A Imposição da Paz: Brasil e Haiti
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Posto isso, o governo brasileiro decidiu aprovar, participar e liderar essa missão com apoio político, econômico e militar. Apesar disso, a posição diplomática brasileira aparentemente está relacionada à participação apenas em atividades que sejam de manutenção da paz.
Contudo, a missão aparentemente de manutenção da paz, aprovada pelo Brasil, tem caráter de intervenção humanitária, desde a sua resolução até questões pontuais, como a reorganização política e partidária no país.
Este livro terá como desígnio incitar as referências ideológicas da laboração brasileira na Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti, entre 2004 e 2011, perfazendo uma reflexão sobre o rearranjo operado na política externa brasileira de Direitos Humanos, salientando suas principais metas e ações.
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A Imposição da Paz - Rodolfo Raja Gabaglia
A imposição da paz
Brasil e Haiti
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2022 do autor
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Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
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Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Rodolfo Raja Gabaglia Artiaga
A imposição da paz
Brasil e Haiti
Dedico esta obra em memória do meu bisavô, Prof. Dr. Eugênio de Barros Raja Gabaglia, um homem temente a Deus e de muita fé, que ao longo da sua vida deixou aos seus familiares e aprendizes a paixão pelo conhecimento, a qual permanece viva até hoje nas suas obras e nos seus estudos científicos, bem como na sucessão das gerações da intelectualidade brasileira. Sua personalidade, de um grande apóstolo da cruzada da educação do povo brasileiro, permanece imortal na Academia Brasileira de Ciências e nos mais diversos berços do saber do nosso país.
Em especial, eu ofereço este trabalho a minha mãe, Dr.ª Maria Ângela Raja Gabaglia, uma mulher de caridade e de muita fé, que ao longo de sua vida me fez perceber a importância do conhecimento como forma de proporcionar a liberdade e, principalmente, como instrumento para uma caminhada constante por um mundo melhor. A cada dia, visualizo a essência do ser humano e isso me dá forças para buscar por mudanças, de modo que eu não desistirei nunca de ampliar os meus horizontes, pois tenho a certeza de que em qualquer lugar e em qualquer momento da minha vida poderei contar com você, minha mãe.
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares, à minha mãe Maria Ângela, aos meus irmãos e minhas tias e tios, pelo amor, carinho, apoio e principalmente pela paciência em tolerar a minha ausência e aflições.
Em especial às minhas tias Maria Anita e Maria Luiza que, juntas, acolheram-me no Rio de Janeiro, encorajando e apoiando os meus sonhos, sempre estando ao meu lado nos momentos mais difíceis da minha vida.
Aos meus amigos e colegas, em especial Luiz Felipe e Suelen, que dividem os mesmos pensamentos, estando sempre dispostos a discutir, debater, filosofar e muitas vezes ouvir pacientemente como o conhecimento possibilita um futuro melhor e mais digno ao ser humano.
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Vanessa Oliveira Batista, pelo incentivo, paciência e simpatia, entre outras virtudes, cumprindo sempre sua principal função de transmitir o conhecimento e por todas as vezes que, incansavelmente, colocou seu saber à disposição dos seus alunos.
Principalmente a Deus, que pelo seu imenso amor me agraciou com a oportunidade de ter pessoas tão amáveis ao meu lado, sempre me apoiando, a fim de que pudesse estudar e perceber a importância do conhecimento para a construção de um mundo melhor. Além disso, pelo dom da vida que a cada dia me é dado para que eu possa ter força para compartilhar e expandir o saber.
Não se defende só com palavras a vida, e sim com ações.
(João Cabral de Melo Neto)
PREFÁCIO
Um livro que não renega seu autor. Essa seja, talvez, a melhor qualificação desta obra. Multifacetada, crítica e inquieta são características que se percebe aqui desde as primeiras páginas. O tema, nesse sentido, ajuda bastante. Ele não se limita a um saber científico específico, é interdisciplinar por essência, conectando-se intimamente com várias facetas das ciências humanas e sociais, como as Relações Internacionais, o Direito e a Ciência Política, ou seja, de pronto, deixa clara a importância da mirada totalizante sobre os fenômenos sociais para compreendê-los em sua plenitude, não se comprazendo com o encapsulamento da setorização disciplinar. Nisso já reside a primeira grande lição da obra: o não contentamento com apenas um lado ou com o olhar de apenas um prisma. E, de fato, a intervenção no Haiti traz consigo elementos recônditos que contam uma história diferente, muito mais realista que o aparente e amplamente divulgado em jornais, análises e textos científicos.
Assim, não apenas a escolha do tema merece ser louvada, mas também a abordagem atribuída. Com uma vertente inovadora e instigante, o autor nada contra corrente de toda uma literatura que vai junto com a maré da defesa incondicional do processo, colocando em dúvidas determinadas certezas que pareciam indestrutíveis. Em meio à crítica e à profundidade da discussão proposta, Rodolfo não transfere a complexidade do problema para a narrativa, mas, ao contrário, tem, em todo momento, a preocupação em desenvolver uma escrita didática, objetiva e perfeccionista, de tal sorte a pegar o leitor pela mão e a conduzi-lo pelos labirintos da problemática de uma maneira suave e prazerosa, a ponto de suscitar a vontade de avançar ainda mais no assunto. O cuidado em explicar cada detalhe histórico e fático o permite desdobrar as ideias para uma reflexão original e sistemática do fenômeno social, própria do internacionalista.
