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| Arthur Versluis Os Mistérios egipcios ‘Tradugio: ‘Adail Ubirajara Sobral ¢ Anibal Mari Arthur Versluis Os mistérios egipcios iv — EDITORA CULTRIX So Paulo ‘Tieulo do original: indice “The egyptian mysteries” Copyright © 1988 Arthur Versluis Parte I 1 —Introdugio 9 2 — Maat... 20 ok: Eneosto de una poltrona cerinontal, Goon sa eternidade, Ra, © suas $2- 4 —sis.. 40 signias. 5 — Osiris 50 6 —Sobre a segunda morte. 6 7 — Tito. : 66 8 — Hermandbis. n 9. —Ré: o Rei-Sol. 79 10—As Duas Terras 87 11 — Sobre a linguagem sagrada © 05 hierdie... 96 12— Sobre os Mistérios... 105 13 — Apocatastasiss Algamas implicagdes. m Parte II: Sobre a iniciagao 1—Theoria: A natureza da iniciag’ 9 2— Theoria: A iniciagdo € o simbélic: B¢ 3 — Praxis Iniciagio ¢ trabalho. 145 4— Praxis A chama e a flor... 158 5 —Conclusio: A iniciagdo ¢ a era atu 165 Bagh raseserenio aaa acs vaseser ee Notas 171 “Todos os dieitos reservados Bibliografia selet 185, EDITORA CULTRIX LTDA. {indice remissivo 187 Rua Dr. Mio Vicente, 374 ~ 04270 - Sto Paulo, SP - Fone:272-1399 autor e sua obr: 189 Trpreso nas ofiinasgrificas da EditorePensamento. 5 ee Parte I Capitulo 1 Introdugio Pode haver poucas dividas quanto ao fato de que toda 2 simbologiae a metfisicatradiconais que ainda remanescem no Oeidente possam ser remetidas ao Egico antigo, esa terra cujo povo, no dizer de Herédoto, era “eserupuloso além de toda me Feds em matéria de religiio". Com efeito, muito embora os an- Cigos Mistérios, a0 que parece, hi rauito tenham desaparccido een, talver melhor, tenham sido eclipsados —, sua influéncia Ginda’se faz sentir até nostos dias, quero saibamos ou no. Mes qo assim, alguns podem questionar o valor de se estudar a n= Karena dos Mistérios eg(pcios em nossa época! — afinal de Sontas, os Mistérios pertenceram aos mais longinquos recesos Ge nossa histdriaregistrada, a um reino crepuscular no horizon- te2 Por que entio deverlamos buscar ali, no mundo antigo, & Nerdade? Nido fariamos melhor se ignoréssemos os ancigos, or gem da culiura ocidental el como hoje se present, € 0s CO0- aentrdssemos no futuro? Talvez sim — & possivel que a igno- Fincia confira uma espécie de seguranga. ‘No entanto, al como um homem aprisionado mama caver- nace cereado pot ruidos estranhos, é preferivel saber areal posi Pho que se ocupa, por mais desagradivel que ela possa parecer, Ficactamos sem davida em melhores condigées de agir com 0 onhecimento daquilo que de fato somos, de nossa verdadeira ‘Seuagdo. E nfo se pode duvidar que, embora nio possamos re- tornar 1 vida numa cultura tradicional como a do Egito, nem Ggiar um tal mundo de significado primordial a partir do nosso fenebroso futuro — como determinadas fantasia da “Nova Era!” poderiam sugerir —, no obstante, a percepsio de como asco: ride {ato 380, das origens daquilo que ainda resta da cultura ‘eidental tradicional (transmitido pelo neoplatonismo e pelo her- sretismo), pode ter inestimavel valor na orientapdo de nossa vi- 9 a, na descoberta de sentido e de propésito, apesar da anormali- ‘dade das atuzis circunstancias. A esse fim se dedica este estado. ‘Para ambos esses alvos — a percepsio individual da verds- de metaflsica ¢ a compreensio das origens da tradigio ociden- fal, um entendimento dos Mistéris e da tradigio egipcios £ virvualmente indispensivel. Sobretudo & luz do fato de ter 0 tual estado de confusfo — 0 mundo moderno — surgido do ‘Ocidente, o que sugere ser 2 nossa atual condigio andmala © fagmentaa, com seu impulso incontrolivel para o quantita Yo. para osolipsismo c para a desteuisfo do nosso manda nat val derivada de um eclipse, de um ocultamento da metafisica Eda simbologia tradicionais, da compreensio metafisica em que Se fundow a tradigio epipcia. Na verdade, quase todos os capl- fulos do Novo Testamento estio repletos de simbologia ¢g'p- Gia, ainda que de forma atenuada e diluida. A santa Virgem ‘Maria, podemos recordar, em sido vista com freqiiéncia como reiteragto de Isis, Cristo, do Seu Divino Filho, Horo, emana- {do do Seu consorte, Osiris; podem considerar ainda as pala: ras do Apocalipse, segundo as quais “isto diz o Amém, a testemuna fel e verdadeira, 0 prinefpio da eriario de Deus’. De fato, se tivéssemos tempo para neles mergulhar, mostrar: tos que os paralelos sto ainda mais proximos, visto que esta lltima 6 “luminada por tls” pela primeira, De qualquer ma- ineira claro esta que, para compreender © nosso presente, deve- mos entender o passado. "Temos razDes pata crer que a cultura do Egjte antigo, 2 par- tir de, digamos, 9000 a.C., foi ela mesma derivada de uma cul tura anterior mais pura, de onde surgiram as cradises do Oriente e do Ocidente e da qual proveio, por fim, #atual Idade de Ferro, a Kali Yuga. Algumas evidénciss dessa cultura mais tiga e pura podem ser encontradas nos elementos histéricos da cultura caldéia, que floresceu antes mesmo da egpcia © que Se devotou ’s harmonias celestizis. Com efeito, segundo alguns relatos, a cvilizasao caldéia floresceu 20 longo de quatrocentos { setentae ts mil anos — da época de suas primeiras observa bes ¢ cflculos astrolégicos & de Alexandre." Sea ou no ver Jade —e cemos mais razBes para estar de acordo com os caldeus ddo que para crticélos —, nfo pode haver dividas de que um thomiem primordial, apenas reofmesurgido na Terra, possufa uma relagio mais forte com as estrelase planetas gragas& sua longe- ‘idade celestial. Ai repousa a chave da longevidade dos deuses (gue precederam o htotuem sobre « Terre, bem coma con refle- 10 ‘x0 nas personagens do Antigo Testamento, como Matusalém fe outros. ‘Hrebora ainda retivesse a unidade inicial entre os mundos celestial ¢ terreno, 2 divindade primordial do rei — em suma, eietos dos indicios de uma cultura primeva, da Idade de Ow- retot, Egito ainda permanecia no estigio “‘pos-dilivio”, isto depois do dilévio da ignorinci, de que falou Mneton em hu Sptbis. Assim sendo, apesar de sua tendéncia demasiado com see dora, de sua revertncia pelo passado, o Egito preservava sertsidvo de uma cultura dotada de maior pureza, uma cultura Onis diving, numa relaglo com 0 passado na qual o pafscovava ‘Gane do esplendor que um dia fora, do mesmo modo como hhoje estamos diance do esplendor que o Egito um dia fo: como toe Sombra, espectro, pido reflexo sobre as dguas. Com ef a depois dt Epoca do Egito houve de fato um novo dilivio, ‘wha catéstrofe sem precedentes, em que um mundo translic Yow um easamento com a Realidade celestial — foi dissolvido, terra, separada do eu, os simbolos e Mistérios sagrados dos srngos,condenados e ignorados; catistrofe em que a Natureza pastou a scr vista Ho-somente como concatenagio de matéris Ein que 2 gnosis teve seu lugar ocupado pela mera razdo, pelo fonctnenaliemo meramente dogmético, Esse pfocesso se acerca Com rapider do seu nadir na era atual, um nadir em que © puro Caos ina outea vez eno qual, tal como nos éons que precede- fan a Cragao, o nico e torna o Unico, fcando auto-uficente, radiance, no interior de si mesmo. Bis bor que v propéaito aubjacente — na realidade, 0 pro- pésito central — deste estudo &celembrar, no sentido platéni Peraguilo que foi relegado a0 esquecimento, que se perdew, fc SPoetecido pela nossa meméria curta, nossa ignorincia do D- Sino. Porque, como 0 curso da nossa era atual dirige-se para Tgnordncia praticamente absoluta de mundo, da metafisica © dakimbologia tradicionais, devernos procurar ainda mais 0s at» tigorem busca de orientagio de sabedoria, paraevtar a perda Be pouco que ainda nos restaerelegarmos 20 esquecimento ab- selixo os corolérios de dissolusio e o solipsismo atuais. ‘© principal obsciculo 20 nosso entendimento da tradigio cgipeiaem especial e da metalisica tradicional geralmente € 8 moderna incpaciade de pensar de mania ‘analogica. Hii al- iguns sdeulos, a mente moderna vem sendo condicionada cada aay mais a pensar apenas em termos evolutivos e materialistas, Yel modo que o pensamento simbélico visionério que ame tallsies tradicional Fequer é quase incompreensivel para a maio- u consumindoas pelo fogo L. . . {de modo que] deus faré 0 Cos: fnos retornar A sua antiga forma [... a melhor”.” Por infelicidade, tudo o que foi profetizado nessa transmis: séo do Corpus bermeticum de {ato aconteceu — a impiedade, 2 proserigdo da antiga religido verdadeira,aignordnca da massa — Pio, quer dizer, salvo 2 purgasao do Cosmos e a Grande Res: tauraglo, que sio, sem duvida, iminentes. ‘Osegipcios, por conseguinte viviam num mundo jlumine do, acima deles, pelo brilho da Tdade de Ouro, mas conscientes dor io momento de que, caso nfo honrassem suas responsabil- dades,a separacdo entre o Céu e a Terra se fara intransponivel Gon cicito, a consciéncia dessa responsabilidade era inerente { Galeara 4 religito eg(pcias, sendo um dos exemplus disso o 2 Rjmamento de gue, no local onde se encontrava cada templo Se Oates, se exguia uma escada® que ja da Terra 20 Céu, jé que, or bors Céu e Terra tivessem um dia sido uma s6 coisa, mais cide o homem havia precisado de uma “ponte” entre os dois, ae ceeaida a partir da observancia religiosa, em cuja auséncia 0 imo dos quais fo1 Horo, ou Apolo, o filho Divino de isis wOuiris — regiam diretamente a Terra. De acordo com Dio- Sorel, por outro lado, os deuses regeram o Egito por cerca de Sore oF anos, periodo apés o qual comegou o reinado dos seretyvinos. A data, que de qualquer modo tem uma interpre- tagio mais esotérica que literal, pouco importa, permanece © faxo de que cada rei sucessivo, embora nao fosse um deus, tra te igs veias o sangue de R4, o Divino Sol, de quem era o repre- sentante vivo na Terra." Por essa razio, no era o rei o pai do scu filho, mas © Sol, 0 Divino Sol, Essa impregnagio divina tem como paralelo dire goa concepsio imaculada de Cristo na Virgem Maria do Novo Peckamento, ha também o paralelo dos Upanixades, nos quais deck eserito que o Sol é vida e a Lua, matéria, ¢ que, da mistura Sas dois, surgiu a Criagio."2 Como diz. o Maitri upanixade, 0 Sel ¢ o eriador (Savitr) Brahman é 0 Eu do Sol; por conseguine te, devese reverenciar o Sol, o Senhor, A Testemunha."” De igual forma, diz-se que, “quando o pai humano emite =, 'Bente no vero [. . -] de fato 0 Sol que o emite como semen, rasrit B hi ainda a observagio de Aristoteles, segundo 2 qual ‘o Homem e 0 Sol geram 0 homem”.° 35 Sem divida, a sutilrelasio entre 0 Sol visivel e o Sol Di tno nfo pode ser esgotada, porque, da mesma maneira como 0 peimeiro refi 9 Terilho deste tltimo, assim também o Rei re- sac eigem Divina da sua fangio, canto quanto o pai de toda celanga rellete sua propria Origem, nio sendo senfo um ports Jor da Luz, a semente de vida que ele emite. Cada um deles $e Share do mundo no Ambito de uma dada esfera em virtude dd papel que representa, da fungo a que serv, nfo para domi. sar igique isso € Urania, egoismo, 0 epitome do, pece Ie lac tara alimentar, manter a ordem ¢ ajustiga, 0 fundse oe ato de um reino estavel. A familia, o ci, a terra — todos fe orientam em torno do Sol. E, contudo, 0 sentido dessa ordem no ¢ a mera estabilida- de temporal — se bem que iso foi alcangado no Egito num grav ce rrordinirio, propiciando muitos milhares de anos de paz» aaerievtes a redlizagio do destino celestial do homem. No pré- pu Egito, numa époce posterior, uando o culo de Osis = Brie os iso signficava, para muitos, asubida 20 Paraiso do ‘Ounte,oreino sutil dos deleitesespirituais que se aproxima, em spats aspects, da Terra Pura Suhavati) dos deleits espiti Mauls manifesta, no budismo posterior, no culto de Amitabha. EE para os adoradores de Ré, 0 Divino Soh signilicava “liberds Teperndicional”” — aqueles que alcangavam ess libertagdo des- festavam para sua verdadeira naureza em Ré,alsando-s¢ +0 eerpo da pura Lz, 8 "barca de milhdes de anos", na qual nave" ‘Gavam até final do Gon", quando todas as coisas retornam 20 Sn ea libereagdo final & atngida, Esse ltumo ensinameno, podemos arescentar, tem como parallo o Vedanta, 99 qual povseres que realizaram a natureza de Isvara também aleangar corns como é dito ali, uma “libertagio condicional”, uma liber- Tago do renascimenco que dura até o final de um ciclo do Traindo, quando tudo se restaural” ¢ 0 joio se separa do trigo Emm outras palavras, todo 0 mesocosmo que era o Eto servis [nalizagio de todos os homens que se encontravam na sua es {ers dando a cada um os meios necessrios para atingr 0 gra aE Tvertacio que pudesse sero seu destino imediato, isto ques Spesar de hoje set“ificl o caminho, ¢extrita a porta” so wpe cando menos verdadeiro quanto mais nos aproximamos Us primordaldade. Numa cultura tradicional, o caminho & na Seujade, largo, com 0 mesocosmo “atraindo tudo para o inte Wor’ para os destinosceletais, sendo.o exterior mero reflexo set mberions « na primordialidade o gfnero humano cumprit: 16 seu destino no Ambito da vida comum, despertando espa rheamente no mundo natural. ra pis deta do rei Amaris acentua a natureza do Rei Divino, “ositiernc, , poreanto, do lugar da propria humanidade como oe ciagho', visto que cabe a0 verdadero rei nfo diri- a as sustentar, nfo controlar, mas ordenar, harmorizas, Or Br cs mais primordial — a idad de Ouro —. em que cada re Pemmano é um deus, a fancio mediadora do Rei Divino ain- SE no precisa existir; da mesma maneira como, inversamente, gnede do Rei Divino também nZo pode existe naera moder” aon ee cena ropa de vodae a elabes ham: na, cae Divino, € que ext, asim, “aqném” da posse ds um Ui governo.® Por conseguinte, a funeio de Rei Divino #6 por eee kira culeura tradicional, por ser esta o elemento de lig- Go ennre o Céu ea Terra,ente a primordalidade ¢ 0 present Srnendo ordem e sentido a vida humana. Gosoxs verdade paradoxal o {ato de que, na cultura tradicio- nal — que por eeto teve no antigo Egito (na mais remota Anti uidade) ov mais puro exemplo —, o humilhado ser exaltado Fvrnovo diz essa antiga obra chinesa, © Tao-Te Ching “Por que é 0 mar rei de wma centena de correntes? Porque sesth debuino delas Por isso ele € rei de uma centena de corren- ca otra Iiderar 0 povo, o sibio deve servir com humildade, Para liderar, deve seguir”. (66) {Quer dizer, o Rei sempre deve recordar-se de que ni & rei yor of mesmo, mos apenas o meio pelo qual a sees é divins: Poraue regday ele deve governar, nfo com hamalhagao nem a ‘gina: mas com 2 coragem ea aucoconfianga que apenes 9 coeacrtento da verdadeira natureza de si mesmo pode Propi- coe gue ae aplica ao rei deve igvalmenteaplicarse 20 ind Clo em sua propria esfera: porque todos sio eis, tendo como Tlnrear bisiea 0 escopo atual do seu reino ¢ pouco mais do Gue iso, Eis porque, ma cultura tradicional se devora atts 67° 866 3 maeureza da verdadeirareleza — jf que, em Sima andi $30 ous observagbes se apicam a todos. As pessoas nfo pode! se, Gvorciadss da sua cultura e do seu mundo: « harmoni fer Chemica € harmonia mesocésmica, € harmonia macrocbs Em nenhum outro lugar essa unidade natural entre o rei eo Exado é mais explicita do que nos relatos que possulmes 4.2 sign Egito, em particular nos de Diodoro, em coja histo- 7 ria universal lemos que os rei, Jonge de possuirem wma autor Jae tirinica ou ilimitada, eram na verdade as pessoas mais re ggladss, que tnham a propria alimentasio dria decidids pelos aaeercy,prescrita pela antiguidade. Toda agdo do rei, toda Gecisio sua, era regulamentada pela tradislo; ¢, sem vex de se indignarem, os reisafirmavam ter wma vida de- ite feliz e sstisfatOria: porque acreditavam que todos 05 ov Yeehyomens, 20 seguirem impensadamente as paixGes natural vremetem muitos atos que Ihes trazem danios ¢ perigos, 40 Passo orien por ovtro lado, em virtue de(.