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2) Objetividade ‘Trate-se como um de seus personagens, como uma criag%o sua; procu- re ver-se de fora, Lembre-se: apresentar-se & também descobrir-se. Nao fale apenas do que est aparente ou j comprovado; lance hipdteses, projegdes, previsdes a respeito desse personagem; faca planos para ele. Afinal, ele na nasceu pronto, no est pronto e pode ser projetado, transformaclo naquilo que voc® quer que ele seja quando crescer. Vocé, certamente, se acha capaz de sonhar, planejar, projetar e executar seu eaminho. Dat apresente a seu lei {or todos os dados necessarios para que ele componha um quadro completo desse personagem e possa estabetecer um didlogo com ele. Voc® vers que ser vocé mesmo, travando com seu tex- 1g0 de reconhecimento e descoberta. [sso também vale para o se cotidiano: 0 que ele revela para voc mesmo e para seus leitores por trés da aparéncia da rotina? QUE DES, feuds Coimbra Dh, sacogkia oxox as tutte: 116 O que se conta Este capitulo discute textos produzidos a partir dos temas relato de wma ‘outras engancham-se nas que acabam de ser contadas (por falar erm Zilda, 0 Afonso,..). maioria delassio contadas aos pedagos, pois quem as conta sabe ouvintes, velhos companheiros de mesa e cle narrativa, jé conhecem dos. ma fungio de apenas acres- centar alguns dados a0 conjunto de conhecimentos que o grupo jé acumu- uns dos outros. Ninguém espera que elas tragam fatos, da- redinem para cont “Maito diferente € a relasio que uma histéra escrta estabelece com seus Ieitores. Para comegar, ela precisa criar 0 gancho com el ixar ela- 10.0 motivo pelo qual esté sendo contada, apresentar ao leitor uma boa raz para que ele se dé o trabalho de Ié-la. E deve fazer isso porque entre a narrati- va oral ea escrita hd, pelo menos, tés boas diferengas: a) a primeira € a que faz. distingio entre contar uma histéria para um ~. grupo de ouvintes que fazem parte de nossa rodinha de sempre ¢ eserever urna hist6ria para um grupo de leitores que vai ficar sabendo apenas aqui histéria contar para eles; +) a segunda diz respeito a atitude receptiva do ou tts na cadeira, preparando-se para ser acalertado, em co: Iho solitdrio que 0 leitor vai exercitar sobre o texto, apropriando-se das pala- vras e frases, atribuindo-Ihes significados, confrontando-os com os significa- dos jé apropriados em leituras anteriores, julgando-os, perguntando-se pelos rmotivos que os levaram a se organizarem da peculiar maneira em que o texto quea 7 05 disp, comparand este texto com os que jd leu a respeito de assunto se- .centar,divergir fazem a grande diversio de uma interlocugao desse tipo. distinto 6 0 que os leitores esperam de uma histéria escrita: que ela seja mais do que apenas uma nova versio de um enredo jé conhecido, Dela 0 leitor espera urn relato completo que 0 concuiza, que o encante, que o instrua, que 0 es- clarega a respeito do problema que Ihe apreseniou como to interessante, proble- ma que, gragas ao gancho feito pelo autor, passou a ser uma questio também do leitor. Se passou, porque, se ndo tiver passadbo, ele fecha olivro. O que se fala e 0 que se escreve sssas que a gente conta numa roda de bar do que uma hist6ria escrita para leitores. a Restrada principal, —=eque por encanto, Foi quando peraebemos os d ‘Quando nos aproximamos tive um ehoque enorme. Meu irmiio menor estava camisa ea iaha sobre a cabeca, banhada em sangue, que Ihe cobria totalmet ‘orosto. A Kombi, que era novinha, estava enfiada numa valada beira da estrada ccom as rodas para cima, us digo da reda- que ele man- que ial assunto possa ser interessante, isto é, sem Fazer nenhum gancho. [sso também fuz parte da tradigio do texto escolar: no assumir 0 problema; apenas desincumbir-se dele, livrar-se o mais capidamen- te possivel da tarefa Do mesmo modo, um narrador a respeito do qual nio dé ne- nnhuma informago ao eitor, como se a questo contar emogbes fortes fosseo tema na roda da conversa alguém acabasse de contar a sua hisiéria © como 10 avaliat 0 aleance de tal coisa ter acontecido exatamente com tal pessoa e no com uma outra e/ou que erédito dar a uma histéria contada exa- tamente por tal pessoa, Dai por diante o texto narra linearmente, sem nenhuma interferéncia na ordem estritamente cronol6gica, uma histéria comum, igual a tantas ou- tras que jf ouvimos a respeito de acidentes semelhantes, sem que, em ne- ‘nhum momento, 0 narrador nos tente convencer da grande relevancia dessa histéria, nfo s6 para ele, narrados, personagem participante do drama (ai- mas também para ns, que foros chamados para ouv 3s de nos dar o trabalho de lé-la, e ler, convém repetr, dé trabalho, ea na obrigaga de um texto € recompensar quem se dé esse tra- ‘com uma histéria interessante 419 é preciso que o texto se apresente para o assunto para ele; latando algo relevante para cle (¢ niio apenas para o seu narrador); ©) fornecendo- Ihe os elementos necessirios para que ele possa entender , principalmente, avaliar a hist6ria que the estd sendo contada, <4) mostrando-Ihe claramente quem the fala, isto, caracterizandoo sew narrador, Narragao, leitor, narrador A consideragio que 0 autor deve dar ao leitor¢ tio decisiva que a ele dedicaremos a primeira seco deste capttulo. A segunda dedicaremos ao nar- rrador,o personagem por meio do qual o autor dialogs com o leitor. OLEITOR Comecemos pores situagio que proveco andar de bicicleta, Uma grande fata pessoas como clas des tum tanto agressiva. Era? ~ diam alguns. Crianga, pareciad nos primeiros contates. Logo, por minhas ati- tudes, afirmavam quera rebelde. Queria nk aque pensava. Conversa boba paras ad me um pouco triste e quieta com sso, ‘Quando tinha um pouco mais ce idade, e brincarjé ndo se encarregava de ‘manier-me 0 todo o tempo ocupada, fazia, desses conflitos de relacionamento, grandes problemas. Queria mostrar o que sentia, o que pensava, saber isso dos ‘outros ¢ conecé-1os.. Mas, 20 meu redor, as pessoas sé falavam de banalida- des: do arroz, que subius da novela, que estén na moda, Fechei-me bastante, Lia, escreiaum coma familia efezia disso uma catistrote, Essa fases passuram (ainda berm, cresci) Apres até a brincar mum tom menos rude; a dosar as conversa, j que ndio pode- ‘mos brincar ou falar sério.