamados partos naturais até se instituir a figura
do cirurgião parteiro e do obstetra já no século XIX.8
Se a Obstetrícia se constituiu como a especialidade
médica voltada para a mulher no exercício das suas funções
reprodutivas para que ela bem cumprisse suas determina-
ções naturais, no século XIX outra especialidade médico-
cirúrgica passou a enunciar a verdade sobre a natureza fe-
minina. Mais ambiciosa do que a Obstetrícia, a ginecologia
foi constituída como a ciência da mulher, retomando o fio
ideológico da alteridade feminina. Explicar o que era a mu-
lher demandava um aprofundamento na complexidade da
sua natureza e esta era percebida então com sendo essen-
cialmente sexual, portanto, os ginecologistas se voltaram
para a pélvis feminina, para o locus da sua definição; lugar
instável e responsável pelo destino da mulher, seja na reali-
8
EHRENREICH; ENGLISH, 2003; MOSCUCCI, O. The science of
woman: gynecology and gender in England: 1800-1929. 1. ed. London:
Cambridge University Press, 1993.
Um sistema instável • 23
entender o que era a mulher requeria entender o que era o
sexo feminino, tendo em vista que para os especialistas e
para a cultura masculina de maneira geral, a mulher depen-
dia muito mais do seu sexo do que os homens. Muitos au-
tores oitocentistas defendiam que se para os homens o sexo
era importante em alguns momentos de suas vidas, especial-
mente quando era premente a reprodução, para as mulheres
ele era determinante ao longo de toda a sua vida, tanto para
o bem quanto para o mal.
A partir desta definição da natureza sexual feminina
uma teoria ganhou sustentação e adeptos entre os ginecolo-
gistas. Conhecida como teoria da ação reflexa, fundamenta-
va-se nos conhecimentos anátomo-fisiológicos produzidos
nos laboratórios de patologia sobre as relações entre úte-
ro, ovários e o cérebro. Estudos desenvolvidos por Claude
Bernard e outros fisiologistas do século XIX buscavam
compreender como funcionava o sistema nervoso ao reali-
zarem experiências com animais e com os corpos humanos
autopsiados. Os fisiologistas já estavam familiarizados com
a noção de simpatia, ou seja, da relação que existiria entre
dois ou mais órgãos, mesmo que distantes entre si, sendo a
vitalidade de um modificada pela do outro, tanto no estado
fisiológico quanto no patológico.11
O experimentalismo nas Ciências Biológicas refor-
çou estas ideias que, por sua vez, sustentavam o raciocínio
que a ideologia formulara: as mulheres eram mais instáveis
porque eram mais nervosas; eram mais nervosas porque es-
tavam mais sujeitas à excitabilidade sexual; eram mais exci-
táveis porque estavam mais submetidas às impressões e ao
império de seus órgãos sexuais. As experiências anátomo-
patológicas levaram à conclusão que as simpatias entre os
órgãos sexuais e o cérebro nada mais eram do que relações
11
CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense-Universitária, 1995; MOSCUCCI, 1993.
12
BAPTISTA, H. J. A mulher e a medicina legal. 1909. p. 21. Tese
(Doutorado) – Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador, 1909.
13
JORDANOVA, 1989; MOSCUCCI, 1993.
Um sistema instável • 25
e os conceitos foram formulados a partir das categorias da
diferença sexual e elas eram dadas pelo determinismo. A
frase de Baptista poderia ter sido enunciada por qualquer
outro contemporâneo, pois ela se sustenta nos pares di-
cotômicos que a ideologia de gênero formulou na cultura
científica ocidental. Desta forma, a teoria da ação reflexa
não poderia ser utilizada para explicar a fisiologia/pato-
logia masculina, pois se existiam simpatias entre órgãos
do corpo masculino elas eram menos pronunciadas e não
tinham a mesma origem na excitabilidade sexual como na
fisiologia feminina.
A teoria da ação reflexa teve muitos adeptos não só
na ginecologia, mas entre outros especialistas e também
entre o público leigo que se interessava pelas descobertas
da medicina e da ciência sobre a natureza feminina. O im-
pacto destas explicações foi imediato na vida e nas repre-
sentações das mulheres, pois contribuíram para o forta-
lecimento das imagens de instabilidade emocional, fragi-
lidade física e debilidade moral. Como franquear a seres
tão instáveis uma educação superior, o exercício da cida-
dania, o acesso a espaços racionais da cultura e da ciência?
Os estreitos limites colocados pela ideologia de gênero se
fundamentavam, portanto, nos estreitos limites colocados
pela natureza que parecia ter destinado as mulheres a uma
fisiologia reprodutiva ou a um imenso território patológi-
co. Neste terreno, as doenças de origem ginecológica ga-
nharam grande visibilidade, não só entre os médicos, mas
também na literatura e na escrita leiga ensaística.
Conforme vamos nos aproximando do final do século
XIX, notamos que diferentes especialidades médicas passa-
ram a compartilhar interesses, e mesmo espaços científicos
e institucionais; e a etiologia sexual para diferentes doenças
que acometiam mulheres começou a ser não só do conheci-
mento dos ginecologistas, mas de outros especialistas, como
Um sistema instável • 27
aqueles fenômenos que estavam relacionados à definição
sexual da feminilidade eram os responsáveis pelas maiores
e mais profundas transformações no corpo e no psiquismo
das mulheres. Era para o sexo que os médicos oitocentistas
voltavam sua atenção e seus maiores temores.
Os obstetras e ginecologistas que escreveram sobre
esta questão foram unânimes em afirmar que fenômenos
como a menstruação, a gravidez, o parto e a menopausa
mesmo que não evoluíssem para estados patológicos es-
tavam na origem de perturbações físicas e intelectuais.14
Coerentes com a teoria da ação reflexa e sustentados nas
observações clínicas e nos dados estatísticos, os médicos e
fisiologistas do século XIX defenderam que a íntima rela-
ção entre fisiologia e patologia no corpo feminino se mani-
festava com mais frequência e de forma mais acentuada nas
doenças mentais. Os tratados de medicina legal, de gineco-
logia e de Psiquiatria trazem vários capítulos sobre as altera-
ções de comportamento e doenças mentais, demonstrando
o fatalismo da natureza e reforçando a necessidade de se
conhecer as condições dos órgãos sexuais das mulheres no
estabelecimento dos diagnósticos psiquiátricos e nos exa-
mes periciais sobre a responsabilidade criminal.
A teoria da ação reflexa encontrou adeptos entre
os alienistas desde a primeira metade do século XIX. Os
principais nomes da história da Psiquiatria como Esquirol,
14
A produção sobre o assunto é extensa e publicada principalmente em
inglês, francês e alemão. BERTHIER. Des névroses menstruelles ou la
menstruation dans ses rapports avec les maladies nerveuses et mentales.
Paris: Adrien Delahaye, 1874; BUMM, E. Précis d’Obstétrique. Lausanne:
Librairie Payot, 1914; DEPAUL, J. A. H. Leçons de clinique obstétricale.
Paris: V. Adrien Delahaye Libraires-Éditeurs, 1876; LEBLOND, A. Traité
élementaire de chirurgie gynécologique. Paris: H. Lauwereyns Libraire-
Éditeur, 1878; SIMPSON, J. Clinique obstétricale et gynécologique. Paris:
J. B. Baillière et Fils, 1874; TAIT, R. L. Diseases of Women. Birmingham:
Cronish Brothers, 1887; WEST, C. Leçons sur les maladies des femmes.
Paris: F. Savy, 1870.
15
RACIBORSKI, A. Traité de la menstruation. 1. ed. Paris: J. B. Baillière et
Fils, 1868.
16
Os médicos aos quais nos referimos nesta discussão abrangem obste-
tras, ginecologistas, alienistas e posteriormente psiquiatras, higienistas e
médicos legistas. Como de uma forma ou de outra estas especialidades
acabavam se cruzando na produção de seus saberes sobre as diferenças se-
xuais e raciais preferimos manter a categoria profissional sem especificar
a especialização a não ser quando se fizer necessário tal discriminação.
Um sistema instável • 29
victos de que a maioria das mulheres era afetada de forma
intensa por esta irritabilidade nervosa de origem menstrual,
evoluindo para patologias mentais graves.
Os dados recolhidos das observações clínicas pa-
reciam se multiplicar assustadoramente. Os médicos afir-
mavam que sob a influência da menstruação as mulheres
podiam ficar loucas, chegando a cometer os atos mais
insensatos, até mesmo o suicídio. A observação das mu-
lheres alienadas levou médicos famosos como Esquirol a
sustentar que a época da menstruação era um tempo ter-
rível para elas, agravando os sintomas da doença mental.
Comentando estas observações Hildebrando José Baptista
afirma:
17
BAPTISTA, 1909, p. 22.
Um sistema instável • 31
não só os fenômenos fisiológicos relacionados diretamente
a eles foram vistos como predisponentes às doenças men-
tais. A maior parte dos transtornos psíquicos em mulheres
foi interpretada como de etiologia sexual e grande parte dos
ginecologistas e dos psiquiatras atribuiu um caráter pato-
lógico para a sexualidade feminina, muito mais do que para
a masculina. Desta forma, exames ginecológicos na clíni-
ca e no hospital psiquiátrico passaram a ser aceitos pelos
médicos por volta das décadas de 1880 e 1890, porque os
comportamentos femininos considerados inadequados pas-
saram a ser vistos concomitantemente como sintomas de
doença mental e ginecológica.
Em seu livro sobre a ninfomania a historiadora Carol
Groneman18 explica que quase todos os comportamentos
femininos associados à autonomia e à manifestação livre do
desejo sexual foram tratados pelos médicos como sintomas
de doença e de perversão. Categorias como hiperssexual,
ninfomaníaca, masturbadora, delinquente sexual, psicopata
sexual, entre outras, eram recorrentes tanto na formulação
de diagnósticos quanto na casuística. São vários os casos
narrados em publicações médicas da segunda metade do sé-
culo XIX e de boa parte do século XX que sustentam a ima-
gem de uma sexualidade feminina mórbida, de um desejo
feminino insaciável, descontrolado e ameaçador para a so-
ciedade por ser capaz de disseminar vícios e perversões. Daí
a necessidade de controlar as mulheres, pois, potencialmen-
te, qualquer mulher poderia desenvolver patologias sexuais
por ter uma constituição frágil e estar submetida ao império
de seus órgãos sexuais.
Até meados do século XIX, os alienistas ainda defen-
diam que doenças como a histeria e a ninfomania tinham
etiologia nervosa causada por alguma inflamação no cére-
18
GRONEMAN, C. Ninfomania: história. 1. ed. Rio de Janeiro: Imago,
2001.
Um sistema instável • 33
sexualizada da mulher. No entanto, a maioria destes novos
especialistas defendia que a mulher normal era anestesiada
para o sexo e que o exercício da sua sexualidade visava tão
somente à reprodução. Lombroso, um dos autores mais ci-
tados no final do século XIX sobre a natureza feminina, re-
correu a este modelo interpretativo da ginecologia ao dizer:
21
LOMBROSO, C.; FERRERO, G. La donna deliquente: la prostituta e la
donna normale. 4. ed. Torino: Fratelli Bocca Editori, 1923. p. 92.
22
MARTINS, A. P. V. Visões do feminino. A medicina da mulher nos sécu-
los XIX e XX. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004.
23
Há que se ressaltar que nem todos os indícios resultavam da observação
nos exames, mas da imaginação médica e dos seus preconceitos. Alguns
se referiam aos “olhares lascivos”, aos comportamentos pouco condizen-
tes com o “natural pudor feminino”. Outros, como o próprio Lombroso
encontravam indícios de precocidade e excesso sexual associados ao tipo
feminino, entrecruzando diferenças físicas como a cor dos cabelos e da
pele com categorias sociais e raciais. MARTINS, 2004.
Um sistema instável • 35
nas do que no tratamento ginecológico para as doenças
mentais. Conforme a terapêutica cirúrgica se consolidava
e os médicos ganhavam mais segurança e determinação no
desenvolvimento das técnicas e no aperfeiçoamento do
instrumental, a prescrição da cirurgia e de outras terapêu-
ticas ginecológicas eram recomendadas para atenuar ou
mesmo curar doenças mentais. Como vimos, se a natureza
feminina era essencialmente sexual; se os órgãos sexuais
controlavam o regime fisiológico e patológico no corpo
feminino; se a medicina experimental havia comprovado a
íntima relação entre o sexo feminino e o sistema nervoso,
os fatos levavam a uma conclusão: os tratamentos morais
para as doenças mentais entre as mulheres não eram sufi-
cientes. Fazia-se necessário enfrentar o mal na sua origem
e esta fora encontrada pelo saber médico ginecológico nos
órgãos sexuais, portanto a terapêutica adequada deveria
voltar-se para eles.