-. ]seu modo de vide Da Jeometiam um minimo de 1:08"? Em conseqiiéncia, diz Diodoro, 2 boa vontade do povo Per ca cnn Gaurelerainsuperivel, endo a ordem e a felicidade do “aadgo Egito, que fot incompardve,durado muitos milhares de anos. ‘Como resultado, embora em nossa era no possamos espe rar wana rstitutio divinis, ao menos em larga escala, sendo ine: evel o curso para a dissolucio, nfo obstante, na medida em ue contabuirmos eparticiparmos do mundo em que viveram 20E gipetos, os reinosintemporss, estaremos libertos das est SeeFe nosn era, Porque enquanto na nossa er, como obser. See o-erro reina supremo ¢ a confusto de tudo se apossa, warvrfor isso extdo todos os individuos condenados a afundar rer sees ondas, sendo levados de roldao para os seus redemoi “thos perdendo-e — longe disso. Pois, como estd escrito no Ghanuegya upenixede, o hamem se torna aquilo em gue se con eee Se deecjarmos o mundo dos pais, nasceremos eles s& seers neentrarmos no Altissimo, em “elevar-nos acima do cor Po farina saute) realizaremos Brahman ¢ sremos I bertos.™ ‘Ou, como esté escrito no Tao-Te Ching? inguele que é sincero age repiamente, Aquele que a8 Te gjamente alcanga 0 Divino, Aguee que é Divino ex em inte. Bare 9 Tao [...1 Embora o corpo’ peresa, 0 Tao jamais desaparece”. (16) Esse é, a um s6 tempo, o alvo ¢ « marca da cultura tradicior ral que todas as pessoas ajam regiamente, que todas acapee nat lino, cada qual segundo seu merecimento. Dizia-se de Sri Parke, antes da colonizaglo, que a Sinica diferenga entre o cam 18 ponds ¢ 0 proprio rei cram os taj, sua capaciade ¢ sua le Po na oles 36, Por certo € possivel dizer algo parecido aerca Se gito: a forga de uma cultura tradicional reside em seu po deed irradiagdo, que envolve e unifica todas as pessoas com der ulizagio de sua verdadeira natureza, do Divino. So- ire quando o poder & desafiado, quando a desordem e 08 com omtamentos antradiionaiscomegam a asumir @ control, moderna.” “Em que, entio, consist a prisca theologia? Consistiv, Se- brevado, na Divina Ordem e harmonia: maat. E € para meat, etinera caracteristica —etalver 2 central — da antiga caltse ra egipea, que agora nos voltamos. Fporando e pervertendo os ensinamentos da Anriguidede, ver ‘epotjyara a rit, a fragmentarse € a desaparecer. E foi preci Samente 9 que aconteceu quando judaismo e cri teparam a ganhar terreno diante das tradi sera Eger membros de uma mesma familia voltaram-se Uns see ee os gutros, amigos contra amigos, ¢ a sabedoria do mur Sp enugo foi sidicularizada — na realidade, o prelidio ds era ismo eo- antigas lega- 19 Capitulo 2 Maat £ virtualmente inconcebivel poder entender a religifo ea cultura egipciasancigas sem compreender a palavra “mnaat”, pois rela podemos encontrar a propria esséncia da cultura tradicio- nal e da ordem Divina. Com efeito, num nivel maet manifesta se como uma deuss, a consorte de Hermes ¢, outras vezes, co- mo 0s "Senhores de Maat”, que sio os assistentes do homem «em seu julgemento pés-morte!, fungio que também é de Osf- ris — mas, independentemente da manifestagio especifica, maat também se identificava com a ordem ea harmonia. Nos Hinos de lowwor a Ré, diz-se que “Homenagem a ti, 6 R4, louvado Sekhem [poder], Podero- s0 das jornadas; tu orientas teus passos por Maat, és a alma que faz bem ao corpo; tu és Senk-hra[A Divina Pave da Luc} © €3, na verdade, os corpos de Senk-hra”.? “Maat” associada aqui com a relaglo entre alma e corpo, ‘com a harmonizarSo celestial no reino da geragio, o que é bem apropriado, consistindo a esstncia da alma na harmonizagio, na orientagio dos “teus passos”. Na alma ou psique, ess orien. tapio implica a harmonizagio das esferas planetirias e dos po- deres celestiais. O que &, pois, “Maat”? “Maat’€ essencialmente tum termo que descreve as ages e as pensamentos que agem em favor dessa harmonizagio, de um equilibrio que deve ‘manifestarse tanto na ordem sutil como no mundo temporal, visto que os dois de maneira alguma se encontram em oposi- fo, divorciados, sendo antes reflexos, aspectos, um do outro. Em suma, 0 principio central de maat é de reciprocidade en- tre 05 deuses — os reinos Divinos fundamentais — e a humani- dade: os Deuses serveur i humanidade do mesmo modo como 2 1 humanidade serve aos Deuses. Meat € reciprocidade © a har- monia Divinas. E ‘Maat &, portanto, construido a partir da compreensio dos reinos Celestiais —e um reflexo destes —; existe no dmbito do reconhecimento de que hi miltiplos estados de ser e uma espé- cie de reciprocidade entre cles. Ea principal forma de mani tasio dessa reciprocidade Divina sio os ritos sagrados que, embora por si mesmos ndo sejam suficientes para 2 ibertasao, no obstante, em particular numa época tradicional, sfo os meios pelo quais o¢ Deuces e 2 mirlade de forges do cosmos s80 ma nifestose equilibrados. Os ritos sagrados, portanto,assemelham- sea uma coluna que ss clevay a pertr da bse, avodos on nivels e reinos, e foram preseritos 3 humanidade, nio para aplacar al gum poder externo, mas para harmonizar a espiritualidade das essoas, conjugar os reinos espiritual e temporal, de maneira ue, por meio dos ritos,fosse possivel que o Céu se manifestas- se na Terra, unindo Terra e Céu outra vez, tal como o eram na época primordial. Essa € a razio pela qual os egipcios, 20 falarem da ressurrei- s40 do corpo de Osiris, disseram que em cada local onde foi encontrada uma das partes do corpo, depois de verem sido es- palhadas pelo deménio Tifio, foi guido um templo, um sitio, sagrado onde era possivel encontrar uma escada Divina que se estendia da Terra a0 Céu, Na época mais remota, 0 Céu e a Terra estavam unidos, translicidos, e as pessoas eram deuses; mas nos dias do Egito antigo, comegavam a separare, 0 que tornava os ritos necessérios para voltar a uni-los, seno em to- da parte, a0 menos nos lugares em que as escadas — os templos = se localizavam, retendo assim parte da unidade espiritual pri meva entre o temporal e o Divino. E, nessa linha, pouca divi- da pode haver de que, até hoje, certs Areas ressoam com o poder primordial — algumas vezes para o bem, outras no. Ora, como o reiteram os Sutras budistas € 0 upanixades, a realizagio do ritual sem conhecimento ¢ infrutifera — 0 grat de conhecimento determina a eficicia ou 0 poder de um dado rito, Deacordo com o Chandogya upanixade, quem pratica um Fito de stcrifico, fazendo obras de beneficio publico e de cari- dde, “passa para o lado escuro do més (a lua), mas nio aleanga 4,300 [asl 4 “Algandowe ua”, moram al (a efera stl de manifestasdo), segundo suas obras, por algum tempo, perlo- do aps o qual ecornam ao mundo do nascmento eda morte Tratase do caminho intermediicio, 0 pitr-yana, ou, mais li ralmente, “0 eantinhy dus pais”, que, no Egivo como em todos a os lugares éseguido pela maioria da humanidade, propiciando- Ihe, no a libertag0, mas apenas um melhor nascimento — ex- preso no Egito pelo culto de fsis «de Osiris. Por outro lado, Eguele que seguem o caminho da iluminagio, o deva-yana, “o qaninho dos deuses”, no retornam & vida temporal, mas ge ham a libertasios esses, porém, sio poucos. ‘Os que ndo fazem sacrificios nem praticam austeridades, muito menos seguem 0 caminho desses poucos, caem nas mos Ge Yama, o Rei da Morte, e até no Inferno, onde, pelo periodo Sxpecificado, enfrentam as conseqiiéncias da sua ignorancia (avidya)? A esfera da Jua marca o “Portio do Céu” (“Yesod” ee ebraico); aqueles que passam por ela penetram no reino dos Deuses, © propésito do ritual é manter a conexo com os reinos celestiais, evitar que as pessoas caiam nos caminhos das trevas cegantes, do brutal materialismo secular ¢ daignorncia, para lembrélas de sua Origem e responsabilidade. ‘Ora, maat é um tipo de eixo, que passa pelos virios niveis ou reinos do conhecimento, sendo a parte de baixo o mar in- fernal do caos, e ade cima o sublime oceano da bem-aventuranga. ‘Agueles que ndo cumprem suas responsabilidades, que ignoram. 6 ditual, rem nas mies de Yama, do Rei da Morte; eles perdem- se, fragmentamvse, desordenam-se. Quem cumpre suas respon ‘Shilidades, mas fica apenas nisso, se eleva ao reino de pitryan, a terra dos pais, mas no alcanga alibertagio. Contudo, aqueles ue meditam acerca da real natureza da existéncia e que, além isco, véem sua propria e verdadeira natureza, alcangam a li- bertacio e ultrapassam a lua. Eis por que maat — ordem e har- mnonia —-é 0 principio por tras de todos os reinos. Seguir maat ‘Mo é suficiente para nos livrarmos da servidao temporal, visto fer ela o caminho dos pais — mas nio é possivel prescindir de- Ja, Quem segue isso, 0 caminho das obras, busca conformar-se Yordem divina, a maat, a passo que quem alcangou a liberta- do. por meio da deva-yana, irradia maat espontaneamente. Por sirere lado, os que ignoram maat caem na dissolugo, na desor- deme, por fim, sio descruidos. Maat é pois a emanagdo da or- dem Divina “no sentido descendente”: quanto “mais alto” se Vai, tanto mais proxima ela fica, até que, no final, é reconbeci- da como a irradiagao do centro do ser € de cada individuo. “Assim, 0 antigo simbolo egipcio para maat era a pena, Fe presgntagio da asa do Arjo, 0 simbolo tradicional do conhec- prento e da realizacao espiritual; o Anjo, que se mantém no alto Com suas asas de gaze, ¢ livre, independente das preocupages temporais. O apelo a Ré para “tornar-me leve” implica por si 2 ‘mesmo que quem deseja elevar-se deve ter atingido a maturida- ddeea pureza éticas, uma organizagéo na alma; a antiga imagem dos “Senhores de Maat”, ¢ de Tot ou de Osiris aferindo os pra- tos da balanga é esclarecida pelo reconhecimento-de que agir ‘segundo maat confere “leveza”, enquanto agir contra ele nos sobrecarrega de pesos cdrmicos. Por conseguinte, maat, como principio de ordenago ou har- monizagio, existe em trés manifestagdes: para o individuo, px aa comunidade como um todo e para o cosmos. Cada um desses aspectos reforga 0s outros. Na esfera individual, maat se mani- festa por meio de agées éxicas, mas também pela abstingncia jejum, essencialmente de comida e de desejo sexual. Esses dois ementos implicam purifcago do reino da gees, do nasci- mento e da morte. A abstingncia de carne animal implica, da mesma maneira — como observou Porfirio em seu tratado so- bre a matéria —, a purificagZo do desejo, das paixdes. Para 0 individuo, todas essas coisas t8m como implicagio uma ‘‘colo- casio em ordem’: elas nio sio suficientes em si para nenhuma realizagio duradoura, mas costumam ser indispenstveis para tal, ‘Visto que devem preceder e acompanhar a transcendéncia, ‘Na esfera mais ampla da comunidade, maat implica o cum- primento das responsabilidades de cada um, da fungio atsibut Baa cada pessoa no ambito da culturas implica a harmonizagio cultural na comunidade, tal como o faz. em bases individuais. Eo veiculo central para sua transmissio pela cultura como um todo é o Rei Divino. Como ja se observou, reconhecese 0 rei, tna cultura tradicional, como uma encarnasio ou manifestagio de Ré, do Sol Divino, de Aton; por essa razio 0 rei, no nivel cultural, afasta 0 mal de modo muito semelhante 4 autopurifi- Casio do individuo consciencieny: us trés mundos ofo, em dei. ma andlise, um sé — microcosmo, mesocosmo e macrocosmo. ‘Assim, maat & o meio essencial de preservacio do estado (em todos os sentidos da palavra) da hurmanidade e da natureza: 4 responsabilidade humana é, em sua esséncia, voltada para a conservasio, preservando as tradigdes que vinculam as pessoas entre si, a humanidade com a natureza e todas as coisas com o Divino —e maat & 0 meio, a manifestagio da sustentacio des- Se relacionamento. Num texto antigo, hé uma exortagio expli- Citas pessoas: “Fala maat; faze maat/”® — mas essa ordem est jmplicita em quase todos os antigos escritos egipcios. “Quem reverencia maat tem vida longa’; quem deseja obter conheci- mento nio tem sepultura”®, como disse o.vizir Ptahhotep. Hé, ‘em outras palavras, uma correlacio direta entre a longevidade 2B spiritual ea pritica de mat; tanto 0 individuo como a socie- dade que cumpre de modo adequado sua respectiva fungao tem Vida longa — 20 passo que aquele que cai em desordem logo perece, se fragmenta se dissolve. Portanto, a estabilidade vem- Poral é 20 mesmo tempo requisito para elevagio e iluminardo spiritual e sua irradiacio. No Egito antigo, A medida que o tempo passava o sébio ia pereebendo cada vez mais que a sobrevivencia dependia da reins. Rruigdo de maat, da harmonia Divina, em todos os niveis: des i muneira, eomo observou Herddoto, os reis mais sébios foram Squcles que restauraram os verdadeiros templose reinstiuiram ou ritor religinsos, enquanto os piores foram os que cederam frente ao auto-engrandecimento a expensas da religiio, ignoran- do os templos. A ordem primal do cosmos fora estabelecida ‘quando da Criaslo; lentamente, porém, 4 medida que 0 tempo Passava, o C&a.e a Terra comegaram a se separar, razdo pels Jal maat vei a exist de maneira mais expliita do que impli ia, como a corda que liga o Superior 20 Inferior, como a ira diagio daquele neste. ‘Consegiientemente, maat é a principal unio entre o celes: tial e 0 terreno no cosmos, assim como no mesocosmo ¢ no microcosmo. No mundo primordial, por conseguinte, esses dois Trivels eram percebidos tal como de fato so — como Um, uma harmonia Celestial —, e somente mais tarde as pessoas, confi tase iludidas, comesaram a diferencié-los. Como resultado, em bora seja em esséncia a harmonia do cosmos, maat ests presente de modo implicto, s6 sendo explicitamente prescrito & huma- ‘dade na medida em que esta concebe esses dois dominios co- smo entidades distintas. Como disse o sibio Peahhotep, “maat & grande, € sua eficicia, duradours; nfo foi perturbada desde 2 época de Osiris. Hi punisdo para quem viola suas les, nas esta & desconhecida daquele que deseja obter conhecimen- to L..} Quando o fim estd préximo, maat permanece””? Em acréscimo, disse o vizir Kagemnis ““Faze maat pelo Rei, porque maat & aquilo que Deus amal Fala maat a0 Rei, porque aquilo que o Rei ama é maat!”