© tempo todo. Consiga que meentendam e compre- endo o que me dizem. As manciras de tratamento € que so diferentes; com algumas pessoas falo da minha familia, das paixdes, do infinito, do nada, do ima semana; da cot que esté cerainfeliz, Brigava muito que pensoesinto 20 mensagem foi corrtamente recebida. mundo. ‘complexos, mas no ¢ fechando-nos que vamos descol 1¢ pelo qual o assunto vai andar: pes- ssoas & uma espécie mui muito vaga. De que grupo de pessoas se trata? Como esse grupo deve ser tratado? O mais grave, porém, énio situar a personagem narradora com relacio ao tempo a respeito do qual ela fala. $6 depois de ficar perdido no tempo e q (or fica sabendo que se trata da Infancia e da primeira adolescéncia, ¢ ndo é bom que o leitor fique perdido. [As trés primeiras frases do segundo pardgrafo, que comegam a narrati- va, atropelam a questo: de décil a rebelde por causa de algu Como ot comoele Ieitor nao pode ser posto na na palavra do autor porque, se ele dendoo interesse por uma Veja bem: se ele fosse um ouvinte (e nao us propriamente ao asst Como ele nio esti presente, o autor tem de se por no lugar dele e antecipada- mente responder as perguntas que ele faria. ‘Além disso, arelagdo entre esses fatos ¢ o resultado nio fica clara ape- nas porque o autor atribui a eles 0 nome de resultados. O que o leitor quer saber é justamente como uma coisa resulta da outra, quer conhecer o proces so. Se assim nio fosse, qualquer histéria podetia, come diz, Joseph Conrad, ser contada apenas com esta frase: Eles nasceram, sofreriam e morreram. Mostrar meus sentimentos ¢ tudo aquilo que penscva 6 outra formulagio vvaga: 6 preciso contar direito, Desse jeito,o nico meiode que o leitor dispoe para tentarentender otexio é buscar em sua experincia uma situago semelhante ¢, se encontrar alguma, fica apenas coma sua, sem podercoffronté-a com outra, par- ‘que o texto nao expressou essa outra em sua particularidade. Nao didlogo, por- ferente & outro desses conceitos vagos, que precisam ser concretizados, cexemplificados, para serem devidamente compreendidos e avaliados. itidade 0 que 0s outros dizem nao nos torna — 56 isso - interessantes. A\ cases finais deste terceiro paragrafo também dao ape- nas 0 enredo da histéia mas no contam como ela acontece. Essas fases passaram nada conta do que interessa a0 leitor porque isso cle ja sabe até porque fase significa exatamente isso: um processo que se ee passa. Dizer que uma fase passou € 0 mesmo que fase. O que interessaria naio foi contado, isto é, dizer que uma fase € como tudo isso aconteceu, No tiltimo parierafo temos um discurso genérico a respeito da vida que, Qn; prega narrador diz ter adquirido mas a verdadeiramente. ccujo narrador também re- Observe, agora, a diferenga: o texto a seg lata, em primeira pessoa, uma dificuldade pesso: tar fracassos € geralmente mais instrutivo do que relatar vitrias, tanto para ‘quem 1é, quanto especialmente para quem tenta entender as eausas do fracas- so organi s, tomando- Ihe acessiveis os fatos ocorridos € os sei imentos que expe A volta gloriosa Liege Copsiein Quando eu pare al pentando e acabava falando. Minha sede de ba Chegeva em casa 285, 0 ven tador En adi hava no expelhoe flav, 10 sinha, agora étude por mina cont, Fuseu que invent a hist toda, agora nfo oss ficar com pena de iam. Maseu cava, me lamentava Sou ono. sou afuncioniia mais nova do Bans! Bom é que era fil fazer at, ¢ a grana era pouca. Era sopa knor todos os dias. la em casa lavarreupae ainda esnobava os velnos~“Té me dvertindo tl, adoro mora sca, ito devo nada pea vooe Bemquecu eri quando aparecia auelas baraaspr-his tercasedavam wo rsantoem mim, Alguma cos estava dando evade, na Su. cia no é bem assim. Léa guizaa sai decasacom 15 anos. Poe que € qu cu nto agiento a bars? f que no deve tr tna barata. Une noite um eara que nunca vi ateve me convidon pra gente seconhecer melhor: le foi mult Sut Fale pra ele que morava com meu info e bat sport, jogando no chlo csmeusideais feministas. Se ele fosse um arado? Eu tava pve, Nobanco,o trabalho ergum sco; na acu u enavne sata corrend, Obiancirio medio tem a menlidade quase to abeta quantoa de um padre da 12 um acontecimento que experienciow precisa cot doSu Amie mandou chamar: “Quem sabe tu volta pra casa?” Ta bem, cu fago esse sacrificio, Mas é 6 porque tu pedi! ONARRADOR Assim como o autor de uma apresentagao pessoal ou de um relato so- bre o proprio cotidiano precisa ver-se de fora para que seja capaz de com- pot um quadro completo de si mesmo para o leitor, do mesmo modo 0 au- (or de um relato de uma emogai forte ou de um aprendizado resultante de se em narrador da portanto, o que € um narrador, comecemos por af: 0 narrador nio é 0 assim como po: €. uma redugio do assunto todo. ico tema capaz dé organizar um rela- to, precisamos também postular uma redugo do autor a uma unidade narra dota capaz de mostrar-se parao letoecomo on apresentar a mais interessante versio da his ja por té-la presenciado, seja ainda por ter eoletado os melhores da- ‘que éuum bom motivo para que ele se interesse pel fornecem os dados para que o letor organize sua interpretagio mas enquanto © segundo, o conto “Missa do Galo”, de Machado de Assis, vai compondo, junto com esses dados, um retrato do personagem-narrador que viv 20 relatada, o primeito texto nada diz a respeito de quem o naira ¢, desse modo, inviabiliza 0 trabalho do leitor. Era um quarto pequeno ¢ fechado, Eu estava sentada numa cadeira incOrmo- dd, de frente para uma mesa sobre aqual repousava uma velascesa,Jé devia ser fora etalvez fosse domingo. a havia sido hipnotizada antes por 4ue tinha receio de falar coisas que preferia que continuassem em segredo. 3 eu ofhar na chama da velac comecei a prestaratengao na vor. do hip: jor. voz era calma, quase um sussurro. Mandou-me fazer uma conta gem regressiva, depois fechar os olhos. Eu estava completamente relaxada, 0 sono queria me dominar. Nao reluei, deixei-me ser levada por aquela sensacio, Instantes depois me vi numa floresta muito escura, Estava chovendo muito forte, e euestava sozinha e sem abrigo, Caminhava rapidamente, estava assus- ‘ada. Assim, encontrei uma casa velha, de madeira, uma ténue claridade atra- vessandoa janela. Entre, hesitante, com medo. Num canto da sala uma senhora ‘muito velhe estava sentada numa cadeira de halango, toda-vestida de preto. Ela falow alguma coisa pra mim, & dificil recordar o que foi. Acssahor, passei novamente a ouvir a voz do hipnotizador. Era um sopt le falava ora numa orelha, ora noutra, aumentava e diminu‘a a altura da voz, rogava a pele do meu resto, soprava meu cabelo, me deixando completamente tonta. Dat pediu para eu abrir 95 olhos. Me olhou longamente e disse que me ‘amou. Atéhoje ndo entenclio: Se 0 narrador da hist6ria nfo entendeu, jamais Ieitor algum entender ‘com apenas estes dados, especialmente porque ele nao tem a menor idéia de quem 6 esse narrador: nenhum dado é fornecido, ssde os mais tiviais como sua idade € 0 motivo de estar ali até os mais espectficos como, por exemplo, 0 que ele cré a respeito de hipnotismo e que espécie de cori ra faz sobre 0 signifieado do acontecido. Semesses dados nada pode fazer o leitor. Veja como. Machado de Assis resolveu esse problema. Missa do Galo Machado de Assis ‘Nunca pude entender a conversacio que tive com uma senhora, hi muitos ite de Natal. Havendo ajustado coin um vizinho irmos a missa do galo, preferi nao dormir; combinei que eu iia acordi-loa meia- ‘Acasa em que eu estava hospedado era a do eserivio Menezes, que foraca- ssado, em primeiras ntipcias, com uma de minhas primas. segunda mulher, Con- ceigto, ¢ 2 mae desta acolheram-me bem, quando vim de Mangacat Rio de Janciso, meses antes, a estudar preparatécos. 9 naquela isa assobradada da Rua do Senado, com meus livros, poucas relagies, alguns dizer a0 Menezes que ia ao teatro, pedi-The que me levasse consigo. Nessas oca- sides, a sografazia uma careta, ¢ as escravas riam & socapa; ele nao respondia, vestia-se, saiaes6 tornava na mani seguinte, Mais tarde é que cu soube que o ‘eatro era um eufemismo em agio. Menezes (razia amares com uma senhora ido, edormia fora de casa uma vez por semana. Conctiga0 pa ‘com a existéncia da comborga; mas, afnal, esignara-se, acostumara-se, ¢ agibou achando que era muito dei Boa Conceigdof Chamavam-the “a santa” efazia jus 00 0, tio facitmente nem grandes rsos. No capi ia um harém, com as aparéncias sal- 'udo nela era atenuado e passive. O pro- em feio, Era o que chamamos uma pessoa a. No dizia mal de ainguém, perdoava tudo. Nio sabia odiar, pode ser até que nao soubesse ama. Natal para vera “missa do galonacorte”. A familia recolheu-se & hora do costume; eu meti= za sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao comredor da entrada © Tinha trés chaves a porta; uma estava como-eseri- alerceira ficava erm casa i voré todo esse tempo? perguntou amie de tradusio, creio, roda sala, e luz rosene, enquanto a casa dormia, pei ainda uma vez wo de D’Artagnan e fui-me as ave youco esta s minutos voavam, a0 conttirio do que oui bater onze horas, mas quase sem 0, um pequeno rumor que ouvi dentro veio is passos nto corredor que iada sala de visitas 8 Conceigao. ~Ainda ndio foi? perguntou ela foi sentar-se na cadcira que ficava defronte a mim, perto do canapé. Como cu the perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, 1es- pondeu com presteza: = Nio! qual! Acordei por acordar. Fitei-a um pouco e davidet da afirmativa, Os othos nao eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam nio ter ainda pegado no sone, Essa observaco, € justamente por minha causa, € menlise para me ‘no afligirou aborrecer. Jé disse que la era boa, muito boa. “Moreninha”? Macedo? Teno Ii em Mangacatia. ide romances, mas leio pouco, por faltade tempo. Que romen- .€capaz de nao dormir de dia? outro dia estou que nao poss guns passos, entre a janela da rua.ea porta ‘como desalinho honesto que trazia, davame uma iar. Magra embora tinh nio sei que balango no ander, como var © corpo; essa feigio nunca me pareceu tio distinta como Perava alaumas vezes, examinando um trecho de cortina ou con- tornouao espanto de me ver esperar acordado; cu repeti-lhe o que ela sabi missa do galo na corte, € no queria per ~Acredi semana santa nia Corte & mais bonita que na ro¢a. S: Santo Antonio. Pouco.apouco, tinha-s inclinadk Foo no digo, nem fincara os cotovelos no micmore da mesa das, Nao estando abotoadas, as mangas ‘ade dos bragos muito clatos, e menos ma- ros do que se poderiam supor. A vista nfo era nova para mim, posto também nfo fosse comum; naquele momento, porém, a ‘As veias eram tio azuis, que apesar da pouca: lugar. A presenga de Conceigio es dizer o que pensava das, iam vindo i boca. Falava emendando 0s assu deles ou tomando 0s primeiros, rindo para .desse pela hora nem pela miss. ago, ela inventava outa pergun- (Quando eu seabava uma narraggo ou us wr palavra. De quando em quando x0, rms baixo. Havia também umas pausas. Duas ou trés vezes pareceu-me que a via dor imi; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fad ‘24 como se cla os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tomou fechar, io sei se apressada ou vagarosamen mpressdes dessa noite que me pa- recem truncadss ou confusas. Contradigo-me, atrapalhio-me. Uma das ie aiti- da tenho frescas & que, em certa ocasidi, ela, que era apenas simpitica, ficou quis levantar-me: no consent me aestar sentado. Cuidei livesse uma arepio de f achara [endo. Dal relanc ita pelo espetho, que ficava por cima do cana- PS falou de duas gravuras que pendiam da parede Estes quadros esto ficando velhos.J& pedi a Chiquinho para comprar outros. CChiquinho erao marido. Os quadcos falavam do principal negécio deste ho ‘mem. Um representava “Cledpatra”; 0 me recordo o assunto do outro, mas ram mulheres, Vulgares ambos; naquele tempo ndo me pareciam feios. ~ Mas imagino quo os fregueses,enguanto espe, fla moro, enaturalmenteo dono da casaalegraa vista dels com figures ris. Em casa de fara & que no acho muito proprio E 0 que eu pense, as eu penso ruta coisa asim esqusita Sea io que for, no goto dos quadros. Ei tenho uma Nossa Seahira da Conceigao, nica mach, muito bonita; mas € de e+ cultura, ndo se pose pena pare, nem quero. Est no meu orto, ‘idea dooradriotrouxe-me ada miss, emibrou-me que podia ser tarde ¢ ais dzé-o, Perso que cheguei a abrir aboce, mas ogo fechei para ouvir o que «la contava, com dogura, com grag, com al moleca qu taza preguiga a mi- nha alma Faziaesquecer a miss e aire, Fala de suas devogtes de mening «emoga. Em soguida feria umasanedotas de bail, uns casos de psicio,remi- niscéncias de Paquet uo de mistura,quase sem nterrupsa0. Quando cansou do pasado, alo do presente, dos negécios da cas, das canseiras da familia, ue the diziam sr muitas, anes de casar, mas no era nada, No me contou, rmaseu sabia que casara 20s int sete anos —= Jéagora no troeava de lugar, comoa principio, equse no sara da mesma attude. Nao tinha os grandes ofhos comprides, e eto x olhar toa para as paredes, = Precisaamos mudaro papel da sala, disse d Concordei para dizer alguma coisa, para ssir daquela espécie de sono mag- nético, ou o que quer que era que me tolhia a lingua e 0s sentidos. Queniae nao podia acabar a conversagio; fazia esforgo para arredar os olhos dela, earreda- va-0s por um sentimento de respeito; mas 2 idéia de parecer que era aborreci- ‘mento, quando nio era, levava-me os olhos outta ver para Conceigéo. A con: versa ia morrendo. Na rua osiléncio era completo. CChegamos a ficar por algum tempo - nio posso dizer quanto -inteiramente calados. O tumor nico ¢ escasso era um roer de ca 1g0 no gabinete, que ‘me acordou daquela espécie de sonoléncia; quis alar dele, mas ndoache! modo, Conceigdo parecia estar devaneando: Sabitamente ouvi uma pancada na janela, do lado de fora ¢ uma vor que bradava: Missa do galo! missa do g ~Afesté ocompankiiro, disse ela, levantand-se. Tem graga; voos 6 que fi ‘cou de it acordé-lo, cle éque vem acordar voc8. Va que hii de ser horas; adeus, ~ Hi serio horas? porguntci pouco, como se faasce consign. ~ Missa do gato! repetiram de fora, batendo. = V4, vi, nfo se faga esperar. Aculpa foi minha. Adeus; até amanha. ceigio entiou pelo.coredar dentro, pi mime. pure: fiqu so conta do mevs dresser anos, Na falei da missa do galoe da: vad igejt im encharaecidad’ da Conceigao, Durante 0d smpre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversagao da véspera, Pelo Ano Bom fui para Mangaraiba Quando tomei ao Rio de J xia. Conceigio morava no ‘mais tarde que casara com o eserevente Observe que este narrador, além de nos contar minuciosamente, concre- tamente, 0s fatos dessa sua conversa sussurrada com uma esposa abandonada pelo matido adiiltero em plena noite de Natal, nos diz, ainda, quem é ele: € lum ingénuo jovem interiorano de dezessete anos que nao tem a necess periéncia da vida para classificar os sent {es que experimenta durante essa conv: do retrato do personagem ‘0scom sua propria experiéncia de vidae de leit resolver a questio proposta na abertura do texto: entender a conversa. O natradot nao é 56 um personagem; € também um ponto de vista. Veja bbem a primeira frase do conto: Nunca pude entender a conversagio que tive com uma senhora, hd muitos anos, coniava eu dezessete, ela trinta. Quem nar ra, quem prope a questo no ¢ 0 ingénuo mocinho de dezessete anos; € um 19 ssenhor de mais idade, que sabe bem mais da vida c até mesmo dos fatos, conhe- lusive a distancia neessria para poreeber oacontecdo um personagem: € apenas © co narrador em terceira pessoa, uma voz impes- respeito da vida edo mundo, ponto de vista, coma 0 els soal que fala em nome de um conjunto de icéi stnushaevatine Pandamavede Para propor um didlogo ao leitor, isto 6, 4 im interlocutor que nao esta presente, é prociso apresentar-lhe uma hist6ria completa, 4) dando-Ihe todas as informagdes necessaias a respeito do enredo, do . do narrador e dos demais personagens, da época em que a ag30 se valiar a +a, mas também fazer a sua propria avaliagdo da hist6ria, em confronto com sua propria experiéncia. hist6ria s6 tem chances de se tornar completa a partir da clara ¢ dade temética e de sua disposigao de dar coi tia, sto 6, de contar tudo 0 que for necessétio para que 0 ‘com ela. Isto quer dizer que para contar uma historia € preciso, a0 mesmo tem- Po, renunciar a contar tudo e dispor-se a contar tudo. Estas duas aparente- ‘mente contraditérias disposigdes de espitito serio tratadas a seguit, Renunciar a contar tudo, ou unidade temdética De tudo o que aconteceu, 56 interessa contar aquilo que converge na diregio do esclarecimento da questio que vai ser equacionada no texto; 0 alguns dos que esclarecem essa idéia central - no vémn ao caso e niio de- vem sequer ser mencionados. A unidade tematica da narrativa também parte da atitude de considerar ahistériaa ser narrada como um problema aser resolvido ou equacionada. A diregdo da problematizagao da narrativa, no entanto, é diferente da diregio 130 em que marcha essa problemat apresentagao pessoal ou num m nossa meméria devido a alguma peculiar import atizar nossa apresentaga0 pessoal ou nosso co fies dcterloar ama guest para ser tratada, uma dentre as muits q postas ai. Podemos dizer, até mesmo, que temos de inventar umaq buir um significado, J4 uma narrativa que ficou em nossa meméria term um significado proprio que n6s temios de descobrir. Descobrir pode significar, as vezes, escolher a questo mais profunda entre varias questdes que estio pos- tas na histéria a relatar. Vamos ver o texto que segue, escrito a propésito do tema relato de wna emogdo forte. Junho de 1987. Recém-safda de um casamento fracassado, comecei a notar alguma coisa de diferente em mim. E ndo era depressio, por ineivel que pare ‘ga! De tepente, me vi com vontade de comer peixe, e até pedi pra minha mie fazer para mim. Imagine, logoeu, vegetariana hi tanto tempo. Comecei a notar ‘uma pequena barriga se formando, e eu ni © porque; afinal, nunca tive barriga na minha vida. Até comentci com a minha iema, em um tom casual de {quem mio esté acreditando, que meus seios estayam diferentes e que iss0, a850- a 6 poderia ser uma coisa: gravider. Fuia ginecologista por um outro motive qualquer, equal no fo aminha sur- révida mas que estayacom tres meses, 0 que se podia notar pelo tamanho do colo do stro. senti completa, vo Bessa sensagiio, lag. $6 achava que ele culpada dos meus ers (acon- em casamento). Resultado: foram m: ‘cuidasse, eu abortaria 0 nené, entio eu tomel a resolucio mais nha vida, bom motivo para lutar.E fo por isso que eu lu E o tempo foi passando. Eu jé dio me senti nha, Comecei a estudar ppara o vestibular arranjei amigos no cursinho, meu macido me seguiapelas ruas, Queria tocar minha barriga, Dia primeiro de dezembro de 1987. Depois de um discussio muito séria com ‘meu marido apés a aula, peguei o Gnibus para casa, 2s contragdes de quinze.em quinze minutos. Quando cheguei,jéesta levou pro hospital. Fuidireto para o Ce para o parto, mas as contragBes diminuiram até fiewrem perando em um quarto esterilizado, ‘enti muita solidio. Pensei no vestibular