Os periódicos psiquiátricos do final do século XIX di-
vulgaram artigos nos quais se defendia o uso das terapêuticas
ginecológicas para tratar de mulheres diagnosticadas como
doentes mentais. Os dados estatísticos apresentados pelos
autores apontavam para uma grande frequência de doenças
ginecológicas entre as alienadas e são vários os casos narra-
dos de cura de doença mental pela cura das doenças gine-
cológicas.24 Contudo, nem sempre os médicos tratavam das
doenças ginecológicas. Há vários relatos que indicam que as
terapêuticas ginecológicas foram utilizadas para mudar com-
portamentos, ou seja, para curar as mulheres diagnosticadas
como hiperssexuais, histéricas e as masturbadoras.
De acordo com Masson25 tais relatos e as práticas mé-
24
TELLES, A. L. Importância dos exames ginecológicos em medicina men-
tal. 1930. Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador,
1930.
25
MASSON, J. M. A dark science. Women, sexuality and psychiatry in the
Nineteenth Century. 1. ed. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 1986.
26
SMITH-ROSENBERG, C.; ROSENBERG, C. E. The female animal:
medical and biological viewa of woman and her role in Nineteenth-
Century America. In: LEAVITT, J. W. (Org.). Women and health
in America. 1. ed. Madison: University of Wisconsin Press, 1999;
SHOWALTER, E. The female malady: women, madness, and English
Culture, 1830-1980. 1. ed. Nova York: Penguin, 1987.
Um sistema instável • 37
absoluto (rest cure) desenvolvida pelo médico neurolo-
gista norte-americano S. Weir Mitchell. Este tratamento
podia ser realizado na casa da doente, sendo uma variante
do tratamento moral com a utilização de outras técni-
cas terapêuticas como a dieta alimentar, as massagens e
o uso da eletricidade. O tratamento pelo repouso abso-
luto ficou famoso também pela publicação do livro The
yellow wallpaper, da escritora norte-americana Charlotte
Perkins Gilman, em 1892. Submetida a este tratamento,
Gilman escreveu um relato do impacto causado por ele,
pois tinha que ficar completamente isolada no quarto,
sem poder levantar-se da cama, sendo proibida a leitura,
a escrita e mesmo a pintura. Ela narra como o tratamen-
to agravou seu quadro de depressão, motivo que a levou
procurar Mitchell, famoso na época por tratar das do-
enças nervosas, em particular aquelas que acometiam as
mulheres, como a neurastenia e a histeria. Mitchell com-
partilhava das ideias em voga entre seus contemporâneos
de que a vida moderna e as ambições femininas em que-
rer se igualar aos homens estavam na origem das doenças
nervosas que podiam evoluir para a demência. Portanto,
seu tratamento visava eliminar qualquer estímulo e con-
tato com o mundo, confinando as suas pacientes em
quartos fechados, submetidas a uma alimentação frugal e
sem nenhum movimento físico e intelectual.27
Embora a rest cure fosse ainda muito próxima ao tra-
tamento moral, trata-se de um aperfeiçoamento, pois não se
restringe ao isolamento e aos bons hábitos que deveriam ser
incutidos nas doentes. Mitchell queria acalmar os nervos das
mulheres e para tanto acreditava que as afastando do mun-
do, bem como fazendo-as literalmente parar, recobrariam
27
ABELSON, E. S. The invention of kleptomania. In: LEAVITT, J. W.
(Org.). Women and health in America. 1. ed. Madison: University of
Wisconsin Press, 1999.
28
MASSON, 1986.
Um sistema instável • 39
lermos os relatos médicos de então nota-se que frente a
um comportamento considerado inadequado ou intolerá-
vel por parte dos familiares ou dos médicos, recorria-se à
combinação de diferentes terapêuticas.
Esta combinação foi bastante frequente nos trata-
mentos para conter as masturbadoras e as ninfomaníacas,
independente da idade das pacientes. O relato que o médico
Démétrius Alexandre Zambaco publicou no famoso perió-
dico francês L’Encéphale, em 1882, mostra claramente como
o internamento, o uso de drogas e de terapêuticas mais
agressivas, inclusive a cirurgia ginecológica, foram combi-
nados, revelando o esforço do médico em extirpar qualquer
sinal de uma sexualidade indomada.
Zambaco conta que tratou de duas crianças do sexo
feminino que se entregaram ao vício terrível da masturbação
de forma vergonhosa e incontida. As meninas eram irmãs e
tinham dez e seis anos. Ele começou o tratamento prescre-
vendo medicamentos, em especial o brometo de potássio e
de ferro. Não houve melhorias, pelo contrário, ao exami-
nar os genitais das meninas Zambaco notou que os abusos
continuavam e o comportamento da menina mais velha foi
descrito pelo médico como indecente e revoltante. Para tão
reticente paciente os tratamentos mais suaves não faziam
efeito, então foi necessário mudar de tática e usar tratamen-
tos mais severos, “mesmo [aqueles] mais cruéis e brutais”.29
Estes tratamentos severos incluíram o uso de camisa
de força, amarrar as pernas e os pés mantendo as crianças
no leito, hidroterapia, medicamentos de efeito calmante
e por fim, como narrou Zambaco, quando todos os trata-
mentos falharam no controle da masturbação, ele decidiu
experimentar no corpo da menina mais nova um novo trata-
mento: a cauterização do clitóris. Ele fez três cauterizações,
29
ZAMBACO. Masturbation and psychological problems in two little girls
apud MASSON, 1986, p. 65.
30
ZAMBACO. Masturbation and psychological problems in two little girls
apud MASSON, 1986, p. 83.
31
ZAMBACO. Masturbation and psychological problems in two little girls
apud MASSON, 1986, p. 88.
Um sistema instável • 41
tais práticas punitivas se tornaram muito comuns na segunda
metade do século XIX. Nota-se em Zambaco e nos textos
de alguns contemporâneos a consciência da assimetria que
o saber e a prática médica estabelecem entre médicos e pa-
cientes, especialmente quando estes são mulheres. Portanto,
os tratamentos considerados pelos próprios médicos como
crueis e brutais foram prescritos e encontraram defensores
renomados e de prestígio porque viam as mulheres que esta-
vam sob seus cuidados por meio dos preconceitos de gênero.
As lentes da ideologia de gênero e da misoginia não podem
ser subestimadas, muito menos as relações de poder que
sustentam a produção do saber sobre os corpos e as mentes
femininas, como se pode notar nas afirmações seguras de-
monstradas por Zambaco frente à sexualidade e ao corpo de
duas crianças. Destruir o clitóris significava muito mais do
que colocar fim na excitabilidade sexual: significava colocar
fim na sexualidade feminina, tornar as meninas e as mulheres
recalcitrantes indivíduos dóceis e vergados pelo saber que de-
veria reconduzi-las à normalidade do sexo reprodutivo.
Mas foi no terreno da cirurgia que os médicos gineco-
logistas e depois os psiquiatras realmente inovaram e se di-
ferenciaram dos tratamentos mais conservadores.32 Embora
o debate sobre a cirurgia ginecológica, em meados do sé-
culo XIX, mostre que não havia uma posição homogênea
entre os médicos sobre as suas indicações, este tipo de ci-
rurgia passou a ser largamente praticada, tanto que muitos
médicos começaram a questionar a transformação da gine-
cologia numa especialidade cirúrgica e a criticar os exces-
sos. Apesar das divergências e das polêmicas, a ginecologia
encaminhou-se para o aperfeiçoamento das técnicas cirúr-
gicas especialmente na Inglaterra, na França e nos Estados
32
Conservador significa aqui os tratamentos menos intervencionistas,
como o tratamento moral, o uso de medicamentos calmantes associados
às dietas alimentares e ao repouso, como também a homeopatia.
33
Lombroso comentou em seu livro que os cirurgiões europeus acredita-
vam que as mulheres resistiam mais à dor que os homens: “Bilbroth disse
que tendo que fazer uma operação nova tentava pela primeira vez numa
mulher, porque é menos sensível e mais resistente, porque, acrescentava
ele, a mulher é como os selvagens, um ser inferior e por isso apresenta
maior resistência aos ferimentos”. LOMBROSO; FERRERO, 1923, p.
49; MARTINS, 2004; MOSCUCCI, 1993.
34
Na história da cirurgia ginecológica narrada nos livros de história da
medicina destacam-se os nomes de Ephraim McDomwell, Charle Clay,
Charles Péan, Wilhelm Freund e James Marion Sims como responsáveis
pelas inovações desta terapêutica. Contudo, o debate em torno da indica-
Um sistema instável • 43
diagnóstico de histeria e ninfomania era bem conhecido na
literatura médica do século XIX, embora fosse muito polê-
mico e não contasse com a aprovação de muitos cirurgiões,
pois além de duvidarem da eficácia da cirurgia no tratamen-
to das doenças nervosas havia também a questão moral que
a castração suscitava tanto entre os profissionais da medi-
cina quanto entre os leigos. O que significava remover os
ovários de uma mulher? Ela não se tornaria mais masculina
sem os órgãos definidores de sua feminilidade? Apesar das
oposições, muitas mulheres internadas em asilos para do-
entes mentais tiveram seus ovários retirados pela cirurgia
ginecológica, pois segundo a teoria da ação reflexa, fazia-se
necessário remover a origem da irritação nervosa.35
A clitoridectomia foi outra cirurgia bastante prati-
cada entre as internas de asilos nos Estados Unidos e na
Inglaterra. Diferentemente da ovariotomia, esta cirurgia
não suscitou, no início, reações, pois o clitóris não era con-
siderado uma estrutura anatômica importante para as mu-
lheres, segundo médicos como Isaac Baker Brown e Gustav
Braun. Sua extirpação em casos de doenças mentais não tra-
ria maiores inconvenientes, pelo contrário, livraria as mu-
lheres da fonte do vício da masturbação e do longo cortejo
de doenças associadas a esta prática.36 O debate em torno da
Um sistema instável • 45
referências
Um sistema instável • 47
MACHADO, R. Danação da norma: medicina social e constituição
da Psiquiatria no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
WEST, C. Leçons sur les maladies des femmes. Paris: F. Savy, 1870.
Um sistema instável • 49
Capítulo 2
1
Doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ, pesqui-
sadora do Departamento de Pesquisa da Casa de Oswaldo Cruz (COC/
Fiocruz) e professora do Programa de Pós-Graduação em História das
Ciências e da Saúde (COC/Fiocruz).
2
Graduanda em História pelo IFCS/UFRJ e bolsista de iniciação científi-
ca CNPq/Fiocruz na Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
3
Como exemplo destes trabalhos, desenvolvidos, sobretudo, a partir
de 1980, podemos citar: AMARANTE, P. Psiquiatria social e colônia
de alienados no Brasil (1830-1920). 1982. Dissertação (Mestrado) –
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 1982; CARRARA, S. Crime e loucura. O aparecimento
do manicômio judiciário na passagem do século. Rio de Janeiro: Editora
UERJ, 1998; COSTA, J. F. História da Psiquiatria no Brasil: um corte
ideológico. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1989; CUNHA, M. C. P. O
espelho do mundo: Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz
& Terra, 1986; ENGEL, M. G. Os delírios da razão: médicos, loucos e
hospícios (Rio de Janeiro, 1830-1930). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
2001; ODA, A. M. G. R. A teoria da degenerescência na fundação da
Psiquiatria brasileira: contraposição entre Raimundo Nina Rodrigues
e Juliano Moreira. Psychiatry On-line Brazil. 2001. Disponível em:
<http://www.polbr.med.br/arquivo/wal1201.htm>. Acesso em: 14 jun.
2004; PORTOCARRERO, V. Arquivos da loucura: Juliano Moreira
e a descontinuidade histórica da Psiquiatria. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2002; WADI, Y. M. Palácio para guardar doidos: uma história
das lutas pela construção do hospital de alienados e da psiquiatria no
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS,
2002.
4
LOUGON, M. Os caminhos da mudança: alienados, alienistas e a de-
sinstitucionalização da assistência psiquiátrica pública. 1987. Dissertação
(Mestrado) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
rio de Janeiro, 1987; SAMPAIO, J. J. C. Hospital psiquiátrico públi-
co no Brasil: a sobrevivência do asilo e outros destinos possíveis. 1988.
Dissertação (Mestrado) – Instituto de Medicina Social, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1988.
6
Decretos n° 5.148-A de 10 de janeiro de 1927 e n° 17.805 de 23 de maio
de 1927. No documento do Departamento Nacional de Saúde, intitu-
lado Plano Hospitalar Psiquiátrico (s/d), é feita menção ao Serviço de
Assistência a Psicopatas do Distrito Federal (SAP-DF), embora a legisla-
ção analisada mencione apenas a reorganização da assistência a psicopatas
no Distrito Federal, sem citar a existência de um órgão de planejamento
e centralização das ações empreendidas e referindo que “ao Governo da
União incumbe manter a assistência a psicopatas no Distrito Federal,
dependente direta e exclusivamente do Ministro da Justiça e Negócios
Interiores” (Decreto nº 5.148 A, 1927, artigo 16). DEPARTAMENTO
NACIONAL DE SAÚDE. Plano Hospitalar Psiquiátrico. Sugestões
para a Ação Supletiva da União. Localizado no Centro de Pesquisa e
Documentação Histórica Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas
(CPDOC/FGV). Rio de Janeiro. In: Arquivo Gustavo Capanema, série
Ministério da Educação e Saúde – Saúde e Serviço Social, GCh 34.08.03
II–14, 22 pp, s/d.