? Errevelador 0 fato de aqui Deus ¢ 0 Rei serem virtualmente intercambisveis. Tal injungio, porém, s6 pode existir numa épo- 24 ca-em que maatjé nfo & espontines para a humanidade — Epo Sana qual a pessoas jé nfo eram deuses, capazes de irradiar miaat Sree gira espontinea, mas deviam esforgar-se por realizéla, sendo isso, por si $6, um indicio de quao distante estava o Egito dda unidade primordial, da Idade de Ouro. Como esté escrito no Tao-Te Ching: O ensino sem palavras a obra sem agi, raros s80 05 que os compreendem”. (43) Quando entram em jogo as palavras, a realidade ¢ obscu- recida. ‘A pats do que diz Ptahharep, citado acima, podemos ver os principais mefos através dos quais o Céu ea Terra se aparta- oe erinde ver mais; isto &: “E& punigdo para quem faz o mal, vam cata é desconbecida daquele que deseja obter conhecimen: To (grifos acrescentados). Em outras palavras, a ignorincia & 10 gefacia do mal, e 0 mal nao é sendo a desordem, a auséneia enact, A ignorincia é cunha que separa a humanidade da ecuveza, as pessoas entre si e todos do Divino; isso acorre no Vedanta, no budismo e no Egito antigo, tal como em toda s= bedoria tradicional. Avidye sempre se opde necessariamente a pidys ¢ 0 triunfo do conhecimento implica sempre a derrota Te ignordncia. Em conseqiiénca, aitradiagdo de mat numa cers implica conhecimento: quem pratica 0 mal é “quem ndo co vw hece asi mesmo”; “aquele a quem Deus ama ouve; mas aque ea quem Deus odeia nfo ouve”.!" Em suma, a manifestagio Ye mmuat, na origem, vem direto do conhecimento ou inspirx ‘Bo espirituals, bem como, secundariamente, da emulagao da- fueles que det8m o conhecimento (a gnesif © primcivo & 0 Teayana, o caminho dos deuses; este ‘Itimo & 0 pitryana, 0 faminho dos pais — entre eles ndo ha, portanto, oposisao, sim ima diferenga de grau de percepsio ou de jluminacio. ‘Esse arranjo hierarquico sugere que, embora maat seja im placdvel em sua operagio,a mi apo ndo pode bloquear aelevs- Feo de maneira permanente, mas apenas de mado temporétio: ee outras palvras, embora a agio de maat seja inexorével no ‘mundo temporal, aqueles que alcangam o conhecimento espiri- qual (a gnost) podem ‘cer um julgamento favordvel” depois de morte; destruindo em si mesmos 0 mal que cometeram, purificandose na “esfera da lua” até passarem para a condicio PAlestia. Assim é que, no Livro dos mortos egipcio, a humani Gade busca justificagao, absolvigao dos seus pecados passados por 25 meio da gnosis — 0 conhecimento dos nomes ¢ aspectos Divi- hos que dio a senha para se ir além da esfera da lua, por meio de Osiris. sso, contudo, nfo significa que os ritos que levam ao pré- vvio conhecimento da morte, nem tampouco as palavras de po- Ger — como se vé no capitulo 125 do Livro dos mortos — ¢ ‘adoragdo de Os!is permitiam fugir ao poder implacivel de maa. Em vez disse, estabeleciam uma afinidade, um conhecimento ¢, portanto, uma inclinagio que transcendiam o reino tempo~ ral e, dessa maneira, “concentravam” a atengio do morto. Co- tno disso Petosiris de Hermépolis: “*Ninguém chega ao benéfico Oeste sem ter 0 coraslo reto pela pritica de maat. Ali, nfo hd dstingdo entre a pessoa infe- For ¢ 2 superior; importa apenas no ter culpa quando os pra- {os eos dois pesos se encontram diante do Senhor da Eternidade. Ninguém esta livre desse ajuste de contss, Tot, um babuino, segura os pratos para avaliar cada homem de acordo com aqui- Jo que fez na terra’? ‘Todavia, devemos ter em mente que o homem nio ¢ uma entidade Unica, mas consiste em virias potencialidades ou esta: Glos de ser, 20s quais 0s epipcios atribuiam certo nimero de ter- mos.) Ora, aquele que percebeu que seu ser nio esté apenas no corpo, 0 ka ou no ab, nem, em diltima andlise, nas coisas ‘que existem, mas consiste no Eu do eu, no ilimitével, na Luz, SUptinua em certo sentido a viver as tendéncias ¢ cargas cérmi- zs acumuladas em suas vidas passadas, mas 20 mesmo tempo Siberta dels, tendo-thes percebido a Origem por meio da gro- tis ou percepgio espiritual, Embora representemos essa jornada na diresdo exterior, como uma jornada pelas esferas, la é na ‘erdade para dentro, na direg3o do proprio Coragio (ab) do mi- Trocosmo, Finalmente percebido como o Coragio de todos. ‘Como resultado, podemos afirmar que, enquanto a pritica ea consciéncia de maat sio indispensiveis para o individuo ¢ para o reino — visto que, sem isso, tudo deca e se destrdi, raat sozinha leva apenas a0 reino dos pais — & lua —, € no para além dele. Deve-se ter harmonia Divina — falar maat fa. eer maat —e ir além, alcangando a gnosis a percepcio da qual saat deriva, Em termos mesocésmicos, essa fangio de trans- ‘miss do Divino é realizada pelos templos, pelas linhagens sa ferdotais — o caminho da libertagdo que é, na verdade, o axis mundi, nfo $6 para o individuo como também pare a cultura 26 «¢ para o cosmos. Da mesma maneira como 3 linhagens sce", bass pessam pela histria “horizontalmente’’, como o centro Ge cultara, assim também a transmissGo “vertical” do Divino Sean-se no centro da transmissio sacerdotal, 2 transmissio dos Mistérios. Maat, ou a pureza e a ordem individual ¢ cultural — Miarmonia —,@ a manifestagio dessa transmissio, osinal mais saterno desta, Transposta para a antiga cultura chinesa, maat Sorresponde 20 ideal confuciano de dever filial, respeito pelos dleuses e pureza ética absoluta, dechecessirio dizer que 0 ideal confuciano s6 veio a exis tir quando a unidade primordial com a Origem — representads pelo eaolsmo — comesava aruir, a dssolver-se. Como diz 0 Tao- Te Ching: “Quando sesqueceg grande Tao, urge gentileza ea moraldlade. Quando nfo hd paz no stio da familie, surgem © dever e a devosio filiais”. (18) Os chineses antigos, tal como 0s egipcios antigos, veners ‘vam seu Imperador Divino e reconheciam que sua terra era para Tero centro do cosmos, o pivd do mundo — ¢, tal como eles, pereebiam o ténue controle que mantinham sobre a balangs que Pee seu mundo, balanga manifestada em maat, Essa relagio Cra eo Rei ¢ sua fungio como meio de restituigio divina da [dade de Ouro & explicitada em grande nimero de textos. Observese a seguinte ctagio, dos Textos das pirimides: +0 cu esth em paz, €a terra, jubiloss; porque ouviram que corigit o lugar da desordem. Turancimon expulsou sm dag Duas Terras", e maat tem firmes bases assen- dadas em seu Tugar ele fer da mentira uma abominasto, ¢ « ter ra esta como estava da primeira vez"! Se as pessoas se tornassem relapsas e ignorassem a8 cerimé- nias, se 0 Rei no cumprisse sua Divina Fangio como vicerei piaterra e os templos fossem levados & decadéncia, as pessoas oe Rel saberiam que o mundo cairia no tumulto, na fragmen- tao e no exterminio. ‘Por isso, 0 povo ¢ o Rei impuseram a si mesmos a adesio amaat e saa observancia, o Divino principio da harmonia, bus: Rndo assim preservar a santidade de sua cultura ¢ o caminho Ge libertacdo que estava em seu centro. Contudo, os cielos do tempo nio podem ser dominados ou, por fim, evitados, azo ” do mundo fisico, por Jor meio da tecnl z mA condenado a afar fneio da “visualizay dar cada ver mais na esas coisas tm como fem lugar do Divino — 04 Entretanto, levar essa assim, passamos da Divina 12 Enéade Primordial. * e da feitiaria, est ‘desordem e na fragmentags Fandamento a afirmagio do eu, tue consticui a propria antiese de mat. Giscussio adiance foge do escopo des- Capiculo 3 ‘A Enéade Primordial ‘Uma das principais idéias ersOneas que as pessoas de hoje tendem a ter da prisca theologia consiste em atribuirthe uma fila solidez, uma ordem rigidac ficticia, como se cada Deus foe uma ertidade exterior e especifica, Isso é naturalmente um ‘fiero da era moderna, na qual o proprio mundo, aos nossos thes, “se solidificou”, tendo perdido sua qualidade fluida pre Sederte, tornando-se para nés uma mera concatenagao de se Gbes quanttativas, de objets suits a “eis cietiicas”. Em senseaiiéneia disso, tanto a religdo como a magia tornarame-se SQrualmente inconcebiveis para o homem moderno: ele per Yeu a capacidade de pensar em termos simbélicas, de compreet™ dle de reancira analogica razio pela qual vé os Deuses tal como ts gregos ulteriores parcoem tlos visto — como personages sents tinmanas, quase histérieas. Todavia, essa percepslo ¢ ex setmramente errada, como Veremos, jf que no kgito, bem come ie toda cultura tradicional, os Deuses eram reconhecidos co- tno pertinentes a0 rcino principal; sua ordem era fluids, € nio faa variando a percepglo que cada pessoa tinha deles de acor- tio com o reino particular a que se dirigia, aquele reino de que a pessoa tinha experiéncia. “Se Deuses, portanto, no cram meros atores externos de uum drama da historia — como, digamos, se poderia supor com base nas obras de Homero —, mas sim as Esséncias principals de que o mundo temporal & um reflexo; fo, a um s6 tempo, $2 pico (doeado de uma segunds visio), mudangs marcads lb tome Serips, “o nome comum daqueles que mouiticaars Bek arcana” « "a unito de Osiris ¢ Apis numa sé palate” 5 ‘Rois ocouro, significa, na verdad, a naureza de Oss. de Mitr ae Tacligivel que “impregna” Nut, ou isis, « Vaca Divina > dee eralidade. Ele € 0 Sol, e ela, a Lua, ou reflexo, recepti: atta. caja easéncia esti em movimento, Assim, Osis, tal co” canes yo fs em termos essenciais, um “detentor do poder” — no ro radiante, 0 Conhecimento Divino —, razdo por que oer polos, no Egite antigo, eram o Olho ¢ o Cetro Real Ho somo o Faleto. O fato de segurar o cetro representa Sua aarrgeas falca como centro axial do mundo muliério, o eixo Jeigue 0 Oho & o centro ¢ por meio do qual o Falcdo pode arremessarse, répido como 0 raio. uci, pois, € Osiris? No Hino a Osiris ele & descr de iris manehras como a “substincia de que foram feitas as Duss Tess como “Tem, Divino Alimento dos duplos”; como © 51 tos egipco, 0 falecido ora: “Possa eu ter 0 poder de organizat ese répros eampos em Tettu, bem como meus préprios sos bm creseimento, em Anu [...} Que eu seja seguro ¢ fore”? ‘Em outras palavas, Osiris era a Bternidade Perene e “Ague- le que fexo homem nascer de novo", tanto num corpo Celes {ial na Terra Celestial, como, se 08 fitos do merto 6 evarem de novo para o mundo fenoménico, nam corpo benéfico sobre Sena Todavia, como um dia coniidenciou a Marco Pals um snonge ibetana, “os deuses de longa vida sio extpidos”-!° Em Juana naseer nos Campos Elisios é de fato uma espécie de iber- taglo, mas apenas numa condiggo de extremo bemestar ¢ de lifer nfo de forma permanente — éalgo Everno tiosomente fim comparagio com 2 temporaidade fagidia. Ali, com efeito, Shore fica “vestido de branco”, ‘vive nas proximidades do Lago, no Campo da Paz”, alimentando-se com 0 “pio da Eter thidade e a eerveja da Perenidade”, mas o Céu de Osiris é mar Tado por um condicionamento claramente temporal em com- farasfo com os rinos de Ré, o lugar ds pura luz, daqueles que Pie vestidos de Luz, que se alimentam de Luz.e “‘navegam no frarco do DeusSol por milldes e milhes de anos”.!" Foi o que "Tem, chefe da peut, ou Encade, dos Deuses, disse a Ani, 0 escri= ba, no Livro dos mortos egipcio. vse 0 aspecto sob 0 Gual as priticas egipcias com relacfo sex sc mots itera de ania Ho exc, cam Ehheas porque a preservaga0 do corpo dos mortos era feita nio aoa Pera ceocar a Lembranga deem, come também para Frolongarihes certs aspectos de individualidade a fim de per Piielhes purficagao nos reinos Celestiais regidos por Osiris, que, a par de evitar 0 renascimento na temporalidade, ira Giava sua in(Tutncia benélica sobre as terras. A destruigio do Corpo lberta ou oblitera certs aspectos da individualidade que, rages 3 preservardo corporal e 20 ritual concomitant, slo inr Se fridamence prolongados, a fim de que o morro posse aleanr {ir depots da more, ao menos “liberdade conlcional” ein R& ‘Ae formulas, 0s rituais, a8 visualizages, a8 vestes dos ritos faneririos nfo eram, dessa maneira, auziliares da preservasio fica, mas, antes, a esséncia dos ritos, de que esta no passava de sinal e slo, Esse mesmo prolongamento ds individu -InISap ap ‘eIUE]OIA ogSisodo ap ‘euoul. -09 OVJI], ap BoISO;OWsos ogSeotpiusts % SC -aJal §,e1Oug]OlA,, OULD UI9q « SOIsors Pogeeeeg | um vorpTUSIS ,,429G,, NO , OCBJLL,, “O27eIN| “aUeIpe Os: -eu essap sef-ga souressod ose ‘sort s¢ septa sessony ‘opessed ou outoo [v2 ornaT Tequia 2 eutd uid “1OLI21K9 0 ows IOI anb vanoodsisd euin ap aiputosard apoc -wiod e{nd ‘sogiue som sop opeorpiusis ‘onproapu oo] wa ‘erougnbasuos We “OF -os Ogi, op orunin ojad opeauasasdar fe edaueutted sou ap O11uap BY anb znqj ve -soui sou ¥ UIs seW ‘eproanbsa O2mnt FI Je & Wiarojox 9s OLY ORILL, ap SELTOITY S ‘opurzogns ‘Tenpraipur ouewny 39s op + ontquug ou ‘2ny ep OWaUNIDIINISqGO O PT) + wsWOY,, 2 .2N],, 9 opnuas ofnd (so v oquerpow ‘opseotjdumt esse renqUs0e 01 sod ertay ‘sopry, ered opty, wou OP e stvquai. 2 Seoisiy OxSnIOSSIP ep 2 ogdejueU -eyed sexyno wo ‘e10Uaqq *,,2P!9JB,, PIAY -uaur 9 pexod109 ogseise 9 WeprOsep 2 £ esouny ogsende,, ‘,eanonoy,, *, OLSM]> v ‘olorIp Opour ap ‘o8ax8 wre as-e[NoUTA “serSojourli, -Terus9u0) soulaaap ‘OT-gqes vIe ¢Is de uma espécie de zombaria ao Divino Calor do Sol. B, 0 que Se reveste de significagio, o elemento que simula essas qualida, des do Sol, mas de maneira destrutiva, € 0 Enxofre, com o quel Tifto também se acha associado.* ‘No entanto, o que mais revela sua natureza talvez seja 0 “animal tifénico”, uma criatura nfo-natural de cauda bifurca- da, semelhante a uma serpente (a flecha de Horo, que simboli- ‘a's dualidade), seu focinho de varrao e seus chifres — 0s chifres da geragio, simbolo de sua natureza sublunar, uma zombaria aos Divinos chifres de Apis e de fsis. Nao pode haver dividas de que, 20 menos na simbologia popular, esia criatura continua existir, mesmo em nossos dias, como Licifer ou Satanis, na Cradigio rie, o que atesta a natureza perene do simbolismo {gue personifica. Outros animais associados com Tildo eram Trocodilo, o javali ou o porco e, em especial, o asno vermelho* segue devem ser contrastados com os animais celeste: 0 falcio ‘de Ositis, os cies de Anibis e de Hermes, as ibis de Tot, 0 gato {de fsis, que slo, todos eles, criaturas que cagam. Os animais de ‘Tiff, pelo contrério, sfo os cagados — mas tm como caracte- Hsticas as qualidades da rebelifo e da violencia (0 crocodile), ddas paixdes (0 porco) e da intratabilidade e ignorincia (0 asno).* ‘A relasio entre Tifao e a serpente também é reveladora — por- {que, como vimos, o poder positivo da serpente € kundali,sim- Bolizado pela Sspide sagrada de Isis. E, todavia, no tocante a Tiffo, a serpente significa o logro: a imagem invertida da Ser- pente Divina da Criagio Celestial representando, em vex disso, b iri, a escuridio, a umidade maligna — distancia do Sol Divino. TE eis que também comegamos a ver, por meio desses tio fagidios vislunbres, a natureza de Tifio, tanto no individuo co- mo no cosmos. Essa natureza, Plurarco a explivitou, dizendo: “Tiffio é 0 aspecto passional, titanico’, irracional e impul- sivo da alma, 0 passo que, do lado corpéreo, é aquele que lida com a morte, pestilento e perturbador, que exibe momentos inconvenientes, uma atmosfera imoderada ¢ ocultamentos do Sol ¢ da Lua [... J"! Seth ou Tiffo significam nfo apenas constranger pela for- ga como também “virar de ponta-cabesa” e “passar por cima”. ‘Resim sendo, Tifio indica desordem na esfera sublunar — a pr6- pris antitese de maat, o Divino principio da harmonia ¢ da or- Sem. Talver seja mais significativa a expressio “‘passar por cima”, {que implica a tentativa egotista de controlar, dominar, rebelar- 8 se, procurar usurpar o lugar de Deus. Nio é sem razdo que Sa- tands é chamado “o imitador de Deus”. ‘© triunfo de Tiffo é em outras palavras, triunfo do ele- mento rebelde e desordeiro do cosmos ¢ do proprio homem: os dois tém vinculagdo direta, “alimentando” um 20 outro, de tanita que, quanto mais 0 individuo permite o livre dominio Be Tiffo, tanto mais a desordem reina na cultura e no préprio cosmos. A fungio ds antiga tradgfo egfcia era mantcr Tiffo Sob concrole, tanto no plano individual como no nivel do Esta- do, Assim € que Floro é representado em luta com a serpente Tilto, trazendo suas virilia na mio, implicagio de que 0 poder da desordem se acha, dessa maneira, temporariamente aprisio- tuado, controlado®, para que o Egjto possa viver de modo har- Thontora, livre da guerra e da fragmentago cultural, 20 menos por um periodo mais longo. Essa mesma idéia — 0 controle de Tifa se repete na lenda de que Hermes certa vez.cortou os tendées da perna de Tiffo e fez. deles uma lira de trés cordas"®, © que, mais uma vez, implica o controle do mal, bem como clansformasio do poder da serpente em uma coisa boa, a or- dem harmoniosa. Fiea claro, afinal, que o verdadeiro no pode existir sem 0 falso, nem o bem sem 0 mal — & uma mera ques- Ho de proporgio. Até que ponto Tiff rege? Horo ¢ Hermes podem dominar o mal, mas ndo destruto. A diferensa, nas vie Pits Epocss, reside sobretudo no seguinte: no passado primor- ial, Fifdo era aco, estava sob 0 jugo do bem; entretanto, com § pissagem do tempo, ele ganhou o poder de descruir. Pode- ‘mos ver portanto que Tiffo logicamente deve obter uma 2p fente ascendéncia completa antes de ser derrubado, percebido Como ilusio — coisa que os egipcios sabiam, ¢ buscaram, por inven da price de mat ‘vitar, prolongando a ordem ¢ ‘Singsio, fazendo o relato de uma profecia oracular do Egito antigo, disse: Quando aqueles que ora estio no poder se empenharem em promover uma inovagio na nossa religifo, entdo, passado tim eurto periodo, esperai que os Ticis sejam expulsos, sendo tles agitados, destruidos, pela sua propria furia vingativa’’.* Como surgiram os Titi? Segundo Sinésio, no passado discante, “prevalecia um certo fragmento depravado de religifo, 20 lado de uma adultera¢io do culo divino, tal como a adorarao 20 di- 69 heiro, por assim dizer, que tinham sido exterminados nas ci “des pela lel antige, a qual echow as portas contra aimpiedade oa expulsou, levando-a a grande distincia dos maros."!? ‘Bem, antes de prosseguirmos, esse ordculo merece um mo- mento de atengio, pois percebemos aqui um reflexo direto so- bre natureza da nossa epoca atual, o proprio tempo. da jmpiedade, da falta de lei eda confusfo, que os antigos profeti- zaram: com efcito, vislumbramos nisso alguma coisa referente 3s préprias origens da nossa atual época andmala, a Kali Yoga. ‘A Testruigio do Egito antigo, bem como dos mundos traliicr mais em geral, € nessa profeciarelacionada diretamente com wma povagio na nossa religito”, na qual uma “adulteragio do cul- to divino” prevaleceri, uma adulteracio que tem estreitos vin- Cols com 2 de nossos dias. Ademais, aqueles que se apoiaram ta fala reli, diz-e, foram expulsos das cidades santas, fados a “agar a terra de Nod”. Nao ser sso uma referéncia Sireta is “tribos ndmades” que, sem raizes ¢ divorciadas da tra dito primordial e das cidades sagradas, desdenharam as ima, gens Divina e introduziram o destrativo elemento mercantil Se"ordem tradicional, repetidas vezes, na historia? Nao suger- 1 joso as origens, ¢ 0 curso histérico, da nossa atual desordem e confusto? Mais do que isso, contudo, nfo podemos dizer, jé {que filo equivale a penetrar no préprio Smago da nossa épo- eae fat, na propria natureza do fim do mundo, investigario para a qual nfo dispomos agui nem de tempo nem de espago.™ ‘Delqualyucr mancire; é inetrusivo buscar nfo s6 a origem como também os resultados do triunfo proviséri de Tilo so- Bre Osiris, para os quais nossa atencio & conduzida pelo recur- so 38 antgas profecias, visto que estas de fato langam luz sobre fg noses época atual (de que tratamos com certa profundidade outro trabalho). Dando continuidade 20 nosso exame da profeciatransmitida por Sinésio, devemos observar que, passa Apo supramencionado eriunfo da falsareligito, o mal ea disso- luglo, 0 ordculo prossegue, dizendo que: Purificaremos [nesse momento] o ar que circunda a Terra [acsfera psiquical, que € conspurcado pelo hilito dos impios, tcom fogo e gua; a isso se segura também a punigto dos ow tos, devendorse esperar imediatamente depois um melhor es- {ado de coisas, sendo Tiffo removido [.. . pela devastagio do fogo e do trovao”." nm ‘A restauragio da Divina Harmonia, aqui profetizada, é rei terada numa passagem do Corpus hermeticum'”: em ambos os textos, passado um breve dominio, vaticina-se a derrota de Ti- fi, restsurandone outra vez a Ordem Divina — 0 que sem di "Resta, depois dessa longa e, se nos for dado esperar, revelic dora digressio, uma dinica earacteristica essencial de Tifdo a ser tratada — earacterlstica relacionada de modo direto com a Di- Vina Restauragdo: refiro-me & relagio entre Tifto e o metal, 0 ferro em particular. Segundo Plutarco, a magnetita, ou mag. nete, £0 Nossa de Flora” (ou de Osiris), mas 0 ferro € 0 metal de Tifto. E, a partir dessa distinglo, énos dado perceber no apenas a significasio da nossa propria “Idade de Ferro” — da {qual a seligo foi exilada e na qual as pessoas acreditam apenas faquilo “que podem pegar nas mlos”, como disse Platdo — mas também a relagio entre Tifio ¢ essa Restauragio final ou LApocatastasis, visto que o magnete s6 lida com o ferro de duas ‘rraneiras: por atracdo e repulsa, Horo ¢ Osiris, al como a magy netita, nos arai para o interior, na diregio do Divino, a0 passo {gue 0 ferro, se magnetizado de modo inverso, “‘reverte 0 cur- Some érepelide pelo Divino. E, no entanto, num dtimo, a re pulsa pode tornarse atragio. “Embora nos encontremos agora no proprio estigio final da Kali Yuga, no ponto mais distante possivel do Divino, estagio caja representasio € 0 frio, duro, rigido e mecinico ferro, 4s coisas devem sofrer, num instante, uma reversio: 0 ferro volta a ser atraido pelo ima, e tudo reverte a ordem e 3 harmonia ntgas, primordiais de maai. Diciwse no Egito antigo que Seth, ‘u Tilda, foi um dia nfo inimigo, ¢ sim companheiro de Ost fis, e que somente eras mais tarde os dois vieram a ser adversé ies, Tal como foi antes, assim ser& outra vez — como sempre & se tivermos olhos para ver. Capitulo 8 Hermantbis Sobre uma rocha perto de Prolemaida std gravada a seguinte inscrigfo, escrita por um adorador desconhecido, sem divida depois de uma revelasio incomunicével: “Zeus, Seripis ¢ HélioHermantbis sio Um so”. Mas essa revelagio hoje nos parece inacessivel: temos a as inscpio da team munca como mod apenas ore Ihes ¢ hieroglifos do Egito antigo, como, de fato, fora profe- tizado; 0s Mistérios sio desdenhados, a verdadeira religifo, e&- carnecida ou ignorada; e no entanto, apesar da época em que ‘vivemos e da distincia que nos separa da era em que ocorreu a revelagio que inspirou essa fervorosa inscrigdo, ainda nos é dado vislumbrar algo do sentido daguela mensagem criptica e, esta eceperr pred esd gov o Menno des De Ss, Antibis, pressgious porque compreender essa inscricfo equi vale a postar-se diante daquele numens tremendum que Hermes ianifestou e do qual era 0 emissirio: significa penetrar nos pré- prios Mistérios. "Antes, porém, devemos recordar a natureza fluida dos Deu- ses, lembrando que, embora o reino primordial nfo mude, suas tmanifestaydes se transformam de acordo com o observador 2 cultura especfica, razZo por que Hermes, Anibis e Tot, o Di- vino Eseriba, puderam se entrelagar com a passagem das eras ¢, todavia, reter ainda algo de uma identidade distinea, sendo cada um deles um aspecto do mesmo principia divinis Est im- plicica na inscrislo essa natureza fluida, incluindo-e ai os trés Feinos como Um. Zeus, que deriva da palavra sinscrita antiga “Diyeus", vincula-se com os termos “dhyana” (sénscrito: “ab- sorgio meditativa”), “deus” (latim: “Deus”) ¢ “devs” (sinseri- tor “Ser Celestial"), Zeus, portanto, implica o reino Empirco n do Sol, de onde emana Serépis, que representa o reino suil ‘ou psiquico. A palavra “Serfpis” era, segundo Plutarco, «unio de Apis, 0 Touro Divino, com Osiris, numa Gnica designa- ‘glo. “Apis”, disse Plutarco, “significa um belo e adequado re- fiexo da alma de Osiris.”" Hermantbis, por outro lado, suge- re 2 niiagio individual nos préprios Mistérios, razendo ele Em sios tes reins, das trevas et@nicas & Luz Olimpica. Como fesultado, vemos aqui, numa inscri¢io, a unidade trina dos tcés feinos, acentuada pela unido entre Hélio e Hermanibis — por- ‘gue ¢ este dltimo quem nos revels, € revelado dentro de nés sryoe anuncia © primeire: os primeiros bruxuleios da nossa ver dadeira natureza como Helio. ‘Eesssa razio — ji que Hermeé Tot-Anibis est “mais pro- ximo” do homem no reino temporal — por que Ele partilha de uma qualidade dual, sendo a um s5 tempo revelador e escri- ba daquilo que é revelado, Ctdnico e Olimpico, Ouro e Negro, ‘em cima e embaixo. O kyrekeion, 0 bastio do Mensugeiro, que Hermes taz em Sua mo, em torno do qual estavam entrelagar ee serpentes gbmea de bss, representa prcisamente es qu Tidade dvs, visto que Flermes, com sua natureza mercuriana, foi “aquele que visjava entre os reinos, capaz de levar Osiris dos ‘Deuses que pertencem 3 Terra iqueles que estdo no Céu, capaz ide viver no Horizonte e diante do qual mesmo os Deuses da Engade tremem"? Em termos mitologicos, diziz-se ser Hermanibis o Filho de Néltis (consorte de Seth ou Tiffo), que deitvu ilegitimamen te com Osiris. De fato, segundo Plucarco: “Quando Néftis concebe Anis, is © adora. Porque NEF tis & aquela que estd sob a Terra e no-manifesta, 20 passo que {us €aquela que esti acima da Terra © manifesta Bo ercilo {que mal as toca e que é chamado “Horizonte”, como algo co- hum 3s duas, cem sido chamado de Anibis e & comparado a tim efo por ter esta caracteristica: 0 clo tem o uso da visio de dia e de noite”? “Agora devemos chamar 2 atengio para o uso da frase no tem: po presante— ist &, “quando Néftis concebe Anibis, fis © ado- fa", porque a importincia disso reside no fato de o mito feferirse nio aalgum evento do passado distante, mas a este ine tante, Causa dificuldade 20 homem moderno lembrar-e de que 2 gas da percepg3o e da sabedoria humanas.) Aqui embaixo, 0 {intelecto que deve mostrar em primeiro lugar os bruxuleios do retciaho que leva ao Divino, de mesma mancira como nosas ages devem refleti a Ordem e a Harmonia Divinas: sem ela, ‘ual a possibilidade de ascensio? "Também é possivel vislumbrar a natureza de Hermes Tris- megisto nesta passagem de Cirilo de Alexandria: Para que possamos chegar a [realizar] coisas de igual natu- cera nad dt nar que nosso Hermes vii o wal do Fgito em partes e porgdes, medindo os acres com a corrente [ee fez uma relacio das ascensGes das estrelas e dos tempos ‘réprios para colher plantas; e,além de tudo isso, ele descobriu ¢ legou 3 poserdade nimers e lesley sgeometria, astrono- mia, astrologia, musica, e toda a gramétics?”® Como podemos ver, portanto, nio ¢ insignificante o fato de os escrtos da tradigio epipcia que mantiveram maior influén- ‘ia junto 20s ocidentais serem os do Corpus bermeticum — re- Yelagdes atribuiveis a Hermes Trismegisto; porque a ascensto do intelecto, as primeiras luzes do Conhecimento Divino, os “ltimos fragmentos e vesigios das cultura tradicionais elas mes- smas remanescentes da era primordial), sio tudo 0 que restou 20 homem moderno de suas préprias tradigées. ‘Como resultado, embora nfo possamos recuperar a expe- rims daguele hierofante desconhecido que graven aquelas pa- lavras lervorosas sobre a rocha em tempos remotos, podemos ce devemos redescobriro sentido que tem para nés. Porque Hler- snes, revelador eescriba, iniciadore iniciado, revelador¢ reve- lado, poder mercuriano dos Deuses, & ¢ deve ser nosio primeiro vislumbre do Divino: para além, para planos mais altos do que © conhecimento Tnteleetual, podemos e devemos ir, é verdade 2 Shas isso 56 se pode fazer por meio da praxis através do se- imento de uma das tradiges remanescentes ainda intatas, se Fela ismica, budista ou, talve, outra. Seguir tal caminko de favo nio requer virtuosidade intelectual — longe disso. Com efei to. fé, a humildade e a compaixio sio bens superiores i mera aglidade mental. Ndo obstante, oarauto, 0 mensageiro do rei 3 primordial dos Deuses, ée sempre deve sero Intelecto, Her- mes, alado, com 0 caduceu na mo “€ significative que o simbolo de Mercirio — & —» 10 la- do dos simbolos do Sol. - @ ~, eda Lua — & *, scjam os ‘nico simbolos planetirios que podemos fazer remontar& An- 7% tiguidade e que trazem consigo significados to profundos. No Minbolo de Merctirio vemos os crés mundos refleridos: a Lua treseente (0 mundo sutil) atris do Sol (0 reino Celestial), sob ‘0 qual estd 2 cruz da Terra, com a linha horizontal marcando ‘Slhorizonte do tempo em cima ¢ embaixo que Hermes, mensa- geiro dos Deuses, pode percorrerliveemente. De fato, como vi nos, Hermanébis é antes de tudo, do horizonte, sendo 0 simbolo do primeiro vislumbre do Divino, 0 Invelecto ilumi- nado, de maneira reflexiva, pela luz do Sol ¢ da Lua. ‘Mtas'o simbolo de Meresrio também pode remontar 30 ca jado que Hermes traz na mio direita: 0 kyreeion, 0 sagrado bastio em torno do qual estio entrelagadas 28 wraei, as Serpen- tes Divinas que formam sum O no centro, com 3s cabegas for- mando um U em cima, e as caudas fornecendo um par de asss, fou os bragos de uma cruz, embaixo. As Divinas Asis sio, com tleito, as ass da alma, associada com a consorte de Hermes, “Maat (exo simbolo & uma pena, sem a qual nio se pode subir, sendo 0 constituinte indispensivel da subida a ordem ética ¢ 2 hharmonia), O Sol no centro é, nacuralmente, vinculado a Ost rise R&A Lua sio atribuidos Osiris e Isis. As Serpentes lo, por sua ver, asociadss, como vimos, a Isis e energia pri- mordial, ao passo que 0 prdprio Bastio nao é sento 0 Divino lo ow Bixo dos Mundos. Em conseqiiéncia, nesse simples hie~ réglifo, podemos ver condensada a propria esséncia da metal Sica tradicional, um simbolo primorosamente simples e de profundidade iafiniea "Anibis, 0 Cio dos Deuses, & uma figura significativa tam- bbém porque guarda os timulos dos homens, sendo responsivel pela limpeza e preparagio do corpo dos mortos, pelo seu em- Balsamamento e preservasio — querenido-se com isso dizer, por analogia, que por meio de Hermandbis a humanidade tem o seu primeiro vislumbre da natureza do Divino, sendo-lhe por jsso garantida uma espécie de longevidade (no sentido taoista ‘de “Imortalidade”), bem como uma percepsao reflexiva da Ver- ddadcira Natureza de cada pessoa. Quando se fala de “prepara: Glo do corpo”, fala-se analogicamente de “retirar as vestes ferrenas” e de “vestir os trajes do Céu”. Hermaniibis ndo pode fferecer 26 homem um lugar no barco de R& por milhées de fos, nem pode anunciar a entrada nos reinos de Osiris — no, ‘como Arauto dos Deuses ele s6 pode oferecer uma répida visio relletida da verdadeira natureza das coisas, condensada em seu Signo, 0 zigno do Divine Ineleero Mercuriano. ” Entretanto, numa época em que mesmo a compreensio in- telectual é cada vex. mais desconhecida, obscurecida, Hermes per- Tmancce como algo que nos faz lembrr quem realmente somos, que nos fa recordar evenly sea dae das cién- Gis, o verdadciro sentido e propésito do homem, sem os quais Sain veraiapardaoe Capitulo 9 Ra: o Rei-Sol [Na qualidade de centro do cosmos e fonte de luz ¢ calor, co Sol é 2 manifestagdo natural-da Prépria Fonte Divina do Ser; 4, por isso, reconhecido como tal em toda cultura, nfo apenas, pelo seu poder fisico, como também porque a manifestagio ft sica ndo é sendio uma glosa do Verdadeiro Sol, o Sol do Ser. Co- imo esté escrito no Chandogya upanixade, Yem verdade, 0 Sol #o mel dos Deuses. Os ensinamentos ocultos sio os produto- tes do mel. Brahman & a flor”.1 Em acréscimo, “os Deus, emt realidade, no comem nem bebem. Satisfazem-se com 2 mera visto desse néctar. Eles se alimentam dessa forma (rspam) e pro- vém dessa forma”? Em outras palavras, segundo o Vedanta, os Deuses subsistem gragas ao néctar do Sol, 6 Divino Sol que “do se eleva nem se poe", Para quem conhece a Verdade, “sempre Edia" Em sums, o Divino Sol, caracterizado pelos egiprios an- tigos como Ri, era o Centrum, nfo apenas do cosmos maniles to, mas de todos 08 reinos da existéncia, de que tudo emanou em que tudo se dissolveré outra vez. ‘a implicagdo disso para o homem? Segundo Samcars- carya, “0s movimentos do Sol existem para ajudar as criaturas ‘lexperimentar os resuleados de suas préprias agbes e, quando ‘essas experiénciasterminam, 0 Sol absorve as criaturas em Si”? FE, mais uma vez, no Chandogys upanixade, descobrimos que 0 Sol € considerado 0 Olho do Eu, da mesma maneira como se diz ser Horo o olho de R&. No Maitri upanixade exté escrito que “o tempo encarnado é 0 grande oceano de criaturas. Nele habi- ta aguele que é chamado Savitr (0 Sol como criadot), a partir de quem, na verdade, slo gerados a Lua, as estrelas, os planetas, f.ano e todo 0 resto, e deles vem todo este mundo aqui, e tudo Ueboin vu de ui quc é visto neste mundo vem deles. Porcan- 9 to, Brahman é o Eu do Sol. Portanto, devemos reverenciar © Sol sab o nome de tempo”.