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GEOGRAFIA E TEATRO DO OPRIMIDO: uma experiéncia pela liberdade Ture Santos de Soura Vilmar José Borges O presente texto busca refletir sobre as possiveis contribuigdes do Teatro do Oprimido, como alternativa metodolégica para o ensino da Geografia Escolar, com vistas a uma educacio cidada. Para tanto, parte-se do pressuposto de que em um contexto social onde o bombardeio de informagées é constante, os estudantes absorvem ideologias que, muitas vezes, se constituem em meios de dominacio e alienacao dos mesmos. Estamos vivendo um momento em que a produgiio de informagées € co- nhecimentos esta acelerada. Em decorréncia, conforme salienta Dimenstein (1999), é preciso formar continuamente o aprendiz, pois 0 que se sabe hoje se torna obsoleto rapidamente. Nesse contexto, 0 processo de ensino-aprendi- zagem constitui um grande desafio, tanto para o professor quanto para o estu- dante. Nio é simples a tarefa de educar, buscando transformar a informacio em conhecimento, sobretudo num mundo onde a quantidade de informagées ctiada e imposta de forma tao imponente. Segundo Hilbert e Lopez (2011), a quantidade de informagées produ- zidas no periodo de 1986 a 2006 chegou a exorbitante soma de 295 exabytes.” Lamentavelmente, sio produzidas, também, intimeras informagdes desne- cessatias. Reside af, o grande desafio imposto 4 educagio: preparar os jovens estudantes para serem capazes de selecionar ai informagdes que lhes sejam necessitias € titeis, bem como a se posicionarem diante delas. Santos (2000) fornece importantes contribuicées para que se compreenda esse cariter agressivo da informagao. Segundo este autor, as informagées, no presente contexto histérico, atuam de maneira despética, pois um pequeno grupo de atores se utiliza delas para a imposicao de seus interesses. Beneficiados pela posse e controle dos meios de producio ¢ circulagio das informagoes, dis seminam algumas “ideias especiais”, muitas vezes altamente alienantes. O que é transmitido a maioria da humanidade é, de fato, uma infor- magio manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Isso tanto € mais grave, porque, nas condicdes atuais da vida econémica ¢ social a informacio constitui um dado essencial e imprescindivel. Mas na medida 17 Unidade de medida de informagdo, onde 1 £8 equivale 1.000.000 000.000.000.000 Bytes (segundo SI). Portanto, um ‘exabyte equivale a aproximadamente um bilhdo de gigabytes. 14 em que 0 que chega as pessoas, como também as empresas ¢ instituigdes hegemonizadas, é ja 0 resultado de uma manipulacio, tal informacao se apresenta como ideologia [..- SANTOS, 2000, p. 39) Depreende-se dai a dimensao da problematica, pois, conforme ressalta 0 referido autor, além da imensidao de informacées existentes no planeta, elas sio manipuladas e misturadas, como substincias de laborat6rio, provocando 08 efeitos desejados pelo “bioquimico ideolégico”, numa populaco com imu- nidade escolar defasada, pela falta de alimentacio cultural adequada. O pro- blema nao consiste na caréncia de alimentagio cultural, mas no excesso do acticat artificialmente ideolégico e na caréncia da diversidade das vitaminas culturais autéctones. Nessa diregio, encontramos em Chaui (1980), importantes contribuicées para auxiliar-nos na compreensio dos efeitos dessa “dieta tendenciosa”, Segundo a referida autora, 0 discurso ideolégico caracteriza-se por criat uma logica que consegue unificar pensamento, linguagem ¢ realidade, obtendo a identifica¢io de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular univer- salizada: a imagem da classe dominante. Ainda segundo a autora, o Estado oculta conflitos de classes antagOnicas, que se encontram em luta permanente, trazendo a ideia de uma sociedade idéntica, homogénea ¢ harmoniosa. Além disso, elabora, ainda, a ideia de que o Estado representa a sociedade como um todo, o que legitima a dominagio como normal. ‘Uma contundente maneira de disseminagio de tais excessos ideolégicos ocorre por meio do que se denominou de “indistria cultural”, que, segundo Crespo (1993), comeca a atuar a partir do século XVIII, juntamente com a Revolucio Industrial e a acentuada