8
FONSECA; HOCHMAN; TRINDADE, 2005, p. 42.
11
FONSECA, C.; HOCHMAN, G. A I Conferência Nacional de Saúde:
reformas, políticas e saúde pública em debate no Estado Novo. In:
GOMES, A. de C. (Org.). Capanema: o ministro e seu ministério. Rio
de Janeiro: Ed. FGV, 2000. p. 181.
12
Decreto-Lei n° 3.171 de 2 de abril de 1941.
13
O SNDM permaneceu ativo até 1970, quando foi substituído pela Divisão
Nacional de Saúde Mental (Dinsam), conforme Decreto n° 66.623 de
22/05/1970.
14
DEPARTAMENTO NACIONAL DE SAÚDE. Plano Hospitalar
Psiquiátrico..., op. cit. Este documento em papel timbrado do DNS ao
Ministro da Edcuação e Saúde, sem data, foi produzido após 1938 (pois
cita legislação deste ano) e antes de 1941 dadas as referências a DAP e ao
SAP.
15
DEPARTAMENTO NACIONAL DE SAÚDE. Plano Hospitalar
Psiquiátrico..., op. cit., p. 13.
18
DEPARTAMENTO NACIONAL DE SAÚDE. Plano Hospitalar
Psiquiátrico..., op. cit., p. 14.
19
BRASIL. Ministério da Saúde. DNS. SNDM. Noticiário. Realizações do
Serviço Nacional de doenças Mentais. Arquivos do Serviço Nacional de
Doenças Mentais, Rio de Janeiro, v. 4, n. 4, p. 287-288, 1955.
23
MOREIRA, J. Quaes os melhores meios de assistência aos alienados.
Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 3/4, p. 19, 1910.
34
Artigo 10º, Parágrafo 1º, Regimento do Serviço Nacional de Doenças
Mentais. 9 p. Arquivo Gustavo Capanema, série Ministério da Educação
e Saúde – Saúde e Serviço Social, GCh 34.08.03 III–1. Rio de Janeiro:
CPDOC/FGV, 1941. Destaque nosso.
35
As fichas de observações contabilizadas encontram-se no acervo da CJM
existente no Núcleo de Documentação e Pesquisa do atual Instituto
Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMAS-JM) da
Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura do Rio de Janeiro.
36
Anais da Assistência a Psicopatas, 1941.
41
COLÔNIA JULIANO MOREIRA. Boletim da Colônia Juliano
Moreira, Rio de Janeiro, v. 9, p. 2, 1954.
42
COLÔNIA JULIANO MOREIRA, jan./jun. 1954.
43
COLÔNIA JULIANO MOREIRA, jan./jun. 1954, p. 86.
Considerações finais
44
COLÔNIA JULIANO MOREIRA, jan./jun. 1954, p. 86.
45
Termo utilizado pelo capelão para designar os pacientes internados na
CJM e também presente notícia sobre a inauguração do parque infantil,
mencionada a seguir.
46
FOUCAULT, M. História da loucura na idade clássica. São Paulo:
Perspectiva, 1978; CUNHA, 1986.
47
GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva,
1974.
WADI, Y. M. Palácio para guardar doidos: uma história das lutas pela
construção do hospital de alienados e da psiquiatria no Rio Grande
do Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002.
2
ENGEL, M. G. Os delírios da razão. Médicos, loucos e hospícios (Rio de
Janeiro, 1830-1930). 1. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 2001. p. 98.
3
Até o presente momento não possuímos informações mais detalhadas
sobre a biografia de Xavier de Oliveira.
4
VENANCIO, A. T. A.; CARVALHAL, L. A classificação psiquiátrica de
1910: ciência e civilização para a sociedade brasileira. In: JACÓ-VILELA,
A. M. et al. (Org.). Clio-Psyché. Fazeres e dizeres psi na história do Brasil.
1. ed. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: FAPERJ, 2001. p. 154.
ano letivo de 1905 pelo dr. Henrique de Brito Belford Roxo. 1. ed. Rio de
Janeiro: [s.n.], 1906. p. 190.
6
KRAEPELIN, E. Introduction à la psychiatrie clinique. Paris: Vigot-
Frères, 1907. (1905).
7
FINOT, J. Le préjugé des races. 1.ed. Paris: Alcan, 1905.
8
Refere-se a Nina Rodrigues.
9
XAVIER DE OLIVEIRA. Espiritismo e loucura. 1. ed. [S.l.]: GEEM,
1930. p. 50.
10
ABBABNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2000; GRENA, S. J. et al. Dicionário de teologia. São Paulo: Vida,
2000.
11
O IV Concílio de Latrão, no século XIII firmou o ensinamento agosti-
niano sobre a impossibilidade de salvação fora da igreja.
12
XAVIER DE OLIVEIRA. Beatos e cangaceiros. História real, observação
pessoal e impressão psicológica de alguns dos mais célebres cangaceiros
do Nordeste. 1. ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 1920. p. 20.
13
XAVIER DE OLIVEIRA, 1930, p. 62.
16
PEIXOTO, Afrânio. Maria Bonita. 1. ed. [S.l: s.n.], 1914.
17
PORTOCARRERO, V. Arquivos da loucura. Juliano Moreira e a des-
continuidade histórica da Psiquiatria. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora da
Fiocruz, 2002. p. 39.
18
CORREA, M. As ilusões da liberdade. A escola de Nina Rodrigues e a
antropologia no Brasil. 1. ed. Bragança Paulista: Edusf, 1998.
19
NINA RODRIGUES, R. A loucura epidêmica de Canudos. Antônio
21
XAVIER DE OLIVEIRA. O magnicida Manço de Paiva. Rio de Janeiro:
Benedito de Souza, 1928. p. 14.
22
XAVIER DE OLIVEIRA, 1930, p. 105.
23
XAVIER DE OLIVEIRA, 1930, p. 109.
24
XAVIER DE OLIVEIRA, 1930, p. 164.
25
XAVIER DE OLIVEIRA, 1928, p. 70.
26
XAVIER DE OLIVEIRA, 1928, p. 66.
27
XAVIER DE OLIVEIRA, 1930, p. 12.
Pedaços
1
Doutora em História Social, professora do Instituto de História da
Universidade Federal de Uberlândia e do Programa de Pós-Graduação de
História da Universidade Federal de Uberlândia.
2
Mestre em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal de Uberlândia.
3
VALÉRIA, A. Pedaços. Notícias do Caps, Informativo do Centro de
Atenção Psicossocial do Distrito Sanitário Sul, Uberlândia, n. 4, p. 1,
jan./mar. 2004.
4
Sobre a História da loucura conferir: COSTA, J. F. História da Psiquiatria
no Brasil: um corte ideológico. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Xenon,
1989; FOUCAULT, M. A história da loucura na idade clássica. 6. ed. São
Paulo: Perspectiva, 1999; FOUCAULT, M. Doença mental e psicologia.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991; FOUCAULT, M. Nascimento da
clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003; FOUCAULT, M. Os
anormais: Curso do Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins
5
Os serviços substitutivos oferecem atendimento em saúde mental a partir
de parâmetros de abordagem que comportam equipes com profissionais
diversos, como por exemplo: psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais,
enfermeiros, terapeutas ocupacionais, entre outros, desenvolvendo práti-
8
Cf.: PEREIRA, L. M. de F. Os primeiros sessenta anos de Terapêutica
Psiquiátrica no Estado de São Paulo. In: ANTUNES, E. H.; BARBOSA,
L. H. S.; PEREIRA, L. M. de F. (Org.). Psiquiatria, loucura e arte.
Fragmentos da história brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2002. p. 33-53.
9
Entre os trabalhos historiográficos que contribuem para desvelar os me-
andros que envolviam o estigma da loucura no país merecem destaque:
BOFF, A. B. Espiritismo, alienismo e medicina: ciência ou fé? Os sabe-
res publicados na imprensa gaúcha da década de 20. 2001. Dissertação
(Mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001; CUNHA, M.
C. P. O espelho do mundo: Juqueri, a história de um asilo. 2. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1998; CUNHA, M. C. P. Cidadelas da ordem. São
Paulo: Brasiliense, 1990; POMBO, R. M. R. A loucura sob novo pris-
ma: políticas de Saúde Pública em Uberlândia. Implantação dos CAPS.
(1983-2004). 2005. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em
História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2005;
POMBO, R. M. R. A nova política de saúde mental: entre o precipí-
cio e paredes sem muros. (Uberlândia 1984-2006). 2007. Dissertação
(Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2007; POMBO, R. M.
R. História e loucura: práticas e terapêuticas do Sanatório Espírita de
Uberlândia. (1940-1970). Cadernos de Pesquisa do CDHIS, Uberlândia,
n. 33, p. 292-300, 2005; RIBEIRO, R. A. Almas enclausuradas: práti-
cas de intervenção médica, representações culturais e o cotidiano do
Sanatório Espírita de Uberlândia. (1932-1970). 2006. Dissertação
(Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2006; SANTOS,
11
LUZ, 1994, p. 79.
12
Este projeto de pesquisa foi coordenado pela professora dra. Maria Clara
Tomaz Machado, desenvolvido junto a um grupo de alunos do Instituto
de História da Universidade Federal de Uberlândia, durante o perío-
do de outubro de 2001 à outubro de 2003, contando com a parceria da
Fapemig/CNPq.
13
A doutrina espírita define a loucura como obsessão, interferência de es-
píritos encarnados e desencarnados no comportamento de pessoas obse-
diadas, que pode ser resultado de vingança destes espíritos ou devido a
uma conduta deSr.egrada do obsediado, o que faz com que esteja na mes-
ma sintonia energética que estes espíritos decaídos. A obsessão pode ser
tratada, segundo a doutrina espírita, a partir do processo de evangelização
do obsediado.
14
A dra. Mirian Andraus foi uma das primeiras psiquiatras da cidade de
Uberlândia e criou em 1977, a primeira unidade de estudo da especia-
lidade psiquiátrica da cidade em sua clínica particular, onde ministrava
aulas práticas. Somente em 1983 foi inaugurado o setor de Psiquiatria do
Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.
15
Cf. FOUCAULT, 1999.
16
Tal administração carregava como insígnia de governo a frase que marca-
ria a sua atuação: “Democracia Participativa”. Esse slogan, como explicita
Chauí, teve suas raízes na política social-democrata italiana, cujo viés de
18
Luciana Giffoni é psicóloga, com formação sanitarista e teve uma impor-
tância fundamental na elaboração de propostas diferenciadas de atendi-
mento em saúde mental da cidade de Uberlândia. Foi eleita pela equipe
profissional a primeira coordenadora de Saúde Mental do município.
19
A Lei 10.216 é conhecida como Lei Paulo Delgado, nome do parlamentar
que encaminhou o projeto à Câmara dos Deputados.
20
Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos
das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo as-
sistencial em saúde mental. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-
Executiva. Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em saúde mental.
1990-2004. Brasília, DF, 2004. p. 17. (Série E. Legislação de Saúde).
21
TENÓRIO, F. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos
dias atuais: história e conceitos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,
Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 36, jan/abr. 2002.
24
Portaria n°. 224. In: BRASIL, 2004, p. 243.
25
SANTOS, M. A. dos. Depoimentos. Uberlândia, dez. 2005. Psicóloga, foi
coordenadora do setor de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde
de Uberlândia de 2001 a 2003.
26
SANTOS, M. A. dos. Depoimentos. Uberlândia, dez. 2005.
27
O Sanatório Espírita de Uberlândia sofreu grande pressão principalmen-
te por parte da Secretaria Municipal de Saúde e outras instâncias de fisca-
lização, como o setor de Vigilância Sanitária, para que readequasse sua in-
fraestrutura e equipe profissional aos parâmetros exigidos pelas portarias
ministeriais. Contudo, era sustentada por doações da comunidade local,
não conseguindo atender às prerrogativas a ela impostas (principalmente
devido a sua falta de recursos), o que levou a sua total desativação no ano
de 1992.
28
MORAIS, M. Depoimentos. Uberlândia, dez. 2005. Radialista, liderança
do grupo de mocidade Juventude Espírita de Uberlândia, idealizador e
diretor da Clínica Jesus de Nazaré desde sua fundação, em 1994.
29
DANTAS, V. de F. Arte, loucura e terapias: uma reflexão contemporâ-
nea (O Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia e as
Oficinas Terapêuticas). 2006. p. 146. Dissertação (Mestrado em História)
– Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2006.
30
MALDI, S. A. G. Depoimentos. Uberlândia, dez. 2005. Médico psiquia-
tra. Atua nas três instâncias de atendimento em saúde mental da cidade
de Uberlândia (Clínica Jesus de Nazaré, Caps e Hospital de Clínicas da
Universidade Federal de Uberlândia).