que seria dentro de quatro dias, e se conseguiriafazé-lo. Mas a coisa que eu mais queria era nao estar so uém que me desse seguranga, Seat falta do mew marido, acordada, as dores voltando. Eram oito horas, e eu continuava sozinha ‘naquela sala. Meu médico no aparecia, e eu berravaque me acudissem, que 0 nené ia nascer. Nao era dor que me fazia grita, mas 0 medo, o abandono em que me deixaram no dia mais importante de minha vida, ‘Sem pensar, levantei para ir ao banheiro. Uma enformeira mais experiente ‘mandou que me deitasse se ndo queria que o nené eaisce no chito. Me levaram correndo pra sala de partoe chamaram o primeiro médico que apareveu. Foi tudo tio. ve, quando vi, ele jétinka nascido, e tudo o que sent foi um enor- me alfvio. Quando colocaram o Lucas sobre mim, tio pequeno, tio desprotegi= do, foi amor o que eu sent. Finalmente eu sabia como ele era. Valera a pena, A.questdo 6 apresentada nos dois primeiros pardgrafos, e € a gravider de- pois do fim do casamento, ou seja, o texto tern wma hi uns problemas nessa apresentagdo da hist6ria, O primeiro é o tempo que se leva para recém-sair de um casamento: como essa abertura nfo esclarece que 0 pai da crianga é 0 ex-marido e nfo dé cobjetivamente medido desde o fim do casamento, no hé como o keitor antecipar para si mesmo a verdadeira dimensio da questo. O casamento nao precisa serrelatado, nem 0 fracasso, que também nao precisa ser nem mencionado; afinal, se alguém saiu dele, s6 pode- ria ter mesmo fracassado. A situagdo inversa é que precisaria ser esclarecida: alguém sair de um casamento bem-sucedido seria inusitado. A emogii, relatada no segundo pargrafo, tudo bem; 0 minimo que se ‘espera de uma mulher grévida é que ela tenha esse tipo de emogao e que fale dela. Muito mais interessante, no entanto, teria sido explicar o elemento de tho de um casa conflito que necessariamente deve af apa ‘mento ja fracassado é muito mais problem: ainda em vigor, o que certamente ria af, noe é Imistério s6 desorienta leitor. ‘As duas primeiras frases do terceito pardgrafo sio as tnicas adequadas aqui, Fazem uma discreta mengdo ao que aconteceu antes, sem compromisso ‘com orelato de uma situagio anterior que niio vem ao caso. As demais fazem Julgamentos a respeito da situacao anterior, o que leva leitor a querer fazer seu proprio julgamento. Para isso, ele precisa dos fatos que 0 narrador no 12 Ihe dé porque nao vai contar toda a histéria do casamento porque ela nao vern ‘ap caso: a questo aqui é, como ja foi apresentada no i contada com o detalhamento necessério para que o leitor org- nize também seu quadro da histria. A solugdo seria detalharo convivio nes- ses dois meses de caos, dando com isso os dados de que o | O quinto, 0 sexto eo sétimo parigrafos falam de uma narrada de um forma tio genériva e abstrata nto dé: ou 0 envolve, participa, o Fido seguir pelas ruas para tocar nabartiga é uma situagio apcesentada ao lei- tor sem que ele possa julgar se iss0é bom ou ruim, jf que tal personagem nfo € apresentado ao leitor, que $6 sabe que ele 6 i mos diante de um fato que seria mais pradente omitir, sob pena dé'ter de ra- mificara hist6ria em uma outta diego, ‘Outra questo muito séria é a falta de localizagao do personagem narra- dor: ela vai para casa, mas que casa? E ai fica sozinha no hospital, ¢ 0 leitor nio é informado do motivo da solidio; nao pode, portanto, avaliar se é soli- eparagdo. Nada demais em contar 0 parto, 4 solidio de uma aventura dessas. O que nio eabe é aquele algum o texto menciona isso. Essa € uma questo importante? ressa Se as questdes sdo importantes em si. (eressa sua contribuigo para o entendimen- iva quer passar. ese, 0 texto tenta manejar muitas emogdes e muitas idéias, e por isso ele nio segue um caminho muito claro e desorienta o litor ao dei- xar de contar algumas coisas importantes e py irrelevantes para o entendimento dessa idéia central, Por tante que 0 autor consiga se ver de fora, obj acontecido com quem se dispde a narré-la — como um acontecimento que 133 the foi contado com a finalidade de ensinar-Ihe algo, $6 assim & possivel separaro essencial do acessério no s6 para contar apenas o que Vem a0 caso, oqueilusira oen a8 também para contar tudo ‘que é necess Dispor-se a contar tu otis a questo de um outro angulo, vimos que, para es historia que interesse a um tor, 6 preciso atentar para as peculiaridades que diferenciam uma hist6ria escrita de uma historia falada. A seguir, discutimos a necessidade de dar tengo ao leitor, levar em consideracio exatamente essa sua condicdo de de um interlocutor com 0 qual vamos nos relacionar por meio de quem temos de dar condigbes de relacionar-se com a histria Resumindo 0 que jé v Cendo-Ihe todos as informagdes de que necessitaré para compor a hist6ria unbém de respeitar suas conviegbes, fornecendo-Ihe os dados con- cretos em que apoiamos nossos julgamentos para que ele possa também fazer 0 seus julgamentos e contro’ brie qual a ligio que tio quetendo ensinar, temos de pes ara neles separar o essencial do acess6rio e compor com eles uma hi to &, um conju jentos que fazem sentido a partir de uma idéia central, e nao contar apenas uma seqiiéncia de eventos na or- dem em que eles meramente aconteceram, ara contar uma histéria, além de dar atengio 20 mbém dispor-se a conté-l, isto é, determinar-se uldades de dar um depoimento pessoal sobre tudo 0 que est envolvido nela: contar tudo, como ja dissemos Tomemos a seguinte histSria, escrta a partir da proposta situago que produziu um aprendizado, como roteiro paraessa discussio ode 1987, més do meu aniversirioe ano devs bul uses, ums pressor, esse qed ei aie frga mas sean com fuaggr tip de Consehesinsipontves snd oid mut alr onfasto, fi quando ov pela Toss melhores mas vpotiel. Alguncumprimeton Com tempo elfarescomegaraasertocado,umbrilho especial tale, Acorava nara de escolher ma oa sempre ung eodpagio ma ots 134 ‘com uma certa maldade no ar. As primeicas conversas e muitos assis! ‘mum comegaram a despertar um interesse mais forte. Sern notar comec grecer e a me sentir extremamente presa a ele, A diferenga de idee era grande, eas vidas totalmente distintas, mas, como tudo que é novo, total atraente, Com mais Aula, Qualquer motivo: fugit da sua p tuagdo. De certa for bares, nem pensar. Uma mudanga tora: j eram 10 quilos a menos, e uma von- tade enorme de estar