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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL SERRA DOS ÓRGÃOS

FACULDADES UNIFICADAS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

IMUNIDADES NOS CRIMES PATRIMONIAIS NAS


RELAÇÕES AFETIVAS

VIRGINIA CORREA LEAL MIRANDA

TERESÓPOLIS
DEZEMBRO/2009
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL SERRA DOS ÓRGÃOS
FACULDADES UNIFICADAS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

IMUNIDADES NOS CRIMES PATRIMONIAIS NAS


RELAÇÕES AFETIVAS

VIRGINIA CORREA LEAL MIRANDA

Monografia elaborada atendendo ao


requisito básico para a conclusão do
Curso de Graduação em Direito

TERESÓPOLIS
DEZEMBRO/2009
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL SERRA DOS ÓRGÃOS
FACULDADES UNIFICADAS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

O TRABALHO________________________________________
ELABORADO POR____________________________________

E APROVADO POR TODOS OS MEMBROS DA


BANCA EXAMINADORA. FOI ACEITO PELO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

TERESÓPOLIS, ______________________

BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
“I was afraid you'd hit me if i'd spoken up
I was afraid of your physical strength
I was afraid you'd hit below the belt
I was afraid of your sucker punch
I was afraid of you reducing me
I was afraid of your alocohol breath
I was afraid of your complete disregard for me
I was afraid of your temper
I was afraid of handles being flown off of
I was afraid of holes being punched into walls
I was afraid of your testosterone”

(trecho da música
Sympathetic Character - Alanis Morissette)
À Deus, por me manter em constante proteção
À minha família, pelo amor e paciência
Aos meus amigos, pela compreensão e carinho
Aos professores, que acreditaram e apostaram
em mim e no Trabalho de Conclusão de Curso
A todos que apesar todos os altos e baixos, permaneceram ao meu lado.
RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo o estudo das Imunidades Patrimoniais previstas
no Código de Penal, nos casos de crimes que envolvem as relações afetivas, abordando a
visão da nova 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, assim como o Projeto de Lei 3.764/2004, e
a evolução do conceito de unidade familiar, inserido nessas imunidades.

PALAVRAS – CHAVE: Imunidade – Patrimonial - Relações - Afetivas.


SUMÁRIO

1. Introdução................................................................................................08
2. Imunidades no Código Penal...................................................................10
2.1. Contexto Histórico .............................................................................11
2.1.1. Influências do Direito Penal Estrangeiro.................................11
2.1.2. Inclusão das Imunidades ao Direito Pátrio.............................12
2.2. Código Penal Vigente.........................................................................14
2.2.1. Considerações Iniciais e Limites .............................................14
2.2.2. Imunidades Absolutas...............................................................15
A. Em Prejuízo do Cônjuge..........................................17
B. Em Prejuízo ao Companheiro..................................20
C. Em Prejuízo de Ascendente ou Descendente...........21
2.2.3. Imunidades Relativas..............................................................23
3. Conceito de Família..................................................................................25
3.1. Influências do Direito Romano, Canônico e Germânico...................25
3.2. Após a Constituição de 88 e Código Civil de 2002...........................28
4. Imunidades na Lei Maria da Penha...........................................................32
4.1. Da criação da lei.................................................................................32
4.2. Abrangência da Lei Maria da Penha..................................................34
4.2.1. Unidade Doméstica................................................................34
4.2.2. Entidade Familiar e Relação Intima de Afeto........................35
4.2.3. Extensão as Uniões Homoafetivas........................................37
4.2.4. Constitucionalidade................................................................39
4.3. Violência Doméstica..........................................................................41
4.3.1. Violência Patrimonial............................................................43
4.3.2. Sujeito Ativo e Sujeito Passivo.............................................44
4.3.3. Inaplicabilidade das Imunidades Patrimoniais......................45
5. Projeto de Lei nº 3764/2004.....................................................................47
5.1. Objetivo............................................................................................47
5.2. Conteúdo do Projeto de Lei..............................................................48
6. Conclusão.................................................................................................51
7. Referências Bibliográficas.......................................................................53
1. INTRODUÇÃO

A Imunidade Patrimonial é a isenção de pena, absoluta ou relativa, prevista nos


artigos 181 e 182 do Código Penal. Dizem respeito aos crimes patrimoniais, tendo em
vista a relação entre agente ativo e passivo do crime, considerando o parentesco, por
consangüinidade ou afinidade.
O Código Penal trás a imunidade aos crimes patrimoniais, quando praticados
dentro da unidade familiar, o que vai de encontro com o que prevê o artigo 7º da nova
Lei Maria da Penha, que trás a concepção de que a violência patrimonial é uma forma
de violência doméstica.
Tal lei foi criada, em obediência à Convenção do Belém do Pará, com o objetivo
de utilizar todos os meios possíveis para impedir a violência contra a mulher, tendo em
vista a sua fragilidade em relação ao abuso de poder hierárquico, produzido ao longo da
história humana, e que permanece reiterado nos dias atuais.
Para haver tal equilíbrio entre os sexos, no seio familiar, foi necessário conceder
uma proteção maior à violência contra a mulher. E como a Lei dilata o conceito de
família, implicaria dizer também que figura proteção em relação aos crimes praticados
pelo companheiro, pelo ex-marido, o homoafetivo, impedindo que analogicamente seja
isento da pena, alcançado à imunidade patrimonial.
A nova Lei é polêmica por defender um tratamento diferenciado entre os sexos,
havendo criticas quanto a sua constitucionalidade por ferir, em tese, o Princípio da
Isonomia.
A relevância do trabalho é demonstrar os pontos divergentes do tema dentro do
nosso ordenamento jurídico, decorrente do conflito de normas. Por ser a Lei Maria da
Penha uma lei relativamente nova, existem diversos entendimentos de doutrinadores e
juristas, o que é prejudicial à segurança jurídica.
O objetivo do trabalho é analisar as os aspectos das duas legislações vigentes, o
Código Penal e a Lei Maria da Penha, levando em consideração os diversos
posicionamentos que têm sido adotados, e o fundamento de cada um, dentro de seu
contexto histórico.
O método de pesquisa a ser utilizado neste trabalho terá por base a doutrina,
pesquisa bibliográfica, jurisprudencial, periódicos, internet.
Tratará também do contexto histórico que levou a criação dessas imunidades
pelo Código Penal, também com base nos conceitos no âmbito do direito de família,

8
aspectos da violência doméstica contra a mulher englobando os crimes patrimoniais, e
com base no conteúdo do Projeto de Lei 3.764/2004.
Dividimos o trabalho em quatro capítulos, o primeiro abordando as Imunidades
Patrimoniais no Código Penal, o contexto histórico para a criação das imunidades, e a
influência do Código Penal Estrangeiro. No segundo capítulo abordamos a evolução do
conceito de família, desde as influências do Direito Romano, Canônico e Germânico, à
concepção pátria após a Constituição Federal de 88. No terceiro capítulo trataremos das
imunidades ante a Lei Maria da Penha, tendo em vista que não isenta de pena o agente
que comete os crimes patrimoniais no seio familiar. Por último, analisaremos o projeto
de lei 764/2004 que visa suprimir do Código Penal os artigos que dizem respeito as
imunidade patrimoniais, retirando a isenção de pena para tais crimes, praticados pelas
pessoas no núcleo familiar, ali descritos.

9
2. IMUNIDADES NO CÓDIGO PENAL

O Código Penal de 1940 trás em seu texto legal a imunidade patrimonial que
isenta de pena o agente que comete quaisquer dos crimes contra o patrimônio, com
ressalva1.
A Imunidade Patrimonial nada mais é que uma espécie de Escusa Absolutória,
de caráter pessoal, que por questões de ordem político-criminal, isentam de pena um
agente culpável, pela pratica de um ato tipificado criminalmente. (FERRO, 2003)
Parte da doutrina define Escusa Absolutória como sinônimo de Imunidade Penal
Absoluta, outros apenas como Imunidade Penal, e ainda os que a consideram como
Causas Pessoais de Exclusão de Pena.
Violência patrimonial encontra a sua definição no Código Penal entre os delitos
contra o patrimônio, e possui como exemplos: o furto, dano, apropriação indébita.
(DIAS, 2007)
A imunidade patrimonial abrange os crimes cometidos entre: cônjuge,
ascendentes e descendentes. Quanto à violência patrimonial praticada entre cônjuges,
incide a figura analógica do companheiro na constância da união estável. Essas
imunidades estão previstas no artigo 181 do Código Penal, que in verbis:

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes


previstos neste título, em prejuízo:
I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo
ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Está prevista no artigo 183 do Código Penal,uma ressalva que diz respeito a
aplicabilidade dos artigos 181 e 182. Em seu primeiro inciso, tal artigo prevê que
inexiste a isenção de pena, quando o crime patrimonial praticado for o crime de roubo
ou extorsão. Isso ocorre pois, tais crimes são praticados com o emprego de violência ou
grave ameaça.
Em seu segundo inciso, o artigo prescreve que não se considera isento de pena, o
agente estranho à vítima. Obviamente o legislador incluiu essa hipótese de não isenção
de pena, porque a imunidade patrimonial tem caráter pessoal, se restringindo à violência

1
Artigo 183 do Código Penal de 1940

10
praticada no seio familiar, dessa forma o agente estranho à vítima descaracteriza esta
proteção à família.
Por último, em seu terceiro inciso, não é isento de pena o agente que pratica
violência patrimonial contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos,
redação dada pela Lei 10.741-2003.
O Estatuto do Idoso, em seu artigo 95 inserido no Capitulo II “Dos Crimes em
Espécie”, retira a aplicabilidade dos artigos 181 e 182 do Código Penal, visando
preservar parentes que, em decorrência da idade, sofrem violência patrimonial.
Essas imunidades patrimoniais se restringem ao seio da familiar, muitas vezes
pautada nas relações afetivas. Isso ocorre pela tendência à proteção do núcleo familiar
com relação à intervenção mínima do Estado.
Baseia-se na idéia do coletivo social, o qual entende que em problemas entre
maridos e mulheres, ou qualquer outro parente do núcleo familiar, não é passível de
intervenção, nem mesmo o Estado, personificado na figura do Juiz. Neste sentido
destaca Nelson Hungria

Por motivos de ordem política, ou seja em obsequium ao interesse de


solidariedade e harmonia no círculo da família, as legislações penais
em geral declaram absoluta ao relativamente impuníveis os crimes
patrimoniais quando praticados, sine vi aut minis, entre cônjuges ou
parentes próximos. (HUNGRIA, 1967, p.324)

Constitui também uma imunidade patrimonial, a imunidade prevista no art. 348,


§ 2º do Código Penal. O favorecimento pessoal, de igual forma, é uma isenção de pena
que possui relação de parentesco ou afinidade. Essa escusa absolutória diz respeito a
quem presta auxílio a ascendente, descendente ou cônjuge.