31
UBERLÂNDIA. Prefeitura Municipal de Uberlândia. Secretaria
Municipal de Saúde. Relatório de gestão 2002. Uberlândia, 2002. p. 84-85.
32
O Ambulatório de Saúde Mental Infantil foi implantado em 1992 e sua
proposta de atendimento à criança portadora de sofrimento psíquico
constituía-se em um dos projetos do setor público municipal. É voltado
ao trabalho de cuidado e prevenção de enfermidades mentais de crian-
ças autistas e psicóticas, assim como acompanhamento de crianças com
dificuldades de aprendizado escolar. Este projeto vislumbrava criar um
centro de referência neste setor, funcionando como um observatório de
práticas e estratégias de abordagens terapêuticas.
33
Os Centros de Convivência de Uberlândia, criados pelo setor público
municipal foram o esboço dos Caps locais e compunham-se de unidades
que em um primeiro momento, ofereciam oficinas terapêuticas, aten-
dendo usuários dos serviços de saúde mental que necessitavam de acom-
panhamento mais constante, desvinculando-os das unidades básicas de
saúde como as UAI e UBS. Estes centros contavam com uma equipe pro-
fissional itinerante, uma vez que faltavam recursos para a contratação de
novos profissionais, enfrentando também dificuldades financeiras para a
manutenção de sua infraestrutura.
34
UBERLÂNDIA, 2002, p. 86.
35
Os delegados que participam de congressos locais, regionais e nacionais
são profissionais de saúde e usuários dos serviços de saúde mental li-
gados ao poder público municipal, Clínica Jesus de Nazaré e Hospital
42
PELBART, P. P. Os loucos trinta anos depois. Revista Novos Estudos
Cebrap, São Paulo, p. 173, n. 42, jul. 1995.
43
PELBART, 1995, p. 173.
WADI, Y. M. Palácio para guardar doidos. Uma história das lutas pela
construção do hospital de alienados e da psiquiatria no Rio Grande
do Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002.
DEPOIMENTOS
1
Este trabalho foi escrito como resultado parcial das pesquisas feitas para
a confecção de minha tese de doutorado apresentada ao curso de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Paraná em março de
2006.
2
Doutor em História – Universidade Federal do Paraná.
3
CASTRO, E. A arquitetura do isolamento em Curitiba na República Velha.
Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 2004. p. 36.
4
Agradeço a Elisabeth A. de Castro pela autorização das imagens referen-
tes ao Hospício Nossa Senhora da Luz. Cf. CASTRO, 2004.
5
Visitei o Hospício Nossa Senhora da Luz pela primeira vez em 2001 na
época do meu mestrado. Foram várias visitas no período entre 2001 e
2005 em que alternei minha pesquisa entre a documentação existen-
te no Hospício Nossa Senhora da Luz, nos arquivos da Santa Casa de
Misericórdia, na Casa da Memória e Arquivo Público do Paraná.
6
O edifício André de Barros abriga o setor administrativo e a capela do
Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz.
7
Cf. os grandes rituais da maquinaria asilar ou do Tratamento Moral dos
loucos estão descritos em FREMVILLE, B. La Raison du plus fort: traiter
ou maltraiter les fous? Paris: Seuil, 1987.
8
MUNHOZ VAN ERVEN, H. Breve histórico do Hospital Psiquiátrico
Nossa Senhora da Luz. Curitiba: Mundial, 1944.
9
CUNHA, M. C. O espelho do mundo: Juquery, a história de um asilo. São
Paulo: Paz e Terra, 1988.
10
Num ensaio sobre Win Wenders, Peter Pál Pelbart comenta que o
Hospital-Dia, forma em que os pacientes não são internados, mas vol-
tam para casa no final do dia, é como a Nau dos Loucos descrita por
Michel Foucault em História da Loucura. “[...] mas que ao invés de va-
gar à deriva das águas, como na Renascença, aportou em solo urbano”.
A explicação nos pareceu oportuna, pois o Hospital-Dia, forma ado-
tada pelo Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz, também pode
despontar como um dispositivo a mais de homogeneização social. Cf.
PELBART, P. P. A Nau do Tempo-Rei: sete ensaios sobre a loucura. Rio
de Janeiro: Imago, 1993. p. 22.
11
Michel Foucault realizou os cursos “É preciso defender a sociedade”
(1975-1976) e “Nascimento da Biopolítica” (1978-1979) no Collège de
France, cujos resumos encontram-se disponíveis em FOUCAULT, M.
Resumo dos cursos do Collège de France. 1970-1982. Rio de Janeiro: Zahar,
1997.
12
FOUCAULT, M. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo:
Perspectiva, 1999a; CASTEL, R. A ordem psiquiátrica: a Idade de Ouro
do alienismo. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
“(Re)construindo o cenário”:
Curitiba no final do século XIX e início do XX
13
Agradeço imensamente a minha orientadora Ana Paula Vosne Martins e
igualmente a banca examinadora composta por Yonissa Wadi (Unioeste),
Luiz Otávio Ferreira (Fiocruz), Ana Maria Oda (Unicamp) e Ana Maria
Burmester (UFPR) pelas sugestões pertinentes.
14
AVÉ-LALLEMANT, R. Viagens pelas Províncias de Santa Catarina,
Paraná e São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980.
15
MARTINS, R. Curityba de outr´ora e de hoje. Curitiba: Ed da Prefeitura
Municipal de Curitiba, [19--]. p.170-171.
16
Morigerar ou morigerado eram termos frequentemente usados na docu-
mentação oitocentista do Paraná. Atualmente em desuso, o termo morige-
rar correspondia à ida de “comportar-se de acordo com os costumes”, de
portar-se segundo regras socialmente aceitas pela elite. Naquela sociedade,
eram considerados não morigerados os escravos, as prostitutas, os andari-
lhos, os vadios, os mendigos, jogadores, trapaceiros etc. que se opunham a
ordem e aos bons costumes impostos pela elite paranaense. Cf. PEREIRA,
M. Perigosos, imorais e não-morigerados. In: ______. Semeando iras rumo
ao progresso: ordenamento jurídico e econômico da Sociedade Paranaense
(1829-1889). Curitiba: Ed. da UFPR, 1996. p. 89.
17
Pierre Taulois, engenheiro francês, foi um dos fundadores da Colônia
Thereza (1847) situada próximo a Guarapuava-PR. Logo após a sua
chegada a Província do Paraná, foi contratado como Inspetor Geral de
Medição e Demolição das Terras Públicas. Cf. OS FRANCESES em
Curitiba. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, Curitiba, v. 16,
n. 84, p. 13-15, jul. 1989.
18
AVÉ-LALLEMANT, 1980, p. 274.
19
BIGG-WITHER, T. Novo caminho no Brasil Meridional: a província do
Paraná. Três anos de vida em suas florestas e campos 1872-1875. Rio de
Janeiro: J. Olympio, 1974. p. 51.
20
REIS, T. dos. Elementos de hygiene social. Curitiba: Typ. Paranaense,
1894.
21
REIS, J dos. Dissertação das principais endemias e epidemias de Curityba.
Rio de Janeiro: Typ Ribeiro Macedo, 1898.
22
DE BONI, M. I. M. O espetáculo visto do alto: vigilância e punição em
Curitiba. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998.
23
RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. São Paulo: Paz
e Terra, 1985.
24
Diário da Tarde, 05 jun. 1909.
25
Cf. CORBIN, A. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos sé-
culos dezoito e dezenove. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
26
Cf. MACHADO, R. et al. Da(n)ação da norma: medicina social e consti-
tuição da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978. p. 365 et seq.
27
ENGEL, M. Delírios da razão: médicos, loucos e hospícios. Rio de
Janeiro: Ed. da Fiocruz, 2001.
28
Este argumento já foi desenvolvido por Yonissa Wadi quanto a institucio-
nalização da loucura no Rio Grande do Sul. Parece-me que também em
Curitiba como em Porto Alegre, a classe médica ainda não era suficien-
temente forte para impor esta hegemonia. O discurso pela necessidade
do hospício surge, nas duas cidades, dentro da fala dos filantropos da
Santa Casa de Misericórdia. Sobre o Hospício São Pedro em Porto Alegre
vide WADI, Y. M. Palácio para guardar doidos: uma história das lutas pela
construção do hospital de alienados e da psiquiatria no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002.
30
A Santa Casa de Misericórdia era a instituição de benemerência por
excelência da Província do Paraná. Durante o século XIX ela desempe-
nhou um papel fundamental no cuidados dos pobres e inválidos atuan-
do diretamente nas políticas de amparo aos necessitados. Esta vocação
já está implícita nos discursos dos filantropos da Santa Casa e aparece
textualmente no documento firmado pela Irmandade de Misericórdia
em 1864. No capitulo III do Compromisso da Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia, afirma-se que: “Serão recebidos no hospital, e trata-
dos com desvelo e caridade: 1º Os irmãos pobres; 2º Todos os pobres e
mendigos; 3º Todas as mais pessoas que quiserem ser tratadas pela Santa
Casa de Misericórdia. Estas serão admittidas havendo proporções para
isto, e entre ellas serão preferidas os escravos que pertencem a família
dos irmãos, pegando por dia o que for estabelecido no regimento”. Cf.
IRMANDADE DE MISERICÓRDIA. Compromisso da Santa Casa de
Misericórdia. Curitiba: Typ. de Lopes, 1864. p. 10-11.
32
A Comissão Especial foi formada em meados da década de 1890 por
Joaquim Monteiro, José Loureiro, Manoel Martins de Abreu e encabeçada
por D. Alberto Gonçalves.
33
LEÃO, E. Dicionário histórico e geográfico do Paraná. [S.l.: s.n.], 1926.
34
MUNHOZ VAN ERVEN, 1944, p. 9.
35
Boletim Informativo da Casa Romário Martins, n. 62, p. 22, fev. 1982.
36
Diário da Tarde, 25 mar. 1903.
37
LOYOLA, J. G. Livre arbítrio e simulação da loucura. 1900. Tese –
Faculdade de Medicina, Rio de Janeiro, 1900.
38
Cf. PIZANI, M. A. O cuidar na atuação das irmãs de São José na Santa
Casa de Misericórdia de Curitiba (1986-1937). 2005. Tese (Doutorado) –
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.
39
PIZANI, 2005.
40
Cf. NEGRAO, F. Memória da Santa Casa de Misericórdia de Curityba.
Curitiba: Imprensa Gráfica Paranaense, 1933. p. 23.
41
CUNHA, 1988.
42
NEGRÃO, 1933, p. 25.
Os médicos em cena:
discursos e práticas sobre a loucura no Paraná
43
CASTRO, 2004, p. 40
44
CASTRO, 2004, p. 46.
45
MUNHOZ VAN ERVEN, 1944, p. 10-11.
46
A tese de que o hospício é o núcleo central da ação psiquiátrica é um
consenso no meio alienista francês do final do século XVIII e início do
XIX. Transformar o espaço hospitalar em um instrumento de curar é
parte integrante da chamada Grande Reforma dos Hospitais, da qual fize-
ram parte Pinel, Tenon, Esquirol, Cabanis, Poyet, entre outros. Ao longo
de vários textos como os de Pinel, Esquirol, Marc, Briere de Boismont,
Lasegue, Voisin, Falret, Leuret e outros alienistas do chamado “Grupo
da Salpêtrière” aparece essa defesa generalizada do hospício como locus
da ação terapêutica. A literatura sobre este axioma alienista é vasta e ina-
barcável para os limites deste estudo. Para maiores informações sobre o
contexto europeu. Cf. CASTEL, 1978, p. 85-95.
***
47
Fonte: CASTRO, 2004, p. 42.
48
Fonte: CASTRO, 2004, p. 42.
WADI, Y. M. Palácio para guardar doidos: uma história das lutas pela
construção do hospital de alienados e da psiquiatria no Rio Grande
do Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002.
Uberlândia.
2
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Lei nº 10.216. Brasília, DF, 06 abr.
2001. Não é a proposta deste trabalho discutir os grupos de luta antima-
nicomial e diversos outros importantes contribuíram para a humanização
do tratamento da loucura.
4
Sob a mais viva satisfação, inaugurou-se domingo em nossa cidade, O
“Asilo de Dementes”. Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 1, 1 abr.
1942.
6
SALLUM, L. Depoimentos. Uberlândia, 20 maio 2005. Este foi o primei-
ro psiquiatra do hospício, hoje aposentado, reside em Uberlândia.
8
O Problema da assistência. O Repórter, Uberlândia, 15 maio 1959.
Não nós tínhamos SUS não. Não tínhamos SUS, não tí-
nhamos nem convênio com nada. A única, o único órgão
que nos dá ajuda até hoje é a Cemig, ela nos dá oitenta por
cento da luz. Só. É o único, a Cemig. A prefeitura nun-
ca nos isentou, nem de IPTU, nem de água. Nunca nos
isentou. Lá nós pagamos, o IPTU de lá é muito, é muito
grande, que a área é muito grande. Eu quero dizer, era uma
casa de utilidade pública, né? Nó. Temos isenção federal,
estadual, não paga imposto é tudo isento, mas não tinha,
desde essa época o seu José, sempre o seu José que traba-
lhou nas ruas. Ganhava um não aqui, um sim ali.11
10
CUNHA, G. R. da. Depoimentos. Uberlândia, abr. 2002.
