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Acharés em meus amores; 4 Pois ficando nos ardores Todo mudado em finezas, Sou firme pedra as tistezas, Sou dura pedra aos rigores. (Comparagao do rosto de Medusa com o de Anarda) Costuma-se lembrar-de Botelho de Oliveira o poemeto A lha da Maré — ‘mo desta Cidade da Bahia, em tudo. -gongorico, ¢ que tem sido destacado Miisica do Parnaso por mera razio de assunto: descreve um recanto da m baiana e alonga-se na exaltacao do clima, dos animais, das frutas. sritério_nativista privilegiou esses versos (que nao raro_ afloram o ridfculo) ndo nos encémios aos meldes e as pitombas um trago para afirmar 0 pro- resso da nossa consciéncia literéria em detrimento da Metrépole. Mas um itério formal rigoroso ndo chegaria por certo as mesmas conclus6es. enores __O mesmo se d4 com a Descrigdo da Cidade da Ilha de Itaparica, pocma le Frei Manuel de Santa Maria Itaparica (Bahia, 1704 —2), autor também de ma epopéia sacra, Eustdquidos (1769). Em Itaparica, menos do que uma voz © puro cultismo € mais acertado ver um fraqu{ssimo imitador de CamGes e dos épicos menores do século XVII. Outro camoniano, Diogo Grasson Tinoco, vavelmente paulista, autor de um poema sobre 0 descobrimento das “es- meraldas”, s6 6 conhecido em virtude da mengao que Ihe faz Cl4udio Manuel ia Costa no poema “Vila Rica”, transcrevendo-Ihe quatro estincias, as tinicas que chegaram até nds. Pelo fragmento depreende-se que a obra de Grasson oco seria um documento estimavel das bandeiras nos fins dos Seiscentos. Pernambuco, invadido pelos holandeses, conheceu também 0 seu épico, Frei Manuel Calado, autor de Valoroso Lucideno e Templo da Liberdade 1648), em louvor de Joao Fernandes Vieira, 0 her6i portugués da resisténcia. A maneira é toda camoniana. Y A prosa. Vieira A prosa barroca esté representada em primeiro plano pela oratoria sagrada dos jesuitas. O nome central é 0 do Padre Ant6nio Vieira (Lisboa, 1608 — Bahia, 1697). Figuras secundérias, mas de modo algum medfocres, 0 Padre Eusébio de Matos (Bahia, 1629-92), irmao do poeta Gregério, e o Padre An- tonio de S4 (Rio, 1620-78). 43 Existe um Vieira brasileiro, um Vieira portugués e um Vieira europeu, e ! essa riqueza de dimensGes deve-se nao apenas ao car4ter supranacional da Com- panhia de Jesus que ele tao bem encarnou, como a sua estatura humana em \que no me parece exagero reconhecer tragos énio. ~~ No fulcro da personalidade do Padre Viei tava o desejo da agdo. A teligiosidade, a sOlida cultura humanfstica e a pericia verbal serviam, nesse 1 i- itante incans4vel, a projetos grandiosos, quase sempre quiméricos, mas todos nas- s da utopia contra-reformista de uma Igreja Triunfante na Terra, sonho me- dieval que um Império portugués e missionério tornaria afinal realidade. Ant6nio Vieira nasceu em Lisboa, mas ainda menino veio com os pais para a Bahia. Af estudou no Colégio dos jesuftas. O seu brilho de precoce orador e latinista despertou a atengdo dos superiores que o incumbiram de ensinar Ret6rica aos novigos de Olinda. Ordenado em 1634, encetou_a_carreira_de. pregador_que logo conheceu 0 éxito do Sermdo.pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, célebre pela “apéstrofe atrevida” a Deus para que sustasse a vit6ria dos hereges, futuros destruidores das imagens sagradas: Exsurge, quare obdormis, Domine? As guerras do século entre as poténcias mercantis pelo monopélio do agticar