2.1. CONTEXTO HISTÓRICO

2.1.1. Influências do Direito Penal Estrangeiro

A imunidade patrimonial que versa o artigo 181 do Código Penal de 1940, não
existe, tão somente, em nosso ordenamento jurídico. Este instituto pode ser observado
em ordenamentos que serviram de base para a formação do Direito Brasileiro, tal como

11
Direito Romano, o Código Napoleônico, Códigos Criminais do Império e Penal
Republicano.
Um dos primeiros episódios registrados de crime de ordem patrimonial contra
parentes foi o relato bíblico de Isaac e Jacó. Jacó filho mais novo de Isaac, acobertado
por sua mãe Rebeca, furta de seu irmão Esaú a sua primogenitura, enganando seu pai
Isaac, que já se encontrava cego, para que este lhe desse a benção que sinalizava
conceder a ele os direitos de primogênito2.
Em Roma existia o principio da co-propriedade familiar, então quando um
cônjuge ou descendente subtraia um bem de quem estava sob o seu poder, cometia
furto, mas não nascia uma ação penal, ainda que ocorresse após a dissolução do
casamento. (FRAGOSO, 1898)
Também vigorava o entendimento de que o delito cometido pelos parentes não é
o mesmo delito que os cometidos por aqueles que dão acolhidas aos ladrões, que não
são seus parentes. 3
Dessa forma, mesmo não havendo mais a co-propriedade familiar a proteção a
integridade moral da família era sobreposta a integridade patrimonial, protegendo a
reciprocidade dos entes do clã, evitando escândalos e assim a honra daquele núcleo
familiar. (FERRO, 2003).
Posteriormente a imunidade patrimonial, encontrou previsão no Código
Napoleônico de 1810 em seu art. 380, agora resguardando a possibilidade de reparação
civil. A imunidade patrimonial também apareceu nos códigos Toscano de 1853 nos
artigos. 412 a 414 e Código Penal Sardo de 1859.

2.1.2. Inclusão das Imunidades ao Direito Pátrio

No Brasil tal imunidade foi inserida ao Código Pátrio no art. 262 do Código
Criminal do Império de 1830, e posteriormente também consagrou semelhante
imunidade no art. 335 do Código Penal Republicano de 18904.
O Diploma Legal Pátrio de 1890, tal como o dispositivo italiano, não abrangia a
figura do partícipe, por ser este estranho ao núcleo familiar, se calando quanto a esse

2
Tal conto bíblico esta relatado em Gênesis 27: 1-40
3
Do latim “non enim par est eorum delictum, et eorum qui nihil ad se pertinentes latrones recipunt”
4
Art. 335 do Código Penal Republicano “A ação criminal do furto não terá lugar entre marido e mulher,
salvo havendo separação judicial de pessoa e bens, ascendentes, descendentes, e afins nos mesmos
graus”.

12
aspecto. Isso ocorre, pois a imunidade patrimonial a que se refere tal artigo é de caráter
personalíssimo, não se estendendo essa imunidade aos demais co-autores ou cúmplices
do fato. (apud, FERRO, 2003).
Dessa forma os demais autores do crime patrimonial sem violência ou grave
ameaça não ficavam impunes. De igual forma, o artigo 335 do Código Penal
Republicano de 1890 não se estendida aos crimes de roubo e estelionato. Por se tratar de
uma imunidade, é exceção e não a regra, devendo ser interpretada restritamente5. Neste
mesmo sentido:

A disposição do art. 335 do Código Penal mantida em vigor pela Lei


n.628, de 1899, é inapplicavel ao crime de roubo. Assim, cabe a acção
penal do ministério público no crime de roubo praticado por um genro
em bens pertencentes ao sogro (Acórdão do Tribunal de São Paulo de
3 de outubro de 1900).

O assunto foi visto de maneira mais ampla apenas com o surgimento do Estatuto
Substantivo Penal de 1940 o atual Código Penal vigente, onde eram disciplinadas
diversas situações jurídicas diferentes, inerentes às escusas absolutórias.
No Código Penal de 1940 está prevista a isenção de punibilidade em todos os
crimes contra o patrimônio que forem cometidos pelos parentes arrolados no art. 181,
tais como o cônjuge, o ascendente e o descendente.
Assim como o tacitamente previsto no art. 335 do Código Penal Republicano de
1890, o Código Penal vigente, agora de maneira expressa, excluiu do alcance da
imunidade do art. 181, os crimes que utilizassem o emprego de violência ou grave
ameaça, em geral os crimes de roubo e estelionato.
Surge também uma nova imunidade, além da prevista no art. 181 do Código
Penal, o favorecimento pessoal, que isenta de pena quem presta auxílio a ascendente,
descendente, irmão ou cônjuge que comete ato delituoso6.

5
Acórdão do Tribunal Superior do Estado do Pará, de 17 de dezembro de 1898.
6
Art. 348, § 2º do Código Penal de 1940.

13
2.2. CÓDIGO PENAL VIGENTE

2.2.1 Considerações Iniciais e Limites

As imunidades patrimoniais encontram suas disposições previstas no Capítulo


VIII do Código Penal vigente e se referem as peculiaridades pessoas dos agentes ativos
dos crimes contra a integridade patrimonial.
Essas imunidades, conforme anteriormente já visto, encontram justificativa na
proteção do núcleo familiar, levando-se em consideração que a punição pelo crime
cometido por um desses agentes causará mais prejuízo a ordem pública que benefícios.
Nesse sentido versa Mirabette:

Nesses casos, o fato causa menor alarme social, denunciando menos


periculosidade do agente.Objetiva-se, principalmente a honra e a paz
da família, considerando-se ainda que, se houver punição, os prejuízos
serão maiores do que os benefícios à ordem pública. (MIRABETE,
2007, p. 353)

As imunidades patrimoniais se dividem em Imunidades Absolutas7 e Imunidades


Relativas8. São consideradas absolutas as imunidades ais quais o agentes ficam isentos
de pena, em decorrência de seu parentesco com a vítima, enquanto as imunidades
relativas se referem aos casos em que o fato é punível, contudo a ação penal depende de
representação.
Não poderá ser instaurado inquérito policial nos casos em que a imunidade é
absoluta, tão pouco haverá ação penal contra quem comete esses crimes patrimoniais,
pois falta o interesse de agir.
Falta o interesse de agir porque, nos casos de imunidade absoluta o agente é
isento de pena. Não sendo possível impor a sanção penal, a ação penal condenatória
perde a sua finalidade, que seria a de condenar o réu. (MIRABETE, 2007)
Nos casos de imunidade relativa, o fato é punível, contudo depende de
representação. Se não existir a representação, o inquérito policial será impedido, tal
como a ação penal, que dessa vez será impedida pela falta de condição de
procedibilidade.

7
Artigo 181 do Código Penal
8
Artigo 182 do Código Penal

14
Apesar de as imunidades abrangerem todos os crimes contra o patrimônio9, não
estão incluídos no rol das imunidades os crimes de extorsão e roubo, ou qualquer outro
crime que utilize violência ou grave ameaça, de acordo com o art. 183, II do Código
Penal. Tal violência deverá ser real e não apenas presumida.
Também não são agraciados com imunidade, os crimes praticados por agentes
estranhos à vítima10, eis que a imunidade é um benefício de caráter pessoal, como já
citado, não se estendendo à eventuais co-autores ou partícipes que não possuírem o
grau de parentesco o qual versa o instituto.
Por força da Lei nº. 10.741/03, Estatuto do Idoso, os crimes praticados contra
quem possuir mais de 60 sessenta anos de idade11 também não encontram proteção da
imunidade patrimonial.

2.2.2. Das Imunidades Absolutas

A imunidade absoluta é a escusa absolutória e encontra previsão legal no artigo


181 do Código Penal. Conceitualmente isenta de pena quem comete qualquer dos
crimes patrimoniais contra quem for cônjuge na constância da sociedade conjugal12,
ascendente ou descendente de parentesco13, independente da legitimidade do
parentesco, e que este seja natural ou civil.
Consiste na isenção obrigatória14, que funciona com o perdão judicial, e que
abrange qualquer sanção penal, tais como medida de segurança, registro no rol de
culpados, instauração de inquérito policial, ou qualquer procedimento criminal contra o
agente. A jurisprudência versa sobre o assunto:

A imunidade penal absoluta, prevista no art. 181 do CP, é impeditiva


de procedimento criminal contra quem, de antemão teria objetivo ou
finalidade, constituindo constrangimento ilegal a sua propositura,
sendo certo que, não se justifica a instauração de inquérito policial,
destinado a apuração da infração penal, como meio preparatório para a
ação, uma vez que inteiramente desnecessário na espécie. ( TACRIM

9
Crimes Patrimoniais vão do art. 155 ao art. 180 do Código Penal.
10
Art. 183, II do Código Penal.
11
Art. 183, III do Código Penal.
12
Art. 181, I do Código Penal.
13
Art. 181, II do Código Penal.
14
Essa isenção não é facultativa como ocorre nos casos de perdão judicial.

15
– SP – HC – Rel. Osni de Souza – j. 07.05.1998 – RJTACrim.
39/361).

Isenta de pena os agentes que cometem os crimes contra o patrimônio previstos


no Título II do Código Penal, consistem em: furtos (art. 155 à 156), alteração de limites
(art. 161, caput), a usurpação de águas (art. 161, § 1º, I), o esbulho possessório (art.
161,§ 1º, II), a supressão ou alteração de marca em animais (art.162), os danos (art. 163
e 165), a introdução ou abandono de animais em propriedade alheia (art. 164) , a
alteração de local especialmente protegido (art. 166), a apropriação indébita (art.168 a
169), o estelionato e outras fraudes (art. 171 a 179) e receptação (art. 180).
A conduta é antijurídica, mas não cabe a aplicação de pena, e sendo assim
inexiste a preensão punitiva, como também o interesse de agir. Contudo, mesmo
inexistindo o cabimento de aplicação punitiva, as conseqüências civis permanecem
estando o agente obrigado à restituição, a reparação do dano etc. Sendo assim a pena
desaparece, mas o crime subsiste e com ele toda a sua conformação típica.
Nem a antijuridicidade objetiva do fato, nem a culpabilidade do agente ficam
excluídas com a imunidade absoluta de caráter pessoal do agente. Apenas deixa de ser
aplicada a pena correspondente, em razão de critério meramente oportunísco15.
Jurisprudencialmente em igual sentido:

HABEAS CORPUS. CRIME PATRIMONIAL CONSTRA


ASCENDENTE. INVALIDADE DA SENTENÇA
CONDENATÓRIA. IMUNIDADE ABSOLUTA DO AGENTE. È
passível de invalidação pos hábeas corpus a sentença condenatória
proferida contra autor de crime patrimonial no qual a vítima é
ascendente ou descendente e que não se enquadre nas hipóteses do art.
183, I, do CP, face à imunidade absoluta de que goza o réu, cuja
culpabilidade, como também, a antijuridicidade objetiva do fato, não
fica excluída, deixando, somente, de ser aplicável a pena
correspondente. (TAMG – HC – Rel. Edelberto Santiago – RT
620/352)

Com relação à procedimentalidade da ação penal, existe o silêncio da lei quanto


aos crimes de imunidade absoluta, em tese deveria ser ação pública incondicionada, eis
que a lei não subordina nenhuma condição de procedibilidade, tal como fez ao art. 182

15
STF – RHC – Rel. Djaci Falcão – RT 555/437.

16
do Código Penal. Contudo seria absurdo tal posicionamento, pois se tratando de
imunidade absoluta, não poderia sequer se ter instaurado o inquérito policial a
respeito16.
A imunidade absoluta não se confunde com as causas de exclusão de ilicitude,
pois estas retiram o caráter ilícito do fato típico. Também não poderá se confundir com
as causas de exclusão de culpabilidade, haja vista que estas impedem a incidência do
juízo de reprovação pessoal sobre o agente de fato típico e ilícito.
São causas pessoais de exclusão de pena, as quais operam incondicionalmente
em benefício de agentes ligados as vítimas por vínculo de parentesco, nos casos
expressos na lei.
Embora presentes a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade, que são
elementos constitutivos do delito, por razões de utilidade e conveniência, isenta-se o réu
de pena. Configurado o delito com todos seus elementos constitutivos, não ocorrerá a
imposição da pena abstratamente cominada, são causas de impunidade utilitatis causa.
(PRADO, 2000)
A natureza jurídica da sentença que reconhece a imunidade absoluta é
declaratória e não condenatória, pois ao aplicar o dispositivo do art. 181 do Código
Penal, o réu não é absolvido.
O que ocorre é a extinção da punibilidade pela causa de caráter pessoal do réu
com relação a vítima, o qual faz parte do rol o qual versa o art. 107 do Código Penal.