11
DEUS, M. M. T. de. Depoimentos. Uberlândia, dez. 2002.
13
SALLUM, 2005.
14
SALLUM, 2005.
15
GUANABARA, A. Campanha pró-Construção do Asilo de Dementes.
Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 2, 26 ago. 1941.
17
OS OUTROS. Direção: Alejandro Amenábar. EUA: Miramax Films:
Dimension Films, 2001. 1 filme (114 min.), son., color.
18
O SEXTO sentido. Direção: M. Night Shyamalan. EUA: Buena Vista
International, 1999. 1 filme (106 min.), son., color.
19
MENDONÇA, M. O novo espiritismo. Revista Época, São Paulo, 03 jul.
2006.
20
MENDONÇA, 2006, p. 70.
21
Para um aprofundamento sobre o processo de aceitação do espiritismo
no Brasil e sua construção ideológica e religiosa no país e também na
Europa, conferir entre outros: GIUMBELLI, E. O cuidado dos mortos:
uma história da condenação e legitimação do espiritismo. Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 1997; SILVA, R. M. da. Chico Xavier: imaginário re-
ligioso e representações simbólicas no interior das Gerais – Uberaba,
1959-2001. 2003. 269 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto
de História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2003;
DAMÁZIO, S. F. Da elite ao povo: advento e expansão do espiritismo no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994; JURKEVICS, V. I.
Crenças e vivências espíritas na cidade de Franca (1904-1980). 1998. 137
f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito
e Serviço Social, Universidade do Estado de São Paulo, Franca, 1998;
STOLL, S. J. Entre dois mundos: o espiritismo da França e no Brasil.
1999. 255 f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
22
LAPLANTINE, F.; AUBRÉE, M. La table, le livre et les espirits. Paris:
J.C. Lattès, 1990 apud GIUMBELLI, 1997.
23
GIUMBELLI, 1997.
24
KARDEC, A. Viagem espírita em 1862. São Paulo: O Clarim, [19--]. p.
21-22.
25
ISAIA, A. C. Allan Kardec e João do Rio: os jogos do discurso. In:
MACHADO, M. C. T.; PATRIOTA, R. História & historiografia.
Uberlândia: Edufu, 2003. p. 11-31.
28
DAMÁZIO, 1994.
29
STOLL, 1999.
30
STOLL, 1999, p. 48.
31
SILVA, F. L. da. Espiritismo: história e poder (1938-1949). Londrina:
Eduel, 2005.
32
XAVIER, F. C. Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho. Rio de
Janeiro: FEB, 1977. Nesta obra psicografada por Chico Xavier é evidente
uma representação cronológica da história do Brasil que pactua e explica
as injustiças sociais, a ditadura Vargas, em que os desmandos políticos
tem um caráter conservador justificando e propagandeando o ideário
burguês das elites brasileiras.
33
A Federação Espírita Brasileira (FEB) foi fundada em 1884 no Rio de
Janeiro. Para melhor aprofundamento da influência desta entidade na le-
gitimação do espiritismo neste período cf. GIUMBELLI, 1997.
34
LEWGOY, B. Chico Xavier, o grande mediador: Chico Xavier e a cultura
brasileira. Bauru: Edusc, 2004.
35
Sobre a construção da idéia de santidade envolvendo Chico Xavier,
cf. SILVA, R. M. da; MACHADO, M. C. T. O jeito católico de ser
espírita nas terras brasilis. Revista História & Perspectivas, Uberlândia,
n. 31, p. 120-138, jul./dez., 2004.
37
PRONTUÁRIOS do Sanatório Espírita de Uberlândia, ficha 117, 1944.
38
Em relação aos edifícios prisionais e toda a sua estrutura pensada para
dinamizar a vigilância e disciplina, conferir: BENTHAM, J. O panóptico.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
39
Disponível em: <http://www.uberaba.com.br/uberaba/uberaba.cgi?flag
web=mostrafoto&codigo=14>. Acesso em: 05 abr. 2004.
40
SANATÓRIO Espírita de Uberlândia. In: ORLANDI, V. Enciclopédia
ilustrada das obras Espíritas. São Paulo: Editora Urânia, 1961. v. 1.
41
Formado na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, no estado
do Rio de Janeiro, este psiquiatra editou importantes livros para a difu-
são da realização do tratamento da loucura. Cf. FERREIRA, I. Novos
rumos à medicina. São Paulo: Edições FEESP, 1993. v. 1/2; FERREIRA,
I. Psiquiatria em face da reencarnação. São Paulo: Edições FEESP, 2001.
43
BARBOSA, A. Espiritualismo. Jornal de Uberlândia, Uberlândia, p. 2, 24
jan. 1937.
44
MENDES, J. F. A alma dentro da ciência espírita. O Repórter, Uberlândia,
p. 3, 19 fev. 1952.
45
SILVA, G. J. da. Fúria de Deus? Correio de Uberlândia, Uberlândia, p. 4,
26 jul. 1942.
Depoimentos
narrativas da loucura em
dyonélio machado
Mauro Gaglietti1
2
Michel Foucault (1926-1984) é admitido no Collège de France em 1970,
sucedendo Jean Hyppolite na cátedra então recém-criada de História dos
Sistemas de Pensamento. A sua principal atribuição como professor dessa
instituição aberta de ensino é oferecer um curso anual, no qual expo-
nha semanalmente o estágio atual de suas pesquisas. Os treze cursos que
Foucault oferece no Collège de France entre 1971 e 1984 originam o livro
Os anormais, que concentra os temas das onze aulas do curso ministra-
do em 1975. Os demais cursos são Théorie e institutions pénales (1972),
La société punitive (1973) e Le pouvouir psychiatrique (1974), que, em
seu conjunto, abordam desde os procedimentos jurídicos tradicionais da
punição no medievo até a lenta formação de um saber intimamente rela-
cionado a um poder de normatização. No curso Em defesa da sociedade
(1976), o autor passa a identificar os mecanismos pelos quais, desde o
fim do século XIX, é desenvolvido o princípio da necessidade de defesa
social contra aqueles indivíduos ou classes considerados perigosos. Nesse
sentido, pode-se observar como, cada vez mais, o seu pensamento está
preocupado com o governo dos vivos ou, como ele afirmará posterior-
mente, com as formas de poder e saber que tornam os indivíduos su-
jeitos. Assim, Os anormais ocupa um lugar de destaque na transição de
Foucault do estudo das estratégias do poder em suas manifestações mais
repressivas e disciplinares, voltadas majoritariamente aos indivíduos para
um momento no qual as estratégias do governo das populações – baseado
em um certo biopoder – serão o seu foco principal.
4
FOUCAULT, 2001, p. 199.
5
FOUCAULT, 2001, p. 141-142.
6
FOUCAULT, M. (Org.). Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, mi-
nha irmã e meu irmão. Rio de Janeiro: Graal, 2003.
7
FOUCAULT, 2001, p. 179.
8
FOUCAULT, 2001, p. 205.
9
FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
10
Sobre a loucura, ver estudos sobre o Hospital São Pedro: WADI, Y. M.
Palácio para guardar doidos: uma história das lutas pela construção do
hospital de alienados e da psiquiatria no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRGS, 2002; SANTOS, N. M. W. Histórias de
vidas ausentes: a tênue fronteira entre a saúde e a doença mental. Passo
Fundo: Editora da UPF, 2005.
11
MACHADO, D. Uma definição biológica do crime. Porto Alegre: Globo,
1933.
12
MACHADO, D. Eletroencefalografia. Porto Alegre: Globo, 1944.
13
Dyonélio Machado foi eleito em 1947 para a Assembléia Estadual
Constituinte no Rio Grande do Sul, foi líder, na condição de parlamentar,
da bancada do Partido Comunista. Sua eleição deveu-se, sobretudo, à sua
condição de médico que possuía um amplo prestígio junto a população.
Sugere-se a leitura de GAGLIETTI, M. Dyonélio Machado e Raul Pilla:
médicos na política. Porto Alegre: EDIPUCRSE, Instituto Estadual do
Livro, 2007.
14
ANAIS da Assembleia Estadual Constituinte do Rio Grande do Sul de
1947. Porto Alegre: Imprensa Oficial, abr./ago. 1947.
15
MACHADO, D. O louco do Cati. São Paulo: Ática, 1981.
16
A expressão biopolítica lembra a formulação de Michel Foucault, cf.
FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H. L.; RABINOW,
P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Para além do estruturalismo e
da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 231-249.
Além disso, salienta-se que as informações sobre a atuação do deputado
Dyonélio Machado no âmbito da medicina foram extraídas das seguintes
obras de sua autoria: Uma definição biológica do crime (MACHADO,
1933); Neurose traumática (Arquivos do Departamento Estadual de Saúde
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 4, 1943); Eletroencefalografia
(MACHADO, 1944).
17
Ver CID – 10: décima edição do Manual Internacional de Doenças, ma-
nual de classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS); DSM
– Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, da Associação
Psiquiátrica Americana. Como principal leitura, sugere-se o artigo de
OSÓRIO, C. M. da S. Dr. Dyonélio, um médico. In: BARBOSA, M.
H. S.; GRAWUNDER, M. Z. (Org.). Dyonélio Machado. Porto Alegre:
Unidade Editorial, 1995. p. 61-66. (Cadernos Porto & Vírgula, n. 10).
18
A provocação de choque com insulina ainda era usada na década de 1960,
no Hospital Psiquiátrico São Pedro. Daquelas técnicas, sobreviveu a ele-
troconvulsoterapia, tratamento seguro, eficaz e indispensável em alguns
casos, embora alvo de controvérsias, em particular na literatura conside-
rada não científica. Os modernos hospitais psiquiátricos, ou as unidades
de internação psiquiátrica de hospitais não especializados em Psiquiatria,
atualmente empregam aparelhos para aplicação da eletroconvulsoterapia
que já vêm acoplados a um eletroencefalógrafo, o que demonstra a atua-
lidade do que já preocupava Dyonélio há mais de 60 anos. Para maiores
informações a esse respeito, ver OSÓRIO, 1995, p.64.
19
Cf. OSÓRIO, 1995, p. 65. Segundo o autor, Dyonélio, após ter estudado
os trabalhos de Engel & Marcolin (1941) e de Pauline Davis (1943) sobre
os efeitos da hipoglicemia no eletroencefalograma em indivíduos acome-
tidos de patologias e em sujeitos normais sob experimentação, concluiu
“pela alta significação desses dois últimos trabalhos, no esforço de uma
melhor interpretação das modificações (bioelétricas) operadas durante a
hipoglicemia”. Afirma Dyonélio Machado: “achei conveniente inseri-los
no capítulo onde diligenciei por agrupar as principais alterações que sofre
a atividade elétrica cortical, sob influência dos diversos agentes emprega-
dos em terapêutica de choque”.
20
Nessa tese, o autor ratifica as afirmações de Freud em Totem e tabu, de
acordo com as quais o homem contemporâneo pode reproduzir, em vá-
rios momentos da sua vida, o homem primitivo, cuja mentalidade sobre-
vive mesmo nos nossos próprios hábitos e costumes. Cf. MACHADO,
1933, p. 20-74. Ainda Osório mostra que, vinte anos mais tarde, outros
pesquisadores ampliavam esse conceito de dúplice atitude do meio so-
cial. O psicanalista Eissler afirmava que a sociedade é composta por
24
MACHADO, 1933, p. 174.
25
MACHADO, 1933, p. 164.
26
O ecletismo de Dyonélio na sua relação com a psicanálise, a partir da
década de 1930, não era produto de uma atitude superficial perante a nova
ciência. O médico valia-se de procedimentos psicanalíticos em benefício
dos seus pacientes internados no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em
Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Ele chegou a utilizar, nesse período,
métodos que, dez anos depois, foram denominados – na Europa e nos
EUA – como comunidades terapêuticas e socioterapia.
27
Visando qualificar o corpo técnico, Jacinto Godoy estimulou os médi-
cos a especializarem-se em clínica psiquiátrica, pois ambicionava trans-
formar o Hospital São Pedro em um centro de pesquisa. Cf. GODOY,
J. Psiquiatria no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: [s.n.], 1955. Visando
cumprir esse intento, Dyonélio transferiu-se com a família para o Rio de
Janeiro, onde redigiu, entre 1930 e 1932, a tese inaugural Uma definição
biológica do crime (MACHADO, 1933).