E o momento em que texto começou a ser escrito, ainda em 2012, há dez anos atrás, como uma ousada dissertação de mestrado, revela que passada uma década, o tema ainda se reverbera, com efeitos tanto no Brasil quanto no Haiti, demonstrando não apenas sua atualidade, como também seu lastro na realidade concreta. Isso porque o trabalho toca em aspectos essenciais, centrais para a compreensão das relações internacionais contemporâneas, como os direitos humanos, a institucionalidade internacional e as relações de força entre os países, três elementos que deságuam nas missões de paz da Organização das Nações Unidas. Esse instituto que foi criado nos primeiros anos de atuação da organização internacional, no pós-guerra, ganhou os holofotes no contexto político nacional, sendo objeto de debates à direita e à esquerda e impactando na vida de milhares de brasileiros, os quais foram enviados para o trabalho no estrangeiro sob o signo da solidariedade e de não indiferença, ou seja, do apoio aos direitos humanos também no cenário externo.
Já sabemos, contudo, que na sociabilidade que vivemos os fenômenos sociais não são aquilo que aparentam; eles se apresentam de uma forma, que turva a mirada de sua real essência, levando a percepções distorcidas, cujo cerne é travestido pela institucionalidade e pela normatividade. As missões de paz são um exemplo ilustrativo disso. Elas ilustram, em verdade, a voz dominante da tradição jurídica romano-germânica do pós-1945. Dadas as catástrofes e tragédias anteriores, os estudiosos do direito apontaram o positivismo estrito como o culpado, semeando a inserção de valores e princípios que ponderariam e, em muitos casos, se sobreporiam ao que seria a letra fria da lei. Adviria a necessidade do pós-positivismo (ou juspositivismo ético)¹. A ética que mitigaria as leis seria fruto de um resgate do humanismo idealizado, cujo conteúdo é definido caso a caso.
As missões de paz situam-se exatamente nessa quadra jurídica. Elas são uma prática não escrita, ou seja, não prevista no tratado constitutivo da organização. A justificativa de sua existência perfaz motivos nobres como a defesa humanitária das populações e dos direitos humanos. Em outras palavras, elas nascem nas contradições e brechas do positivismo. Em função do direito positivado não exaurir todas as hipóteses possíveis, abrem-se exceções em nome de valores nobres comuns. Portanto, o problema da norma deixa de ser o que está escrito para ser o como e por quem ela é interpretada. E nas relações internacionais é que quem decide como concretizar esses princípios é a força material das grandes potências².
Nessa toada, como o contexto de Guerra Fria era desfavorável para o uso amplo desse expediente, ele ficou restrito a ações pontuais em países da periferia em que não estavam em jogo grandes interesses estratégicos dos países poderosos. As missões de paz limitavam-se a ser garantidoras, mantenedoras da paz em locais específicos em conflito. Para casos mais graves e emergenciais, lançava-se mão do positivismo, da possibilidade prevista em lei para as Nações Unidas de uso excepcional da força em nome da segurança coletiva, prerrogativa consensual no pós-guerra, a intervenção militar. Há todo um rito solene rigoroso que precisa ser respeitado em seu emprego (processo que é simplificado no caso das missões de paz). A violência necessária e excepcional ficou por conta da intervenção militar, enquanto que as missões de paz eram de caráter humanitário, ético e, em princípio, pacifista.
Com a mudança da correlação de forças nas relações internacionais a partir do fim da Guerra Fria, a situação alterou-se por completo. O uso das missões de paz passou a ser cada vez mais recorrente e invasivo em seus alvos, o que levou os estudiosos a apontarem como missões de imposição da paz. Dos anos 2000 em diante, principalmente, a partir da MINUSTAH, o expediente passou a reivindicar o objeto de não apenas pacificar à força, mas de promover o desenvolvimento econômico e social dos países. Logo, as missões de paz passaram a ter um cunho altamente intervencionista que não se restringe ao aspecto militar, mas também ao socioeconômico. Ao passo que as intervenções militares começaram desde os anos 1990 até os dias atuais a serem embasadas por um discurso de defesa dos direitos humanos, a ponto de serem chamadas de intervenção militar humanitária, o que parece ser uma contradição em termos. Em outras palavras, ambos os institutos quase passaram a se equivaler, o que hoje gera muita confusão sobre a diferenciação entre eles, mesmo em estudiosos do tema.
Nessa simbiose, a política dos Estados (e dos capitais) por detrás desses movimentos fica cada vez mais evidente. E o Brasil, que tradicionalmente assumia um papel mais coadjuvante nesses processos, ganha o protagonismo ao assumir a liderança da MINUSTAH. Apostando nos ganhos de uma política externa que concilia com o imperialismo e o multilateralismo, o país ficou ocupando militarmente o vizinho caribenho por mais de uma década. O resultado foi uma catástrofe. Não houve nem respeito