A. Em Prejuízo do Cônjuge

Com relação aos crimes cometidos contra os cônjuges, a isenção de pena nos
crimes contra o patrimônio independe do regime de bens do casamento. Com a
utilização expressa do termo “cônjuges” na lei, o concubinato está excluído tal como
aqueles em que existe apenas o matrimonio religioso sem efeitos civis. Este é o
posicionamento de Heleno Fragoso, que in verbis:

O primeiro caso previsto pela lei é o de cônjuge, na constância da


sociedade conjugal. Trata-se exclusivamente dos esposos, assim
declarados pelo direito civil, enquanto durar o matrimônio. Não se
estende a imunidade penal em aos casos de concubinato ou de

16
TACRIM – SP – AC – Rel. Jarbas Mazzoni – JUTACRIM 72/248.

17
matrimônio religioso sem efeitos civis, nem aos cônjuges após a
dissolução da sociedade conjugal. (FRAGOSO, 1989, p.562-563)

Para o direito pátrio, as pessoas unidas apenas pelo casamento religioso, e assim
sem os efeitos civis, são equiparadas ao concubinato, e dessa forma a imunidade penal
não é estendida a esses casos. (HUNGRIA, 1958). Nesse sentido a jurisprudência
abaixo:

FURTO – DELITO PRATICADO PELA ACUSADA CONTRA O


AMÁSIO – IMUNIDADE PRETENDIDA – INADMISSIBILIDADE
– A imunidade penal de que trata o n.I do art. 181 não se aplica à
concubina. (TJSC –AC – Rel. João de Borba – RT 506/431)

Os agentes ativo e passivo precisam estar na constância da sociedade conjugal,


não podendo haver a separação judicial entre os sujeitos da relação penal, mesmo que
esta seja decretada como medida cautelar17 . De acordo com Venosa “O art. 1.571, III
do Código Civil derrogou as normas de direito material relativas à separação judicial e
ao divórcio previstas na lei nº 6.515, de 26-12-77” (VENOSA,2003,p.209).
Não será imune o agente que comente o crime estando em divórcio. A sociedade
conjugal extingue-se não somente pelas causas extintivas do casamento, que são morte
ou divórcio, mas também em caso de nulidade ou anulação do casamento, e também
pela separação judicial.
Embora o separado judicialmente continue casado, pois o vinculo legal ainda
não foi interrompido, ele não se encontra mais na constância da sociedade conjugal,
fator primordial para que exista a imunidade entre os cônjuges.
Não importando a causa, nos casos de anulação do casamento, esta não irá
operar sob o efeito ex tunc, com a finalidade de retroagir ao ponto de excluir a
impunibilidade, ressalvada a exceção dos casos em que é verificada a má fé
contemporânea ao casamento, ou pelo menos ante delictum. (HUNGRIA, 1958).
Em contrapartida a mera separação de fato, e não de direito, não exclui o
benefício. O separado de fato continua tanto casado quanto na constância da sociedade
conjugal. Assim sendo tem direito a escusa absolutória.

17
Art. 888, VI Código Processual Civil e RT528/357

18
A expressão “na constância da sociedade conjugal” se refere ao tempo o qual
foi cometido o crime, e não da época a qual foi instaurado o processo ou do tempo da
sentença condenatória. Nesse sentido a jurisprudência abaixo:

Se o agente, no crime de apropriação indébita, está, por ocasião dos


fatos, casado civilmente com a vítima, fica isento de pena, de
conformidade com o art.182, I, CP, mesmo que seja curador desta e
haja separação de fato do casal. (TACRIM-SP – Ap. – Rel. Xavier de
Aquino – j. 15.06.1998 – RJTACrim. 40/193)

Igualmente não há imunidade para os crimes cometidos antes do casamento,


mesmo que o agente mantenha relacionamento sexual com a vítima. Nos crimes contra
o patrimônio o subsequens matrimonium não possui o efeito extintivo de punibilidade,
tal como ocorre nos crimes sexuais. A jurisprudência abaixo trás igual sentido:

Se a agente mantinha eventual relacionamento sexual com a vítima do


crime de furto, não há se falar na aplicação do art. 181,I, do CP,pois
tal cause de imunidade penal é restrita ao cônjuge na constância da
sociedade conjugal. (TAMG – Ap. – Rel. Myriam Saboya – j.
24.11.1998 – RT 768/693).

Sendo assim mesmo que um noivo se apropriar do patrimônio de sua noiva, que
lhe foi confiado para um fim determinado, responde pelo crime de apropriação indébita,
ainda que posteriormente sobrevenha o casamento. (HUNGRIA, 1958).
É irrelevante a superveniente morte do cônjuge lesado. A punibilidade será plena
e incondicionada em caso de crime praticado contra bens do espólio do pré-morto, cuja
herança há quem concorra além da pessoa do agente18. Isso ocorrerá porque a morte do
de cujus dissolveu a sociedade conjugal, respondendo o agente pelo crime patrimonial.
(HUNGRIA, 1958). Sobre o assunto a jurisprudência:

Incorre o crime de receptação na conduta do agente que requereu, no


inventário dos bens deixados por seu cônjuge, um alvará para a venda
de um terreno, efetuando diversos pagamentos de dívidas e despesas
com os filhos menores, sem prévia autorização judicial, deixando de
depositar a parte cabente aos menores, uma vez que, apesar de em

18
Pessoas não mencionadas no inciso I do art. 181; e incisos II e III do art. 182 do Código Penal

19
tese, tal fato caracterizar o crime mencionado, existe a imunidade
prevista no art. 181 do CP, que constitui medida de política criminao,
tendente a resguardar o círculo da família. (TACRIM – SP – HC –Rel.
Osni de Souza – j. 07.05.1998 – RJTACrim. 39/361)

B. Em Prejuízo ao Companheiro

Com relação à união estável é perfeitamente possível sustentar a aplicabilidade


da imunidade penal, vez que se trata de uma entidade constitucionalmente equiparada
ao casamento e reconhecida como familiar19, e a qual sempre foi consenso doutrinário
quanto a extensão da escusa absolutória nesses casos.
A equiparação do cônjuge ao companheiro nos casos de união estável foi
mantida pelo Novo Código Civil, não havendo inovação nesse sentido, pois já havia a
previsão do art. 226,§ 3 da Carta Magna. O Código Civil apenas disciplinou a norma
constitucional no art. 1.723.
Sendo assim por ser a união estável, ou até mesmo o companheirismo,
considerada uma entidade legítima, merece ter a imunidade patrimonial estendida. A
fundamentação para a existência de tal escusa absolutória é a preservação da paz da
família, e tal valor também pode ser verificado no caso do companheiro.
Contrariamente é o entendimento quanto ao concubinato, que é considerado pela
legislação atual uma união ilegítima, não sendo assim possível ser considerada uma
hipótese de imunidade patrimonial nos termos do art. 181, I do Código Penal.
O concubinato não é mais sinônimo de união estável, não se equiparando mais
ao casamento. O instituto é definido no Novo Código Civil como “relação estável entre
homem e mulher, quando impedidos de casar”20. Sendo assim não pode ser considerável
sinônimo de união estável até mesmo de forma expressa pela lei21, pois os que estão
unidos por este não estão impedidos para casar como ocorre no concubinato.
O entendimento sobre a aplicabilidade das escusas absolutórias aos casos de
concubinato e ao companheiro não era pacifica. Atualmente existem causas
excepcionais prescritas pela lei em que tem se admite a aplicabilidade da causa de
isenção aos concubinos.

19
Art. 226, § 3º da Constituição Federal.
20
Art. 1727 do Código Civil de 2002
21
Art. 1723 § 1º do Código Civil de 2002

20
Nos casos em que o cônjuge se afasta definitivamente da sua esposa, mantendo-
se em uma relação extraconjugal, e constituindo uma nova família com esta, a questão
possui uma evolução quanto ao seu entendimento.
Para Nelson Hungria, ainda assim não poderá ser reconhecida a imunidade
patrimonial com relação a essa nova família, eis que não pode ser considerado
companheiro a pessoa que esteja impedida de contrair matrimônio.
Para o autor, no caso em epígrafe haveria apenas a separação de fato do primeiro
casal, estando o cônjuge da primeira relação impedido de contrair novo casamento,
ainda que constituída nova família, será considerado concubinato, e como tal não irá se
beneficiar com a imunidade patrimonial. (HUNGRIA, 1958).
Já para Fernando Capez, o impedimento para constituir casamento parte apenas
de um dos companheiros, que será considerado concubino, pois se encontra apenas
separado de fato ou judicialmente.
Contudo, embora persista o impedimento ao matrimônio, excepcionalmente
nessa relação será chamada pela lei de união estável, e não de concubinato22.
O entendimento de Nelson Hungria foi anterior ao Novo Código Civil que como
anteriormente visto versa expressamente sobre o assunto. Assim sendo com relação ao
companheiro impedido de se casar, que constitui uma nova família, e se encontra
separado de fato ou judicialmente, apesar de caracterizado o concubinato, este será
equiparado à união estável, e assim lhe será estendida a imunidade patrimonial. Este é a
única hipótese a qual o concubinato será equiparado a união estável e assim ao
casamento.

C. Em Prejuízo de Ascendente ou Descendente

Apesar do presente trabalho se tratar das relações afetivas, a seguir veremos


breves relatos sobre as imunidades patrimoniais com relação ao Ascendente ou
Descendente.
Também possuem imunidade absoluta os parentes em linha reta. São
considerados ascendentes, os pais, avós, etc. Descendentes são os filhos netos bisnetos,
etc.

22
Art. 1723 § 1º in fine do Código Civil de 2002.

21
Parentesco legítimo consiste no parentesco derivado de casamento válido,
enquanto o parentesco ilegítimo ocorre com relação aos havidos fora da constância do
casamento válido.
O parentesco natural diz respeito à consangüinidade dos agentes, enquanto os
parentes originados do parentesco civil dizem respeito a adoção.
Anteriormente ao Código Civil de 2002, o entendimento era que não havia
imunidade no caso de filhos fruto de incesto ou adultério, salvo a hipótese do art. 405
do referido Código Civil, qual seja o reconhecimento de paternidade para efeito de
prestação alimentícia.
Atualmente o entendimento é o baseado na proibição de quaisquer designação
discriminatória relativa a filiação23, havendo autorização de reconhecimento de filho
havido fora do casamento, sem restrições, mesmo que fruto de adultério ou incesto.
Deste modo os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção
tem direitos e qualificações iguais a que se fossem havidos na constância do
matrimônio, ou de parentesco natural, e de mesma forma tem eles a mesma imunidade.
Quanto ao parentesco por afinidade, estes não são enquadrados no art. 181 do
Código Penal, não merecendo a imunidade patrimonial. Isso, pois o parentesco civil é
somente o que resulta da adoção, não se abrangendo os parentes por afinidade24.
De mesma forma os afins em linha reta, tal como genros, noras e sogros, não se
enquadram inciso II do art. 181 do Código Penal, haja vista que seu rol é taxativo, e
como tal não pode ser estendido aos demais parentes que não aqueles expressamente
enquadrados no referido dispositivo jurídico25. Neste sentido a jurisprudência:

A isenção de pena prevista no art. 181, II, do CP se limita ao


parentesco consangüíneo. O texto em apreço é taxativo, não
comportando interpretação ampliativa. (TJSP – Rec. Martins Ferreira
– RT 261/85, apud Repertório de Jurisprudência do Código Penal, de
Hildebrando D. de Freitas e Valentim A. da Silva,vol. 2/917, n.
5.041).

Quanto ao parentesco colateral, também é inaplicável a imunidade patrimonial,


sendo impossível o reconhecimento do perdão judicial, se as vítimas se tratam de tia ou

23
Art. 227,§ 6º da Constituição Federal combinado com art. 1.596 do Novo Código Civil.
24
RT 395/105
25
RT 395/105

22
prima do réu, por exemplo. Isso ocorre porque os colaterais não se enquadram nas
hipóteses de ascendência e descendência o qual versa o inciso II do art. 181 do Código
Penal. Jurisprudencialmente:

Nos crimes contra o patrimônio, impossível o reconhecimento do


perdão judicial se as vítimas são tia e prima da mãe do réu, não se
enquadrando na hipótese de ascendência ou descendência, prevista no
art. 181, II do CP. (TACRIM-SP – Ap. – Rel. Mesquita de Paula –
RJTACrim 36/308)

Havendo erro quanto a existência ou não do parentesco não influência quanto a


imunidade, isso porque se trata de um erro de tipo.

2.2.3. Das Imunidades Relativas

As imunidades relativas estão previstas no art. 182 do Código Penal, que


prescreve que as ações relativas ao título ao qual está o artigo inserido, somente se
procedem por representação quando ocorrer em prejuízo das pessoas descritas em seus
incisos, que são cônjuge desquitado ou judicialmente separado; irmão legítimo ou
ilegítimo; tio ou sobrinho com quem o agente coabita.
A natureza jurídica da imunidade relativa é consubstanciada em imunidade penal
relativa ou processual, onde a punibilidade não é extinta, contudo existe a imposição de
uma condição objetiva de procedibilidade.
No caso da imunidade relativa não ocorrerá a isenção de pena, mas transforma
os crimes que seriam de ação penal pública incondicionada à ação condicionada a
representação do ofendido. Tal imunidade não abrange os crimes de menor potencial
ofensivo de iniciativa privada, como o dano simples.
Com relação ao primeiro inciso do artigo 182, que trata de crimes contra cônjuge
desquitado ou judicialmente separado, extingue a figura do divorciado dessa imunidade,
contanto que o crime não ocorra antes do divórcio, neste caso a imunidade incidirá.
A lei de 6515/77 que dispõe sobre o divórcio, retirou o termo desquitado de
nosso ordenamento jurídico26, dessa forma está o termo “desquitado” revogado do
primeiro incido do art. 182 do C.P.

26
Art. 2º, III da Lei n. 6515/77

23
Como anteriormente visto o separado de fato de fato tem direito a imunidade
absoluta e não a relativa, pois legalmente ainda está sob a constância da sociedade
conjugal, não se estendendo a ele os benefício da imunidade relativa.
No caso dos irmãos não há distinção entre legítimos ou não. O tio ou sobrinho
com quem o agente coabita necessita a efetiva coabitação para o benefício da imunidade
relativa, não sendo necessário que o crime seja cometido no local da coabitação27.

27
A imunidade é afastada se essa coabitação for transitória.

24
3. CONCEITO DE FAMÍLIA

3.1. INFLUÊNCIAS DO DIREITO ROMANO, CANÔNICO E


GERMÂNICO.

O conceito de família do Direito Pátrio sofreu influências do Direito Romano,


Canônico e Germânico.
Família para o direito romano era definida como o conjunto de pessoas que
estavam sob a pátria potestas do ascendente mais velho vivo e comum a esse conjunto
de pessoas. Quem exercia o poder era o pater famílias, o limite desse poder era de todos
os descendentes não emancipados, e todas as mulheres incluindo sua esposa e as
mulheres de seus descendentes. Dessa forma o conceito de família independia de
consangüinidade. (WALD,2004)
A família era ao mesmo tempo uma entidade tanto econômica quanto política,
religiosa e jurisdicional. No inicio o patrimônio era da família embora administrado
pelo pater, depois o direito romano evoluiu com o surgimento do patrimônio
particular28.
Existia em Roma duas espécies de parentesco, a agnição e a cognição. A
primeira dizia respeito as pessoas sujeitas ao mesmo pater ainda que sem laços
consangüíneos.A segunda era o parentesco dos ligados por consangüinidade,mesmo que
não sujeitas ao mesmo pater29.
A evolução do direito romano se deu pela diminuição do poder do pater e maior
autonomia a mulher e filhos, substituindo o parentesco agnatício pelo cognatício.
A idéia romana de casamento é diferente da idéia atual, para eles o affectio era
necessário para o casamento. Significa dizer que o consentimento das partes não deveria
ser apenas no momento da celebração, mas como elemento continuado. Assim a simples
ausência de conveniência ou afeição era suficiente para a dissolução do casamento30.
Diferentemente do direito romano, o matrimônio para os canonistas não poderia
ser considerado apenas um contrato celebrado pela vontade entre as partes, mas também
um sacramento onde não poderia ser dissolvido pelos homens, já que unido por Deus.

28
Na sociedade romana não havia a figura do patrimônio particular, e sim do patrimônio coletivo de cada
clã.
29
Pater era quem detinha o poder de todo o clã, o chefe do clã, subordinados a ele estavam tanto os
agnácios quanto os cognácios.
30
Não haviam condições materiais para o fim do matrimonio, apenas a conveniência ou falta de afeição
das partes.

25
Dessa forma eram opostos ao divórcio, considerado um instituto contrário a
própria índole do casamento e ao interesse dos filhos. O matrimônio era então
indissolúvel, e o divórcio só era discutido por infiéis, cujo casamento não era sagrado.
Contudo existe uma divergência básica entre a concepção canônica, da
concepção medieval. Na canônica o divórcio dependia apenas do consenso das partes e
a relação sexual voluntária, onde o casamento era realizado pelo consentimento das
partes diante um sacerdote31. (WALD,2004)
A concepção medieval reconhecia a repercussão econômica e política do
matrimonio. Para a idéia medieval exigia não apenas o consenso das partes, como
também o assentimento das famílias as quais pertenciam, o que era colocado em
segundo plano para o direito canônico, entrando em choque com o direito civil leigo.
Como o direito canônico via o casamento como indissolúvel e sagrado,
estabeleceu diversos impedimentos para a sua realização. Era justificado pela nulidade
do casamento, considerado impedimento absoluto, e a anulabilidade do matrimônio
como impedimento relativo.
Além das nulidades, o direito canônico criou outros impedimentos baseados na
incapacidade das partes, abrangendo nessa idéia a idade, diferença de religião,
impotência e casamento anterior. Como também os baseados no vício do
consentimento, como o dolo para obter o consentimento matrimonial, a coação ou erro
quanto a pessoa do cônjuge. Também havia o impedimento baseado numa relação
anterior entre os nubentes, como parentesco e afinidade.
Para o ponto de vista da igreja o divorcio não poderia ser concebido nem em
caso de adultério, ausência ou cativeiro. A evolução do direito canônico se deu pela
teoria das nulidades e pela regulamentação da separação de corpos e de patrimônios, a
qual extingue a sociedade conjugal, mas não dissolve o vínculo.
Diferentemente do direito romano ou judaico que concebia o divorcio como ato
privado onde a parte prejudicada poderia recorrer a autoridade judiciária, no direito
canônico para a separação não era importante a dissolução do vinculo e consistia num
ato judiciário da autoridade religiosa. (WALD,2004)
No direito canônico a separação de corpos dependia de autorização de bispo ou
sínodo, e só era admitido em casos de: adultério, heresia, tentativa de homicídio ou
sevícias de um cônjuge em relação ao outro. Os efeitos da separação eram: a extinção

31
O casamento para a concepção canônica era confirmado pela cópula carnal.

26
do poder de coabitação, subsistindo os deveres de fornecer alimentos e fidelidade
recíproca.
Após a Reforma, no fim da Idade Média, surge o conflito entre os tribunais civis
e religiosos quanto a aspectos patrimoniais do direito de família, e seus efeitos pessoais.
Para os protestantes o Estado era competente para a matéria de direito de
família, não sendo justificado a atribuição de sacramento ao casamento. Sendo um ato
de vida civil, de contrato natural, nada impedia a vontade das partes em dissolver o
vinculo matrimonial. (WALD,2004)
O Concílio de Trento (1542-1563) reafirmou o sacramento do casamento,
declarando à Igreja a competência exclusiva para as relações matrimoniais, tanto para a
realização quanto para a declaração de nulidade.
Caracterizou ainda o casamento como ato público, devendo a coabitação ser
apenas permitida após a benção nupcial. O sacerdote é considerado a testemunha
necessária e não ministro do sacramento, devendo obrigatoriamente manter o registro do
casamento para comprovar o matrimonio.
Os países reformados viram-se obrigados a elaborar uma legislação própria para
o direito de família, que exerceu uma influência importante nos países católicos, tal com
a França que não recebeu o Concílio de Trento.
Uma das oposições ao Concílio de Trento, foi a falta de texto expresso referente
a autorização dos pais dos nubentes para a realização do casamento. Na Idade Média
buscava-se evitar que os filhos casassem sem a autorização dos pais, e o aspecto
individualista e consensual do matrimônio visto pela Igreja, não satisfazia uma
sociedade que via o casamento como ato social e de relevância política.
Acordando o Estado e a Igreja, partiu-se para uma luta contra os casamentos
clandestinos, exigindo uma prévia publicidade e a presença de testemunhas no ato.
Contudo as minorias não católicas levaram o Estado a constituir o casamento civil ao
lado do casamento religioso32. (WALD,2004)
O poder civil legislou moderadamente no direito de família, tanto nos países
católicos quanto nos países protestantes. Pouco a pouco a competência das autoridades
eclesiásticas foram sendo absorvidas pela autoridade civil, tanto quanto ao órgão
originalmente competente quanto ao tribunal ao qual as partes poderiam recorrer das
decisões eclesiásticas.

32
Instituído na França em 1767.

27
A doutrina foi distinguindo os aspectos civis dos religiosos, vinculando o
primeiro a lei do Estado e dependente de tribunais leigos, e o segundo à competência
exclusiva da Igreja.
Sem prejuízo ao reconhecimento do casamento religioso, a concepção
leiga do casamento passou a dominar sendo admitida na maioria das legislações
vigentes. Tecnicamente o direito leigo conservou aspectos básicos da doutrina canônica,
que até hoje são encontrados no próprio direito brasileiro.

3.2. APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E CÓDIGO CIVIL DE 2002.

A Constituição Federal de 1988 no Capítulo VII, Título VIII trata do direito da


família, da criança, do adolescente e do idoso. Conservou a gratuidade do casamento
civil e os efeitos civil e religioso, mas trouxe inovações marcantes.
Dentre as inovações temos a união estável entre o homem e a mulher que passa a
ser reconhecida como entidade familiar e concede a lei o dever de facilitar que este se
converta em casamento.
Também foi reconhecida a igualdade entre homem e mulher, com relação a
sociedade conjugal, onde a igualdade de deveres e direitos é estabelecida. O prazo para
divórcio é reduzido, na separação judicial será concebido após um ano, e na separação
de fato após dois anos.
Surge também a igualdade dos filhos havidos ou não da relação conjugal e entre
os filhos adotados, concedendo os mesmo direitos e qualificações proibindo qualquer
distinção relativa a filiação. E é imposto aos filhos maiores o dever de cuidar dos pais
na velhice, carência ou enfermidade. (WALD,2004)
A Lei 8009/90 que diz respeito à Impenhorabilidade do Bem de Família, veio
ampliar a proteção desses bens, incluindo os bens móveis que guarnecem a casa, tanto
protegendo a família legítima, quanto a decorrente de união estável33.
A Lei 8408, de 13 de fevereiro de 1992 que dá nova redação aos dispositivos da
Lei n° 6.51534, de 26 de dezembro de 1977, reduziu o prazo para separação de corpos

33
Aos processos em andamento, o STF decidiu pela anulação das penhoras de bem de família já
realizadas.
34
Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos
processos, e dá outras providências.

28
que justifica a separação judicial para um ano, com a conversão em divórcio em um ano
após a decisão que concedeu a separação.
A mesma lei anteriormente citada determina que a mulher, após a conversão da
separação em divórcio, volte a usar o nome de solteira, salvo se comprovado prejuízo ou
manifesta distinção entre seu nome de família e dos filhos, havidos na constância da
união, ora dissociada.
Com relação aos direitos e deveres dos companheiros, a Lei 8971 de 29 de
dezembro de 1994 veio regular o direito dos companheiros a alimentos e a sucessão.
E a Lei 9278, de 10 de maio de 1996, que regulamenta o § 3º do Art. 226 da
Constituição Federal35 reconhece, para efeito de proteção do Estado, a união estável
entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento.
O Código Civil de 2002 de inicio já enfatiza a igualdade entre os cônjuges36, a
não interferência de pessoas jurídicas de direito público na comunhão de vida instituída
pelo casamento37, além de definir o regime de casamento religioso e seus efeitos.
A alteração principal que concede aos cônjuges igualdade, decaindo o “poder
marital”, trouxe outras alterações foram feitas, decorrência desta, tais como veremos a
seguir: (WALD, 2004).
1) Direção da Sociedade Conjugal - Estabelece a comunhão plena de vida em
comum, com base na igualdade dos cônjuges, e institui a família atribuindo a direção da
sociedade conjugal e poder de decisão a ambos os cônjuges38.
2) Igualdade dos Cônjuges – Previsto no art. 1569 do Código Civil Atual, as
questões essenciais passam a ser decididas em comum, deixando a mulher de ser uma
simples companheira para assumir ao lado do marido.
3) Poder Familiar – O Novo Código inseriu nos artigos 1658 à1666 e outros,
em função do sistema constitucional da igualdade entre os cônjuges, a substituição do
pátrio poder é pelo poder familiar39.
4) Nome de Solteiro – Novo Código Civil estipula que ambos os cônjuges, caso
vencedores na ação de separação, poderão renunciar o direito a uso do nome do outro40.

35
Reconhece a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, como entidade
familiar.
36
Art. 1511 do Código Civil de 2002
37
Art. 1513 do Código Civil de 2002
38
Art. 1509 do Código Civil de 2002
39
Tal fórmula foi sugerida pelo Professor Miguel Reale.
40
O Art. 1578 § 1º do Novo Código Civil.

29
Aos institutos do regime de bens e causas terminais do casamento, o Código
Civil de 2002, com relação ao Código Civil de 1916, trouxe as seguintes inovações:
(WALD, 2004).
1) Divórcio – Antecipando-se à Emenda Constitucional 9 de 1977 (art.1º) e
consequentemente a Lei 6515/77, o divórcio foi incluído entre as causas terminais da
sociedade conjugal41.
2) Regime de Comunhão Parcial de Bens – Também precedendo o que estipula
a Lei 6515/77, estabelece o regime de comunhão parcial de bens como o legal, na
inexistência ou nulidade de convenção42.
3) Participação Final nos Aqüestos - O Atual Código Civil institui o regime de
participação final nos aqüestos, assegurando à ambos os cônjuges a administração dos
bens próprios, facilitando que ambos tenham atividades autônomas43.

Com relação as obrigações dos cônjuges após o término da sociedade conjugal, e


com relação a sucessões, foram feitas as seguintes modificações: (WALD, 2004).
1) Manutenção do Cônjuge – Realçando o vínculo de solidariedade na família,
os artigos 1722 à 1725 estipulam o amplo regime de alimentos entre “parentes” e entre
“cônjuges” , devendo ser considerado o estado de necessidade e as exigências de vida
condigna.
2) Dívidas dos Cônjuges – O art. 1714 do Atual Código Civil prevê de forma
compreensível que as dívidas contraídas por um dos cônjuges, que superior a sua
meação, não obriga ao outro ou a seus herdeiros.
3) Manutenção dos Filhos - Cada cônjuge irá contribuir para a manutenção de
seus filhos, na proporção de seus recursos, ampliando-se assim o princípio da justiça
social44.
4) Filiação Legitima – Eliminou-se toda a referência de filiação legítima,
legitimada, adulterina, incestuosa ou adotiva, afirmando que, a partir do novo
ordenamento constitucional, a filiação é uma só sem discriminações. Em decorrência
disso, varreu-se do texto o capítulo da legitimação os quais faziam parte os artigos 1680
a 1620.

41
Art.1574, IV do Código Civil de 2002.
42
Art.1668, do Código Civil de 2002.
43
Art.1700, do Código Civil de 2002
44
Art.1731 do Código Civil de 2002

30
5) Legitimação da filiação – Também em decorrência do item anterior,
modificou-se o art. 1567, substituindo “o casamento legitima os filhos comuns, antes
dele nascidos ou concebidos” para “importa reconhecimento”, sendo assim o casamento
importa no reconhecimento, e não a legitimidade, dos filhos comuns havidos antes dele,
haja vista a inexistência do termo “filho legítimo” no atual ordenamento.
6) Filhos Havidos Fora do Casamento – Em mesmo sentido, o art. 1618 foi
revisto, absorvendo os artigos 1619 e 1620, para equiparar os filhos concebidos ou
havidos de pais que posteriormente se casaram, aos nascidos no casamento.

Com relação aos companheiros, o Novo Código Civil passou a Dispor com o
seguinte entendimento: (WALD, 2004).
1) Legitimidade – Afastou-se por emenda, a qualificação “legítima”, como
também no art. 1567, pois mesmo sem casamento a Constituição reconhece a união
estável como unidade familiar.
2) Deveres – As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos
deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
3) Regime de Bens – salvo em convenção válida entre os companheiros, a união
estável obedecerá ao regime de comunhão parcial de bens, aplicando-se às relações
patrimoniais no que couber.
4) Conversão em Casamento – tendo em vista o preceito constitucional que visa
facilitar a conversão da união estável em casamento, é estabelecido sem formalismo que
a união estável poderá ser convertida em casamento, mediante pedido dos companheiros
ao juiz e assento no Registro Civil.
5) Sucessões - É reconhecida o direito do companheiro ou da companheira, na
vigência da união estável, à participar da sucessão do outro, em proporção que irá variar
segundo concorra com filhos comuns, com descendentes só do autor da herança, com
parentes sucessíveis, ou não havendo parentes sucessíveis 45.
Atualmente muitos institutos evoluíram, principalmente no que tange ao prazo
para reconhecimento da união estável, que não é mais necessário os cinco anos,
reduzidos em caso em que os companheiros possuem filhos em comum46.

45
Com o reconhecimento da união estável como entidade equiparada a familiar, recaem os efeitos do
direito à sucessão, semelhante a herança entre os cônjuges do art. 1853 do Código Civil.
46
Tão somente necessitando da comprovação da vida em comum de forma estável e contínua.

31
4.IMUNIDADES NA LEI MARIA DA PENHA

4.1. DA CRIAÇÃO DA LEI

A Lei Maria da Penha possui este nome em homenagem à farmacêutica Maria da


Penha Maia Fernandes, que teve a sua história marcada, assim como outras mulheres
brasileiras que foram vítimas de violência doméstica no país, sendo considerada um
reflexo da realidade da violência doméstica no Brasil.
Dessa forma, não se pode deixar de falar da Lei Maria de Penha, sem antes
contar a história dessa mulher, que mereceu a consolidação de uma Lei que busca, assim
como tantas outras de nosso ordenamento jurídico, o tratamento isonômico, com base
nas diferenças e proteção do lado mais frágil da relação.
Maria da Penha Fernandes, denunciou reiteradamente as agressões que sofria,
passando até mesmo a ter vergonha de ser uma vítima de violência doméstica, e
chegando a se questionar ao ouvir alguns ditos populares como “em briga de marido em
mulher ninguém mete a colher” ou “ele pode não saber por que bate, mas ela sabe por
que apanha”, ao exprimir em suas palavras “se não acontecer nada agora, é porque ele,
o agressor, tinha razão em ter feito aquilo” 47(apud, DIAS, 2008, p.13)
Em Fortaleza, Ceará, o marido de Maria da Penha,aqui identificado como
M.A.H.V., tentou contra a vida dela por duas vezes, sendo a primeira em 29 de maio de
1983, em que simulou um assalto fazendo uso de uma espingarda, o resultado foi Maria
da Penha ficar paraplégica.
Pouco mais de uma semana depois, houve uma nova tentativa, em que o marido
de Maria da Penha, professor universitário, tentou eletrocutá-la por meio de descarga
elétrica, enquanto ela tomava banho.
As investigações começaram em junho de 1983, mas a denúncia só foi oferecida
em setembro de 1984. Em 1991 o professor universitário foi condenado pelo tribunal do
júri a oito anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade, um ano após a
condenação, ele teve seu julgamento anulado.
Em 1996 foi levado a novo julgamento, onde lhe foi imposta a pena de dez anos
e seis meses, a qual também recorreu em liberdade. Somente 19 anos e seis meses

47
Palavras que Maria da Penha exprime em seu Livro “Antes de tudo, uma forte”.

32
depois os fatos que deram origem a denúncia, M.A.H.V foi preso em 2002, cumprindo
apenas dois anos de prisão.
Tamanha foi a repercussão da história de Maria da Penha que o Centro pela
Justiça e o Direito Internacional – CEJIL e o Comitê Latino-Americano e do Caribe
para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM formalizaram denúncia à Comissão
Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Por
quatro vezes a Comissão solicitou informações ao Governo Brasileiro, e nunca recebeu
resposta alguma.
Em 2001 o Brasil foi condenado internacionalmente à, além do pagamento de
indenização no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, foi
responsabilizado por negligência e omissão em relação à violência doméstica, e
recomendou-se a adoção de várias medidas, entre elas a de simplificar os procedimentos
penais para que pudesse ser reduzido o tempo processual. 48
Com a pressão sofrida por parte da OEA, o Brasil cumpriu as convenções e
tratados internacional o qual é signatário. A referência da Lei Maria da Penha diz
respeito à “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres” e à “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher”.
Em 2002, o projeto para a Lei Maria da Penha teve início, sendo elaborado por
15 ONG’s ligadas ao trabalho com a violência doméstica. Em novembro de 2004 foi
enviado ao Congresso Nacional o projeto elaborado pelo “Grupo de Trabalho
Interministerial”.
A relatora do Projeto de Lei 4559/2004, a deputada Jandira Feghali, realizou
audiências públicas em vários estados. Foram levadas a feito novas alterações pelo
Senado Federal49.
A Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340 foi sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo
Presidente da República, e entrou em vigor em 22 de setembro de 2006.
Ao assinar a Lei Maria da Penha o Presidente disse “esta mulher renasceu das
cinzas para se transformar em um símbolo da luta contra a violência doméstica no nosso
país.” (apud, DIAS, 2008, p.14).

48
Relatório da OEA contra o governo brasileiro.
49
PCL 37/2006

33
4.2. ABRANGÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA

4.2.1. Unidade Doméstica

Unidade Doméstica segundo o prisma da Lei Maria da Penha, encontra definição


no art. 5º, I da lei. Preocupando-se o legislador em identificar o campo de abrangência
da proteção regida pela lei, definiu unidade doméstica como:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e


familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero
que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas; (grifo meu)

Para ser caracterizado o crime de violência doméstica, é necessário que a mulher


agredida faça parte da relação doméstica50, dentro do âmbito de unidade doméstica,
como alerta Guilerme Nucci:
A mulher agredida no âmbito da unidade doméstica deve fazer parte
dessa relação doméstica. Não seria lógico que qualquer mulher,
bastando estar na casa de alguém, onde há relação doméstica entre
terceiros, se agredida fosse, gerasse a aplicação da agravante trazia
pela Lei Maria da Penha. (NUCCI, 2006,p.864)

Segundo Marcelo Yukio Musaka, a expressão “unidade doméstica” deve ser


entendida com relação à conduta ter sido praticada em decorrência dessa unidade da
qual faz parte a vítima. Existindo ainda a tendência de reconhecer nesse contexto,
incluídas as empregadas domésticas. (apud, DIAS, 2008)
Quanto à abrangência às empregadas domésticas, Damásio de Jesus faz algumas
distinções, onde a proteção da Lei não está estendida à “diarista”, incluído nesse
conceito a empregada que trabalha três dias ou menos na semana, em razão de sua
pouca permanência no local de trabalho.
Já a empregada doméstica que trabalha durante a semana diariamente, entendida
pela jurisprudência trabalhista como empregada doméstica propriamente dita, mas que

50
Deve fazer parte da relação doméstica, não apenas estar dentro do ambiente físico de residência.

34
não mora no local onde desempenha seus serviços laborais. A extensão da proteção da
lei contra a violência doméstica, dependerá se ela é considerada por todos e por ela
própria, um membro da família.
Com relação à empregada doméstica que, trabalha e mora na residência da
família e convive com todos, a esta deverá ser considerada como um membro da
família, e dessa forma, merecedora da tutela legal da lei em questão. (apud, DIAS,
2008)
No que tange a convivência familiar decorrente de tutela ou curatela, não há
como excluir do conceito de unidade familiar, ainda que não tenham vínculo de
parentesco, pois “a relação entre eles permite ser identificada como um espaço de
convivência”. (DIAS, 2007, p.43)
Como característico da tutela e curatela, existe uma relação de poder nessas
relações, como também a ocorrência de violência, cabendo esta violência ser qualificada
como doméstica.
Nos casos em que a vítima é portadora de alguma deficiência, o Código Penal
prevê uma majorante o qual é caso de aumento de pena51, nos casos de lesão leve, de
um terço, se o crime é cometido contra pessoa nessas circunstancias.

4.2.2. Entidade Familiar e Relação Íntima de Afeto

A Lei Maria da Penha, para assegurar uma melhor aplicabilidade, trouxe em seu
texto legal a definição de família, que está descrita no inciso II do art. 5º da lei, que
define in verbis:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e


familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero
que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial:
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por
laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; (grifo meu)

51
§11 do art. 129 do Código Penal

35
Logo, temos definido o âmbito de família, pela Lei Maria da Penha, como uma
comunidade formada por indivíduos, com vínculo de parentesco ou que assim são
considerados, unidos por laços naturais, de afinidade ou por vontade expressa.
Essa definição de parentesco, é para Maria Berenice Dias a “primeira vez que o
legislador, de forma corajosa, define o que é família trazendo um conceito que
corresponde ao formato atual dos laços afetivos”. (DIAS, 2007, p.43)
Pode notar que no conceito trazido pela lei, que não há definição de vínculos
entre homem e mulher, como é de praxe em outras menções no Código Civil e na
Constituição Federal, sendo considerado o vínculo entre os “indivíduos”.
Não existe também a limitação em se reconhecer como âmbito de família,
apenas aquela constituída pelo casamento, dando margem a figura da união estável, e de
outras formas de uniões afetivas, que se encaixam no conceito acima de família, assim
como a própria Constituição vem alargando esse conceito52. Para Maria Berenice Dias:

Também não se limita a reconhecer como família a união constituída


pelo casamento. Aliás, não poderia fazê-lo até porque a Constituição
Federal esgarçou o conceito de família e de forma exemplificativa
refere-se ao casamento, à união estável e a família monoparental, sem
no entanto deixar ao desabrigo outros modelos familiares ao usar a
expressão “entende-se também como entidade familiar”
(DIAS,2007,p.43)

Dessa forma, também estão abrangidas no conceito de família, pela interpretação


extensiva da Constituição as famílias anaparentais, que possui como definição a
comunidade formada por irmãos, onde não há a figura dos genitores. Também abrange
as famílias homoafetivas, em que estão ligados por vínculo afetivos os indivíduos de
mesmo sexo, e as famílias paralelas, onde são mantidas duas famílias.
Há também que se definir o conceito de Relação Intima de Afeto, pois o
legislador abrange a proteção não apenas as vítimas que possuem coabitação com o
agressor, mas também estão protegidas aquelas que possuem qualquer relação íntima de
afeto, com o qual conviva ou tenha convivido.53
Para alguns doutrinadores, o fato de a lei contemplar a “Relação Íntima de
Afeto” extrapola o determinado pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e

52
Além de reconhecer a união estável e a família monoparental, a Constituição em seu art. 226,§ 4º
estende o conceito de família à “comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes”
53
A relação intima de afeto encontra amparo no art. 5º, III da Lei Maria da Penha.

36
Erradicar a Violência Contra a Mulher, pois nesta não existe essa hipótese, restringindo-
se apenas a proteção dentro da família ou unidade doméstica. (DIAS, 2008)
Para outros, a “Relação Íntima de Afeto” faz parte da atual definição do conceito
de família, baseando-se pela presença do vínculo de afinidade, o qual abandona o
conceito patriarcal e hierarquizado, característico da concepção romana de família, para
tomar a família como uma entidade plural de atuação participativa, igualitária e
solidária os membros da família. (DIAS, 2007)
Considerando a visão de que basta a “Relação Íntima de Afeto” para caracterizar
violência doméstica, os namorados e os noivos, ainda que não morem juntos, onde a
mulher é agredida em decorrência do relacionamento com o agente, merece a proteção
da Lei Maria da Penha.
Para Maria Berenice dias isso ocorre, pois “vínculos afetivos que refogem ao
conceito de família e entidade familiar nem por isso deixam de ser marcados pela
violência”. (DIAS, 2007, p.45)

4.2.3. Extensão as Uniões Homoafetivas

A Lei Maria da Penha não faz distinção de sua abrangência quanto a orientação
sexual54, para Maria Berenice Dias significaria dizer que todos os indivíduos que
possuem uma identidade feminina estão abrangidos pela lei. Diz o parágrafo único do
art. 5º da lei:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e


familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero
que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por
laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva
ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

54
Não existe distinção de orientação sexual, nos artigos 2º e 5º parágrafo único da Lei Maria da Penha.

37
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo
independem de orientação sexual.

Sendo assim, a violência doméstica no âmbito familiar também abrange as


lésbicas, os travestis, os transexuais e trangêneros. Tal posicionamento é divergente,
pois seria necessário considerar que a lei trás o reconhecimento da união homoafetiva,
posicionamento que ainda não é pacífico no direito pátrio.
O fato é que, no texto da referida lei, tanto em seu artigo 2º quanto no parágrafo
único do artigo 5º, existe a expressão “independente de orientação sexual”. Isso trás
grande repercussão, pois a Lei Maria da Penha trabalha a violência no ambiente
doméstico, sendo assim a proteção independente de orientação sexual reconhece, por
conseguinte, a união homoafetiva como entidade familiar.
A justiça gaúcha é pioneira quanto ao reconhecimento da união homoafetiva no
âmbito do Direito de Família, afastando o preceito da súmula 380 do Supremo Tribunal
Federal55 de seus julgados, retirando a questão da alçada cível, a qual incidia puramente
o Direito das Obrigações. (DIAS, 2007)
As uniões homoafetivas, no âmbito do Direito das Obrigações, eram
identificadas como um negócio jurídico sem fins lucrativos. Assim quando chegada a
dissolução da união, procedia-se à divisão dos lucros, apurada pela prova da
participação de cada parceiro na formação do patrimônio comum durante o período de
convívio.
O reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar acarreta não só
na proteção contra a violência doméstica, mas repercute nos direitos inerentes à família,
tal como separação de corpos, a restrição de visitas ao filho eventualmente adorado, e
fixação de alimentos. Também ocorre a incidência do Direito de Sucessões, para as
questões de herança principalmente.
Esse reconhecimento não está restrito, para parte da doutrina, a uniões entre
mulheres, mas também entre homens, pelo Princípio da Igualdade, apesar de a Lei tratar
apenas da proteção à mulher.

Ainda que a Lei tenha por finalidade proteger a mulher, acabou por
cunhar um novo conceito de família, independente do sexo dos
parceiros. Assim, se família é a união entre duas mulheres, igualmente

55
Súmula 380 STF: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua
dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

38
é família a união entre dois homens. Ainda que não se encontre ao
abrigo da Lei Maria da Penha, para todos os outros fins impõe-se este
reconhecimento. Basta invocar o princípio da igualdade. (DIAS,2006,
p.37 e 38)

A questão ainda não é pacífica, por parte de a doutrina entender que a Lei Maria
da Penha é inconstitucional, impedindo assim que se venha alargar o conceito de
unidade familiar descrito pela Constituição, a qual estabelece especificamente união
entre homem e mulher apenas.

4.2.4 Constitucionalidade

Ainda existe resistência à aplicabilidade da Lei Maria da Penha, por alguns


julgadores a considerarem inconstitucional, afastando a sua incidência ao caso concreto
por meio do Controle Difuso de Constitucionalidade.
É o controle de constitucionalidade concreto, o qual consiste na interpretação e
aplicação do Direito para a solução do litígio, que não possui efeito erga omnes,
valendo como lei apenas para as partes. (SILVA, 2001)
São fundamentos para a declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei
Maria da Penha são principalmente no que tange à proteção em razão do gênero mulher,
o que à priori leva a crer que tal Lei fere o Princípio da Isonomia56.
Ocorre que, o Princípio da Isonomia prevê não só a igualdade formal, a qual
trata de forma expressa que a lei será aplicada à todos de forma indistinta, prevê
também a igualdade material que pretende o tratamento diferente para promover uma
menor desigualdade entre os desiguais. Nesse sentido versa a jurisprudência abaixo:

CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LESÕES CORPORAIS


– INCONSTITUCIONALIDADE – INOCORRÊNCIA – PRINCIPIO
DA ISONOMIA – PENA EXACERBADA – REDUÇÃO –
SUBSTITUIÇÃO OU SUSPENSÃO DA PENA –
IMPOSSIBILIDADE. 1) Ainda que a Lei 11.340/09 contenha pontos
polêmicos e questionáveis, não há que se falar em
inconstitucionalidade da chamada Lei Maria da Penha, pois a

56
Prevê o caput do artigo 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante à lei, sem distinção de
qualquer natureza” e o parágrafo I do mesmo artigo “homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta Constituição.”

39
interpretação do princípio constitucional da igualdade ou da isonomia
não pode limitar-se à forma semântica do termo, valendo lembrar que,
igualdade, desde Aristóteles, significa tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. 2)
Tendo a pena aflitiva sido fixada com certa exacerbação, impõe-se
adequá-la em quantidade necessária e suficiente para a reprovação e
prevenção do delito. 3) Sendo o agente reincidente e tendo o delito
sito praticado com violência contra pessoa, inaplicável a substituição
da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art.44) bem
como a suspensão da execução da pena (art. 77), em face da ausência
de requisitos subjetivos para a sua concessão. 4. Preliminar rejeitada.
Recurso parcialmente provido. (TJMG, Apelação Criminal nº
10236.07.013084-4/001; Rel. Des. Antônio Armando dos Anjos; p.
05/09/2008)

Dessa forma, não há que se falar em Inconstitucionalidade da Lei Maria da


Penha, uma vez que consiste em medida protetiva para promover a igualdade, tratando-
os na medida de suas desigualdades, para que haja um equilíbrio na relação. Como
também ocorre em outras vertentes de nosso Ordenamento Jurídico57.Nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDAS PROTETIVAS DE


URGÊNCIA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DE CUNHO MORAL E
PATRIMONIAL. JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR CONTRA A MULHER. COMPETÊNCIA DEFINIDA
PELO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. LEGALIDADE DAS
MEDIDAS. 1 – Tratamento diferenciado conferido à mulher pela Lei
Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) tem fundamento constitucional no
artigo 226, § 8º da CF e em âmbito internacional na Convenção de
Belém do Pará de 1994 (sobre eliminação de todas as formas de
discriminação contra as mulheres para prevenir, punir e erradicar a
violencia contra a mulher), partindo do pressuposto de que o gênero
feminino precisa de protecao, assim como as minorias que exigem
cotas nas universidades, idosos, crianças, deficientes físicos e
homossexuais. (Omissis). (TJGO. 4º Câmera Cível. Agravo de
Instrumento 65528-5/180. Rel. Des. Kisleu Dias Maciel Filho. DJ 223
de 25/11/08).

57
Tal qual no que ocorre no Estatuto do Idoso, no ECA, na Legislação Trabalhista e Consumerista,
definem o pólo hipossuficiente e criam medidas protetivas para igualar a condição das partes.

40
4.3. DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A Lei Maria da Penha trás em seu artigo 7º a definição de violência doméstica, e


em seus incisos as espécies de violência doméstica. O rol de tal preceito legal não é
numerus clausus, tendo em vista que é utilizada a expressão “entre outras” em seu
conteúdo normativo. (DIAS, 2006)
Dentre as formas de violência doméstica temos na ordem de seus incisos: a
violência física, a violência psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral.
Em seu primeiro inciso, a Lei Maria da Penha descreve a violência patrimonial.
Já existia uma proteção no Código Penal quanto à saúde e integridade física58, havendo
agravante quando tal ofensa ocorre nas relações domésticas. Assim dispõe o Código
Penal:
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Violência Doméstica
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão,
cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido,
ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as
circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena
em 1/3 (um terço).

Já havia previsão no Código Penal da violência doméstica física59 Um dos


efeitos de deslocar tal previsão para a proteção da Lei Maria da Penha é a abrangência
do conceito de família trazido por esta lei, albergando também as unidades domésticas e
as relações íntimas de afeto. (DIAS, 2006)
Quanto à violência psicológica, não havia previsão no Código Penal, sendo
introduzia apenas na chamada Contensão de Belém do Pará60. Diz respeito à proteção da
auto-estima e saúde psicológica da mulher, in verbis:

58
Caput do artigo 129 do Código Penal.
59
A alteração expressa feita pela Lei Maria da Penha foi a pena do delito que passou a ser, ao invés de 6
meses a um ano à ser de 3 meses à 3 anos.
60
Convenção de Belém do Pará é a “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Doméstica”.

41
Art. 7º, II - a violência psicológica entendida como qualquer conduta
que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar
ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões,mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação.

O artigo 7º, III da Lei Maria da Penha diz respeito à violência sexual. O Código
Penal já previa agravantes para esses crimes quando praticados com o abuso de
autoridade decorrente da relação doméstica61. Contudo a Lei Maria da Penha inseriu na
alínea “f” do artigo 61, II do Código Penal a expressão “ou com violência contra a
mulher na forma da lei específica”.
Existe ainda a violência moral contra a mulher, que encontra previsão no artigo
7º, V da Lei, a qual é entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria. Tal espécie de violência já era tipificada no Código Penal, no
capítulo dos “Crimes Contra a Honra” 62.
A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva do agredido, na primeira é
consiste em o agressor atribuir à vítima, fato determinado definido como crime. Na
segunda o agressor atribui à vítima fato determinado ofensivo à sua reputação. Ambos
consumam-se quanto terceiros tomam conhecimento da imputação.
Já a injúria atinge a honra subjetiva do agredido, não havendo atribuição pelo
agressor de fato determinado, e sua consumação se dá pelo simples conhecimento da
imputação pela vítima. (CAPEZ,2006)
Para Maria Berenice Dias “são denominados delitos que protegem a honra mas,
cometidos em decorrência de vínculo de natureza familiar ou afetiva, configuram
violência moral”. (DIAS, 2007, p.54).
A violência patrimonial alvo desse trabalho encontra previsão no artigo 7º, IV, a
qual já há previsão no Código Penal, contudo existe algumas novidades trazidas pela
Lei Maria da Penha.

61
Agravantes previstas no artigo 61, II alíneas “e” e “f” do Código Penal.
62
No Código Penal o artigo 138 diz respeito à Calúnia; o artigo 139 à Difamação e o artigo 140 à
Injúria.

42
4.3.1 Violência Patrimonial

A Violência Patrimonial segundo a Lei Maria da Penha encontra definição no


inciso IV do artigo 7º que diz respeito aos crimes de Violência Doméstica. Já
encontrava definição no Código Penal no capítulo “Dos Crimes Contra o Patrimônio”.

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher,


entre outras:
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure cretenção, subtração, destruição parcial ou total de seus
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores
e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades;

O referido artigo deve ser entendido em duas partes, a primeira diz respeito à
“retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens”. Consiste no ato de o agressor de forma indevida
se apropriar, reter, subtrair, ou destruir objetos e bens pessoais da vítima, ou
instrumentos de seu trabalho.
A segunda parte consiste na subtração de “valores e direitos ou recursos
econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”. Esse aspecto diz
respeito ao abandono material disposto no artigo 244 do Código Penal. Para Maria
Berenice Dias:

Identificada como violência patrimonial a subtração de valores,


direitos e recursos econômicos destinados a satisfazer as necessidades
da mulher, neste conceito se encaixa o não pagamento dos alimentos.
Deixar o alimentante de atender a obrigação alimentar, quando dispõe
de condições econômicas, além de violência patrimonial tipifica o
delito de abandono material. (DIAS, 2006, p.53)

O problema da eficaz aplicabilidade da Lei Maria da Penha, é o suposto


argumento que entende que o simples fato de ser a vítima mulher, não justifica o
tratamento diferenciado.

43
Contudo, à hipossuficiência e a necessidade de meios para reduzir à violência
contra mulher é comprovada por dados estatísticos realizados no Brasil, que revelaram
que a maior parte da violência sofrida contra a mulher se encontrava no âmbito familiar.

4.3.2. Sujeito Ativo e Sujeito Passivo

Para a aplicação da Lei Maria da Penha nos casos de violência doméstica, não há
necessidade de agressor e agredida serem formalmente casados, ou que já o tenham
sido. Também é aplicada na união estável, que é uma relação íntima de afeto, ainda que
a união tenha findado. (Dias,2007)
O sujeito ativo tanto poderá ser homem, quanto mulher, basta que esteja
caracterizado o vínculo de relação doméstica contra a mulher, não importando o gênero
do agressor.
Quanto a mulher que sofrem violência doméstica por sua companheira, quando
ambas mantêm uma união homoafetiva, dentro do âmbito familiar, está tranquilamente
sob proteção da lei, pois a lei protege a mulher, independe de sua orientação sexual63.
Os conflitos entre mães e filhas, e entre irmãs também estão sobre o abrigo da
Lei Maria da Penha, desde que tal agressão ocorra dentro do âmbito familiar.
Existe ainda quem defenda à abrangência da proteção da Lei contra as relações
homoafetivas, que não entre mulheres, desde que possuam identidade feminina, apesar
de a lei ser expressa quanto o sujeito passivo só poder ser mulher. Para Maria Berenice
Dias:
No que diz respeito ao sujeito passivo, há a exigência de uma
qualidade especial: ser mulher. Nesse conceito encontram-se as
lésbicas, os trangêneros, as transexuais, e as travestis, que tenham
identidade com o sexo feminino. A agressão contra elas no âmbito
familiar também constitui violência doméstica. (DIAS, 2006, p.41)

Para outra parte da doutrina, por se tratar de Lei que expressamente protege
apenas a mulher das agressões no âmbito familiar, a expressão “independente de
orientação sexual” a qual versa o parágrafo único do artigo 5º da Lei Maria da Penha,
diz respeito apenas as homossexuais femininas.

63
Como dispõe o parágrafo único do art. 5º, a proteção da Lei Maria da Penha à mulher independe da sua
orientação sexual.

44
Seguindo essa vertente, seria necessário que a doutrina especificasse a distinção
entre travestis, transexuais e trangêneros para estipular a abrangência da proteção contra
a violência doméstica.
Existe quem entenda que, quanto aos travestis, essa proteção não é possível,
pelas características dessa forma de sexualidade. O travesti não elimina nenhuma das
características de nenhum dos dois sexos, o feminino e o masculino, por não sentir, em
tese, desconforto em sua genitália, não é, por parte da doutrina, considerável como uma
identidade unicamente feminina, e equiparada a “mulher”. (LAURINA,2009)
Apesar das divergências quanto a possibilidade de proteção dos homoafetivos
que possuem identidade feminina, a lei é expressa ao declarar que o agente passivo da
agressão deverá ser mulher, pouco importando o gênero ou opção sexual do agressor.

4.3.3 Inaplicabilidade das Imunidades Patrimoniais

Com a vigência da atual Lei Maria da Penha, as imunidades absolutas64 e


relativas65 descritas no início desse trabalho perdem a aplicabilidade com relação aos
crimes praticados contra a mulher.
Pela Lei inserir a Violência Patrimonial no rol das violências domésticas, criou
um conflito de leis, porque de acordo com o Código Penal, os agressores que cometem
crimes patrimoniais, ainda que sem violência ou grave ameaça, ficam isentos da pena.
Os códigos extra-pátrios e basilares do nosso ordenamento jurídico, previam
uma hierarquia entre os dois gêneros, e tinha como principal objetivo defender a honra
do clã, evitando escândalos, no caso do Direito Romano.
Contudo atualmente os objetivos da legislação brasileira são outros, o que faz
entrar em conflito às leis mais recentes e próximas a atualidade, com aquelas mais
antigas e distantes da realidade contemporânea.
Sendo assim por tratar-se de conflito de leis, deverá ser analisado qual a
legislação será a mais válida para o caso concreto.
Pela Lei Maria da Penha ser mais recente e específica, as imunidades contidas
no Código Penal perderam a aplicabilidade. O mesmo fato ocorreu com o surgimento

64
Artigo 181 do Código Penal
65
Artigo 183 do Código Penal

45
do Estatuto do Idoso66, o qual retirou a imunidade para os casos das vítimas serem
maiores de 60 anos.
Dessa forma, com o surgimento da Lei Maria da Penha, as imunidades
patrimoniais contidas nos artigos 181 e 182 do Código Penal ficaram suprimidos, não
incidindo,quando a vítima é mulher, dentro do núcleo familiar.
Porém, se a violência é praticada contra cônjuge varão, filho, irmão, pai, ou
quem mais fizer parte do âmbito familiar do gênero masculino, o agressor mantêm-se
isento de pena.

66
Artigo 95 do Estatuto do Idoso: Os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública
incondicionada, não se lhes aplicando os artigos 181 e 182 do Código Penal.

46
5. PROJETO DE LEI N.º 3.764/2004

5.1. Objetivo

O Projeto de Lei nº 3764/2004 possui como objetivo revogar o artigo 18167 do


Código Penal, e dar nova redação ao artigo 18268 do mesmo Código. De acordo com a
sua ementa: “Dá nova redação ao art. 182 e revoga-se o art. 181 do Decreto-Lei nº
2.848, de 07 de dezembro de 1940, Código Penal”. Possui como explicação os seguintes
termos:

Explicação da Ementa: Revoga a isenção de pena para parente que


comete crime contra o patrimônio dos familiares; prevendo a ação
penal pública condicionada quando o crime for cometido pelo
cônjuge, ascendentes, descendentes e parentes69.

A justificativa para a criação do projeto é que, a isenção penal dos crimes contra o
patrimônio encontra-se com redação anterior à Constituição de 1988, e ainda trás o
tratamento de parentesco legítimo e ilegítimo, que vai de encontro com os atuais
preceitos Constitucionais do Direito de Família.
Após a apresentação do projeto, este foi encaminhado para apreciação da
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. De acordo com o parecer do Relator
Antonio Carlos Magalhães Neto:

O autor argumenta que esses dois dispositivos continuam com a


redação anterior à Constituição Federal de 1988, e que o art. 181
beneficia, impropriamente, através de isenção de pena, o parente que
praticar infração contra a própria família. Para o deputado, dever-se-ia
deixar ao grupo familiar a decisão sobre a responsabilidade penal do
infrator. (MAGALHAES NETO, Relatório da Comissão de
Constituição e Cidadania sobre o Projeto de Lei 3764/2004).

Compete à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o exame da


constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito da Proposta. Ultrapassada

67
Imunidade Patrimonial Absoluta.
68
Imunidade Patrimonial Relativa.
69
Retirado do site “http://www2.camara.gov.br/proposicoes” em pesquisa da Proposição: PL-3764/2004

47
o exame acima referido, e aprovado o mérito, fundamentou seu voto pela aprovação do
projeto.
De acordo com o Relator, citando Nélson Hungria, a impunibilidade absoluta do
artigo 181 foi adotada por motivos de ordem política, preocupação que dominou as
legislações penais, cabendo observar que nosso Código Penal é de 1916.
Dito isto, ocorreu uma evolução do direito brasileiro, sobretudo com a visão da
atual Constituição70 que reconhece novas formas de entidade familiar, consagra a
igualdade entre homem e mulher, tal como aos filhos não importando sua origem,
legítima ou ilegítima.
De mesma forma, com o advento do Estatuto do Idoso, a imunidade absoluta do
artigo 181 perdeu a sua aplicabilidade nos casos em que a vítima é maior de 60 anos71.
A revogação do artigo 181, de acordo com o relator, torna obrigatória estender a
faculdade de representação quando o crime ocorrer dentro da sociedade conjugal, de
acordo com o foro íntimo do cônjuge, in verbis:

A alteração do art. 182, outro objeto da Proposta, permitirá


que,através do instituto da representação, o cônjuge, na
constância da sociedade conjugal ou judicialmente
separado, ou ainda o ascendente, descendente e o colateral
até o 3º grau civil possam, de acordo com seu foro íntimo,
dar início ao processo criminal ou deixar de fazê-lo, se
assim pretender.

Sendo assim, o projeto de lei tem por objetivo atualizar a legislação penal ao novo
conceito de família, e mantendo a proteção ao núcleo familiar, pela alteração do artigo
182, concedendo a faculdade ao prejudicado de entrar com uma ação.

5.2. Conteúdo do Projeto de Lei

O Projeto de Lei foi proposto pelo Deputado Coronel Alves, apresentado em


09/06/2004, e está sujeito ao regime de tramitação ordinário. Como já visto pretende
revogar o artigo 181 e dar nova redação ao artigo 182, o qual atualmente se encontra
nesses termos:

70
arts.226 §§ 3º. 4º e 5º e 227, § 6º da Constituição Federal de 1988.
71
Artigo 95 do Estatuto do Idoso

48
Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime
previsto neste título é cometido em prejuízo:
I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;
III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita. (grifo nosso)

Como pode ser analisado, além de constar no inciso I a figura do “desquite” que
não é mais utilizada pelo nosso ordenamento jurídico, há também a delimitação dos
filhos legítimos ou ilegítimos, diferença esta que foi superada pela Constituição Federal
de 1988.
O texto original do Projeto de lei previa a revogação das imunidades patrimoniais
absolutas versadas no artigo 181 do Código Penal, e em decorrência disto, prevê para
nova redação para as imunidades relativas, a faculdade de a vítima entrar como uma
ação, ao torná-la uma ação penal pública condicionada, quando o crime for cometido
por cônjuge, ascendente, descendente e parentes72. O artigo 182 passaria a ter a seguinte
redação:
Art. 182..........................................................................:
I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal ou judicialmente
separado;
II - de ascendente, descendente, enteado, irmão, tio, sobrinho ou
primo. (grifo nosso)

No parecer do relator, o Deputado Antônio Carlos Magalhães Neto, o voto foi


pela constitucionalidade, judicialidade e técnica legislativa. Quanto ao mérito o voto foi
pela aprovação, contudo na forma do Substitivo73, com relação à nova redação do artigo
182, passando a ter a seguinte redação:

Art. 182..................................................................................................
I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal ou judicialmente
separado;
II – de ascendente, descendente, e colateral até o 3º grau civil.
(grifo nosso)

A alteração do inciso II do artigo 182 tornou mais claro a intenção da alteração da


proposta do projeto de lei, sem contudo mudar o sentido do que era pretendido pelo
autor.

72
Retirado da integra do Projeto de Lei 3764-2004 no site:
“http://www.camara.gov.br/sileg/integras/229949.doc”
73
Retirado da integra do Relatório do Deputado Antônio Carlos Magalhães Neto sobre o Projeto de Lei
3764-2004 no site: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/336232.pdf

49
Atualmente o parecer do Relator sobre o projeto de lei, com o substitutivo, foi
aprovado por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça em 29/11/2006,
com publicação no DCD de 06/12/2006 PÁG 54004 COL 02, Letra A74.

74
Retirado da integra do Parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania sobre o Relatório
do Projeto de Lei 3764/2004 no site: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/427664.htm

50
6. CONCLUSÃO

O Código Penal de 1940 trás em seu texto legal a imunidade patrimonial que
isenta de pena o agente que comete quaisquer dos crimes contra o patrimônio, sem
violência ou grave ameaça. As imunidades patrimoniais se dividem em Imunidades
Absolutas e Imunidades Relativas.
A imunidade absoluta é a escusa absolutória e encontra previsão legal no artigo
181 do Código Penal. Conceitualmente isenta de pena quem comete qualquer dos
crimes patrimoniais contra quem for cônjuge na constância da sociedade conjugal,
ascendente ou descendente de parentesco, independente da legitimidade do parentesco,
e que este seja natural ou civil.
Com relação aos crimes cometidos contra os cônjuges, a isenção de pena nos
crimes contra o patrimônio independe do regime de bens do casamento.
Com relação à união estável é perfeitamente possível sustentar a aplicabilidade
da imunidade penal, vez que se trata de uma entidade constitucionalmente equiparada
ao casamento e reconhecida como familiar, a qual sempre foi consenso doutrinário
quanto a extensão da escusa absolutória nesses casos.
Também possuem imunidade absoluta os parentes em linha reta. São
considerados ascendentes, os pais, avós, etc. Descendentes são os filhos netos bisnetos,
etc.
O Estatuto do Idoso, em seu artigo 95 inserido no Capitulo II “Dos Crimes em
Espécie”, retira a aplicabilidade dos artigos 181 e 182 do Código Penal, visando
preservar parentes que, em decorrência da idade, sofrem violência patrimonial.
Essas imunidades patrimoniais se restringem ao seio da familiar, muitas vezes
pautada nas relações afetivas. Isso ocorre pela tendência à proteção do núcleo familiar
com relação à intervenção mínima do Estado.
As imunidades relativas estão previstas no art. 182 do Código Penal, que
prescreve que as ações relativas ao título ao qual está o artigo inserido, somente se
procedem por representação quando ocorrer em prejuízo das pessoas descritas em seus
incisos, que são cônjuge desquitado ou judicialmente separado; irmão legítimo ou
ilegítimo; tio ou sobrinho com quem o agente coabita.
O conceito de família do Direito Pátrio sofreu influências do Direito Romano,
Canônico e Germânico. Após a Constituição Federal de 88 e o Código Civil de 2002,

51
passou-se a ter uma igualdades entre os sexos, não existindo mais a figura do pater
famílias, comparando a união estável ao casamento formal.
Dando seguimento à evolução do conceito de família levado pela Constituição
de 88 e pelo Código Civil, surge a Lei Maria da Penha, que além de ampliar tal
conceito, retira a aplicabilidade das Imunidades Patrimoniais nos crimes que a mulher
figura como vítima.
Contudo resta a teoria de ser a mesma lei inconstitucional por tratar de maneira
diferenciada uma pessoa em decorrência do gênero, ferindo assim, em tese, o Princípio
Constitucional da Isonomia.
Demonstrado que o Estado tem o dever de procurar meios para buscar a
igualdade de todos, e que para isso deve tratar os desiguais na medida de suas
desigualdades, a alegação da inconstitucionalidade fica carente de fundamentação.
Para resolver essa questão, surge o Projeto de Lei 3764/2004 visando revogar o
artigo 181 do Código Penal, e dar nova redação ao artigo 182 do mesmo Código,
garantindo a faculdade ao parente de entrar ou não com ação penal condicionada, tendo
em vista seu foro íntimo, dessa forma pondo fim à discussão, satisfazendo ambos os
lados da questão.

52
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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