28
Antônio Austregésilo (1876–1960) era professor titular da cátedra de neu-
rologia da Faculdade de Medicina, tendo sido o orientador da tese Uma
definição biológica do crime, defendida por Dyonélio Machado. Júlio Pires
Porto-Carrero (1887-1937) foi professor de Medicina Legal na Faculdade de
Direito da Universidade do Rio de Janeiro, membro fundador da Sociedade
Brasileira de Psicanálise. Procurou aplicar a teoria de Freud à criminologia,
tema ao qual dedicou os livros Criminologia e psicanálise e Psicologia judiciá-
ria, ambos publicados em 1932. Para maiores informações, sugere-se a leitura
de: CAMPOS, R. H. F. de (Org.). Dicionário de psicologia no Brasil: pionei-
ros. Rio de Janeiro: Imago: UnB: CFP, 2001; GAGEIRO, A. M. L´histoire
de la psychanalyse au Brésil et de la formation de la société psychanalytique de
Porto Alegre (1963). 2001. Tese (Doutorado) – Universidade de Paris VII,
Paris, 2001; OLIVEIRA, C. L. M. V. de. Os primeiros tempos da psicanálise
no Brasil e as teses pansexualistas na educação. Agora: Estudos em Teoria
Psicanalítica, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 134-153, jan./jun. 2002.
29
Desde 1925, Jacinto Godoy dirigia o Manicômio Judiciário do Rio
Grande do Sul, que funcionava nas dependências do Hospital São
Pedro. Após o falecimento do diretor do Hospital São Pedro, em 1926,
foi criada a Diretoria de Assistência a Alienados, para cuja direção foi
nomeado Jacinto Godoy, que passou a acumular as funções de diretor
do Manicômio Judiciário e do Hospital entre 1926 e 1932. Nesse perío-
do, além de Dyonélio Machado, Godoy contratou os médicos Januário
Bittencourt, enviado à Europa em 1929 para tomar contato com a te-
oria e as técnicas clínicas que pudessem ser aplicadas no Hospital São
Pedro, e Décio Souza, que foi orientado por Godoy e defendeu sua tese
inaugural em 1930, intitulada Demência precoce e eschizophrenia. Ver
GODOY, 1955.
30
Dyonélio Machado, embora se mostre muito próximo do pensamento
evolucionista e da antropologia criminal, desenvolve uma argumentação,
ao longo de sua tese, que o leva a distanciar-se, gradativamente, da escola
italiana e de suas classificações criminais. Nas páginas finais da tese, o au-
tor propõe a valorização da caracterologia de Krektschmer, então pouco
conhecida no Brasil, de modo a permitir uma classificação das tendências
criminais individuais calcadas em sua base psicológica, até então colocada
em segundo plano frente aos determinantes biológicos e sociais.
33
ANAIS..., maio 1947.
34
Cf. GAGLIETTI, M. Os discursos de Dyonélio Machado e Raul Pilla: o
político e suas múltiplas faces. 2005. Tese (Doutorado em História) –
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
2005.
35
GAGLIETTI, 2007, p. 111-113.
36
ANAIS..., maio 1947, p. 41.
37
ANAIS..., maio 1947, p. 42.
38
Cf. Pasteur, que, em seu discurso de recepção na Academia Francesa,
afirmou : “les Grecs nous ont legué un des plus beaux mots de notre
langue, le mot ‘enthousiasme’ qui signifie un Dieu intérieur”. O discurso
é citado por NAVA, P. Discurso de recepção de Pedro Nava na Academia
Nacional de Medicina. Brasil-Médico Cirúrgico, Rio de Janeiro, ano 71, n.
28. abr./jun. 1957.
39
NAVA, 1957, p. 14-30.
40
NAVA, 1957, p. 16. No ano de 1922, Banting e Best isolaram a insulina,
o que abriu uma nova era para a medicina e, particularmente, para a tera-
pêutica. Trinta e cinco anos depois, a ciência progrediu mais do que nos
milênios anteriores de existência histórica da arte da medicina. Esse foi
o período da agonia da sífilis, da malária e da tuberculose. As infecções
passam a ser controladas e suprimidas com o advento das sulfanilamidas
e da penicilina. Enquanto isso, a quimioterapia e a medicação antibiótica
enriquecem-se com novos produtos – cada vez mais ativos e cada vez
41
Cf. NAVA, 1957, p. 15.
42
Como Grawunder e Barbosa sugerem, os causos e horrores dessa revo-
lução, que Dyonélio ouviu desde menino, dão-lhe matéria para a cria-
ção do romance intitulado O louco do Cati, publicado em 1942. Cf.
GRAWUNDER, M. Z. Curso e discurso da obra de Dyonélio Machado:
uma análise da legitimação. 1989. p. 40. Dissertação (Mestrado) –
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1989; BARBOSA, M. H. S. A paródia em O louco do Cati. Porto Alegre:
Edipucrs: Prefeitura Municipal de Quaraí, 1994. p. 17-19.
43
Cf. MACHADO, 1981, p. 11.
44
Acredita-se que todo texto carrega sua própria chave explicativa. Assim,
investigar o Cati é, ao mesmo tempo, esclarecer o contexto para o qual
apontam as referências espaço-temporais do texto, bem como as implica-
ções que resultaram na sua obscuridade. Dessa maneira, pode-se devassar
os bastidores do projeto literário e buscar, quem sabe, os nomes que se
escondem no hermetismo dessa ficção que diz do fogo sem falar das cha-
mas. Ver BARBOSA, 1994.
45
MACHADO, 1981, p. 26.
46
MACHADO, 1981, p. 25-26.
47
MACHADO, 1981, p. 195.
48
MACHADO, 1981, p. 91-92.
49
Ver análises da obra O louco do Cati (MACHADO, 1981); A paródia em
O louco do Cati (BARBOSA, 1994); MARIA, L. de. Sortilégios do aves-
so: razão e loucura na literatura brasileira. São Paulo: Escrituras, 2005,
p. 272-299; BARBOSA, M. H. S.; STUMPF, D. Imagens do Estado
Novo na narrativa ficcional e memorialística de Dyonélio Machado. In:
GAGLIETTI, M.; SANTOS FILHO, F. C. (Org.). Ratos de biblioteca:
itinerários de leituras. Passo Fundo: UPF, 2007. p. 68-80; BARBOSA,
M. H. S.; ROSSATO, B. D. O tempo histórico e sua figuração no es-
paço em O louco do Cati e Os ratos. In: GAGLIETTI, M.; SANTOS
51
MACHADO, 1981, p. 255.
54
MACHADO, 1981, p. 66.
55
Ver BARBOSA, 1994.
56
BARBOSA, 1994, p. 51.
57
MACHADO, 1981, p. 28.
58
MACHADO, 1981, p. 170.
WADI, Y. M. Palácio para guardar doidos: uma história das lutas pela
construção do hospital de alienados e da psiquiatria no Rio Grande
do Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002.
1
Médica, psiquiatra e doutora em História/UFRGS; pesquisadora EST/
FAPERGS.
2
Para compreender estas questões, ler o capítulo “Em busca de um méto-
do: as estratégias do fazer História”, presente na obra intitulada História
3
PESAVENTO, S. J. Apresentação do dossiê “História cultural e mul-
tidisciplinaridade”. Fênix, Revista de História e Estudos Culturais,
Uberlândia, v. 4, ano 4, n. 4, out./dez. 2007a. Disponível em: <http://
www.revistafenix.pro.br/PDF18/APRESENTACAO_DO_DOSSIE_
SENSIBILIDADES_A_MARGEM_FENIX_JAN_FEV_MAR_2009.
pdf >. Acesso em: 15 maio 2008.
4
PESAVENTO, S. J. História & história cultural. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003. p. 23.
5
PESAVENTO, 2007a.
6
Trecho que entrevista de Alain Corbin a Laurent Vidal, “Alain Corbin, o
prazer do historiador”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n.
49, p. 17, jun. 2005.
7
Remeto o leitor à minha obra, Histórias de vidas ausentes – a tênue fron-
teira entre a saúde e a doença mental, onde, no capítulo 1, discuto esta
questão de forma mais aprofundada, sob o título “As representações sim-
bólicas e o inconsciente nas ciências humanas”, e mais especificamente
na terceira seção deste capítulo: O símbolo como mediador entre incons-
ciente e história: o homem como animal symbolicum e a Nova História
Cultural.
10
PESAVENTO, 2003, p. 58.
11
Ver também PESAVENTO, S. J. Sensibilidades: escrita e leitura da
alma. In: PESAVENTO, S. J.; LANGUE, F. Sensibilidades na história:
memórias singulares e identidades sociais. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 2007b. p. 9-21.
12
Trecho de entrevista de Alain Corbin a Laurent Vidal. Revista Brasileira
14
Identidade, aqui, entendida como um fenômeno que emerge da dialética
entre indivíduo e sociedade, na qual as premissas de um se equacionam
com as representações do outro – constituindo um imaginário de perten-
cimento e não de exclusão.
15
PAUGAM, S. L´exclusion, l´état de savoirs. Paris: Éditions la Découverte,
1996.
16
“A pesquisa sobre identidade e cidadania nos EUA: da Nova História Social
à Nova História Cultural” – texto apresentado em seminário no PPG em
História UFRGS, em 1998.
17
Na época, a história cultural era tratada por esta autora como Nova
História Cultural, pois estava começando a ser repensada por autores de
diversos países, especialmente os norte-americanos.
18
Idiossincrasia significa o estado de saúde ou maneira de ver, reagir, sentir,
própria de cada pessoa (o que nos aproxima da ideia de representação) cujo
desvio, atualmente, está sob o rótulo genérico de transtornos psíquicos.
19
Os termos doença mental e loucura são utilizados de forma indistinta nes-
te texto, embora prefira deixar o primeiro para a área médica e o segundo,
quando se fala de um fenômeno social, que se modifica com as épocas e
com as sociedades, isto é, com suas representações sociais.
20
Não entrarei, no texto, em pormenores sobre reforma psiquiátrica, mas
este debate, muito contemporâneo, se faria pertinente neste tipo de dis-
cussão. Existem acertos e erros na implementação da reforma, matéria
esta muito discutida nos fóruns atuais de saúde mental. Resumidamente,
podemos dizer que a Lei Federal 10.216, sancionada em 6 de abril de
2001, regulamentou as internações psiquiátricas e promoveu mudanças
no modelo assistencial aos pacientes portadores de sofrimento mental,
destacando-se o processo de desospitalização, implementado por meio
da criação de serviços ambulatoriais, como os hospitais-dia ou hospitais-
noite, os lares protegidos e os centros de atenção psicossocial (Caps).
23
Em meados do século XIX, no Brasil, seres humanos rotulados como
improdutivos, inadaptados e inúteis vagueavam pelas ruas das cidades,
havendo a necessidade destas serem limpas destes desafortunados seres
indesejáveis – que muitas vezes iam parar em porões de casas particulares,
em hospitais gerais e mesmo nas cadeias públicas. A modernização cres-
cente das cidades, a economia competitiva e a necessidade de higienização
moral da urbe levou à exclusão de muitos destes indivíduos não adap-
tados aos padrões de vida aceitáveis pela sociedade, improdutivos que
eram economicamente. Estes desajustados sociais, os loucos ou alienados
mentais como foram chamados na época, precisavam de um lugar que os
contivesse e excluísse da sociedade. Pode-se dizer que a partir de moti-
vações diversas, lutas políticas distintas, brigas por poderes e saberes, o
resultado foi um só: a construção de manicômios nas cidades brasileiras
cada vez mais populosas. O hospício surgiu, assim, como uma necessi-
dade de uma época histórica, ligada a outras transformações do período,
sociais e urbanas. Ainda no século XIX, numerosos foram os embates,
realizados pelos diversos setores da sociedade (como as instituições re-
ligiosas assistenciais como santas casas de misericórdia, a comunidade
médica, os políticos) para o que se convencionou chamar de instituciona-
lização da loucura. O primeiro manicômio brasileiro (Hospício Nacional
de Alienados) foi fundado em 1852, no Rio de Janeiro, por um decreto
do Imperador Pedro II, sendo de caráter assistencialista e vinculado à
Santa Casa de Misericórdia, embora tenha surgido por solicitação de mé-
dicos. Daí para frente, muitas lutas foram travadas nos diversos estados
brasileiros, para a criação de hospícios, e, com o advento da República
e a ascensão dos médicos psiquiatras a cargos de poder nesta área, toda
esta questão tornou-se matéria médica e de especialistas. Em suma, aos
loucos o hospício, no século XIX e aos médicos psiquiatras o poder do sa-
ber, no século XX, foram motes que vingaram, no Brasil, até a instalação
da reforma psiquiátrica, em 2001, que, por sua vez, ainda está longe de
desinstitucionalizar a loucura e dar cidadania aos loucos. Não entrarei
em maiores detalhes sobre a história da Psiquiatria no Brasil e no RGS
(local onde atuo como historiadora), pois muito já foi publicado sobre
esta temática. Cito apenas alguns, os quais já se tornaram referenciais
de contingência aos nossos trabalhos, estando presentes nas bibliogra-
fias de nossas teses e estudos. COSTA, J. F. História da Psiquiatria no
Brasil, um corte ideológico. Rio de Janeiro: Editora Documentário, 1976;
CUNHA, M. C. P. O espelho do mundo: Juquery, a história de um asilo.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986; ENGEL, M. G. Os delírios da razão:
25
Infelizmente, em função de limitação de um artigo, não poderemos con-
textualizar a vida e a obra destes autores, como fizemos em outros traba-
lhos, mencionados na nota 26.