afiguravam-se ao jovem levita formidandos embates teolégicos e ele faz seus 0s andtemas do catolicismo espanhol contra os calvinistas. Mal chega a Bahia a noticia da restauragao, Vieira Parte para Lisboa. Co- megava 0 compromisso coma tentagio jesuftica de dar cobertura ideolégica aos projetos do poder, como faria, com mais éxito, 0 seu contemporaneo Bos- suet no Traité de Politique tirée de l’Ecriture Sainte. Mas o Portugal de D. Joao IV, egresso de sessenta anos de dominio espanhol, atado pela Inqui- sigdo e pela ruinosa polftica de predagao colonial, nao era a Franca ascendente de Luis XIV. E os sonhos de Vieira, mais ousados que os tacteios da casa de Braganga, passaram a chocar-se com toda sorte de resisténcias, No seu espfrito verdadeiramente_barroco fermentavam as ilusGes do esta- belecimento de um Imy a espeitado por todo o mundo e ‘obreza,_do clero. A realidade era bem outra; e servido pelo zelo do do descompasso entre ela e os demais planos do jesuita Ihe adveio mais de um revés. Como intérprete fantasioso dos textos bfblicos em fungao do ‘sebas- tianismo popular (34), vé frustradas as suas profecias além de atrair suspeitas Para as suas obras “heréticas” Quinto Império, Histéria do Futuro e Clavis Prophetarum. C4) Cf. J. Liicio d’Azevedo, A Evolugdo do Sebastianismo, Lisboa, Livraria Cléssica Ed., 1947. Os textos de base para entender os anelos messifinicos do tempo sao as Trovas de Gongalo Anes, sapateiro de alcunha 0 Bandarra; escritas por volta de 1540 e sujeitas logo a processos do Santo Oficio, foram adaptadas, primeiro a figura de D. Sebastido (t 1578) e, mais tarde, por Vieira, sucessivamente a D. Joao IV, Afonso VI e D. Pedro. Bandarra falava apenas no Encoberto que viria estabelecer para sempre o reino da Justiga. a4 Advogado dos cristéos-novos (judeus conversos por medo as persegui¢ées), suscita 0 édio da Inquisi¢Zo que 0 manterd a ferros por dois anos ¢ Ihe cassaré o uso da palavra em todo Portugal. Enfim, batido na Europa, conhece no Ma- h4o as iras dos colonos que no lhe perdoam a inoportuna defesa do nativo. O saldo de suas lutas foi portanto um grande malogro. E a Portugal nao ‘restava senio palmilhar o caminho da decadéncia resumido no desfrute cego das riquezas coloniais, ent&o 0 agiicar, logo depois 0 ouro, que iria dar seiva capitalismo inglés em gestagao. - De Vieira ficou 0 testemunho de um arquiteto incans4vel de sonhos e del “um orador complexo e sutil, mais conceptista do que cultista, amante de provar até o sofisma, eloqiiente até a retérica, mas assim mesmo, ou por isso mesmo tupendo artista da palavra. E de leitura obrigatria 0 Sermdo da Sexagésima, proferido na Capela Real de Lisboa, em 1655, e no qual o orador expde a sua arte de pregar. Ao leitor brasilexo interessam. particularmente: da ga da 1a, pregado no Maranhao, em 1653. Nele o orador tenta persuadir os colonos a libertarem os indfgenas que lhe fazem evocar os hebreus cativos do Fara6. Prevenindo as objegdes dos senhores (Quem nos hé de ir buscar um pote d4gua, ou um feixe de lenha? Quem nos ‘hd de fazer duas covas de mandioca? Hao de ir nossas mulheres? Hao de ir nossos filhos?”), responde virilmente: “Quando a necessidade e a consciéncia obrigam a tanto, digo que sim, e torno a dizer que sim; que v6s, vossas mulheres, que vossos filhos, e que todos nés nos sustentéssemos dos nossos bracos; porque melhor ¢ sustentar-se do suor proprio, que do sangue