sempre em torno dele. Rodei no vestibular. Decepcao total para todos do meu colégio e da rainha familia, pis eu era daquelas certas quc iam passar, daquelas que onome ra a0 tltimo a ser procurado porque sempre fui uma carta certa dentreos meus colegas e concorrentes. Descobri o que € realmente o amor. Claro que no meu caso foi uma experi- éncia doentia, Agora no consigoc nto. Aquele amor passou, e jf faz dois meses que nao 0 vejo. Ele provavelmente continua naquela sua vida da qual jéndo f parte, Jd recuperei alg _gumas dores esentimentos no coragdo que nem sabia que existiam, go di ‘meu corpo a valorizar procurando descabrir outros todas as pessoas que me rodet ‘Agora, mais do que nunca, buseo novos amores porque aquele papo de que ele no move montanhas € urna mentira. Tenho al sempre penso duas vezes antes de afirmar qualquer opi ifpios de vida. Nao sei mais que curso fazer, e isso me incomoda, mas uma coisa é ceta: estarei sempre lutando pela Felicidade a, em primeiro lugar, necessariamen- te, uma reavaliagio pessoal das idéias correntes a respeito da situago so- cial em que a hist6ria se localiza, das instituigdes nela envolvidas. Na his- (ria, a instituigdo vestibular é apenas mencionada, sem que o nartador dé seu depoimento pesso: conseqiientemente, a re- prox ideias correntes a res colocando-se e, como conse- qléncia disso, colocando o I |, numa atitude de acetacio ndio- exitica do que se convencisinou caracterizar como o seu clima. 0 que inte- ressa para uma hist6ria destas € mostrar qual a contribui¢o desse cendrio e desse momento hist6rico da vida do personagem-narrador para o estabele- cimento e 0 desenvolvimento do conflito narrado. 135 Ao contrario da impressio corrente, nilo & nada lisonjeiro para 0 texto res [..] € [.] suportdvel ...] no dizem nada pari ‘mesmo mativo jé exposto: acatam um sentido atribul mostrar, aparega o concreto exempl trem o peculiar sentido que o text fica interpretario que a elas do personagem em questo. Observe- Se que no pendiltimo pardgrafo as expresses com que o nurrador refere sua avaliagdo do saldo da situago vivida (desc © compo e valorizar todas as pessoas.. arespeitodesse personage: +a (que precisaria ser esc Para fazer tal reay ¢ letor, essa difereng: ‘Vejamos como o segundo pardgrafo da narrativa revela que o autor nio.conse- ido & imprecisdo com que sto cempregadas as palavras nas duas primeiras frases do parégrafo, oleitor ni tem como avaliar © que esti relacionado a conecar a emagrecer (4 que emagrecer tem, para uma pessoa de 40 quilos, um valor completamente diferente do quetern em valor de auto-estima é essencial para que o leitor possa considerar 0 significa: do de emagrecer e que relagio deve estabelecer entre emagrecet e sentir-s reso gem attibui a essa demas conceitos expressos pelo parigrafo testemunham essa diffe de ver de fora, como objetos postos diante do olhar de quem conta, as questBes Ou seja, 0 depoimento pessoal em mentos experimentados ¢ do valor teca, este romance deve ser contado em sua especi em comum com todos 0s outros. Na verdad avaliagZio a serem tor uma avaliagio para d que ele quer para compartilhar uma t20 comp! amos ter certeza do motivo pelo qual queremos contar exatamen- ia exatamente para estas pessoas. realmente relevante para compor a histéria, selego que comega pela rentin- cia acontar tudo e segue pela decisio de contar tudo o que for realmente mais importante, que geralmente 0 mais complicado, o mais doloroso e o mais 37 ‘Agora veja bem: re o nascimento do filho, tem uma consistente unidade temética, de uma questio sem enveredar por subenredos dispersivos. Seu 6 justamente o oposto: nio contar tudo o que deveria ter contado. Para esclarecer possiveis equivocos Para esclarecer possiveis equivocos com relagiio a tudo o que foi dito aqui, leiaa hist6ria que segue, escrita a propSsito do tema relazo de una emogao for- te. 0 primeiro equivoco que ela visa desfazer é a impressio de que € preciso ser se texto, tal como aquele If atrs chamado A volta gloriosa, foi escrito por um ‘luno de primeiro semestre de curso universitério. Leia-o com atengio, Quase César Romero Era uma tarde quente, de um dia quente, de um 1981, por ai, nlo lembro bem. S6 sei que estava quent, meio émido, daqueles dias em que a gente nfo ava na plenitude dos quinze anos. Puxa! Até parece que foi ‘ontem.. Cabslocomprido, calgo,camiseta,chinelo-de-dedovirado ~ era moda na €poca - peguei a bici,cafto, magrela,caco, eja qual fosse 0 nome que pra elativessem dado, nenhum pegoude io feis que era~e fui para o Dilo. Ela ‘eio para mim depos de uma série de ransog6es: pximeir foi do Dani ~ixmto {oDilo~, que vendeu para o Xande, que era irmio do Pauloe do Zé que nada téma ver coma istvia -, que vendeu para o Régis irmio do Dito edo Dati Eeuacompreicom dinheiro, frutode um negécio mal sucedido, diga-se de pas- sagem. Vendi uma Monareta roxa, novinha, daquelasdobrveis, send que, nde dobrava, estava soldado, o que nio prejudicava em nada a sua estética. E que eu nfo gostava mesmo dela. Visto que me haviam roubado uma outra, que eu inka genho quando fizera sete anos, esta me apareceutrfs anes mais tarde,como queem roca de uma outra que eu tinha, que, de velha, venderam. Poisé. era roxa, segunda mio, pouco uso, bom estado, mau negociante, rin- tamil. Bah! Minha mie quase me matou ~Tuestslouco,guri, tu deste bicicleta, onde é que tu pensas comprar ou- tracomesse dinheiro? ~Calma, me, eu vou comprar ovtra maior, uma Cali Dez. 138 réplica quase perfeita: quadro dois de- dos, de Monark Dez n 70 vintee seis de corrida com um pneubalo, pra tocar em tudo quanto era buraco, Na trascira, outro aro vintee seis, s6 que de ‘com pneu baldo também; uma pinha quatorze ¢ uma coroatrintae dois vo, ti porradal Era pea fazer forga mesmo! Um banco de Caléi Dez, snte. Aquela relaglo de coroxe pinhdo era similar décima deuma de cor- rida importa, a fu, i Estava acambada toda de galinhagem — 0 Xande, oDilo € oRE- ando conversa fora. Jdera qua todos pra ir no Leco -que nao am, mas pegaram. to Niemayer, Jaguar. Bah! Era umaputa de uma lizada, Também nao era muito movimentada, pouco mais que a Vendncio na hhora do pique. E ld se foi cambada. Os tés pela calgada, e eu pelo meio da ua, porque no tha freioe no podia parar frente pessoae obstéculo e depois porque dava uma {eso aquele vento no resto, e aquela porcaria pulava que nem pipoca! ‘Ah! que ventinho bom, A camiseta, ocalgio, meus chinefos, minha bi ‘meus amigos, 0s fréids! Os earros, 0 vento, os carro... Dees jf se podia ‘os0m dos motores e perceber-Ihes 1 pressa voraz.com que erwavam a Ja lava pra ver a continuagdo da rua do outro lado da faixa, aque Ie aretozinho alaranjado, ‘Tudo era tio calm Id de cima, Algo errado: estava andando muito répido. 0 vento jé nfo parecia tio bom assim, Estava pulando mais que antes. Uau, como andava, que loucura! Eu comecei are, meio que sem jeito, fui tocandode leve ‘pé narod da frente. laa, como i. Baht dizia pra deixar comi- ceruzamento sem maiores problemas, Sabe ey é unto que agent per noo do 30 descondo a lomba da Jaguar am muito mais rapidamente do que uma ima fragio de segundos, Toda aquela descida levou tudo isso, pensamentos ¢ ocorréncias, se passa © professor, contou, dentre tantas outras tudo 0 mais que desceu uma lomba, poca, de passar er ele, com 56 anos, me inqueles em 1940 e poucos, freios ¢ conseguiu 0 10, por que eu nao poderia fazer 0 05 caries... ‘a cara dos caras de boca aberta, Tamanka foi minha alucinagio {que eu nem mais tentava sequer parar a bicicleta. Sé sei que achei que ia dar. Pois 6, estava achando que ia dar mesmo. E os caras ali, gritando: faz isso, faz mais desesperados que eu. Mas é que nto tinha mais eto: ou eu passa- fa entre 0s cartos ou fi leles.Pois fi, eeu acordava dopesadelo. Os caras fazia bem uns trés metros, noutra tent E os carros. E eu, apavorado! Os caras, pas: uma jamanta a minha esquerda, daquelas tom depois de ter dobradoa curva, ¢ 0 6a- ‘inhi a0 meu lado sem mais buzinas, um daquelesnegres que estavar den- tro dacabine botou acabeca pra fora gritou, bem alto, pra ex ouvir e .quecer:“ puto”. Econtinuou como vinha, sem: ter parado, sem ter pen m nada, s6buzinou, sem ter sequer sabidoo que havia passado comigo. rn (tha, depois do imo ventinho que 0 caminkio deixcu, quando passou por ‘mim, eu ainda de boca aber, olhos aregatados ea beca, como a dizer que sitn, ainda pude pensar, vivo, qh cchamado de puto, nem gostei tanto, em toda a minha vida, como naquele momento. E foi assim, quase... rente de con- le para escre~ inguaem que sas pelo nome que eto porque foi nessa Kingua que ele viveu essa to espect- eto, mas nao de- te, no acon- Agora, veja bem: dissemos que escrever uma hi tar uma hist6ria numa roda de bar; nao dissemes, ‘que também leva 0 nom respeito do narradot. Mui fatos) ¢ 0 seu efeito sobre 0 dor, em primeira ou terceira pessoa, e1 de palavras, de construgdes, de tom et A diferenga ct escrita se dire, mas 0 letor nao é uma entidade abstrata,Pelo contrério: hd eito- rese leitores, eo narrador pode escolher aquele que mais Ihe agrada e determinar em que tom vai-se dirigir a ele. Oleitor no sabe como é a Vendio na hora do pique? Bem, o texto no vaidescer a.essas miudezas, vai s6 dizer ogo depois que 6s carros passavam na freqtiéncia de dois por segundo: zum-zurn. O Ieitor acha que puto € feio pra se escrever num texto? Vai ler outro mais bem comportado, entio. Nao dé pra agradar todo mundo, e escolher estes & perder aqueles. E pior: tentar falar para todos resulta geralmente em falar praninguém. 'No mais, observe como 0 texto vai constniindo sta unidade temética a partir de uma aparente dispersio: 0 processo de aquisicdo da bicicleta, os seus antigos donos e suas relagdes familiares, a descri¢io da prépriabicicleta, tudo isso vai-se somando numa aparéncia de casualidade, de conversa fiada, de lero jogado fora, para se constituitem, depois, durante a narrago dodrama,da de- senfreada descida, em informagdes decisivas, nem que seja para possibilitar as objetivas minicias e digress6es, t20 importantes para o retardamento do desfecho, retardamento que & justamente 0 que faz, com que 0 leitor possa so- frer também essa descida. Observe, principalmente, a importincia da disposigao de contar tudo. E sobre ela que esie texto se constrdie é dela que adquire seu encanto, provan- do que muito freqilentemente tamanho é documento. Unidade temdtica, por sua vez, no significa necessariamente a obediéncia a uma linha reta que Leva 0 drama do principio ao fim. As qualidades da narragao. Objetividade, unidade temética, concretude, questionamento sto, como jinam a relagio que o této vai estabelecer com seus letores por meio do didlogo que travanio s6 direta- mente com eles mas também com os demais textos que o antecederam na his- (6ria dessa relagio. Essas qualidades discursivas sao, portanto, igualmente necesséirias para que uma narrago escolar se transforme em um texto OBJETIVIDADE nar um aspeeto de seu jeito de ser para essa qualidade ji dedicamos as segdes an falando das diferengas entre narragdes or mais habituados do que com as narrativas ceptor quanto na de autor; tratamos, a seguir, do que vai depender 0 sucesso da histéria contada. UNIDADETEMATICA. _,, A unidade temética de uma narrativa comega a se constitu na disposi- 0 de contar uma historia, e uma hist6ria envolve, um enredo, um conflito, 13 fatos, personagens, nartador. O texto abaixo, escrito a proposito do relato de ‘uma emogio forte, est abaixo desse patamar i justamente por envolve- semogtes nunca foram féceis de seren ve ntos muito abstratos que vém do nosso i lacionadas a fel rem-se 6 inevitivel que atuem sobre elas as pessoas, 0 espago eo tempo. Creio que a emogio mais forte que tive foi quando me descobri mulher pela primeira vez. E realmente algo magico, deparar-se com emogdes ¢ scnsagdcs até ‘entio desconhecidas. A prinefpio tudo assusta:largar as bonecas, 0s sonhos in fants, principes e cinderelas, pela realidade, defintivamente toma-se algo novo, Esta descoberta é um processo longo, uma emogaio em cada novidade, ds ve- 2esperiodos extremamente gratificantes quanto ao enriquecimento pessoal; ou- {ros nem tanto, marcados tlvez. por decepgdes, mas estas para comprovar que nem tudo sio rosas. Contudlo, as mudangas so validas. Como podemos crescer sem clas? As ti ficuldades nos fazem procurar algo mais, eas emogGes Felizes nos acresceatam a esperanga de continuar Iutando pelos nossos objetivo. ‘Temos aqui apenas um assunto: descobrir-se mulher pela primeira vez. ha di no apenas parao dilog de propor um didlogo a texto nao se dispde a problematizar a questo sent ‘vez ao ponto de fazer dela uma questao para ser ot como assunto