26
Este conto faz parte de um livro de contos intitulado Doze contos peregri-
nos, publicados em 1992 pela primeira vez neste formato, porém escritos
sob diversas formas durante 18 anos. Vide prólogo do autor em Márquez
(1992). MÁRQUEZ, G. G. Só vim telefonar. In: ______. Doze contos
peregrinos. Rio de Janeiro: Record, 1992. p. 101-125.
27
MÁRQUEZ, 1992, p. 33.
28
MÁRQUEZ, 1992, p. 34.
29
MÁRQUEZ, 1992, p. 35.
E com isto, Maria fica mais louca ainda: por seu ma-
rido não acreditar nela, ela tem um ataque de fúria com ele
e resolve não querer mais recebê-lo. O conto se estende até
o momento em que seu marido, depois de muito sofrer, a
esquece no hospício e desaparece para sempre. Fica a incóg-
nita e uma esperança:
30
MÁRQUEZ, 1992, p. 40.
31
Remeto o leitor à obra Histórias de vidas ausentes – a tênue fronteira en-
tre a saúde e a doença mental na qual são relatados casos, nos capítulos
2 e 3, sobre pessoas internadas no Hospital Psiquiátrico São Pedro de
Porto Alegre, entre 1937 e 1945, as quais recebem tratamento clínico/
psiquiátrico independente de suas histórias de vida e dos motivos de seus
adoecimentos. SANTOS, 2005b. Também sobre estas narrativas ordiná-
rias, ou “escritas-de-si”, ver os trabalhos de Yonissa Wadi, principalmente
A história de Pierina: subjetividade, crime e loucura. Uberlândia: Edufu,
2009; e minha tese de doutorado Histórias de sensibilidades: espaços e
narrativas da loucura em três tempos: Brasil 1905, 1920, 1937. 2005. Tese
(Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005a.
32
TCHECOV, A. A enfermaria número 6. São Paulo: Veredas, 2005.
33
TCHECOV, 2005, p. 25.
34
TCHECOV, 2005, p. 20.
36
Estas reflexões trazidas por Tchecov são muito semelhantes ao que nos
mostra Rocha Pombo, em seu romance simbolista “No hospício”, escri-
to em 1900 e publicado em 1905. POMBO, Rocha. No hospício. Rio de
Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1970. Resumidamente, o romance
revela certo pano de fundo: o sanatório hospeda o protagonista louco,
Fileto, um rapaz sensível e filósofo-místico, levado à internação compulsó-
ria pela família, e também o narrador, que se internou aí voluntariamente,
a fim de ter a maior aproximação possível com este louco, que ele queria
conhecer melhor. Isolado em sua cela, Fileto escrevia. Ele escrevia, em
uma quantidade grande de cadernos, registros estes de cunho pessoal,
que davam conta de sua vida e do mundo em que vivia, ao mesmo tem-
po em que mostravam grande capacidade de reflexão filosófica e místi-
ca. Porém, no romance do brasileiro, o médico teve maior sorte e quem
morreu foi o louco internado, Fileto. Mas existe uma semelhança muito
grande no que tange à sensibilidade sobre a loucura e suas representações
literárias, socialmente validadas no mundo concreto e real das práticas de
exclusão. Maiores detalhes de análise deste romance estão em minha tese
de doutorado Histórias de sensibilidades. (SANTOS, 2005a).
37
TCHECOV, 2005, p. 12.
38
TCHECOV, 2005, p. 16.
39
Em 1937, no Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre, um ho-
mem de 34 anos foi internado pela família, apresentando mania de per-
seguição e ideias de grandeza. Seu pai e irmão, responsáveis pela baixa
hospitalar, responderam ao médico que o paciente lia e escrevia demais,
e isto era um dos motivos de sua loucura. Este paciente escreveu cartas
durante a internação, que são um documento importante sobre a sensibi-
lidade da loucura. Outras semelhanças entre a ficção e a realidade são no-
tórias: o bom relacionamento com as pessoas, a inteligência mal aprovei-
tada, o sentimento de reclusão e isolamento, por exemplo. Este caso foi
analisado e interpretado em dois trabalhos anteriores que realizei – vide
Histórias de vidas ausentes (SANTOS, 2005b); Histórias de sensibilidades
(SANTOS, 2005a).
WADI, Y. M. Palácio para guardar doidos: uma história das lutas pela
construção do hospital de alienados e da psiquiatria no Rio Grande
do Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002.
5
A primeira colônia agrícola foi criada por um discípulo de Pinel, André
Marie Ferrus, em Saint-Anne, na França, em 1828. Cf. PESSOTTI, I. O
século dos manicômios. São Paulo: Ed. 34, 2001. p. 189.
6
Buscando “deslocar, mascarar, eliminar ou anular” o poder e o saber mé-
dicos, surge entre 1958 e 1960, a antiPsiquiatria, movimento que colocava
questão o papel do psiquiatra como responsável por produzir a verdade
da doença no espaço hospitalar. FOUCAULT, M. Mesa redonda em 20
de maio de 1978. In: ______. Estratégia, poder e saber. Ditos & Escritos
IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 337.
8
PORTOCARRERO, 2002, p. 110.
9
FOUCAULT, M. Ditos e escritos I. Problematização do sujeito: psico-
logia, Psiquiatria e psicanálise. São Paulo: Forense Universitária, 2004.
p. 261.
10
CASTELLARIN, C. et al. Pesquisa avaliativa: reabilitação de doentes
mentais crônicos no Centro Agrícola de Reabilitação (1972/82). Porto
Alegre: PUC/RS, 1983.
11
HOSPITAL COLÔNIA ITAPUÃ. Unidade de Internação Psiquiátrica.
Livros de ocorrência. Itapuã, Viamão, 1972/1973. Destaque nosso.
12
Mensagem enviada por Antonio Augusto Borges de Medeiros à
Assembleia dos Representantes do Estado do Rio Grande do Sul. 20 de
set. de 1920. AHRS.
13
GODOY, J. História da Psiquiatria no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Edição do Autor, 1955. p. 227.
14
Cf. BORGES, 2006, p. 57. Existiram duas colônias agrícolas anteriores
ao Centro Agrícola de Reabilitação no Rio Grande do Sul. A primeira
delas foi fundada em 1917 e denominava-se Colônia Jacuhy; a segun-
da, cujo nome não é citado nas fontes consultadas, foi criada em 1949.
In: Mensagem enviada por Antonio Augusto Borges de Medeiros à
Assembleia dos Representantes do Estado do Rio Grande do Sul. 20 de
setembro de 1918. Ver: Mensagem enviada por Antonio Augusto Borges
de Medeiros à Assembleia dos Representantes do Estado do Rio Grande
do Sul. 20 de setembro de 1918. AHRS; GODOY, 1955.
16
HOSPITAL COLÔNIA ITAPUÃ, 30 abr. 1973. Destaque nosso.
17
Apud BORGES, 2006, p. 139.
18
HOSPITAL COLÔNIA ITAPUÃ, 28 ago. 1973.
19
Cabe salientar que o dinheiro para as gratificações dos pacientes
era retirado da própria produção: “o produto do trabalho de nossos
21
HOSPITAL COLÔNIA ITAPUÃ, 02 set. 1972.
Considerações finais
22
Conforme o “Histórico do Centro Agrícola de Reabilitação” (1991),
no início da década de 1990 a instituição passou a se chamar Unidade
de Internamento Psiquiátrico (UIP), ligando-se administrativamente ao
Hospital Colônia Itapuã. 12.
23
ALBUQUERQUE JUNIOR, D. M. de. A história em jogo: a atua-
ção de Michel Foucault no campo da historiografia. Anos 90. Revista do
Programa de Pós-Graduação em história da UFRGS, Porto Alegre, v. 11,
n. 19/20, p. 94, jan./dez. 2004.
Vládia Jucá1
1
Psicóloga, doutora em saúde pública pela Universidade Federal da Bahia
e professora do departamento de psicologia da Universidade Federal do
Ceará.
2
Uma exceção importante é o texto de TEIXEIRA, M. Algumas refle-
xões sobre o conceito de cura em Psiquiatria. Cadernos IPUB: por uma
Assistência Psiquiátrica em Transformação, Rio de Janeiro, n. 3, p. 85-94,
1999. O autor traz, em seu texto, também uma perspectiva histórica e nos
incita a refletir acerca do tema.
3
GOOD, B. Medicine, and Experience: an Anthropological Perspective.
New York: Cambridge University Press, 1994.
4
BEZERRA, B. A clínica e a reabilitação psicossocial. In: PITTA, A.
(Org.) Reabilitação psicossocial no Brasil. 2. ed. São Paulo: HUCITEC,
2001. p. 139.
5
HOUAISS, A.; VILLAR, M.; FRANCO, F. Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
6
FOUCAULT, M. A história da loucura. 3. ed. São Paulo: Perspectiva,
1993. p. 12. Destaque nosso.
7
FOUCAULT, 1993, p. 474.
9
FOUCAULT, 1993, p. 512.
As contribuições da Psicanálise
12
FREUD, 1980a, p. 268.
O século XX e o refinamento
técnico da Psiquiatria
15
TUBIANA, 1995.
20
SOURNIA, 1992.
21
WIDLOCHER, D. Le Cerveau et laVie Mentale. La Recherche: Les
Mèdicaments de l’Esprit, Paris, p. 102, oct.1995.
22
SCHIZOPHRENIA. In: MEDTERMS. Disponível em: <http://www.
medterms.com>. Acesso em: 03 jul. 2001.
23
OLIVEIRA, I. Manual de psicofarmacologia clínica. Rio de Janeiro:
MEDSI, 1994. p. 73.
24
CONRAD, P. Genetic Optimism: Framing Genes and Mental Illness in
the News. Culture, Medicine and Psychiatry, Dordrecht, v. 25, n. 2, p.
225-247, June 2001.
25
HENNING, M. F. Neuroquímica da vida cotidiana. Cadernos IPUB,
Rio de Janeiro, v. 4, n. 18, p. 123-132, 2000.
26
AMARANTE, P. Loucos pela vida. Rio de Janeiro: SDE: ENSP, 1995.
(Coleção Panorama).
27
AMARANTE, 1995.
28
Lei que foi sancionada, pelo presidente da república, apenas em 2001.
29
VASCONCELOS, E. M. Desinstitucionalização e interdiscipli-
naridade em saúde mental. Cadernos do IPUB: Saúde Mental e
Desinstitucionalização – Reinventando os Serviços, Rio de Janeiro, n. 7,
p. 17-39, 1997.
30
Apud AMARANTE, 1995, p. 21-22.
33
TENÓRIO, F. Da reforma psiquiátrica a clínica do sujeito. In: QUINET,
A. (Org). Psicanálise e Psiquiatria: controvérsias e convergências. Rio de
Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001. p. 121-131.
2
CANAL, M. I. G. La relación médico-paciente en el Manicomio de
La Castañeda entre 1910-1920, tiempos de revolución. Nuevo Mundo
Camille...
8
CUNHA, 1989, p. 122.
9
Entendo subjetivação na perspectiva de Michel Foucault, para
quem esta consiste em transpor a linha de força, ultrapassar o
saber-poder, curvar a força. Segundo Gilles Deleuze, é “[...] fazer
com que ela mesma se afete em vez de afetar outras forças: uma
dobra, segundo Foucault, uma relação da força consigo. Trata-se
de ‘duplicar’ a relação de forças, de uma relação consigo que nos
permita resistir, furtar-nos, fazer a vida ou a morte voltarem-se
contra o poder. [...] processos de subjetivação são inteiramente
variáveis, conforme as épocas, e se fazem segundo regras muito
diferentes. Eles são tanto mais variáveis já que a todo o momento
o poder não para de recuperá-los e de submetê-los às relações de
força, a menos que renasçam inventando novos modos, indefini-
damente [...]. Um processo de subjetivação, isto é, uma produção
de modo de existência [...], é um modo intensivo e não um sujei-
to pessoal. É uma dimensão específica sem a qual não se poderia
ultrapassar o saber nem resistir ao poder”. DELEUZE, G. A vida
como obra de arte. In: ______. Conversações (1972-1990). São
Paulo: Ed. 34, 1998. p. 123.
Querida mamãe,
Demorei muito para lhe escrever, pois fez tanto frio que eu
não podia mais manter-me de pé [...]
10
Carta de Camille Claudel à mãe (02/02/1927), em WAHBA, 1996, p. 15.
11
WAHBA, 1996.
12
Carta de Camille Claudel a Paul Claudel (em 1927), em WAHBA, 1996,
p. 104.
13
Carta de Camille Claudel à mãe (02/02/1927), em WAHBA, 1996, p. 13-
14.
