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em todos os jogos que lhes são socialmente co institucionalizado, que permite a visua-
destinados e cuja forma por excelência é a lização da conexão efetivada entre a iden-
guerra. (...) os jogos a que se entrega, como tidade masculina e a sensação de autocontrole
os outros homens, são jogos infantis - (...) como forma de dominação sobre a sua vida
a conivência coletiva lhes confere a neces- emocional e sobre aqueles com quem se re-
sidade e a realidade das evidências partilha- laciona. A sexualidade masculina heterosse-
das” (1998: 92). xual pode ser vista assim de acordo com
Os homens quase não mantêm contato Almeida (2000: 85) como “... um sinal de
físico recíproco, para os indivíduos do sexo uma animalidade que não conseguimos deixar
masculino, o contato físico, é realmente um para trás”.
comportamento inapropriado, o máximo É por isso que se pode dizer que, do
permitido são tapas nas costas, quanto mais mesmo modo que a homossexualidade foi
barulho fizerem melhor, no lugar de abraços definida como condição sexual específica de
calorosos, mãos que se batem no ar quase algumas pessoas, o conceito de heteros-se-
soltando faíscas e tudo isto com o máximo xualidade também foi criado para denominar
cuidado de afastarem-se mutuamente da a normalidade. Essa polarização – entre
cintura para baixo. Afinal de contas, homem sexualidade normal e anormal – dominaram
não toca em homem. o pensamento ocidental por muito tempo.
Isto se refere diretamente aos efeitos que Cuja máxima em termos de comportamento
a ordem masculina exerce sobre os corpos de gênero sempre foi definido em relação às
dos homens. A masculinização do corpo práticas sexuais ditas corretas. Ser um ho-
masculino é uma tarefa de adestramento, que mem normal ainda é considerado por muitos
exige um esforço enorme para parecer na- como ser um heterossexual.
tural e nunca o é. Homem não rebola, Como hoje, a sexualidade pode ser con-
caminha duro, de pernas abertas ou arque-
siderada como algo que cada um de nós
adas, decidido. Os braços não podem mover-
possui, e não uma condição natural, pode ser
se com naturalidade, devem ficar afastados
vista como moldável, como um somatório
do corpo e, quando parado, precisa jogar o
entre nosso corpo, nossa auto-identidade e
corpo de modo decidido de um lado para o
as normas sociais que cada dia vão se tor-
outro, de preferência batendo o pé no chão
nando mais maleáveis, a anatomia pode deixar
ou, se ereto, de pernas abertas e de prefe-
de ser vista como destino e a identidade
rência com os braços cruzados impedindo
sexual tornar-se cada vez mais uma questão
qualquer aproximação ou, melhor ainda, com
de estilo de vida. Para a maioria dos homens
as mãos nos bolsos próximas ao que os define
como homens. É através deste adestramento a virilidade está intimamente relacionada ao
dos corpos, conforme Bourdieu (1999), que desempenho sexual. Para romper a identifi-
se impõem as disposições que tornam os cação entre desempenho sexual e masculi-
homens aptos a entrar nos jogos sociais mais nidade é preciso aprender a dissociar sexu-
favoráveis ao desenvolvimento da virilidade. alidade e sentimento de virilidade. A con-
Competir, demonstrar força física, vencer firmação da masculinidade não é mais obri-
sempre, fazem parte deste adestramento gatoriamente um pênis ereto.
corporal. Percebido desta forma, o corpo Sexualizando a tudo e a todos, mais cedo
masculino parece com o que deve ser o de ou mais tarde todo homem, em algum
um homem. momento de sua vida, terá que se posicionar
E como o sexo esconde tudo aquilo que diante da homossexualidade. As atitudes
há de mais verdadeiro em cada ser humano, adotadas pelos homens perante a homosse-
o homem se torna vítima de uma libido xualidade – aversão ou adesão – atestam a
sempre presente através da qual seu corpo inquietação homossexual masculina. Dentro
não é questionado, mas visto como expres- do universo masculino ela é um fantasma que
são visível de suas necessidades interiores assusta e seduz, pois parece constituir-se
em nível sexual, seus genitais são autônomos numa escapada para fora dos portais da
na sua vontade, sempre prontos a penetrar masculinidade heterossexual convencional-
como prova de seu posicionamento simbóli- mente definida.