* “Ademais, “aquele que est no fogo, e aquele que esté aqui no coragio e aquele que esti além, no Sol — Ele é Um $6. Aquele gue sabe disso vai para a Unidade do Uno”.> {A partir desss citapées podemos comegar a ver algo do sen- tido da compreensio metalsica tradicional do Sol. A principal ‘dferenca entre as perspectivas egipcia e vedintica no tocante So Sol £ que 2 primeira trancmitia os meios para a realizaclo dos Mistérios, ¢, portanto, da verdadeira natureza do Divino ‘Sol, apenas de iniciado para iniciados a ioga ou caminho pro- priamente dito permaneceu oral no Egito. Inversamente, 0 ¢a- Ininho tornou-se, no Vedanta, parte explicita das doutrinas ¢, ite certo ponto, 20 menos acessivel por escrito, se bem que, co- mo quer a admoestagio do Chandogya apanixade, esse ensina- nento 36 devesse ser transmitido 20 filho mais velho ou a um iscipulo de muito valor, e 2 ninguém mais. “Mesmo que al- rém Ihe oferega toda a terra circundada pela Agua e preend fa com um tesouro, ele deve dizer: ‘Isto, em verdade, & maior ddo que isso — sim, maior do que isso" Estd claro, com fei to, que apenas o conteido externo das iogas pode ser transmit: do por escrito em qualquer traigfo: portanco, 2 principal ‘ilerensa entre essas duas perspectivas reside simplesmente no fato de que os egipcios na verdade deixaram poucas indicagdes seerea da natureza dos Mstzios edo caminho pars eles, 20 po GQue, nos Upentxades, &nos dada uma clara indieasto av urewvs fo tocante & sua importancia e significado. ‘Entretanto, apesar dessa diferenga um tanto insignificante em termes de abordagem — condicionada, sobrevudo, pela ne- cessidade cultural e hist compreensio metafisica das ‘aris tradigdes é, na esséncia, uma 56, e nfo poderia na realida- Ue ser de outra forma, tendo em vista que ndo pode haver duas verdades, ou duas Realidades, mas apenas Uma, de que as di Tentes culturas enfocam aspectos distintos. E, em conseqién- Ga, a importincia dos cultas vedintico ¢ egipcio do Sol € a ‘mesma. Ressaltamos antes a afirmagio egipcia do ensinamento tra- icional sobre o Rei Divino e a afirmagio paralela do Vedanta: tna cultura tradicional, o Rei é a encarnagio do Sol Divino, da mesma maneira como 0 proprio homem também é, dentro de sua esfera especifica, Rei e emana¢io do Sol Divino, uma rela- Glo que, como fo} observado, fica delineads de maneira mais 0 clara nas passagens de ambas as tradigdes a cespeito do pai de ‘um Filho Divino. Como diz uma certa passagem: "R4, tu és Heru-khuti, 0 divino homemfilho, herdeiro da eternidade, autogerado ¢ au- topacdoy i de ser, Pog do Tus") ‘No Brhad-eranyake upanizade, sio dadas instrugbes para a concepsio de um filho valoroso, sabio ¢ verdadeiro; o mee fo paso é uma oferends 20 “Sol radiante, o Criador da Verda- de salve Assim, no proprio ato sexta, o pai diz: “Sou Chae va és a Terra, Vem, lutemos juntos”? Ademais, de mo- do explicivo: “Quando 0 pai humano o emite comn semente dentro do Guero, é de fato 0 Sol que 0 emite como semente dem- tro do dtero[, .-] Assim ele nasce, depois dessa semente, desse sopro”.® ‘De igual forma, todo Rei do Egito era considerado filho de ‘uma virgem, no sentido de que — como esté escrito nos tem- plos de Luxor e de Der al-Bahari — 0 Sol, por meio da asfo To Rei, impregnava a Rainha em seu quarto, sendo, em conse- ‘qhéneia, o verdadeiro pai do proximo Rei. Séo miltiplas as ex mnificages disso, deve-se reconhecer, ¢ nfo apenas com relagio Yorigem e ao sentido reais da idéiacrsta da Virgem Mie, co- tno temmbém no tocance & conduta e& perspectiva do “homem Comum’" no Egito antigo, o qual também era, em sua esfera Rei, uma compreensio que, nio é preciso dizer, nutria a0 me- nos 2 humildade e a pureza ética. Imaginess, afinal, a gravida: {de as ramificagées da percepgio de se ser 0 vicerei do Sol Divino sobre » Tere — ocorrendo o mesmo, com todos os homens indo imporia isso uma responsabilidade e um propésito enor: mes 3 vida de cada um? Como disse um dia algun que perce teu plenamente a imporcincia dessa responsabilidade: “No eu, ‘mas o meu Pai em mim”. Foi Aristéceles quem escreveu, seguindo essa amiga tradi- do, que “o homem e o Sol geram o homem’"!, mas esse mes- Fro sentido se faz presente no versiculo do Novo Testamento, ‘gue diz: “Nao considereis :nenhum homem vosso Pai na Ter fa, porque vosso Pai é aquele que esté no Céu”.* TTado isso representa precisamente a mesma compreensio etafisica existente no culto egipcio de Ré e em particular na bservagio egipeia de que ‘flui em todo Rei o sangue de R&”. Isso se aplica, como vimos, a todo homem, bem como a todo ser eriado, porque Ré é 0 Sol Divino de — e dentro de — todos fs seres; mas se aplica em especial 20 caso do Rei Divino, que dem virtude do seu oficio, o verdadeiro eixo, o Pélo das ter- 81 que une © que est em cima e 0 que est embaixo na sua pria pessoa Prva ndtureza © a gravidade dessa responsabilidade, podemos sya na abordagem feita pelos egipcios antigos 3 condisio real. Segundo Diodoro, o Rei tinha regulamentados todos os aspec tos de sua conduta, a fim de evitar toda exibigdo de paixto ou de erro, sendo, como resultado disso, absolutamente puro en- @:manifesagio do Sol Divino; em conseqéncia,o Rei me feeia do seu povo um amor que superava 0 dedicado pelas oe me me nae tava estipulada pelas leis para ele, e nfo pelo seu préprio julge- mento acerca do melhor.” "sso de fato ido passa de manifestagio particular da mesma pesspectiva que motivou 0 espirito do Brbad-aranyaka upania de, no qual se diz: “Com que luz conta um homem aqui?" “Conta com a Luz do Sol, majestade, porque, com o Sol, tal como, na verdade, com a Luz, sentamornos, movemo-nos, realizamos nossas taefas © tornamos.” “Assim & Yajnavalkya’ ".* [Em outras palavras, como observou Samkaracarya no que se refere 20 Chanidogya upanixade, todos os seres devem sua ori- ‘gem ao Sol, vivem na luz do Sol, seguindo os resultados de suas rian agdes e quando estat se egntam, todos retornam & sua ‘Origem, o Sol. Quando se esti no reino da experiéneia, 0 grau de sabedoria que marca nossas agdes é proporcional & percep- so que se tem da propria nacureza verdadeira como 2 natureza {9 Sol Divino, algo cujarealizagio constitu o atingimento da Iibereagio condicional, em termos vedinticos, ou de “um lugar no bareo de Ré por milhées de anos”, da perspectiva egipeia. Podemos encontrar um esclarecimento relacionado 20s en- sinamentos do Egito antigo por meio do Vedanta no antigo sim- bolo do Sol — 0 falcfo. Na alvorada do tempo, RA érepresentado ‘como faleZo, ou como homem com cabesa de falcZo, sobre 0 barco Matet do Sol levante (0 barco em que Maat estabeleceu 2 Divina Harmonia, vencendo Apep ¢ permitindo que o Sol fe clevasse), Mas no final dos tempos, no Ocidente, quando des- perta, Ré é representado sobre o barco de Sektet como uma fir fora de cabega humana. De fato, a figura do deusfalcio Horo 2 mals antiga de todo o Egito”, a qual, estritamente falando, precede af o Proprio Ri. Que signi pots 180, 0 simbolo 82 mais venerivel do Sol Divino? Para obter uma respasta, pode- ‘mos voltar a nossa atengo para o Taittiriya upanixade, em que (8 varios envoltérios sio concebidos em forma de pissaros. ‘Segundo Suresvara, em seus comentérios, “o fogo sacrifical (Agni) arrumado em forma de faledo ou de garga[.. .J,tem uma ‘cabega, duas asas, um tronco uma cauda, Assim, aqui também cada savoidria representa como comport por cinco par tes”. No Vedanta, 0 corpo humano nao passa do mais gros- Srccavahdrioesterior, done do qual, como fone entans ira do ser std © prams ou eopro da via, manat an cons: ‘ciéncia perceptiva instintiva, o tijnana ou inteligencia © anan- dda ou corpo da béngio, Avina ou comida é o mundo temporal, ‘adiante, ransmutado, a0 pasto que a vida, a conscifncia © 4 inteligencia constituem o eu sutil, sendo ananda ou béngio 0 corpo causal. Cada ‘uma dessas camadas é, portanto, um reflexo mals grosseiro de sua contraparte mais sutil, que “para” den- tro. aia ‘maneira mais ou menos semelhante a0 modo como {sis “pairou” sobre Osiris a0 revivé-Lo. Cada um dos reinos emana o — ou deriva do — (sinscrito: “Sambhutah”) constivuinte anterior, mais elevado, do eu, de onde veio a figura do falco. Este é, com efeito, o animal de visio mais agugada, que voa mais alto, 29 mesmo tempo que € também o mais répido, com maior ‘apacidade de langarse sobre a presa — sendo essas qualidades, caracteristicas do Intelecto, em oposi¢io 4 mera racionalidade temporal, 3 feigio da oposigio existente entre a Pereepsio Di- -vina e o Intelecto. Ao longo desta discussio, vemos reiterados 0s tds reinos: a cemporalidade, que elleteo reino sui, refle- ‘xo, por sua vez, do mundo Celestial. Mas tudo promana do Uno no Uno, como podemos ver nos Upanixades “Vendo isso, disse 0 vidente: ‘Ele fez corpos de dois pés ¢ corpas de quatro, Tendo-se tornado, no inicio, um pissaroy ‘ou corpo Sutil], ele penetrou nos corpos. Iso, em verdade, é a pessoa que habita em todos os corpos. Nao hi. ..] nada que no seja permeado por Eke”. ‘Agqui, pois, podemos comesar a ver a relagfo real entre © homem ¢ Ri, nfo s6 num sentido macrocésmico, mas em ter- ‘mos microcésmicos, interiormente. Porque aqui podemos ver 25 origens emanatorias da Criagio e de seu reverso — 2 subida do homem “ao eixo do préprio ser”, uma subida representada pela ascensio do faleZo ‘até o olho do Sol”, Em toda ordem, Dinferior é vivificady pcla unido com 0 superior; ¢ essim podo- 3 ‘mos pereeber os nveis hierdrquicos de matéra, vida, ineligen- cia animal, mente humana e Bengio Divina, ou, em termos das, Cinco camadss do ser (panceshosas em sinscrito}, que sfo a ma- terial, a vital, a mental, a intelectual e a espiritual. A primeica @ aesfera temporal, as rés seguintes, 0 reino psiquico, ea silt. ima, aesfera Solar ou Celestial. Quando ‘'sobe outra vez” até a ee (da qual, estritamente falando, jamais desoe- ros), 0 homem se une outra vez.com o Supremo, o Sol Divino reavado como anda ou Hens. Qoande separado de Su or gem superior, 0 intelecto fica “enegrecido” ow infernal, divi for, buscando usurpar a posigdo do préprio Sol. Quando vive no Divino Sopro do Sol, por outro lado, o intelesto unica « E-unificado e transcendido em ananda ou Béngio. Em sama ‘em ananda a Terra toca 0 céu e€ santificada”."” E essa, af nal, 4 Divi fungi do Rei: satificago, no somente do in- dividuo (microcosmo) e da terra (mesocosmo), como também do eonmas (nazrocxme), Como vines o Re ng Eg et nna verdade, um santo — em virvude de sua adesio & posiga Viceei do Divino, Pélo ou Exo da eras ae Eenlice 2 Terra abaixo da mesma maneira como 2 Béngio Divina santi- fica o intelecto. a : Podemos entio pereeber a “translucidez"” do Egito anti a medsh em que © Rei Divino exis dentro del, porque, ‘Virtude de sua existéncia, a ordem e a harmonia eram man tides, cm virtade de sua exintGncia no individ, asim como na terrae no cosmos, a sabedoria ea justigatinham continuidades em resumo, gragas 3 sua existincia como vice-rei e 20 cumpri- sno de pea com alo propose do homem seb: 4 Terra era lcangado. Isso se aplca 20 individu, a todo indivi. duo — e nio apenas a0 Rei, que simplesmente simbolizava e ‘manifestava aquilo que todo homem na verdade . Num tal es tao em odor os senior de pal) Tora de fato trans- porque, quando o Homem € um Sol, a prépris Terra E insepartvel do‘Clu, Petite “Quanto mais préximo” se chega da primordilidade — quart mais longe na his reo tango maitre Nicida é2 Terra, observacio por meio da qual podemos apreen der a significagio do ensinamemto quase universal de que 08 préprios Deuses um dia caminharam sobre a Terra, endo o mais velho Dele vivdo “mile duzentot anor" Devemos er em ‘ente, todavia, que por mais “longe” que remontemos na his- ‘bri, jamais aleangamos 2 “outra margem” da manifestagdo. Ito EOE Ours nde € sen aqua em que o homer bs 4 sihava & Divina Luz do Sol, mis ainda é parte do mundo ‘Por que é assim, por que nZo deveriam os Mistérios ser re- velados i Massa? No fragmento hermético intitulado “Da de vogio e da verdadeira filosofia”, 0 autor observa: “A palavras como essas, poucos Ihes podem dar ouvidos; nfo, é provivel que elas sequer contem com os poucos. Tém clas, ademais, alguma estranha forga peculiar dentro de si; por- que provocam 0 mal, tornando-o ainda pior”® Devemos, portanto, prossegue o tratado, proteger a massa de si mesma, porque ela deve ignorar o que foi dito até que ex teja preparada — do contririo, seus componentes vio se auto- conceber como “superiores ao Destino”, tornando-se cada vez mais arrogantes, av passo que, se gnorarcm, clee 20 menos evi- taro o pecado, por temor do desconhecido. Em suma, aqueles {que assimilam os ensinamentos apenas em termos intelectuais, sem o poder transformador da tradigio iniciatéria como 0 seu guia, podem muito bem — como Nietzsche — cair num pinta no de amoralidade e egofsmo, numa condigdo ainda pior que 2 dos totalmente ignorantes. Isso ni teria sido problema na uunidade impenetrivel de uma culeura tradicional como a do Egi- to; mas, 4 medida que os Mistérios iam tendo sua intensidade reduzida e a era moderna ia surgindo, aumentou exponencial- mente a possibilidade de erros dessa espéce. Todavia, hi outro aspecto da revelacao da sabedoria antiga por escrito a que os herméticos se opunham — como podemos vver no diflogo “As definigées de Asclépio ao rei Ammon” em {que ele adverte o rei para nfo permitir que os sagrados sermBes 98 de Hermes sejam traduzidos do egipeio sagrado para a lingua grega, inferior, dizendo: ““Byital que esse nosso sermio seja traduzido, a fim de que «esses poderosos Mistérios nfo cheguem 20s gregos, nem & des- denhosa lingua da Grécia, com toda a sua soltura e sua beleza ‘superficial, que tiram coda a forc2 do solene e do potente — a ingua energética dos Nomes"” joma grego no passa de ‘“rufdo de palavras”, cheio de novidades e de argumentacio, 20 passo que 0 egipcio é uma lin fqua de Poder, ¢ nio de palavras, consistindo em “sons plenos de feitos”. “Porque sua prépria qualidade sonora[e] 0 [pr6prio] Poder dos Nomes Egipcios trazein eu ai v Poder de transfor mar em ato aquilo que é dito.” De igual modo, dizem os Ord culos caldeus: “Jamais modifiques nomes birbaros, Pois em toda nagio hé nomes que vem de Deus, Tendo inenarrdvel eficicia nos Mistérios”.? Hid aqui uma objesio cuja profundidade supera até a relati- vail revelugto dos Menérios 2 popuis eulic referesc cla des aturagio dos Mistérios, ao ““abastardamento”, & diluigio do Celestial. Supomos, hoje, em nossa arrogincia moderna, que a Grécia foi o ponto alto da cultura antiga, mas no & essa a ver- dade, Em vez disso, os gregos — como evidenciou Homero — foragn, com suas idéias rudimentares e incompletas acerca de sombras e dos Deuses, um povo deveras atrasado, cuja cultura foi revivifieada pelo influxo dae Mistérins egipcios ¢ caldeus. Enteetanto, muito embora revigorasse acultura, esse influxo sig nificou uma descida, uma tradugio para um nivel inferior, que, ‘como observou acima o autor citado, representou um declinio, tuma decadéncia dos Mistérios, manifesta também no sectaris- imo e na fragmentasSo da filosofia grega em varias escolas, em vex de ter havido a permanéncia de todos como devowos dos Mistérios. Tudo isto, de qualquer maneira, foi contemporaneo, bem como resultado, de uma perda fundamental: a perda da lin- guagem hicroffnica, primordial, do Egito antigo. Quer dizer, 0 declinio dos Mistérios foi assinalado, ao menos em parte, pe- la perda da linguagem primordial do Egito, manifestagao da uni- dade, da totalidade que era a cultura egipcia, ¢ que nao pode ser transmitida in toro aos gregos ou a0 Ocidente. 