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www.conjur.com.br ISSN 1809-2829 - 14 de janeiro de 2007
Independência ou morte?
Independência de uns depende da morte de outros no Brasil
A nominal independência política do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822, não significou a independência do povo
brasileiro. Pelo menos para a maior parte dele.
A elite econômica da época acabou criando um liberalismo sui generis no Brasil que visava à garantia de seus principais
interesses: a manutenção das relações escravistas, a concentração da propriedade da terra e a consolidação da unidade
imperial.
A Constituição de 1824 fundou um estado juridicamente desigual ao garantir direi tos individuais à elite branca e tolerar a
escravidão dos negros.
No bojo da Independência, a Constituição de 1824 produz algumas rupturas, ma non troppo, que fazem parte do universo
liberal no conjunto das idéias fora do lugar da modernização à brasileira. Surge m as tais garantias individuais: “liberdade de
manifestação de pensamento, proscrição de perseguições religiosas, a liberdade d e locomoção, a inviolabilidade do domicílio
e da correspondência, as formalidades exigidas para a prisão , a reserva legal, o devido processo, a abolição das penas
cruéis e da tortura, a instransmissibilidade das penas, o direito de petição, a abolição de privilégios e foro privilegiado”. É
lógico que tudo isto não poderia colidir com o “direito de propriedade em toda a sua plenitude” que, mantida a escravidão na
letra da lei, instituiria a cilada da cidadania no Brasil, digamos a cidadania, que pontua até hoje os discursos do liberalismo da
direita à terceira via no Brasil. (BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Revan, 2003.
p.135)
Paradoxalmente, o escravo, que era coisa para o Direito Civil e mercadoria para a economia da época, podia ser sujeito ativo
de crimes. Ironia perversa do liberalismo tupiniquim: o escravo só seria reconhe cido como ser humano ao praticar crimes.
Sua “independência civil” muita vez só era alcançada com sua condenação à morte.
A criminalização do negro no Brasil imperial estava diretamente relacionada ao f antasma das rebeliões que afligia as elites da
época.
“No Rio de Janeiro do século XIX, as elites brancas lidam cotidianamente com o medo da insurreição negra e com os
desdobramentos do fim da escravidão no seu cotidiano. […] Se o medo na Europa do século XIX era o medo da revolução,
no Brasil e na América Latina esse temor era acrescido pelo fim da escravidão, n ão só pelo fim da brisa, mas também pela
fantasia do desfecho brutal da escravatura.” (BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro:
Revan, 2003. p.85)
É este medo do negro, do pobre, da rebelião que aflige o inconsciente coletivo d a elite brasileira até os dias de hoje. Os
quilombos converteram-se em favelas; os insurgentes em traficantes de drogas; a criminalização do negro em criminalização
do pobre. E a guerra continua. O medo continua.
A reação natural ao medo é a guerra ao inimigo, pois somente sua exclusão — sua morte — trará a paz. No dilema entre a
independência ou morte, a elite brasileira optou por sua independência à custa d a morte das massas.
A solução repressiva, no entanto, gera uma nova dependência das elites: a depend ência do seu próprio medo. Os
independentes estão presos em suas casas muradas, em seus carros blindados e em seus shopping centers.
Para que Portugal reconhecesse sua independência política, o Brasil concordou em pagar-lhe 2 milhões de libras como
compensação pela perda da antiga colônia (FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2004. p.144).
Para que o Brasil se reconheça como independente, as elites econômicas terão que pagar às massas seus direitos à
educação, saúde, trabalho, moradia e tantos outros garantidos na Constituição da República de 1988. A elite brasileira só
proclamará a independência de seus medos, quando indenizar as massas pela miséri a, pela exploração e pelas mortes
causadas.
O dilema da “independência ou morte” só se resolverá quando a independência de u ns não estiver mais condicionada à
morte dos demais. Só assim os pobres se libertarão de seus cárceres e os ricos de seus medos.
Sobre o autor
Túlio Lima Vianna: Professor de Direito Penal da PUC Minas, Doutorando (UFPR) e Mestre (UFMG) em Direito.
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