alheio. Ah! fazendas do Maranhio, que se esses maniOs e essas capas se torceram, haviam de lancar sangue!” Nem se diga que Vieira foi insens{vel_ao_escravo_negro preterindo-o no ardor da defesa ao indigena. No Sermdo XIV do Rosario, pregado em 1633 a Irmandade dos Pretos de um engenho baiano, ele equipara os sofrimentos de Cristo aos dos escravos, idéia tanto mais forte quando se lembra que os ouvintes _ eram os préprios negros: “Em um engenho sois imitadores de Cristo Crucificado: porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz, Para os textos de Vieira recomenda-se a edigao das Obras Escolhidas, em 12 vols., aos cuidados de Ant6nio Sérgio e Heméni Cidade (Lisboa, Livr. S4 da Costa Editora). Ver também a Defesa perante o Tribunal do Santo Offcio (aos cuidados de Heméni Cidade), Salvador, Livr. Progresso, 1957; Histéria do Futuro (aos cuidados de M. Leonor Carvalhao Buescu), Lisboa, Casa da Moeda, 1982; e Apologia das Coisas Profetizadas (org. de Adma Fadul Muhama), Lisboa, Cotovia, 1994. Sobre Vieira: Joao Licio d’ Azevedo, Historia de Anténio Vieira, Lisboa, Livt. Classica, 2 vols., 1918-20, Eugénio Gomes, Introdugdo aos Sermées, Rio, Agir, 1960; A. J. Saraiva, O Discurso Engenhoso, S. Paulo, Perspectiva, 1980; A. Bosi, “Vieira ou a Cruz da Desigualdade”, em Dialética da Colonizacdo, cit. 45 em toda sua paixdo. A sua cruz foi composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho 6 de trés. (...) Cristo despido, e v6s despidos; Cristo sem comer, e v6s famintos; Cristo em tudo maltratado, e vs maltratados em tudo.” Ao engenho de agiicar chama “doce inferno” pintando-o com todas as cores que a sua imaginagao medieval e inaciana Ihe sugeria. No entanto, esse poder de fantasia naio.enevoava na.consciéncia-do_homem.0- fato_bruto.da explorac4o do servo pelo senhor: “Eles mandam, ¢ vos servis; eles dormem, e vés velais; éles descansam, e vés trabalhais; eles gozam o fruto de vossos trabalhos, e 0 que v6s colheis deles € um trabalho sobre outro. Nao hé trabalhos mais doces que os das vossas oficinas; mas toda essa dogura para quem €? Sois como as abelhas, de quem disse o poeta: ‘Sic vos non vobis mellificatis apes’” (35). Vieira mostrou-se_superior a0. meio em que o destino 0 colocara, e onde fatalmente deveria malograr aquele arquiteto de sonhos. “© nome do Padre Ant6nio Vieira est4 hoje incorporado & lenda e soa na palavra do poeta: a is O céu estrela o azul e tem grandeza. Este, que teve a fama e a gloria tem, Imperador da lingua portuguesa, Foi-nos um céu também. No imenso espago seu de meditar, Constelado de forma e de visio, Surge, premincio claro de luar, El-Rei Dom Sebastiao. Mas nao, nao € luar: é luz do etéreo. E um dia; e, no céu amplo de desejo, A Madrugada irreal do Quinto Império Doira as margens do Tejo. (Fernando Pessoa, Mensagem) Prosa alegérica Curioso exemplo de prosa narrativa barroca deparamos no_C ‘ompéndio Nar- rativo do Peregrino da América, de Nuno Marques Pereira (Bahia, 1652 — Lisboa, 1728). Trata-se de uma longa alegoria dialogada, muito proxima do estilo dos moralistas espanhéis e portugueses que trocaram em. mitidos os prin- cfpios ascéticos da Contra-Reforma. O objetivo do Compéndio, editado em 1718, € apontar as mazelas da vida colonial e “contar 0 como est4 introduzida (35) Verso atribufdo a Virgflio: “Assim v6s, mas nao para v6s, fabricais o mel, abelhas”. 46

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