99 Assim, 0s hierdglifos do Egito antigo devem ter sido dote dos de algumas caractefsticas sagradas de que as aguas poste. riores careciam — quanto a isso, os gregos, nas pessous de Platdo, de Jmblico, de Porfirio ¢ dos redatores do Corpus hermeticum (que, se ndo eram gregos, tinham por certo um piblico grego) concordam. Mas por qué? Que diferenga fundamental hf entre 0s hierSglifos e, mais tarde, as linguas escritas? A resposta estd ‘3 objesto platénica invengio da escrta ela provoca uma per- da de meméria — niéo da meméria comum, mas da Celestial, da meméria do reino Celestial e da Realidade Divina. A mera linguagem escrta € “horizontal”, nfo composta por imagens que reflitam diretamente sua EssénciaInteligivel ou archetypos, sendo antes linear e temporal. Os hierSglifos, por outro lado, exibem uma qualidade “vertical”, gragas a0 fato de serem ind? vistveis, ¢ um reflexo direto da Ksséncia daquilo que represen. tam, Embora nfo tenhamos tempo para tratar do assunto em rofundidade, vale notar que, em todas as tradicdes sagradas, atribui-se aos sons uma significasio celestial intrinseea, uma res sondncia mantrica, uma correspondéncia divina, raz30 por que, em sua forma mais primordial, a lingua é transcendence de ma, neira integral, religiosa por natureza: puramente sagrada, sem do, a um $6 tempo, reflexo ¢ invocagio da Realidade Divina De qualquer modo, temos nos hierdglifos outra manifesta. gio da “translucidez” do Egito antigo, a que jé nos referimos: falar e escrever nessa lingua era invocar os proprios Deuses, Nao era 3 toa que as vogais, por exemplo, de acordo com 2 antiga \radigdo hetmétics,estavam relacionadas com os varios plane. ‘tas; a8 cangdes que Pitégoras cantou para abrandar o carster ex. plosivo de um camponés sem divida se apoiavam nesses Influncias sucis, Como escreveu Schwaller de Lubicz: “A escrita hieroglifica €a wlkima forma de escritasimbéli- ca esotériea, tanto na configuras3o dos seus signos como em seu colorido e colocagio. [...] © simbdlico esotérico é diferente em ordindria} tem natureza magica. [. .. ]Ele [com partilha da] ‘magia dos anslogos’ A evidéncia mais clara da natureza ¢ da origem reais dos hieréglifos estd na Histdria fenicia, de Filo de Biblos, em que © autor observa ter sido sustentado pela mais antiga tradigio caldéia que as varias letras foram formadas da ‘“natureza da ser. ente divina’’, que produz formas ao girat e virar-se e & reve. renciada pelos egipcios e fenicios, bem como por aqueles que 100 os precederam, por tiara prépria pele e renasce, como 0 ciado, Ao aleangar seu limite, a serpente se volta sobre si mes. ma, Segundo a tradisio egipcia antiga ali econtada, os antigos reconheciam ser 0 cosmos uma esfera, nevoenta e abrasadora, em cujo centro hi uma serpente com cabega de faleR0 que, de acordo com Zoroastro, representa o Primeiro Deus, “impere. civel, inctiado, indiviso, ineomparivel [..., perleito ¢ si bio" Em aimee, dis Filo os dse/pulos de Tauutos (Ten erigicam templos, em cujas santuirios mais remotos punhamn as primeiras leras” criadas pelas serpentes, para as quis cele bravam “festivais, sacrificios ¢ ritos”. Consideravam-se as ser- pentes os Deuses Mais Elevads, bem como fundadores (ou 0 fundamento) do universo,'? ‘A tim de eslarecer ese sssunt, devemos voltarnos para fosensinamentos vedinticos a que temos feito referencia ao longo da nossa dscussto da radgtoeplpcia amiga, vino que adler contramos a elucidagio do relacionamento entre a serpente ¢ 4 primeiras letras. © poder da srpente & como vim, da ‘eundali, 2 emanagio em manifescasio de Shakti, que, como fas, ““ocultou-Se de Si Mesma” para que o mundo pudesse exist, ‘que se encontra num estado de potencialidade, enrodilhada, na base da Criagio. Temos aqui, poi rai eles ae , um reflexo direto daquilo que foi transmitido por inteiro pa Vedanta: a ea forga primordial no alee mundo temporal, serpente que, quando revigorada, vivificeda, ““sobe”, provocando a percepsio da Realidade Divine (Xiva) ou gross. Em outras palavras, em ambas as radigBes antigasaludi- das, falar ¢ escrever é invocar o poder da serpente primordial jue esta na base da Criacio, Eis jue parte da transmutacio qos ocamishotdnnao sovovefesetee se tos poderes psiquicos — que sio controlados ou coneretizados ‘or meio de mantram —, da mesma maneita como o Mestre a Palavra na tradigao egipeia implica que “aquele que conhece 0 Nome tem o Poder”. ambos os casos, 0 “dominio” en- volvido & 0 do poder da serpente, que na verdade nio é domi. nado — porque isso implicaria um falso dualismo —, mas sim despertado, liberado para manifestar-se. Também podemos ver aqui algo de significasio do termo grogo “logos” ou *Verbo Di ue, segundo o Novo Testamento, desceu quando da Criasdo, informando-s, e que, quando “despertado” outra vez, sobe até a — ou, talvez seja melhor, manifesta — sua Divina Origen 101 Mas agora resta apenas um aspecto da linguagem sagrada aser discutido em relacdo ao Egito antigo: a inter-relaglo entre ‘os Nomes Divinos e simbolos dos hieréglifos e a Realidade Sa- grada. Porque, como vimos, se foram manifestagdes do poder da serpente, as letras primordiais foram emanagdes do Divino, indivistveis dele, razdo pela qual invocé-las equivalia a invocar +t Realidade Divina de que so manifestagbes. Os hierdglifos egip- ios refletiam as imagens simbélicas da Realidade; as leteas ad- vindas da serpente, os poderes contidos nessas imagens. Em conseqiiéncia, como o disse Jamblic “Todo dialeto das nagdes sagradas, tais como as dos egip- ios ¢ assirios, é adaptado a preocupagdes sacras; diante disso, convém julgar necessério que nosso contato com os Deuses ocor- ra numa lingua associada com eles. Porque, de igual maneira, fessa modalidade de fala é a primeira e mais antiga. E, especial- mente porque aqueles que primeiro aprenderam os nomes dos Deuses, tendo-os combinado com o seu proprio idioma, os trans- mitiram a nds para que sempre conservéssemos imutivel a sa- grada lei da tradisio, numa Jinguagem peculiar deles e a eles adaptada”, Para resumir, do mesmo modo como os Deuses sio imuté- veis, assim também o é sua linguagem, que se acha “‘acima da propria natureza das coisas”; por isso, ‘a linguagem das nagées Sagradas &, com muita razio, preferida a de outros homens”. E, dentre essas nagdes sagradas, a egipcia foi a principal. Ade- mais, continua Jimblico, “faz-se necessirio que as preces sagra- das sejam mantidas invaridveis”, pois, “‘no momento, pratica- mente ocorreu a perda de eficécia tanto dos nomes como das preces”, porque estes so “mudados de maneira continua gra- bas a inovagao e & ilegalidade dos gregos”, o que explica seu ea- iter instavel, volitil e frégil.!4 Sendo, dentre todas as linguagens, a de maior pureza sim- bélica, os hierdglifos eg{pcios eram os menos suscetiveis de per- der sua qualidade sagrada — motivo que os levou a uma simples perda, a serem ignorados —, a0 passo que as linguas formadas 2 partir das convolucdes de serpentes em letras, tal como as pro- prias serpentes, se tornaram frias,rigidas € mortas quando nfo expostas ao Sol Divino. ‘Como resultado, podemos perceber 0 modo como a passa- gem da lingua antiga para uma moderna implica uma perda de- 102 vveras real, uma interrupgio de uma antiga ¢ venerdvel tradigao. ‘Tem-se afirmado que a eficacia de uma dada invocagdo no de- pende tanto das coisas ditas como da intengo com que sto di- {as — ¢, no entanto, somente a antiguidade, com suas incontiveis repetigdes anteriores, e a conseqtiente investidura de poder, as- segura a palavras ¢ frases e até 2 letras uma forga de tradigio de que nfo dispSe aquele que fala uma ingua relativamente mo- derna como 0 grego —, sem mencionar quem fala inglés, esse bebé cheio de variagdes. O poder de uma lingua antiga como a do Egito reside no fato de que falé-la, escrevé-la, constivuia por sis uma forma de comunhio com o Divino. E, num tal mundo, antigo e primordial, nfo havia um “sagrado” em opo- sigko a0 “profano” — tudo era teofania, 0 embaixo refletindo ‘oem cima. Esse estado de coisas por certo nfo acorre hoje — longe dis- so —, pois a era moderna nio’consiste senio numa divergéncia entre sagrado e profano, entre o embaixo ¢ 0 em cima — e, 20 que parece, o inferior, 0 quantitativo, quase sempre criunfa, Nu- mma situacZo desse género, as antigas adverténcias contra a rele- vagio dos Mistérios j4 nfo se mantém tao em vigor, nfo apenas porque ainda hé uma espécie de seleco natural (com poucas pes- s0as dando-se ao trabalho de escutar, por estarem demasiado vol- tadas para a acumulagio e 0 poder), como também porque, como disse 0 autor de uma parte do Corpus hermeticum, ninguém teré inclinagdo para estudar os Mistérios se nao tiver ouvidos para ouvielos. E, muito embora “varios sejam chamados e poucos es colhidos”, deve haver necessidade de que muitos ao menos co- hegam rumo que estio seguindo, saibam de sua Origem Divina — pois todos percorrem, em dltima anélise, o mesmo Caminho, encontrando-se em diferentes graus, tio-somente, os ignorantes, de um lado, as sibios, de outro. Por conseguinte, 0s Mistérios, como disse Plato, néo po- dem — nao podem — ser revelados exclusivamente por meio da escrita, isto ¢, da escrita praticada em nossos dias, um exercicio intelectual em vez de uma invocagio. Porque, afinal de contas, sendo uma transmutagio do eu e uma percepgio de quem efeti- vamente somos, da Origem Divina de toda Criagio, os Misté- rios sfo, pela sua prépria natureza, insepardveis da experiéncia prética. Se assim é, caso reverenciemos as linguas antigas, caso sigamos 0 caminho da prisca theologia, o porto jamais nos ser fechado: a verdade ser revelada tal como é sempre haverd de ser, na exata medida da nossa capacidade de percebé-la. 103 Eis que desviamos a atencio dos diferentes aspectos dos Mis- térios e dos Deuses ¢ a concentramos nos préprios Mistérios, para concluir lembrando-nos do seu significado in tota, do lu: ‘gar que ocupam junto ao individuo, 3 cultura e ao préprio cos- ‘mos, a fim de podermos nos recordar, mesmo com brevidade, de quem realmente somos. 104 Capfeulo 12 Sobre os Mistérios ‘Temas considerado os Mistérios, 20 longo desta discussio do Egito antigo, como o tema central, entretecido com nossas observagdes acerca dos Deuses e da esséncia da metafisica ¢ da religito egipcias; na verdade, se nfo mantivermos bem enfoca- dos a tradieio dos Mistérios e tudo 0 que ela implicava, quase nada de valor ou de imteresse poder4 ser dito do Egita, De fato, ai esté a chave dessa cultura tio antiga e venerivel. Todavia, até agora nio fizemos referéncia dircta os proprios Mistérios, ten- do feito deles, em ver. disso, uma abordagem tangencial, forne- cendo o entendimento metalisico que para os egipcios estava im- ploy mas que para nés, hoje deve ser explctados asim fazendo, oferecemos ao menos uma indicagio do real significa do que a tradigio iniciatéria egipeia tinha— e tem. Bis por que agora devemos, antes de encerrar a nossa discussio, enfocar dice- amente os Mistérios, reconhecer terem eles sido 0 proprio cen: trum da eulturaegipeia antiga ~ bem como da cada, asia "Além dessas coisas, a manifestas0 dos Deuses comunica ver- dade e poder, retidio nas agdes e dons do mais puro bem; no entanto, “a manifestagio de outros poderes é acompanhada apro- priadamente pelas coisas proporcionais &s varias ordens a que cesses poderes pertencem’”* 107 ‘A alma do homem, vista desa perspectiva, é reconheci como altima dentre as naturezas mais excelente, sujeita s va- ages ¢ paixdes da temporalidade e da encarnagio, presa.a lis mes ¢ carregada de materialidade. Em termos de fogo, cada género se manifesta de acordo com sua ordem especifica: 0 fogo terres- tre & negro e de combustio lenta; 0 fogo aéreo & mais brilhante E inals puro; e 0 fogo Celestial & magnifico, radiante.