14
Carta de Camille Claudel a Paul Claudel (após 1929, s.d), em WAHBA,
1996, p. 104.
15
WAHBA, 1996, p. 61. Segundo a autora: “A psicose paranoide ou para-
noia, pela definição psiquiátrica, é caracterizada pelo delírio dito sistema-
tizado, pois se desenvolve na ordem e na clareza. O paciente manifesta
uma convicção dogmática que se constroi logicamente a partir de ele-
mentos falsos ou ilusórios; ele se conduz e pensa em função de sua con-
cepção delirante, em vez de seguir a realidade comum. Quando conversa
sobre assuntos que não atinjam o foco perturbado, aparenta normalidade
e juízo perfeito”. WAHBA, 1996, p. 61-62.
16
Cópia da ordem de admissão entregue pelo prefeito – dr. Chapernel
(1924); Certificado de situação ao sr. Ferté, procurador (1929), em
WAHBA, 1996, p. 66-67.
17
WAHBA, 1996, p. 67.
18
Boletim interno – dr. Brunet (01/07/1920), em WAHBA, 1996, p. 68.
19
Boletim interno – dr. Chapernel (out. 1924), em WAHBA, 1996, p. 70.
20
WAHBA, 1996, p. 68.
21
Certificado de situação ao sr. Procurador da República de Avignon – dr.
Brunet (26/06/1919); Cópia de ordem de admissão entregue pelo prefei-
to – dr. Chapernel (03/11/1924), ambos em WAHBA, 1996, p. 66.
22
Certificado de situação ao Sr. Ferté, procurador – Dr. Chapernel (1925).
24
As cartas de Pierina, escritas no período em que esteve internada no
Hospício São Pedro de Porto Alegre – entre 5 de julho de 1909 e 11 de
maio de 1911 – encontram-se anexadas ao seu Prontuário Psiquiátrico,
atualmente sob a guarda do Arquivo Público do Estado do Rio Grande
do Sul (APRS). Apenas uma das cartas foi datada, a dirigida a sua “queri-
da Mãe”, em 8 de outubro de 1909. Sem nenhuma datação – apenas algu-
mas pistas que permitem situá-las temporalmente – Pierina escreveu uma
carta endereçada a seu cunhado oficial de justiça, para ser entregue ao Juiz
de Garibaldi (em razão das informações contidas pressuponho que esta
foi a primeira carta escrita por Pierina dentro do hospício); um bilhete
para a “Sinhora infermeira Bernadeta da Santa Casa da Seção 15 Porto
Alegre”; e uma carta dirigida aos “Senhores dottores”, possivelmente os
médicos legistas da Chefatura de Polícia, responsáveis legais por avaliar se
ela “sofria das faculdades mentais”. In: Hospício São Pedro. Prontuário
n. 38120 – P. C. (APRS – Cx. 06).
25
Cf. CUNHA, M. C. P. O espelho do mundo: Juquery, a história de um
asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
26
Cf. BARRETO, 1956.
27
Uma discussão sobre a experiência de Pierina no hospício e sua particular
visão sobre a vida neste foi publicada em: WADI, Y. M. Um lugar todo
seu!? Paradoxos do viver em uma instituição psiquiátrica. Varia História,
Belo Horizonte, n. 32, p. 75-101, jul. 2004. A trajetória da experiência
de loucura de Pierina foi contada em: WADI, Y. M. A história de Pierina:
subjetividade, crime e loucura. Uberlândia: Edufu, 2009. Esta parte do
capítulo é inspirada em tais textos.
28
“Atestado médico-legal dos drs. João Pitta Pinheiro e Antonio Carlos
Penafiel, em 5 de julho de 1909 – Gabinete Médico Legal da Chefatura de
Polícia do Estado do Rio Grande do Sul”. Juizo Districtal do Civel e do
Crime do Município de Garibaldi. Processo-crime n. 1009 – P. C. (APRS
– maço 30 – est. 29 – ano 1909). A grafia original das fontes foi mantida
nesta e nas demais citações.
29
Juizo Districtal do Civel e do Crime do Município de Garibaldi. Processo-
crime n. 1009 – P. C. (APRS – maço 30 – est. 29 – ano 1909).
30
“Carta ao Juiz de Garibaldi”. Hospício São Pedro. Prontuário n. 38120
– P. C. (APRS – Cx. 06). Partenon é o nome do antigo arrabalde – atual
bairro – da cidade de Porto Alegre, onde foi construído o Hospício São
Pedro.
31
“Carta aos dottores”. Hospício São Pedro. Prontuário n. 38120 – P. C.
(APRS – Cx. 06).
32
“Carta de Pierina à mãe”. Hospício São Pedro. Prontuário n. 38120 – P.
C. (APRS – Cx. 06).
33
CUNHA, 1986.
34
CASTEL, R. A ordem psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo. Rio de
Janeiro: Graal, 1978. Sobre terapêuticas médicas utilizadas no Hospício
São Pedro, na época em que Pierina esteve internada, ver: WADI, Y. M.
Palácio para guardar doidos: uma história das lutas pela construção do
hospital de alienados e da psiquiatria no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRGS, 2002 e WADI, 2009.
35
“Relatório Médico Legal dos drs. João Pitta Pinheiro e Antonio Carlos
Penafiel, em 10 de maio de 1911 – Gabinete Médico Legal da Chefatura
de Polícia do Estado do Rio Grande do Sul”. Juizo Districtal do Civel
e do Crime do Municipio de Garibaldi. Processo-crime n. 1009 – P. C.
(APRS – maço 30 – est. 29 – ano 1909).
36
“Carta aos dottores”. Hospício São Pedro. Prontuário n. 38120 – P. C.
(APRS – Cx. 06).
37
Relatório Médico Legal dos Drs. João Pitta Pinheiro e Antonio Carlos
Penafiel, em 10 de maio de 1911. In: Hospício São Pedro. Prontuário n.
38120 – P. C. (APRS – Cx. 06).
38
“Carta de Pierina à mãe”. Hospício São Pedro. Prontuário n. 38120 – P.
C. (APRS – Cx. 06). Destaque nosso.
39
“Carta aos dottores”. Hospício São Pedro. Prontuário n. 38120 – P. C.
(APRS – Cx. 06).
40
Sobre as atividades ditas terapêuticas desenvolvidas nas instituições psi-
quiátricas, que tinham formatos estabelecidos a partir dos papéis de gê-
nero construídos socialmente, ver: CUNHA, 1989, p. 140-142; ENGEL,
M. Psiquiatria e feminilidade. In: DEL PRIORE, M. (Org.). História das
mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p. 322-361; WADI, 2009.
41
As cartas anexas ao prontuário de Pierina parecem ser todas elas, as cartas
originais. Era comum nos hospícios não enviar a correspondência dos
internos, utilizadas como documentos médicos para averiguação de sin-
tomas das doenças mentais.
42
PORTER, R. Uma história social da loucura. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1991. p. 245.
43
“Carta ao Juiz de Garibaldi”. Hospício São Pedro. Prontuário n. 38120 –
P. C. (APRS – Cx. 06). Destaque nosso.
44
“Carta aos dottores”. Hospício São Pedro. Prontuário n. 38120 – P. C.
(APRS – Cx. 06). Destaque nosso.
45
Hospício São Pedro. Prontuário n. 38120 – P. C. (APRS – Cx. 06).
Stela...
46
“Despacho do Juiz da Comarca, em 23 de maio de 1911”. Juizo Districtal
do Civel e do Crime do Município de Garibaldi. Processo-crime n. 1009
– P. C. (APRS – maço 30 – est. 29 – ano 1909).
47
MOSÉ, V. Apresentação: Stela do Patrocínio: uma trajetória poética em
50
AQUINO, R. Estrela. In: PATROCÍNIO, S. do. Reino dos bichos e dos
animais é o meu nome. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2001. p. 14.
51
PELBART, P. P. Os loucos, trinta anos depois. Novos Estudos CEBRAP,
São Paulo, n. 42, p. 176, jul. 1995. Destaque do autor.
52
Patrocínio, S. do. Parte I: Um homem chamado cavalo é o meu nome.
In: ______. Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Rio de Janeiro:
Azougue Editorial, 2001b. p. 51. A organizadora do livro, Viviane Mosé,
estruturou-o em partes a partir de sua percepção dos encadeamentos en-
tre os assuntos, a conexão de temas, a malha de sentido expressa nas falas.
Segundo a organizadora, esta primeira parte fala da situação de Stela no
hospital.
53
PATROCÍNIO, 2001b, p. 55.
54
PATROCÍNIO, 2001b, p. 51.
55
PATROCÍNIO, 2001b, p. 54.
56
PATROCÍNIO, S. do. Parte II: Eu sou Stela do Patrocínio, bem patro-
cinada. In: ______. Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Rio de
Janeiro: Azougue Editorial, 2001a. p. 63. Nesta parte, segundo Mosé,
Stela “se distingue do contexto hospitalar, se diferencia; aqui Stela adqui-
re nome próprio, adquire palavra”. MOSÉ, 2001, p. 29-30.
57
FOUCAULT, M. A vida dos homens infames. In: ______. O que é um
autor? Lisboa: Vega, 1992. p. 89-128.
58
DELEUZE, 1998, p. 123.
59
PATROCÍNIO, 2001a, p. 63.
60
PATROCÍNIO, 2001a, p. 66.
61
DELEUZE, 1998, p. 141.
62
PATROCÍNIO, S. do. Parte VI: Reino dos bichos e dos animais é o meu
nome. In: ______. Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Rio de
Janeiro: Azougue Editorial, 2001c. p. 109. Para Mosé, esta parte do livro
retoma falas de Stela relativas a condição asilar, “só que sob a metáfora
dos animais e do zoológico”. MOSÉ, 2001, p. 30.
63
PATROCÍNIO, S. do. Parte VIII: Procurando falatório. In: ______. Reino
dos bichos e dos animais é o meu nome. Rio de Janeiro: Azougue Editorial,
2001d. p. 142. Segundo Mosé, esta parte da obra traz poemas que mostram
“a consciência que Stela tinha de sua palavra”. MOSÉ, 2001, p. 30.
Um lugar (im)possível...
64
PATROCÍNIO, 2001d, p. 143.
65
MOSÉ, 2001, p. 21.
66
“Carta aos dottores”. Hospício São Pedro. Prontuário n. 38120 – P. C.
(APRS – Cx. 06).
67
PELBART, P. P. Manicômio mental: a outra face da clausura. 3. ed. São
Paulo: Hucitec, 1990. p. 131-138. (Saúde e loucura, n. 2).
68
PATROCÍNIO, 2001d, p. 144.
WADI, Y. M. Palácio para guardar doidos: uma história das lutas pela
construção do hospital de alienados e da psiquiatria no Rio Grande
do Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002.
363
MARIA CLARA TOMAZ MACHADO é mestre e doutora pela
USP, professora dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Histó-
ria da UFU, foi diretora da Editora da Universidade Federal de Uber-
lândia entre 2003–2008. Dentre os vários trabalhos publicados desta-
ca-se o capítulo “Almas Enclausuradas práticas de intervenção médica,
obsessão e loucura no cotidiano do Sanatório Espírita de Uberlândia/
MG (1932-1970)” que compõe o livro Orixás e Espíritos: o debate
interdisciplinar na pesquisa contemporânea, publicada pela Edufu em
2006. Organizou, em 2007, o livro Caleidoscópio de saberes e práticas
populares, também pela Edufu, no qual possui dois textos sobre reli-
giosidade popular. E-mail: mclaratmachado@yahoo.com.br
364
RAPHAEL ALBERTO RIBEIRO é mestre em História pela Uni-
versidade Federal de Uberlândia e membro do Núcleo de Cultura
Popular (Populis). Autor da dissertação Almas enclausuradas: práti-
cas de intervenção médica, representações culturais e cotidiano no Sa-
natório Espírita de Uberlândia (1932-1970) e, em coautoria com Ma-
ria Clara T. Machado, do capítulo “A Institucionalização da loucura
em Uberlândia: discursos de controle e políticas de higienização”,
do livro Uberlândia Revisitada: memória, cultura e sociedade. E-mail:
raphaelhis@yahoo.com.br
365
YONISSA MARMITT WADI é mestre em História pela Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul e doutora em História pela
PUC de São Paulo, bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq,
professora do Centro de Ciências Humanas e Sociais e dos Progra-
mas de Pós-Graduação em História e em Desenvolvimento Regio-
nal e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
- Unioeste. Dentre os vários trabalhos publicados destacam-se
os livros Palácio para guardar doidos: uma história das lutas pela cons-
trução do hospital de alienados e da Psiquiatria no Rio Grande do Sul
(Editora da Universidade/UFRGS, 2002) e A história de Pierina:
subjetividade, crime e loucura (Edufu, 2009). E-mail: yonissamw@
uol.com.br
366
Sobre o livro
Formato 16 cm x 23 cm
Tipologia Baramond
Papel Sulfite 75 g
Tiragem 1.000 exemplares