568 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume III
A história cotidiana vivida por heteros e Não apenas a vida social, mas também
homossexuais masculinos evidenciam este as verdades ditas biológicas passam a ser
processo através das vivências clandestinas regidas por sistemas sociais em estado de
carregadas de culpa e medo. Elas atestam a reorganização. A sexualidade tornou-se um
existência e a manutenção de uma espécie componente integral das relações sociais,
de véu social que antes de proteger, torna como resultado de mudanças já apontadas,
os homens cada vez mais vulneráveis porque a heterossexualidade deixou de ser o único
solitários e prisioneiros das próprias obses- padrão de julgamento. Claro que ainda não
sões morais, sempre fundadas nas ditas atingimos o estágio em que a heterossexua-
verdades biológicas a respeito da virilidade. lidade pode ser vista como uma entre outras
Segundo Le Rider (1992: 17) “... pode- preferências, mas a visibilidade de tais
mos apontar que aquilo que vai contra o sexo comportamentos é um indicador de que pode
do indivíduo sofre recalcamento”. Para vir a existir a possibilidade do estabelecimen-
Corneau (1995) nem todos os homens são to de uma mudança na conduta social
homossexuais, mas devido a uma série de masculina hetero e homossexual no sentido
fatores, qualquer um pode conter em si o de uma melhor compreensão da natureza
desejo homoerótico. Os homens heterosse- humana e da forma como damos sentido ao
xuais têm tanto medo da homossexualidade mundo em que vivemos, escolhendo e
porque no fundo desejam um corpo seme- vivenciando nossos respectivos estilos de
lhante ao seu, e isto pode se transformar em vida, neste mundo, sempre tão complexo e
ódio como forma de permanecerem a salvo constantemente em mutação, onde a sexu-
dentro de uma heterossexualidade simplista alidade e a sensualidade masculinas vem
e binária, dividida entre o considerado sendo remodeladas dentro de um novo for-
masculino e feminino. Os homens projetam mato integrado ao que Giddens (1993) cha-
o exercício da sensibilidade e da sensuali- ma de ‘um emergente projeto reflexivo do
dade masculinas sobre os homossexuais. Eles eu’.
carregam o coração e o corpo dos homens Um projeto que, no meu entender, en-
para os homens. volve as noções individuais que possuímos
A homofobia significa o medo da homos- do que seja ser um integrante do gênero
sexualidade em geral, dos homossexuais e masculino.
da própria homossexualidade latente, medos A consciência de gênero deriva de uma
expressos através de ações sociais públicas aprendizagem social e serve para comunicar
e/ou veladas que excluem, discriminam, a identidade pessoal – incluindo a persona-
agridem fisicamente e até matam aqueles lidade, os valores, as crenças e o em torno
homossexuais que externam sinais cultural- de um indivíduo.
mente estereotipados reveladores da sua O exercício constante de diferenciação a
orientação sexual, como o comportamento que homens heterossexuais e homossexuais
dito afeminado, o travestismo e também a se submetem na tentativa de distinguir-se
prática militante por um reconhecimento e ‘masculinizando-se’ ou ‘desmasculinizando-
valorização social. -se’, parece implicar num eterno recomeçar
Vivemos hoje em meio a manifestações da atividade de construção social dos gêne-
sociais que nem a solidão ou a segregação ros em termos de divisão, mais especifica-
impedem que invadam o nosso cotidiano mente em termos das diferentes categorias
eliminando a apatia em relação às experiên- de práticas sexuais - heterossexuais e homos-
cias que incluem a diversidade de vivências sexuais.
dos homens enquanto definidoras da existên- Enxergo aqui aquilo que a cultura define
cia de uma gama de masculinidades. É preciso – em termos sociológico e psicológico - como
registrar, neste sentido, a importância que a as características de uma e de outra orien-
subjetividade alcançou na contemporanei- tação sexual dentro de um mesmo gênero.