de discussio aberta para seus texto contiver Ié pelas tantas uma declaracio do tipo: niio vou me estender sobre esta questo porque isso seria por demais penoso para mim. O leitor, ja ccitamos Fernando Pessoa, lixa-se para as penas do poeta; ele quer saber € do «que pode esclarecé-o a respeito de sua (dele, eitor) particular dor. igo tem de ser levada as dltimas conseqiiéncias: 0 autor 36 tem 0 dircito de dizer algo como a emogdo fot indescritivel depois de tet qualquer coisa pode ser do que jé foi, o que tora, ainda rigorosamen- {{ no mesmo ~ torna qualquer coi maior da espécie humana e 0 esforgo a sua maior grandeza. ‘Nao se pode, também, ficar apenas no enredo: quem conta que nut dade viviam duas familias inimigas, e um dia um rapaz de uma das f apaixonou-se por uma moga da outra, ¢ ela também apaixonou-se por ele, mas as familias fizeram (anta oposigJo que os dois acabaram mortos, quem conta isso no est contando Romeu ¢ Julieta; esté contando o enreda sobre o qual Romeue Julieta ¢ tantas o jas se baseiam. E com isso, jé comega- mos a falar a respeito de concretude, CONCRETUDE Observe este parigrafo 0 texto foi escrito a propésito do tema cemogiio forte. As pessoas buscam fatores de identificagao, procuram ince’ auto-afirmacao, autoconhecimento e sua integragao prépria. Buscan seres humanos que pensem praticamente As pessoas io péssitnos personager suntos, pelo singelo motivo de que sao ci abstragbes. No entanto, é exatamente sobre cles que a5 contamos hi pelo singelo motivo de queé neles que nés nos encontramos. Eles so 0 sare trocar experiéncias. Eé justamente 3s, pessoas, seres humanos concretos que compart mais pessoas e com os demais seres humanos coneretos dessa natureza geral ‘onde nos encontramos. $6 podemos trocar experiGncias se elas contiverem, 20 lado dessas semelhangas fundamentais, diferengas bem claras que mostrem nossas individualidades, permitindo 0 transito de nosso aprendizado entre essa ser humano. Ao mesmo tempo é uma questo concreta que todos frentamos. Mais concreta ainda é a questo primeira relagio sexu: perda da virgindade ov res, ou dos adultos ou seja I4 qual for o valor que atribuimos ou acham que atribuimos a essa faganha, Podemos falar de sexo e de (perda da) vir- gindade abstratamente a partir do que podemos ler nos livros ou poderios escolher contar como foi que aconteceu conosco contribuindo para a re- flexio geral a respeito da questio e/ou para construir mais um dado que contribua para o esclarecimento a respeito de nds mesmos e do grupo mais préximo a que pertencemos, como nossos leitores, por exemplo. Essa pa- Ms rece ser a intengio do texto que segue, também escrito a propésito do re- lato de uma emogio forte. A primeira vez Minha concepso sobre o que seja uma relago Sexual do passa por uma cetta reflexto sabre ela a partir de algumas experiéncias vivenciadas por mim. (Quiinds apereceram as primeiras namoradas, na flor da puberdade, vieram pecto cultural de que o homem pode e deve fazé-lo para provar que jéé um ho- ‘em de verdade. Mas, por outro lado, sobrevinha, através da castragio familiar catdlica, acerteza de que. sexo era o maior dos pecados, uma falta irepard- 3s chegamos a conclusio de que valia a pena quebrar os tabus, 0s medos smo arriscar tudo para fazer algo que vamos extremamente lindo e natural quando duas pesscas se ama Se o mundo nao desse tantas volt hhoje, amando-nos nas dda paixio, welmente estarfamos juntos até somo loucos varridos, abrigados no Ojeito como otexto apresenta a questio ja a remete para a abstragio: and- lise racional, natureca essenciaimente emotiva,tecer uma certa reflexdo S30 ex- press6es que se afastam do conereto acontecdo da histiria. O mesmo prossegue no segundo parigrafo, que nao concretiza o narrador, nem sua familia, nem os —= amigos, nem as namoradas, nem arelaca0 pessoal com aquesto, a transada, tudo tratado como insttuigdes sociais. Lendo o terceito parggrafo, nenhum letor con- Segue acreditar que um narrador tio solene consiga apaixonar-se loucae irracio- nalmente, até porque o narrador sé diz isso; nfo mostra. Especialmente inacredi- pardgrafo seguinte que se puseram a re~ sarridos agem. A falta de coneretude do tex- rabando, queren- que diz a verdade, Nio adian apalpat, Jam ber. Ou sera que alguém af acredita que o narrador namorava a Mulher Mara’ Tha, que sabia posicionar-se, sem vacilagdo, a respeito de qualquer assunt ‘ pior & que, se isso era verdade, o modo como o narrador tentov nos passar essa informagio acabou por tomé-la suspeita, ¢ tomar a ele suspeito Veja agora como Machado de Assis resolve essa relagao entre 0 con- creto e 0 abstrato, entre a natureza humana e a natureza de seu personagem, entre a ligdo da vida e a ligdo de casa. O seu narrador vai nos contar 4 con- aprende a respei ‘mana: a corrupeio a delaczo. Conto de escola Machado de Assis Aeseol er na ua do Costa um sobradinho de grade de pau, Oanoera de para a escola, Aqui vai a razio, ‘Na semana anterior tinha feito dois suetos,e, descoberto 0 caso, recebi 0 pa- _gamento das mos de meu pai, que me deu uma sova de varade marmeleiro. As sovas de meu pai dofam por muito tempo. Era um velho empregado do Arsenal de Guerra rispido intolerante, Sonhava para mim uma grande posigio comer- ; escrever e cantar tas que tiaham come- para me meter de eaixeiro, Citava-me nomes de capi ¢gado no balcio. Ora, foi a lembranga do tiltimo castigo que me levou naquela hl ao colégio. Naoera um meninode virtudes. ‘a escada com cautela, para ndo ser ouvido do mestre, e cheguet a tem- sa brancae tesa e grande colarinho cafdo. Chamava-se Policarpoe tinha perto de cingienta anos ou mais. Uma vez sentado, extraiu da jaqueta « boceta do raps ¢ 0 lengo vermelho, pé-los na gaveta; do sala. Os meninos, que se conservaram de pé di sentar-se, Tudo estava em orem comegaram os aa .0 um grande medo do pai. Era uma erianga raramente estava alegre, Entrava na escola dep mestre era mais severo.com ele do que com conosco. Comegau a ligto de escola. Nao digo também que era dos m deperceber edeexcelenteefeitono se que mio era pl 0 de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todas, estar recortarnarizes no papel ou na tibua, ocupagéo sem nobreza nem espiti- ‘ualidade, mas em todo o caso ingénua, Naquele dia foi a mesma cousa: tio de-

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