* Em ou- tras palavras, embora nfo sojam temporsis por natureza, a8 vi s6es dos Mistérios podem ser entendidas, por analogia, como tais, gragas A imagem e 20 s{mbolo, sendo os primeiros, ou mais imediatos deles, 0 fogo ¢ 0 ar. ‘Eis por que 0 homem que testemunha, ou de modo mais reciso percebe o Fogo Divino, fica incapaz de respirar, em meio (utters dese, tornando-se Hnguido, tendo-se desprendido do tespirito mais baixo, conato. Aqueles que sio admitidos & presen Sr dos Arcanjos, apesar de experimentarem uma fata de (lego Ae cardter divino, nao se véem dominados por completo, quem com deménios nao tem alteragbes respiratérias. Os herbis, por outro lado, movem a terra, provocando certos sons, 20 pas. eogue os arcontes, por tltimo, trazem ao seu redor um conjun- to de aparéncias luminosas, sendo suspensos, por assim dizer, abaixo do ar. "Temos entio, nessa diltima passagem, a descida da unidade indescritivel para a multiplicidade, constituindo a recapitulasio dessa “jornada”, com efcto, a essincia dos Mistérios; para ess. Gsincia, a observagdo de Jamblico — segundo a qual quem se ¥é capturado pelo Fogo Divino deixa de respinare, ademas, aban- raferion, dualista, da cemnseiéncia — & um importantissimo indicio. Como vimos, a Criagdo opera de ma- hes cmanatoria, partindo da Bem-Aventuranga auto-suficiente absoluta ¢ “descendo” até a eemporalidade; 0s Mistérios, por ou- {ro lado, “revertem’” esse “movimento”, “Vigjando", por seu tur- mo, “para cima”, na diregio do Fogo Divino e sem ar da pura Bem-Aventuranga. E esse arrebatamento, ou absorcio, nio é seni aquilo 2 que no budismo se dio nome de samadhi — ou dhyana, para usar fo vermo mais antigo, que se refere a uma forma de ioga em que ‘iq mente supera a mente” — no qual as fungBes respiratérias virtualmente cessam, enquanto, a0 mesmo tempo, se penetra num ‘epecto ainda puro e transcendente da consciéncia. Essa forma de ioga, que é mais intelectual, a0 menos num certo sentido, tem estretas relagdes com 0 zer-budismo, por nao envolver 0 espertar da energia kundali, nem 0 dominio dos virios “cen- 108 ros” € a aquisigio de sidbi, ou poderes, mas o puro poder — ou energia — mental concentrativo. Com efeito, devemos sus- peitar que of Mistérios com que Porfirio, Plotino, Jémblico ¢ ‘outros neoplatdnicos Cscavam familiarizados e vinculavam, nos fecessos mais longinquos da Antiguidade, precisamente com ¢s- ‘a dlyana-yoga, a0 pasto que os Mistérios de fsis ¢ Osftis se ali- hhavam, por seu turno, com os de Xiva e Shakti, com a Cundaliniioga. Contudo, uma tal conjungio histOrica pressupGe tuma cultura central que, de tio antiga, se encontra fora do nos. 50 aleance, da nossa visio — e de qualquer modo nao é necessé- ta A compreensio daquilo que ainda existia nos primérdios da rnossa atual era histérica. ‘Em suma, a religido de R4 —seja qual for sua vineulagto hhistérica com o Vedanta e com o caminho dhyana para Brab- man —- era aquela a que estavam filiados os neoplaténicos, Jim- blico talvez mais do que qualquer um deles; 20 passo que religido de fsis e Osiris, afiliada de maneira inegével a Shakti ¢ Xiva, 4 cundaliniioga, teve prosseguimento para aqueles que se ‘adaptavam mais a esse caminho. Todavia, nfo devemos com isso Supor que houvesse, em dima andlise, alguma diferenga funds: imental entre esses dois caminkos — isto é, que eles se referissem 4 duas Realidades Divinas distintas, ja que, com eleito, como po- deria haver duas? —, mas que remetiam a dois aspectos da mes- ima Realidade, sendo o primeiro 2 via negativa e este titimo a ‘a affirmativa, aquele, um caminho que transcende o mundo, ¢ este, um caminho que afirma o mundo. Mesmo essas distin- bes, entretanto, so, em tiltima ands, distorpGes — por serem Amba aspectos, aparencias, manifestagdes do mesmo Caminho, da mesma Realidade. Tanto 4 vie negativa como a via afirmati ‘02 levam ao mesmo jubilo, 4 mesma serenidade transcendente, Yimesma libertagao da ilusio e da ignorincia —e, de fato, nio poderia ser de outra maneira; na medida em que parega ser de Butro modo, trata-se de exagero ou distorgéo de um ou de outro aspecto. "E, com eleit, isso pode muito bem ter acontecido, no final da longa e venerivel transmissio egipcia, tendo um dos cami- ‘thos decaido em mera libertinagem, delirio, ¢ 0 outro degene- ado em simples intelectualismo hermético. No entanto, 0 ‘Caminho central deve por necessidade manter-se sempre 0 mes- mo, 0 sanctum sanctorum eternamente inviolado, pois, apesar dacventualidade histbrica, aquilo que ¢ intemporal e Divino pela propria naturera nfo muda, permanecendo como € por todo 5 tempo, ainda & espera do solicitante humilde, que comece 2 109 penctrar os Mistérios, que reconhesa a propria esséncia do sen- tido e da responsbilidade do ser humano e deseje cumpri-la por completo, torné-la realizada por completo, ‘Os Mistérios propriamente falando pertencem ao reino do Conhecimento, néo hd como negar;trata-se, porém, de um Co- nnhecimento que, na medida em que seja puro, se aproxima da sua prépria transcendéncia ¢ a pereebe. Como disse Proclo, co- nhecimento implica dualidade — um conhecedor € uma coisa conkecida —, enquanto o conhecimento (gnosis) que os Misté- ros propiciavam, despertavam, consistia precisamente na disso- lugio do reino do conhecimento dualista na Unidade de que & tum reflexo, da mesma maneira como 0 Angélico mais puro ue o Demonfaco, e o Divino, mais puro que o Angélico: 0 in- Tier depende serpre do Superiore ¢ por ele scbjugada E, cx 0 fosse possvel haver um remédio para as nossisatuais obseses rmaterialistasilusbrias, para o nosso anseio infernal pelo domi- rio téenico do mundo, &exclusio da Sabedoria Divina, ele esta ria necessariamente aqui, nos antigos Mistérios. ‘Mas pouco importa nossa propria delusdo e cegueira, nossa incapacidade de vers os Mistérios ¢ a verdade metafisica, a per- cepgio transcendente por cles manifesta, permanecem tal como sempre foram desde a prépria alvorada do tempo, abertos a nés nna mesma proporgio da nossa abercura a eles. Assim o foi, & € ‘his do que isso no podemos dizer Capitulo 13 Apocatastasis: Algumas implicagdes Fi fizemos referéncia 3 Apuctastasi, « Grande Catstofe, ou talver aja melhor, a Grande Rewaurao, Entetant, de vido & natureza da nossa es atl, frre necessiriodedica a gum tempo 3 sua considerdo, no sendo menos importante © foto de nela vermot o avo € o ponto exlminante da nossa pedpels po, “Exivemos enfocando, a longo desta dtcussio do Egito am igo, profundidade e o poder da tradi religions eps, qoe fot ela mesma afonce de virwalmente tudo o que restou para jmoderilde do pao primordial Einav! noo to com o Egto, Consderte, para dar um exemplo, que que se todo grande filésofo grego vsjouy a0 que se diz, 20 Ego, ou era epipcio. Afirmase que Pitagoras ft discipalo de Enis de On; Pato, de Seonis de Ong outros filsolosdignos ce nota que se vincularan com o Fea incinem Alques, Arq tmedes, Apulcio, Anaxigoras, Diodoro de Sicilia, Euripides, He. roto, Licurgo, Masee, Orleu, Pausnias, Solon, Esusbio, Tales € Xenofancs — para ndo mencionar Plating e Por, aque eram eipcio denascimento’:Somente partic dessa tla lo — deinando ds lui i inimerasrelerEncs vladas aos Misrios contids no Novo Testament ~ podemos perceber 2 nossa divide nestimvel edespercebida pats com o Fgito an tiga edo poueo reconheeida xr nogoe dns, tambéaas part poems comer compres somo carga mos eo Porque essa nossa época nfo consiste senfo de uma igno- inca de eadoaquilo que o ito antigo personifcava ~ nada Imai do que um eclipse da sbedoria antiga em favor do poder uanticatvo,euja pobreza epiritual nfo pode ser aprecndida sulvo pelo resonhetimento das implicagées de uma clara nor tral ot tradicional como aegis antgn Em suma: no Ego an antigo podemos ver a profundidade de uma cultura cénscia de seu lugar de mediadora entre a riqueza de uma Idade de Ouro primordial e a miséria da moderna Idade das Trevas que se apro- Xima, Podemos ver, da mesma maneira, a decadéncia do Sol e da Lua espirituais, o estreitamento e despertar do rio Celestial due flufa ent, com muita forga ainda, mas que reduziu a velo- Cidade e teve as margens estreitadas até que, hoje, vemos apenas lum filete demasiado frégil: em resumo, atingimos agora, prati- camente, o proprio nadir do declinio da primordialidade ¢ da tradigio e, com efeito, estamos prestes a entrar na Apocataseasis wa dissolvéncia da atual confusio e distorgio, a restaurasio da Idade de Ouro. ‘Contudo, essa dissolvéncia deve primeiro ocorrer no nivel individual, em cada um de nés — mio podemos contemplar a Restauragio passada (come 0 Egito, digamos), nem a futura, mas apenas o Instante Presente, 0 Eterno Agora. A solugio do nos- $0 dilema nao reside no passado nem no futuro: é intemporal. ‘Uma das mais claras indicages do nosso estado atual € a tendéncia moderna a ignorar ou a sufocar os ensinamentos da ‘Antiguidade: no primeiro caso, 0 perigo ndo é tio grande, vis to que os proprios ensinamentos sio apenas deixados de lado, ainda presentes para aqueles que os procuram; no segundo, po- rém, o risco & mesmo significativo, pois a forge envolvida é an- TF rudlonal, engejada nausurpacio ea sabedoria do pasado para fins manipulatérios?, Um exemplo disso é a psicologia moder- nna, que, Seja junguiana ou freudiana®, tem carater essencialmen- te reducionista, levando a verdade transcendente a servir como meros “elementos psiquicos”; outros exemplos incluem as ten- tativas dos socidlogos no sentido de reduzir toda atividade hu- mana a “movimentos sociais” de cunho quantitativo; no entan- to, 0 pior sio os esforgos dos modernos cultos contratradicio- nals para se apropriarem da simbologia e da metafisica ant apenas para atrair devotos a serem explorados e, com muita fre- giléncia, destruidos. Estes iltimos — os falsos profetas que ‘se- Ho muitos” ¢ que “enganariam, se possivel, o préprio Eleito” a representam a face visivel da religio iniciat6ria tradicional, mas carecem de continuidade histérica; surgem, sob a forma de “camanismo” ou de um grupo que cerca um dado “‘mestre”, de uma espécie de vécuo, levando seus seguidores a0 proprio abismo do caos, do temor, da confusio e da dissolvéncia ¢ jus- tamente sob o disfarce da religiio! ‘Que tm essas coisas que ver com o Egito antigo ¢ com a “Apocatastais? A resposta é simplesmente isto — estando nela w12 aessincia da nossa necessidade de examinar a cultura do Egito antigo: — 0 Egito antigo baseava-se e consistia em Maat, ordem, ‘a ordem emanada da conformidade & Realidade Divina e de sua compreensio; somente na compara¢do com ela, com a cultura tradicional, a cultura normal, pode a normalidade da nossa época ser compreendida de maneira apropriada. Porque a época atual a revogagio da Ordem Divina em favor da humana — uma motivagio, em termos estritos, satinica, mas que mesmo assim. deve preceder a dissoluso desse estado de anormalidade, bem como a Grande Restaurasio (Apocatastasis). Aquilo que tem ca- rater maléfico, afinal de contas, s8 pode ser conhecido pela re~ feréncia a0 que & benéfico ¢, na verdade, a revogagio de um estado pode significar, tio-somente, a instituigio do outro. Ai podemos entrever a verdadeira razio por que devemos estudar 5 Egito antigo: nele encontramos um reflexo, nfo apenas da- quilo que somos, como também do que j& deixamos de ser (¢ Gue, no obstante, sem diivida seremos outra vez). ‘Considere-se, sobretudo, a desordem que hoje campeia na- quilo que denominamos, com tanta insensibilidade, nosso “am- Biente”, bem como 0 vasto abismo entre a perspectiva implicada por essa débil palavra e o mundo transhicido dos egipcios, em que cada animal, cada 4rvore, cada planta trazia em si uma sig- Rificagdo sagrada, sendo vistos a0 mesmo tempo como elemen- to temporal e elemento Celestial. Sera mera coincidéncia o fato de a cultura egipcia ter-se prolongado por muitos milhares de ‘anos, em harmonia com o seu mundo e consigo mesma, enquan- to a era moderna é arrastada de “‘crise”” para “crise” em todos (os campos, da educagio ao “‘ambientalismo”, da unidade fami- liar 3 estabilidade agricola? Certamente que nao: ha por certo ‘um vinculo direto — uma cegueira diante da tradigio, bem co- mo do sagrado, endémica em nossa propria era, Todavia, essa Cepueira nio pode encontrar cura pelo recurso & sabedoria do Fgito — se bem que, por seu intermédio, possa ser mais bem reconhecida e compreendida —, e sim, tio-somente, pela res- tauragio da visio (grego: epopteia), uma visio a que s6 se pode chegar pelo seguimento de um caminho espiritual tradicional. Segundo Sinésio, num tratado intitulado “Sobre a providén- cia”, as origens da nossa época atual encontram-se no proprio Egito, tendo surgido quando (disse um oréculo) “um certo fragmento depravado de religiio, ao lado de uma adul- teragao do Culto Divino, tal como a adoragio a0 dinheiro, por Sssim dizer, que tinha sido exterminada nas cidades pela lei an- 113 ‘ga, a qual fechou as portas 4 impiedade e a expulsou, levando- aa uma grande distancia dos muros, prevaleciat.” Nio abstante, disse 0 orieulo, o poder tifdnico terminow por predominar, mas teré fim “quando purificarmos o ar que circunda a terra, ar que € cons- purcado pelo halito dos impios, com fogo e agua [...} [Entio] deve-se esperar imediatamente uma melhor ordem de coisas, sendo Tifio removido. Porque afastamos prodigios dessa espécie pela devastagio do fogo e do trovao®.” © que poderia dar uma indicago mais clara da nossa situa- slo atual? Devemos observar, além disso, ter sido dito que a Conflagracio final seria auto-infligida, com os Gigantes ou Ti- tas sendo “expulsos por sua propria firia vingativa”. E no em tanto tudo isso pode — e, na verdade deve — ser entendido nfo apenas em termos cosmolégicos, como também do ponto de vista individual, eferindo-se a nds mesmos. Cabe a n6s expulsar Tilo por meio do fogo « do trovio, pelo segvimento de wn caminho espiritual tradicional, Por conseguinte, nio devemos cair em desespero — apesar do curso descendente da nossa época atual, na diregao do abis- ‘mo do quantitativo, do “‘comportamentalismo” e do pensimen- to infernal, puramente manipulativo, da ignorincia absoluta com relasio 20 Divino —, visto que o simples fato de ainda nos ser dado contemplar o esplendor do Egito antigo acentua a nature- za perene deste, bem como daquilo que ele refletia. Mesmo sendo demasiado claro que a nossa propria era 98 poderd chegar 40 fim na completa destruigz0 do nosso mundo, na fragmentagio ena catistrofe auto-infligida, nossos estudos do Egito antigo in- ddicam a natureza efmera dessa época moderna, apontam para aquilo que é verdadeiro, eterno ¢ Divino em todos os tempos = realgando o que &, na realidade, intemporal, transcendente, ‘A Apocatastasis— retorno 3 Divina Harmonia —é algo que 6 pode ocorrer quando a atual aberragao tiver chegado & exaus- tio, da mesma maneira como a avalancha nao pode fazer uma paisa em seu curso, devendo, uma vez comegada, completi-lo, rm noes dn, como ds roc em seu comers ao Par ‘ménides de Platio, as insttuigées ¢ cerimbnias sagradas, 2 or- dem sacra manifesta no Egito antigo, Sera sendo substituidas pouco a poueo por uma sociedade que se baseia ca- dda vez mais no quantitative, na manipulagio do ambiente e dos 114 ‘outros, de modo que somente a filosofia da tradigfo ocidemtal permanece como um lembrete da maneira como o homem po- de e deve viver, de quem ele de fato é — a filosofia se mantém ‘como Hermes, guardido da Entrada Celestial. Assegurado, 0 vis- Tumbre que a filosofia a metafisica oferecem nao ¢ por si mes- mo transformador — e no entanto ele mostra 0 caminho, ilumina a senda que leva 3 sua prépria transcendéncia. "Mais do que isso ele nio pode fazer. Para tal, devemos nos voltar nfo para o Egito — uma tradigio e uma cultura que ha ‘muito se foram —, mas sim para um dos préprios caminhos re- Tigiosos tradcionas sind existences, Porque, apestr da beleza da inegivel profundidade da tradicio eg(pcia, de que tentamos iluminar aqui algumas vagas nogBes, todas essas coisas nio so, afinal de contas, mais do que o pasado; enquanto nés devernos viver agora, ¢ da melhor mancira possivel. E, com efeito, se formos bem-sucedidos, se percorrermos ‘esa antiga trilha primordial, independentemente da cegueira do nosso tempo, bem como da distincia que nos separa do Egito antigo, nossa vida ainda seri capaz. de refletic o Sol Divino, nosso mundo poderi ainda ser translicido e vivido — porque essa an- tiga senda jamais poder’ desaparecer, muito embora possa ser, para nés, obscura. E, todavia, caso nela penetremos, ela serd para {odo o sempre tal como foi, como &¢ como sempre hi de ser. ‘Quando ela for dessa mancira para nés, para cada um de nds, como individuos, teremosa verdadeira Restauraglo, a ver- dadeira Apocatastasis. Tudo mais & anticlimax. ‘Com isso, passamos a0 que pode ser feito, a iniciaglo. Parte II Sobre a iniciacdo Capitulo 1 Theoria: A natureza da iniciagio # um tanto irénico, pode-se supor, considerar o fato de es farms agi tratando datas ncatria de una clr in discutivelmente extinta, ¢ de que s6 possuimos fragmencos. Egito, podemos muito bem dizer, esti morto: em que sentido podemos nés sequer falar da natoreza de sua transmissfo inicia téria, cuja continuidade foi de fato interrompida ha varios mi- Ihares de anos? Ora, falando em termos estrtos, essa objegio na verdade invalida sob varios pontos de vista, nao sendo 0 ‘menos importante deles a constatapio de que, na medida em {que participe do Transcendente e o reflta, nada pode perecer; ce uma perspectiva absoluta, todas as coisas do passado, do pre sente e do futuro encontram-se aqui, diante dos nossos olhos, bese instant, viva na mesma proporoem que etamos en Mas v problema é este. como assinalou mais de um obser vador', a separagio entre a era moderna ¢ a antiga nio é tem- poral, mas mental. Nao podemos compreender os antigos por- jue perdemos a capacidade de pensar, de perceber e de entender maneira como eles o fizeram: a mente moderna esta dema- siado carregada de preconceitos, com a sua grade de “racionali- dade”. Assim, embora as culturas da Antiguidade estejam presentes em vido 0 que nos crcunda, embora os Mistéris ainda, persistam nas tradigbes erist, islimica e cabalista, eis que nos, tornamos cada vez. menos capazes de captilos, de pereeber thes a natureza transcendente. Os Mistérios, assim como as inicia- .8es que oferecem, nao estio, estritamentefalando, mortos, deve. Se admitir — mas nds estamos mortos para eles. E, todavia, por essa mesma razio devemos enfocar a natt- reza das tradigoes iniciatérias:j& que & precisamente aqui que poderemos chegar a compreender no apenas a esséncia da cul- ‘ura tradicional, como também quem de fato somos ¢ qual 0 119 hhosso propésito neste mundo atual. Afinal, a palavra “‘inicia- so” tem o sentido de “entrada” ou “‘comeso"; e, por esa ra #o, mesmo a mera percepsao inteletiva dos Mistérios constitu: por si s6 uma forma de iniciag0 — porque 0 conhecimento intelectual leva a0 conhecimento da experiéncia; ele estabelece ressonfincias que, mais tarde, quando chegar 0 momento pré- prio, se manifestario. A concentragio é a Unica coisa necesss- ria, Nesse sentido, o de maior amplitude, até este livro pode ser considerado iniciatério — visto que no apenas inicia uma ressoniincia com a antiga tradigio dos Mistérios e sua simbolo- BB © significado univers, como também uma reeptividade Essa & a perspectiva com que devemos visualizar a época seul endo cm ss gu, num seid dyer reas nots ot ‘moderna representa uma anomalia, uma descontinuidade e um periodo de dissolugdo, no qual, a0 fazer contato com o passado Femoto, também entramos em contato com 0 futuro, servindo dessa maneira, num alto grau, como instrumento de continui- dade da verdade perene, de percepcio do transcendente. Quer © saibamos ou nio, essa & a mais importante fungio que pode- ‘mos cumprir nesta ou em qualquer outra época. Porque, com efeito, 0 contato com o primordial é a razdo da nossa existén- ia, sendo a iniciaglo a “virada de consciéncia” que significa 2 prépria mudanga da diresio da nossa vida, quando nos viramos do diferenciado para o unitério, do disperso para 0 concentra. do, do irreal para o Primordial Sobre a natureza dessa “virada” que € a iniciagio vamos nos concentrat a partir de agora. ‘Comesaremos, de modo bastante apropriado, com um poe- ‘ma de Giordano Bruno, 0 pensador da Renascenga, que, como tantos outros versados no hermetismo, reconhecia no Egito an- ‘igo a origem das verdades tradicionais que permanecem como vestigios no pensamento ocidental. Disse Bruno: “Passando, sozinho, para aqueles reinos ‘Outrora objeto do teu pensamento exaltado, Algar-me-ei a0 infinito; entio, conhecerci a habilidade De antes ¢ oficios préprios dos objetos. Ali me verei renascer... Livre da estreita prisio sombria Em que 0 erro por longo tempo me manteve, Aqui deixo o grilh3o que me prendia E a sombra do inimigo implacavelmente malévolo. .. 0 Doravante, eis que abrirei confiantes asas no espagos Nio temo barreira de cristal ou de video; Transpasso os ofus e sigo, pido, para o infinito E, enquanto me elevo da minha para outras esferas, Penetrando cada vez. mais em reinos transcendentes, Aquilo que outros viram de longe, eis que deixo bem (para trds"2, Bruno viveu no século XVI, bem depois do desaparecimento dos Mistérios egipcios — mas, ainda assim, podemos ver em seu oema muitos dos temas que nos ocupardo no restante desta obra, rarfo por que 0 empregames como o tom fundamental das diseussBes seguintes. © poema de Bruno comesa com.a frase “Passando, sozi- nnho, para aqueles reinos”; e, de fato, a iniciaglo ocorre em ter nos tndividuais o que sigs dizer que, independentemente do niimero de pessoas envolvidas numa dada ceriménia, 0 “con- fronto” ow “passagem” ocorre, 2 rigor, para cada pessoa isola- diA incagio tio. @ uma” queso. de "wrangler" uma capacidade, mas de revelar aquilo que jé existe in potentia, de passar pelo sofrimento — e cada ser deve enfrentar ele mesmo 4 natureza do sofrimento, chegando a perceber ser este tltimo tum estado universal. O mdximo que outra pessoa pode fazer, por meio da ceriménia e da simbologia tradicional, é fornecer ‘um “arcabougo” ou uma “abertura ao trabalho de trans- mutagio. “{...] conhecerei a habilidade De artes e offcios préprios dos objetos. Ali me verei renascer. Assim diz Bruno, numa referéncia direta aos “Mistérios Me- nores”, 08 quais, por meio das artes ¢ oficios, servem de “fun ddamento” & completa transcendéncia que é 0 “Mistério Maior”, Jevando naturalmente a ele, As artes fornecem um “suporte” ou foco naturais a0 iniciado, levando-o aquele estado adémico ou primordial de que ele deve passar & completa transcendéncia dos reinos manifestos. Porém, disso falaremos mais adiante; por ora, observemos que, como diz 0 poema de Bruno, isso cam bbém ocorre tradicionalmente. O arco da iniciagio jamais se et contra numa “posiio” “estitica”; ele esté em constante movi- mento, em permanente autotranscendéncia, deitando “bem para tris” aquilo que um dia esteve “bem além”. 11 De qualquer maneira, tendo essa breve digressio demons- trado 20 menos que algo dos Mistérios egipcios persstiu até 0 século XVI desta era, passemos 4 consideracio de certo niéme- ro de antigas invocagéesiniciatdrias epipcias& luz das ramifica- ges budista vedntica— porque estas muito podem fazer para iluminar aquelas. ‘Como jé sugerimos, a iniciasio & por definigo, um passo on confront inerentements individ, pars oil 2 radito ‘oferecer um “‘ponto de entrada” e “suportes” por meio Seeras oa te tal ep el tee goes find das comes ‘depende sempre da iniciativa individual, Eis por que as antigas invocagbes egipcias que chegaram até nés sfo, sem exceglo, es- critas na primeira pessoa, sendo seu foco a “ampliagio” ou, tal vex seja melhor, a elevagio da amplitude da consciéncia, num certo sentido expandindo o “eu” e, noutro, levando & sua vir- tual climinagio. Quer dizer: a “personalidade”, esse agregado contingente de forgas, & penetrada, fundindo-se com o estado do Deus, sendo o eu contingente “descartado”. Por essa azo, num dos muitos cantos acerca da “preserva- ‘gio do coragio”, lemos: “© meu coragio! O minha mie! © meu coragio! O minha ie! O coragio da minha existéncia! Que nada haja contra mim no julgamento, na presenca dos Senhores do Julzo; que nfo se diga de mim: “Ele agiu contra Maat”. Homenagem a ti, 6 meu corasdo! Homenagem a ti, 6 meu coracio! Homenagem a vés, @ rins! Homenagem a vés, 6 Deuses.[...] Falai a meu favor a Ra [...Je olhem para mim, mesmo que eu eotcja mas mnsis remotas profundezas da terra — que eu nfo morra em Amen- tet, mas me torne um Khu ali”. (Ora, segundo o Vedanta, 0 coragio & na verdade o centro de um ser, sendo, fisicamente, éter ou akashas em termos pst quicos, o jivatma ow alma individual; ¢, do ponto de vista me- taflsico, 0 ponto do Eu (Atma). O jfvatma é um estado ilus6rio de separasio cujo foco esté voltado para o exterior, para.a dife- renciasio; Atma é o estado primordial de unidade incondicio- nada, razio por que “este Atma, que habita 0 coracio, é menor do que um gro de arroz, menor [. ..] do que a semente que std num grZo de paingo este Atm, que habita ocoracto, também € maior do que & tera, a atmosfera e 0 céu, maior do que todos os mundos juntos". 122 [A seqiiéncia seguida aqui ¢ 0 exato inverso da Criasio, pas- sando da Terra para a Atmosfera, para o Céu, para a completa transcendéncia, 0 que corresponde &s diversas “densidades” ou “niveis” da cosmologia tradicional — os reinos temporal, sutil e primordial ou, em termos budistas, formal, informe e nio- formal, No tocante a isso, nfo podemos evitar a lembranga da referéncia, nos Evangelhos, & semente de mostarda?, pardbola {que na realidade reflete os Mistérios egipcios, constituindo uma versio condensada da mesma compreensio acima express ‘Atma, que é menor do que a semente de mostarda (nfo sujeito | manifestagZo) de fato aquilo de que vem toda a Arvore da tmanifestasio césmica, Pode-se conceber a Realidade Transcen- ‘dente como aquilo que esti no coragao (0 centro de wv set) de cada um e que, a0 mesmo tempo, engloba todas as possibil- dades de manifestagio’, ‘O coragio como jiuatma é, portant, o local em que se “ins crevern” carmicamente as as8es do individuo; 0 coragio como ‘Aud, a revelacio da natureza do ser como algo, em sua essén- cia, incondicional, transcendente e, com efeito, falando em ter mos estrtos, algo que nada tem de ser. Nesse ponto, penetramos nna compreensio budista’. ‘© antigo canto egipcio parcialmente transcrito acima tem como alvo, considerando-se as implicages advindas do Vedan- tae do budismo, a pessoa que se encontra naquele “ponto criti- co”, referese 4 passagem individual do reino ilusério do jfvatma para o nivel incandicionado. £ o coragao que fala contra a pes- 502 no Juizo que é o julgamento de cada um; mas é também ‘© coragio que traz.em sia transcendéncia do eu “maior do que todos os mundos juntae”. O canto supracitado, contudo, mio esté voltado para 4 transcendéncia absoluta, configurando-se an- tes como uma invocagio dirigida aos Deuses para que a pessoa fem questio se torne um kbw, quer dizer, uma pessoa que vive nna companhia dos Deuses ou, para usar termos cristios em cer= ta medida anélogos, tornare um Anjo admitido & constante presenga do Senhor*. Assim & que, noutra invocasio, lemos: “Entrei como um homem ignorance e sairei na forma de uum forte Khu, e olharei minha forma, que serd a de homens mulheres por todo o sempre”. ‘Ademais, “Tu estés em mim e eu em Ti; ¢ Teus atributos sfo os meus atributos”™. Isso se refere A unio mystica entre 0 iniciado e o foco Divino de sua praxis; os dois se tornam perce 123 bidos com um nico estado. E, portanto, diz a declaragao a se- gir, se souber disso, 0 homem [.. .JSaIRA A LUZ DO DIA E NAO SERA REPELIDO EM NE- HUM PORTAO DO TUAT, QUER QUANDO VAI OU QUANDO VOLTA. ELE REALIZARA TODAS AS TRANSMUTAGOES QUE 0 CO- RACAO TRAZ EM SIE NAO MORRERA |... J. EIS QUE ESTA £ UMA GRANDE PROTEGAO CONCEDIDA PELO DEUS [...}. ESTE CAPE. ‘TULO SERA RECITADO PELO HOMEM CERIMONIALMENTE PURO, QUE NAO COMEU A CARNE DE ANIMAIS OU DE PEIXE E NAO TE. VE RELAGOES SEXUAIS COM MULHERES”!! Realizar “todas as transmutagées que 0 coragio traz em si” refere-se 4 concretizagio iniciatéria de graus ou estados supe- riores potenciais em seu coracio — porque o estado superior naturalmente abarca todas as plenipotencialidades do inferior.!2 Ora, a “passage” em questio é da necedade para a percepco, das “4guas inferiores” (a ignorancia, quer dizer, manifestago) paras “hguat superiors das trevas do Tust(6 eines do lo gF0 samsarico, 0 Remoinho do sofrimento em que Mat - 3 (aLei dos Peizes) rege, par a ucena Ls dou Dene Bons ‘entrada no reino dos Deuses com certeza um ponto central — mas niio é de modo algum uma “‘passagem” para a completa transcendéncia, para a Libertacio, pelo menos no sentido bu- disca, Embora informes e incomensuravelmente mais livres ¢ serenos do que os seres humanos, os Deuses ainda assim estio sujeitos a causalidade, ainda se encontram nos “dois reinos” do manifesto e do nao-manifesto. E assim retornamos a invoca¢0 com que iniciamos esta dis- cussio, que pede, ou ordena, que @ iniciado “ndo morra em Amentet”. “Nao morrer em Amentet” niio significa que o ini- ciado no deseje entrar em Amentet, mas que deseja manter ¢ intensificar a consciéncia desse estado transcendente que é Amen tet, “Nao morrer em Amentet” refere-se & complementaridade inversa de “‘morte” e “renascimento” iniciat6rios, pois morrer para ‘o mundo” (quer dizer, para as conceituages pessozis de “si mesmo e do outro”) é justamente renascer no Trans- cendente.4 “Amentet” é, do ponto de vista lingiifstico, um termo cog: nato ao sinscrito “Amrita” (imortalidade) e ao conceito budis- ta de “Amitabha”, Buda do Oeste. De fato, a Terra Pura (Sukbavati) de Amitabha, tal como aquela Amentet de Ostris, ‘std situada no Oeste, “interceptando” assim o arco do sol poen 124 te e conferindo libertagio no término do ciclo atual. Amrita, Amentet, Amitabba, além do vocdbulo portugués “imortalida- de”, so todos parte da mesma raiz indo-européia “mrt”, rela- cionada & morte; o individuo morre para o estado presente, atingindo no processo um estado superior; por conseguinte, nio é de surpreender que a raiz.indo-curopéia “mrd” signifique “grax Srdia”. Eis o que diz Plutarco a respeito do as- sunto: “E [. . .] 0s egipcios chamam de espaco subterraneo, para ‘onde, ao que supSem, vio as almas apés a morte, a Amenthe, cujo nome quer dizer ‘o espago que toma e di’ ”;¢ a essa obser- vasio E. A. Wallis Budge acrescentou que “A forma egipcia do mundo é Amentet, eo nome significa ‘lugar oculto””.!6 ‘Ora, palavra ‘“subterrineo” contém a conotasio grega do Mundo Inferior, nio aplicdvel, cm termos estritos, a Amentet, que nao é “‘espago” absolutamente, mias supratemporal e espa- cial; na verdade, um “lugar oculto”. Todavia, seu significado completo pode ser mais bem inferido dos significados de sua raiz: isto é, a palavra “homem”, (“man”), ou manas significan- do, a0 mesmo tempo, “human” e “ser pensante”, é neutrali- zada pelo prefixo de negacio a, de modo que, do ponto de vista lingiistico, “Amentet” implica “um estado nio sujeito 3 dis- tingio mental”. Amenteté,a rigor, uma Realidade transoendente, nfo humana, “mediata” entre a temporalidade e a libertagio completa. “Morte em Amentet” significa, pois, morrer para sua prépria Origem transcendente — ou tornar-se ignorante dela — que, da perspectiva humana limitada, surge como a Forma ‘Angelical ou Celestial, para a qual cada um de nés se “move” até perceber que a Forma é, na realidade, mais nds mesmos do que nés."? “Morrer em Amentet” significa, em termos plat6ni- cos, perder a Meméria do Divino e crer (se fosse possivel crer em tal coisa) que o reino fisico é tudo. Assim, estamos em condigdes de compreender as implica- sg8es do ensinamento egipcio de que quando, no final de um determinado ciclo césmico, Ra passa pelo Twat (pelos varios es- tados péstumos), aqueles que estio no reino ocidemal de Amen- 126, sob a protegio de Osiris, se encontram em um estado de Informidade ligado & Realidade de Ra, o centro Solar, e “cransformam-se” nessa Realidade, sendo j& virtualmente idén- ticos a ela. Em relagio aos Evangelhos, isso, sem divida, tem muito que ver com a pardbola da semente que ndo frutifica se Jangada 20 fogo!® e também com a “separagio” mencionada no Juizo Final do Apocalipse. 125

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