dade, e as formas pelas quais ela pode definir Diante de tudo o que um homem hetero ou
um homem como indivíduo, determinando homossexual precisam recalcar para serem
suas formas de expressão sexual. reconhecidos como tais dentro do gênero
ESTUDOS CULTURAIS E DE GÉNERO 569
masculino. Pois, segundo Le Rider (1992: 17), aparência andrógina, os modelos evidenciam
– “se a anatomia não é um destino, ela é o que Elisabeth Badinter (1993: 164) aponta
pelo menos um ponto de referência e con- como “... , o homossexual que se aceita e
fluência das possibilidades de reconhecimento permanece à parte dos estereótipos de ou-
das múltiplas organizações subjetivas”. trora. Ele não se exibe nem se oculta, quer
Para a maioria dos homens heterossexuais, viver como todo mundo. Pensando que ‘a
sustentar uma indeterminação destas seria o homossexualidade é uma fonte de felicidade
mesmo que pôr em dúvida sua escolha sexual. igual à heterossexualidade’, ele acredita no
Já para os homens homossexuais, tal denomi- amor, vive em casal e tem uma vida afetiva
nação poderia garantir uma certa qualificação profunda e regular”.
para alguns desejos, por outro lado, ela tam- Ele é fruto de uma sociedade cuja ca-
bém o aprisionaria no campo dos estereótipos racterística fundamental é a possibilidade de
sexuais dentro do gênero masculino. abertura conferida à identidade. A questão
Essa dificuldade na indeterminação do que colocada desta forma parece ser unicamente
seja a representação de homem dentro das de natureza de identidade sexual, mas não
diversas facetas da masculinidade contempo- é apenas isso. Nestes tempos, a diversidade
rânea tem feito com que os indivíduos operem de orientações sexuais podem coexistir com
com categorias já determinadas para nomear as idéias de romance, mesmo que seja dentro
o envolvimento com novas experiências. O de uma relação conflituosa do exterior para
que, conforme Bourdieu (1999: 124) “... o interior.
mantêm sempre uma relação de homologia O amor não é exclusividade da
com a distinção fundamental entre o mas- heterossexualidade. É visível em nossos dias,
culino e o feminino e as alternativas secun- uma consciência geral de que novos modelos
dárias nas quais ela se expressa (dominante/ de amor estão se desenvolvendo, o relaci-
dominado, acima/abaixo, ativo-penetrar/pas-
onamento gay apresentado no anúncio da
sivo-ser penetrado) vem seguida da inscri-
Zoomp pode evidenciar o fato de que isto
ção, nos corpos, de uma série de oposições
esteja acontecendo de forma mais explícita.
sexuais homólogas...”. O que, de certa for-
Pois este homossexual sabe que não é um
ma, ainda implica uma tentativa de manu-
doente a ser tratado, e sim o homófobo. A
tenção de uma certa ‘inteireza’ dentro da
segurança de um homossexual ainda está na
fragmentação cultural característica da
dependência da evolução das consciências e
contemporaneidade.
atitudes da maioria heterossexual. Mesmo
Segundo Almeida (2000), a cultura deve
assim nos afirmamos em termos de esforços,
ser cada vez mais entendida como um campo
fluido e em constante (re)definição, interface militância e exigências. Na vontade de su-
entre ações individuais, relações sociais e perar, desafiar a resistência e a opressão na
heranças tradicionais. E, neste processo, a busca da dignidade necessária a todo ser
aprendizagem que o homem empreende em humano deixando de lado a passividade e a
termos de atitudes sexuais vão informando subordinação.
aos outros e ao eu da sua pertença às nuances Mesmo reconhecendo que a identidade
presentes no gênero e da sua anuência ou sexual ainda é problemática na vida social
discordância com a hegemonia. Nesse sen- contemporânea, a visibilidade sexual pode ser
tido, as peças de comunicação publicitária o meio para se vir a alcançar uma reorga-
gráfica que guiam este artigo, tornam-se, a nização emocional da vida social. A visibi-
meu ver, representativas em termos de pro- lidade efetivamente compreendida como
mover a visibilidade das diferenças possíveis forma de ação, enquanto possibilidade de
dentro do gênero masculino. publicização quase que radical da vida pes-
O segundo anúncio denominado ‘Casal soal. Neste sentido, talvez a publicidade, ou
gay’ representa um novo tipo de homem que alguns profissionais mais sensíveis ao seu em
se tornou visível na maioria dos grandes torno, estejam colaborando para uma tomada
centros urbanos do mundo ocidental. O de consciência em relação às diversas mas-
homossexual que exterioriza sua sexualidade culinidades em exercício na sociedade con-
de modo quase masculino. Por trás de uma temporânea.
570 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume III