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ESTUDOS CULTURAIS E DE GÉNERO 563

A publicidade entre o exercício da hetero e da homossexualidade


José Luís de Carvalho Reckziegel1

A publicidade entre o exercício da hetero A estrutura da peça publicitária consiste


e da homossexualidade na distribuição dos dados utilizados numa
superfície pré-determinada que, em conjun-
A publicidade é uma manifestação cul- to, busca retratar o comportamento social do
tural que busca, através de sua prática, a consumidor/receptor, utilizando referentes
formação e/ou a manutenção dos índices de sobre os quais o mesmo possui algum tipo
consumo necessários à sustentação de seus de conhecimento direto ou indireto.
clientes. Trabalha com a presença/ausência
dos produtos que anuncia, acenando a seu “[...], o artifício consiste em nos
consumidor/receptor com a sensação de ser darmos conta de que a verdadeira
uma pessoa independente e livre em suas proposta do processo de comunicação
escolhas. Mais do que apresentar marcas e e do meio não está nas mensagens,
produtos de modo informativo, a produção mas nos modos de interação que o
publicitária busca inseri-los e mantê-los na próprio meio – como muitos dos
sociedade de consumo. Para tanto, lança mão aparatos que compramos e que tra-
de uma gama de representações sociais zem consigo seu manual de uso -
presentes no cotidiano do público a quem transmite ao receptor. Sabemos que
dirige suas peças. Seu discurso fala sobre o o consumidor não somente crê, mas
mundo e também categoriza produtos e é com base nos modos de uso que
grupos sociais. A publicidade mostra objetos esses aparatos são socialmente reco-
a consumidores em potencial. Ela não os nhecidos e comercialmente legitima-
exibe simplesmente, busca provocar o dese- dos. Assim, é interessante saber que
jo, forjar necessidades de consumo para os a recepção é um espaço de interação”
objetos que anuncia. Através dela a produção (BARBERO, 1995: 57).
de bens se confirma e ajuda a formar pa-
drões de comportamento, autorizando deter- Penso que a comunicação publicitária
minadas posturas e inibindo outras conforme extrapola os limites estabelecidos pela peça,
suas intenções e necessidades. Ela executa rompe seu espaço de concentração interna
sua estratégia de sedução e de persuasão, para o das referências externas. É nesse
estabelecendo atributos ao produto. Atribu- sentido que afirmo que a publicidade pos-
tos que pretendem se fixar no imaginário do sibilita o aumento do saber sobre o mundo
consumidor, a ele dizendo que a posse enquanto matriz referencial em termos cul-
daquele produto resultará na consumação do turais. Pois, de acordo com Barbero,
desejo por ela estimulado.
A publicidade projeta um conceito “[...] muito do novo discurso da frag-
representacional do produto a ser anunciado, mentação passa pela publicidade, essa
estabelece um juízo ou formula um conjunto mesma publicidade da qual durante
de possibilidades associativas com vistas a anos nos dedicamos a fazer uma
desencadear um posicionamento, por parte do crítica ideológica. Porém, por mais
consumidor/receptor, em relação ao que foi que nos pese, hoje vamos descobrin-
comunicado. Busca criar mecanismos que do que os publicitários são os cida-
tornem sua proposta aceitável em função da dãos mais sensíveis às mudanças da
utilização de um discurso reconhecível e sociedade. Eles sabem que as frag-
decodificável. mentações correm por outros circui-
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tos e, para atingir realmente a sen- capacita-as a veicular conteúdos específicos,


sibilidade das pessoas, devem-se pôr formas de representação social passíveis de
em movimento outras dimensões da serem decodificadas e de gerar novos atos
vida, do imaginário, outras represen- de comunicação.
tações do social, do cultural, do Na busca de estratégias que contribuam
prestígio, do poder, da beleza, da em termos discursivos, mesmo que seja para
juventude. Os valores da nossa soci- desempenhar a função de aparentar informa-
edade, de alguma forma, estão sendo ção ou servir de referencial, as mensagens
refragmentados e rearticulados; não publicitárias invadem o cenário cotidiano com
pela vontade dos publicitários, mas relatos acerca da realidade social a partir de
porque a experiência social está uma visão mercadológica. No interior das
mudando profundamente, e lá os peças de comunicação publicitária se confir-
publicitários fazem a sua parte, têm mam ou são fomentados estilos de vida,
sua iniciativa, e seu poder, embora um ideologias são disseminadas, fala-se ao
poder muito relativo e que consiste público consumidor sobre a utilidade social
menos em manipular, e mais em saber e a vigência ou viabilidade de certos com-
observar, descobrir o que está se portamentos. Ela apresenta o mundo real e/
passando” (1995: 48). ou ficcional, diversificando-o, e, nesse sen-
tido, fragmentado. Os significados que essas
Como instrumento de persuasão, o anún- mensagens assumem para os integrantes de
cio de revista é um meio extremamente eficaz um grupo social contribuem para formar seu
de comunicação mercadológica, já que se mundo.
encontra tecnicamente direcionado a um Para isso, ela tematiza o conteúdo infor-
consumidor/receptor cativo e/ou potencial do mativo de suas peças. Essa prática diz res-
produto anunciado razoavelmente bem defi- peito à exibição e manutenção de um tema
nido: o leitor da revista. considerado de interesse do grupo social a
A publicidade lida, por isso, não somente quem a campanha é dirigida. Buscando a
com o homem que existe no mundo, mas eficácia comunicativa e mercadológica de tais
também com aquele que pretende conformar. temas, a produção não considera somente a
Esse homem, inserido num modelo de con- forma de apresentação de conteúdos, mas
sumo e, consequentemente, de produção “... também que conhecimentos o público possui
é ao mesmo tempo o homem que a publi- a respeito de tais conteúdos como forma de
cidade prevê na construção das suas men- prever os efeitos das campanhas junto ao
sagens sedutoras e o homem que a publi- público. Os usos e as formas praticados pela
cidade quer que exista, na medida em que comunicação publicitária, na sua função de
ele parece ser sob medida para o sistema estimular desejos e aspirações individuais e
produtivo contemporâneo” (GOMES, 1996: sociais, contribuem para a formação de
36). estereótipos de consumo, em termos de ação
Seria ingênuo afirmar que a publicidade e comportamento sociais. É a passagem da
busca inventar um ‘novo homem’ que se realidade para o espaço imaginário da ne-
destaque da massa em termos de desejos cessidade, convertida em desejo a partir de
espontâneos e comportamentos. Ela busca, imagens através das quais os consumidores
antes, apoiar-se em conceitos já aceitos por são convidados a comprar uma forma de viver
uma parcela significativa dos integrantes de e não apenas um bem.
um grupo social, mesmo que ainda pouco
reconhecido. A publicidade não pretende Gênero e masculinidades
redefinir o gênero humano, ela explora ten-
dências, tornando-as visíveis junto aos indi- Considerando que vários discursos coe-
víduos. xistem num mesmo contexto, o presente
As representações contidas nas peças de estudo tem como objetivo apontar represen-
comunicação publicitária a serem analisadas tações de comportamentos sexuais masculi-
neste trabalho estão para um acontecimento nos presentes em peças de comunicação
do mundo real, e seu modo de produção publicitária gráfica – anúncios de revista -
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vigentes no meio social ao qual são Compreendo as masculinidades como os


direcionados, e que, por isso, estariam sendo posicionamentos assumidos pelos homens nas
vivenciados por homens na possível constru- suas relações de gênero. As formas como
ção de algumas formas de masculinidade já assumem e exercitam papéis nos seus coti-
visivelmente praticadas na contemporanei- dianos, não apenas aqueles comportamentos
dade. Para tal, foram selecionados dois que a sociedade espera deles em diversos
anúncios da revista Exame VIP que abordam momentos e em diferentes contextos
a temática da prática da masculinidade em socioculturais mas, principalmente aqueles em
dois momentos. O primeiro, dirigido a pú- que se revelam em termos de opção por um
blico considerado eminentemente heterosse- estilo de vida específico independente das
xual, tem por intenção a comunicação da convenções institucionalizadas.
marca Hugo Boss, o segundo, com um apelo Há que esclarecer o emaranhado de
predominantemente homossexual busca apre- fatores e situações que envolvem a constru-
sentar ao público uma das coleções de rou- ção de gênero. Como o universo simbólico
pas masculinas da marca Zoomp. e as conseqüentes normas que restringem e
As práticas sexuais masculinas parecem até mesmo inibem a interpretação e a com-
preensão dos diversos símbolos que o com-
refletir uma construção social do sexo na qual
põem, os modos como as organizações sociais
a representação simbólica da masculinidade
limitam as formas de atuação desses mesmos
tem papel importante na definição dos com-
sistemas simbólicos e as diferentes maneiras
portamentos e atitudes dos homens relacio-
como podem estar sendo estruturadas as iden-
nados ao exercício de sua sexualidade. As
tidades subjetivas dos homens no mundo de
masculinidades ocupam um lugar na dimen-
hoje.
são simbólica e nas relações sociais e ins-
titucionais. A masculinidade é socialmente Os universos masculinos hetero e homos-
construída e também pode ser considerada sexual
histórica, mutável e relacional. Os contextos
cultural e histórico podem ser caracterizados Os referenciais biológicos têm sido para
como a bagagem constituída pelos conheci- os homens, ao longo da história, os
mentos produzidos através dos tempos e sua definidores de suas possibilidades afetivas.
conseqüente reinterpretação pelas diversas O desenvolvimento da sexualidade masculi-
áreas do saber. Tais como a religião e a na acontece dentro de um clima de tensão
ciência, bem como aqueles conhecimentos e e de restrição do prazer.
tradições originárias do senso comum, cujas Considerando que, conforme Elisabeth
principais características seriam a de Badinter (1993: 35) “em geral, a masculi-
vivências cotidianas por meio das institui- nidade é mais importante para os homens do
ções, modelos, normas e convenções que a feminilidade para as mulheres” e que
socioculturais e políticas. “..., a masculinidade é secundária, adquirida
Há uma diversidade de tipos de mascu- e frágil, ...”, a demarcação das diferenças
linidades, que correspondem a diferentes entre os sexos, estabelecendo uma relação
inserções dos homens na estrutura social, direta com a perda de identidade em termos
política, econômica, religiosa e cultural de de rejeição à delicadeza, vem reforçando o
acordo com seus percursos e estágios de vida. exercício da masculinidade dita heterossexu-
Trajetória que envolve o estabelecimento, a al ocidental. Ao opor os sexos, estabelecen-
conscientização e a efetivação das necessá- do-lhes funções e espaços diferenciados, a
rias relações entre gênero, poder, hierarquia, humanidade androcêntrica tentou afastar o
respeito e reciprocidade, que perpassam os fantasma da sua bissexualidade interior.
encontros e desencontros sexuais e as rela- Conforme as palavras de Bourdieu as
ções afetivas entre homens e mulheres, conseqüências da dominação simbólica, entre
homens e homens e mulheres e mulheres, elas a de gênero e opção sexual, é exercida
conformando e movimentando as práticas através do modo como são percebidos e
sexuais. vivenciados os hábitos sociais.
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“... sempre vi na dominação mascu- ocidental. Eles fazem desta repressão o


lina, e no modo como é imposta e substrato para a agressividade e a violência.
vivenciada, o exemplo por excelência Violência contra si e contra os outros, sejam
desta submissão paradoxal, resultante homens ou mulheres.
daquilo que eu chamo de violência Sabe-se, desde Freud (1998), que a
simbólica, violência suave, insensível, amizade masculina pode estar assentada sobre
invisível a suas próprias vítimas, que o medo da referência homossexual, pois os
se exerce essencialmente pelas vias homens têm grande resistência em expressar
puramente simbólicas da comunicação sua passividade com outros homens. Eles
e do conhecimento, ...” (1999: 7) como que fogem e se vigiam mutuamente
em termos do desenvolvimento de uma
Neste sentido, os homens produzem e intimidade chamada viril. Os homens quase
comunicam signos, como parceiros-adversá- sempre se vêem mais em grupo do que
rios unidos por uma relação de busca da honra individualmente. Pensam assim estar afastan-
representada pelo troféu da virilidade. Certas do a tentação homossexual, dificultam a co-
formas de coragem masculina estariam fun- municação pessoal íntima e pensam estar
damentadas no medo de perder a conside- confirmando uns aos outros sua masculini-
ração do grupo, de ser alçado a categorias dade.
consideradas degradantes, como a dos fra- O exercício da masculinidade dita hete-
cos, dos delicados, dos mulherzinhas, e rossexual, parece ser frágil e por isso sempre
porque não, a dos veados. ameaçada, ela simultaneamente une e coloca
Ainda de acordo com Bourdieu “... , o os homens em oposição. Os homens em geral,
que chamamos de ‘coragem’ muitas vezes tem se enxergam como naturalmente impregna-
suas raízes em uma forma de covardia: ... dos de pulsão sexual. O modelo da mascu-
baseou-se no medo’‘viril’ de ser excluído do linidade heterossexual é competitivo e
mundo dos ‘homens’ chamados de ‘duros’ hierarquizante, impregnado pelo espectro da
porque são duros para com o próprio sofri- feminilidade como sinônimo de homossexu-
mento e sobretudo para com o sofrimento alidade nas disputas pela virilidade. Tenta-
dos outros...” (1999: 66). se, na competição, ‘feminilizar’ os opositores
O primeiro anúncio, chamado ‘competi- através de gestos que evidenciem o convite
ção’, apresenta a temática da agressividade. sexual, atitudes preconceituosas e comentá-
Ao representar uma cena de um provável jogo rios que transformam o outro em ‘mulher
de futebol americano, Hugo Boss pretende, simbólica’. De forma que a própria palavra
dentro da minha visão, dizer que seus pro- homossexual pode ser considerada recorren-
dutos são direcionados para homens viris, te. Ela é sempre entendida enquanto desem-
para aqueles que externam sua agressividade penho de um papel passivo, daquele que é
e competem com outros homens, não só em penetrado, numa relação sexual fantasiosa e
campo, mas na vida em geral, para aqueles considerada unilateral, na qual o ativo e
que acreditam que o que importa é vencer penetrador não perde nunca a masculinidade.
acima de todas as coisas. Eles são másculos Os melhores modelos de identificação
por excelência, têm cabelos curtos (quase para os meninos sempre foram e continuam
zero), expressões faciais tensas e só se sendo seus pares. Os meninos são desde cedo
permitem tocar de forma bruta, competitiva incentivados a buscar sua auto-afirmação e
e agressiva. O anúncio externa a forma como identidade sexual através das conquistas e do
os homens heterossexuais se relacionam uns exercício da força física como uma espécie
com os outros. Conforme Nolasco (1993: 19) de desenvolvimento e demonstração de sua
“... , as amizades entre homens são como virilidade atual e futura. Essa espécie de
terra de ninguém. Fomos socializados para vigilância da sexualidade na infância e na
calar o sofrimento, o prazer ou a fantasia para adolescência ainda é uma prática constitutiva
outro homem, sob o preço de perder sua ‘ami- da masculinidade. É ela que faz com que os
zade’. A exacerbação do discurso sexual, para homens heterossexuais, de acordo com
os homens, esconde o fardo da repressão a Bourdieu “... sejam socialmente instruídos de
que vem sendo submetidos na sociedade modo a se deixarem prender, como crianças,
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em todos os jogos que lhes são socialmente co institucionalizado, que permite a visua-
destinados e cuja forma por excelência é a lização da conexão efetivada entre a iden-
guerra. (...) os jogos a que se entrega, como tidade masculina e a sensação de autocontrole
os outros homens, são jogos infantis - (...) como forma de dominação sobre a sua vida
a conivência coletiva lhes confere a neces- emocional e sobre aqueles com quem se re-
sidade e a realidade das evidências partilha- laciona. A sexualidade masculina heterosse-
das” (1998: 92). xual pode ser vista assim de acordo com
Os homens quase não mantêm contato Almeida (2000: 85) como “... um sinal de
físico recíproco, para os indivíduos do sexo uma animalidade que não conseguimos deixar
masculino, o contato físico, é realmente um para trás”.
comportamento inapropriado, o máximo É por isso que se pode dizer que, do
permitido são tapas nas costas, quanto mais mesmo modo que a homossexualidade foi
barulho fizerem melhor, no lugar de abraços definida como condição sexual específica de
calorosos, mãos que se batem no ar quase algumas pessoas, o conceito de heteros-se-
soltando faíscas e tudo isto com o máximo xualidade também foi criado para denominar
cuidado de afastarem-se mutuamente da a normalidade. Essa polarização – entre
cintura para baixo. Afinal de contas, homem sexualidade normal e anormal – dominaram
não toca em homem. o pensamento ocidental por muito tempo.
Isto se refere diretamente aos efeitos que Cuja máxima em termos de comportamento
a ordem masculina exerce sobre os corpos de gênero sempre foi definido em relação às
dos homens. A masculinização do corpo práticas sexuais ditas corretas. Ser um ho-
masculino é uma tarefa de adestramento, que mem normal ainda é considerado por muitos
exige um esforço enorme para parecer na- como ser um heterossexual.
tural e nunca o é. Homem não rebola, Como hoje, a sexualidade pode ser con-
caminha duro, de pernas abertas ou arque-
siderada como algo que cada um de nós
adas, decidido. Os braços não podem mover-
possui, e não uma condição natural, pode ser
se com naturalidade, devem ficar afastados
vista como moldável, como um somatório
do corpo e, quando parado, precisa jogar o
entre nosso corpo, nossa auto-identidade e
corpo de modo decidido de um lado para o
as normas sociais que cada dia vão se tor-
outro, de preferência batendo o pé no chão
nando mais maleáveis, a anatomia pode deixar
ou, se ereto, de pernas abertas e de prefe-
de ser vista como destino e a identidade
rência com os braços cruzados impedindo
sexual tornar-se cada vez mais uma questão
qualquer aproximação ou, melhor ainda, com
de estilo de vida. Para a maioria dos homens
as mãos nos bolsos próximas ao que os define
como homens. É através deste adestramento a virilidade está intimamente relacionada ao
dos corpos, conforme Bourdieu (1999), que desempenho sexual. Para romper a identifi-
se impõem as disposições que tornam os cação entre desempenho sexual e masculi-
homens aptos a entrar nos jogos sociais mais nidade é preciso aprender a dissociar sexu-
favoráveis ao desenvolvimento da virilidade. alidade e sentimento de virilidade. A con-
Competir, demonstrar força física, vencer firmação da masculinidade não é mais obri-
sempre, fazem parte deste adestramento gatoriamente um pênis ereto.
corporal. Percebido desta forma, o corpo Sexualizando a tudo e a todos, mais cedo
masculino parece com o que deve ser o de ou mais tarde todo homem, em algum
um homem. momento de sua vida, terá que se posicionar
E como o sexo esconde tudo aquilo que diante da homossexualidade. As atitudes
há de mais verdadeiro em cada ser humano, adotadas pelos homens perante a homosse-
o homem se torna vítima de uma libido xualidade – aversão ou adesão – atestam a
sempre presente através da qual seu corpo inquietação homossexual masculina. Dentro
não é questionado, mas visto como expres- do universo masculino ela é um fantasma que
são visível de suas necessidades interiores assusta e seduz, pois parece constituir-se
em nível sexual, seus genitais são autônomos numa escapada para fora dos portais da
na sua vontade, sempre prontos a penetrar masculinidade heterossexual convencional-
como prova de seu posicionamento simbóli- mente definida.
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A história cotidiana vivida por heteros e Não apenas a vida social, mas também
homossexuais masculinos evidenciam este as verdades ditas biológicas passam a ser
processo através das vivências clandestinas regidas por sistemas sociais em estado de
carregadas de culpa e medo. Elas atestam a reorganização. A sexualidade tornou-se um
existência e a manutenção de uma espécie componente integral das relações sociais,
de véu social que antes de proteger, torna como resultado de mudanças já apontadas,
os homens cada vez mais vulneráveis porque a heterossexualidade deixou de ser o único
solitários e prisioneiros das próprias obses- padrão de julgamento. Claro que ainda não
sões morais, sempre fundadas nas ditas atingimos o estágio em que a heterossexua-
verdades biológicas a respeito da virilidade. lidade pode ser vista como uma entre outras
Segundo Le Rider (1992: 17) “... pode- preferências, mas a visibilidade de tais
mos apontar que aquilo que vai contra o sexo comportamentos é um indicador de que pode
do indivíduo sofre recalcamento”. Para vir a existir a possibilidade do estabelecimen-
Corneau (1995) nem todos os homens são to de uma mudança na conduta social
homossexuais, mas devido a uma série de masculina hetero e homossexual no sentido
fatores, qualquer um pode conter em si o de uma melhor compreensão da natureza
desejo homoerótico. Os homens heterosse- humana e da forma como damos sentido ao
xuais têm tanto medo da homossexualidade mundo em que vivemos, escolhendo e
porque no fundo desejam um corpo seme- vivenciando nossos respectivos estilos de
lhante ao seu, e isto pode se transformar em vida, neste mundo, sempre tão complexo e
ódio como forma de permanecerem a salvo constantemente em mutação, onde a sexu-
dentro de uma heterossexualidade simplista alidade e a sensualidade masculinas vem
e binária, dividida entre o considerado sendo remodeladas dentro de um novo for-
masculino e feminino. Os homens projetam mato integrado ao que Giddens (1993) cha-
o exercício da sensibilidade e da sensuali- ma de ‘um emergente projeto reflexivo do
dade masculinas sobre os homossexuais. Eles eu’.
carregam o coração e o corpo dos homens Um projeto que, no meu entender, en-
para os homens. volve as noções individuais que possuímos
A homofobia significa o medo da homos- do que seja ser um integrante do gênero
sexualidade em geral, dos homossexuais e masculino.
da própria homossexualidade latente, medos A consciência de gênero deriva de uma
expressos através de ações sociais públicas aprendizagem social e serve para comunicar
e/ou veladas que excluem, discriminam, a identidade pessoal – incluindo a persona-
agridem fisicamente e até matam aqueles lidade, os valores, as crenças e o em torno
homossexuais que externam sinais cultural- de um indivíduo.
mente estereotipados reveladores da sua O exercício constante de diferenciação a
orientação sexual, como o comportamento que homens heterossexuais e homossexuais
dito afeminado, o travestismo e também a se submetem na tentativa de distinguir-se
prática militante por um reconhecimento e ‘masculinizando-se’ ou ‘desmasculinizando-
valorização social. -se’, parece implicar num eterno recomeçar
Vivemos hoje em meio a manifestações da atividade de construção social dos gêne-
sociais que nem a solidão ou a segregação ros em termos de divisão, mais especifica-
impedem que invadam o nosso cotidiano mente em termos das diferentes categorias
eliminando a apatia em relação às experiên- de práticas sexuais - heterossexuais e homos-
cias que incluem a diversidade de vivências sexuais.
dos homens enquanto definidoras da existên- Enxergo aqui aquilo que a cultura define
cia de uma gama de masculinidades. É preciso – em termos sociológico e psicológico - como
registrar, neste sentido, a importância que a as características de uma e de outra orien-
subjetividade alcançou na contemporanei- tação sexual dentro de um mesmo gênero.
dade, e as formas pelas quais ela pode definir Diante de tudo o que um homem hetero ou
um homem como indivíduo, determinando homossexual precisam recalcar para serem
suas formas de expressão sexual. reconhecidos como tais dentro do gênero
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masculino. Pois, segundo Le Rider (1992: 17), aparência andrógina, os modelos evidenciam
– “se a anatomia não é um destino, ela é o que Elisabeth Badinter (1993: 164) aponta
pelo menos um ponto de referência e con- como “... , o homossexual que se aceita e
fluência das possibilidades de reconhecimento permanece à parte dos estereótipos de ou-
das múltiplas organizações subjetivas”. trora. Ele não se exibe nem se oculta, quer
Para a maioria dos homens heterossexuais, viver como todo mundo. Pensando que ‘a
sustentar uma indeterminação destas seria o homossexualidade é uma fonte de felicidade
mesmo que pôr em dúvida sua escolha sexual. igual à heterossexualidade’, ele acredita no
Já para os homens homossexuais, tal denomi- amor, vive em casal e tem uma vida afetiva
nação poderia garantir uma certa qualificação profunda e regular”.
para alguns desejos, por outro lado, ela tam- Ele é fruto de uma sociedade cuja ca-
bém o aprisionaria no campo dos estereótipos racterística fundamental é a possibilidade de
sexuais dentro do gênero masculino. abertura conferida à identidade. A questão
Essa dificuldade na indeterminação do que colocada desta forma parece ser unicamente
seja a representação de homem dentro das de natureza de identidade sexual, mas não
diversas facetas da masculinidade contempo- é apenas isso. Nestes tempos, a diversidade
rânea tem feito com que os indivíduos operem de orientações sexuais podem coexistir com
com categorias já determinadas para nomear as idéias de romance, mesmo que seja dentro
o envolvimento com novas experiências. O de uma relação conflituosa do exterior para
que, conforme Bourdieu (1999: 124) “... o interior.
mantêm sempre uma relação de homologia O amor não é exclusividade da
com a distinção fundamental entre o mas- heterossexualidade. É visível em nossos dias,
culino e o feminino e as alternativas secun- uma consciência geral de que novos modelos
dárias nas quais ela se expressa (dominante/ de amor estão se desenvolvendo, o relaci-
dominado, acima/abaixo, ativo-penetrar/pas-
onamento gay apresentado no anúncio da
sivo-ser penetrado) vem seguida da inscri-
Zoomp pode evidenciar o fato de que isto
ção, nos corpos, de uma série de oposições
esteja acontecendo de forma mais explícita.
sexuais homólogas...”. O que, de certa for-
Pois este homossexual sabe que não é um
ma, ainda implica uma tentativa de manu-
doente a ser tratado, e sim o homófobo. A
tenção de uma certa ‘inteireza’ dentro da
segurança de um homossexual ainda está na
fragmentação cultural característica da
dependência da evolução das consciências e
contemporaneidade.
atitudes da maioria heterossexual. Mesmo
Segundo Almeida (2000), a cultura deve
assim nos afirmamos em termos de esforços,
ser cada vez mais entendida como um campo
fluido e em constante (re)definição, interface militância e exigências. Na vontade de su-
entre ações individuais, relações sociais e perar, desafiar a resistência e a opressão na
heranças tradicionais. E, neste processo, a busca da dignidade necessária a todo ser
aprendizagem que o homem empreende em humano deixando de lado a passividade e a
termos de atitudes sexuais vão informando subordinação.
aos outros e ao eu da sua pertença às nuances Mesmo reconhecendo que a identidade
presentes no gênero e da sua anuência ou sexual ainda é problemática na vida social
discordância com a hegemonia. Nesse sen- contemporânea, a visibilidade sexual pode ser
tido, as peças de comunicação publicitária o meio para se vir a alcançar uma reorga-
gráfica que guiam este artigo, tornam-se, a nização emocional da vida social. A visibi-
meu ver, representativas em termos de pro- lidade efetivamente compreendida como
mover a visibilidade das diferenças possíveis forma de ação, enquanto possibilidade de
dentro do gênero masculino. publicização quase que radical da vida pes-
O segundo anúncio denominado ‘Casal soal. Neste sentido, talvez a publicidade, ou
gay’ representa um novo tipo de homem que alguns profissionais mais sensíveis ao seu em
se tornou visível na maioria dos grandes torno, estejam colaborando para uma tomada
centros urbanos do mundo ocidental. O de consciência em relação às diversas mas-
homossexual que exterioriza sua sexualidade culinidades em exercício na sociedade con-
de modo quase masculino. Por trás de uma temporânea.
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