fabricagio de produtos em massa. Portanto, tal industria foi “fabricada” para atender uma massa da populacio homoge- neizada por uma “escolha”. Em decorténcia, junto com as inovagdes, como a producio em massa, acentuada pelo fordismo, também surge a necessidade de “ctiar” consumidores para tal produgio. Nesse sentido, pode-se afirmar que também as pessoas foram submetidas a uma espécie de fordismo ideolégico, ctiando-se, assim, um cidadao padrio — consumidor. Contextualizando a discussio dos meios de comunicagao em massa no Brasil, podemos vislumbrar que a paisagem cultural vista é ameacadora, pois eficientemente se utiliza da ideologia para envolver 0 cidadio ¢, assim, passar mensagens que sio coniventes com interesses que este nao compartilha. Tomando como exemplo as clissicas novelas da Rede Globo de Televisio, po- demos observar que, em geral, as tramas se desenvolvem em dois polos de personagens, geralmente compostos da seguinte maneira: 0 néicleo dos pobres, habitantes da zona norte do Rio de Janeiro, ¢ 0 micleo dos ticos, moradores da Fo GEOGRAFIA NA SALA DE AULA: linguagens, conceitos e temas 115 zona sul, reptesentados por empresitios de sucesso e famosos. Segundo Crespo (1993), nesse tipo de novela, geralmente ocorre um romance entre membros de dois grupos antagénicos, onde um dos membros do casal da classe tica se apaixona por outro, da classe pobre. Via de regra, todos os papéis so repre- sentados por atores ¢ atrizes bonitos. A referida autora afirma, ainda, que, inva- tiavelmente, alguém da familia, geralmente um membro da classe abastada, se coloca contra © casamento, que acontecera provavelmente no ultimo capitulo da novela. Ressalta-se que € muito comum o surgimento de leves criticas sociais nessas novelas, desde a abertura politica e cultural lenta do regime militar, como o custo de vida, a inflacao, a desonestidade dos politicos. Contudo, todas essas ctiticas leves ndo comprometem a trama central da novela: a paixio dificil, mas nio impossivel, entre 0 moco rico ¢ a moga pobre, ou 0 contririo. Em sua anilise, Crespo (1993) afirma que a identificacao estabelecida entre o piiblico e a trama da novela servitia como uma estrutura de consolacio. De acordo com a teferida autora, isso serviria como um processo compensatitio, dadas as condigdes de existéncia sacrificada ¢ alienante dessa populacio, onde, por exemplo, a operria sonhadora realizaria seu sonho impossivel de se casar com seu principe encantado (que poderia ser o jovem executivo da multina cional onde ela trabalha) [..] esse mecanismo de identificagio entre piblico ¢ personagens, a mentados pela propria televisio explicaria 0 conformismo do ptiblico. [J Valido, aqui, lembrar que, para Adorno e Horkheimer essa industria de sonhos estaria cumprindo seu papel: imobilizar ¢ alienat publico consumidor de sonhos. A televisio portanto estaria veiculando nesses , a ideologia de que nossa sociedade é uma sociedade tipos de programa aberta onde a mobilidade social ¢ possivel, porem nio pot obta de luta mas sim por obra do acaso. (CRESPO, 1993 p. 200) A quantidade de pessoas que se expde, durante horas, diante de uma programagio que, via de regta, corrompe 0 telespectador, silenciosamente, é enorme. Segundo o site da Rede Globo, cerca de 29 milhdes de pessoas as- sistem a suas novelas, diariamente." © mesmo site assume que esse tipo de entretenimento ctia e reproduz comportamentos, valores e tendéncias. Tais ctiagdes € reprodugdes de comportamentos sao também destacadas pelos pro- ptios Parametros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000), como sendo algo que o professor deve preparar o aluno para perceber ¢ se posicionar critica- mente, considerando: 18 Disponivel em:, Acesso em: 06 jun. 2016. | | | | 116 © efeito da midia sobre as necessidades de consumo, o papel da propa- ganda na formagio da mentalidade consumidora, Habituar-se a analisar gasas situacdes € fundamental para que os alunos possam reconhecer ¢ ctiar formas de protecio contra a propaganda enganosa ¢ contra os estratagemas de marketing a que séo submetidos os potenciais consumi dores. (BRASIL, 1998, p. 48) Ressalta-se que entte os intervalos das novelas sio reproduzidos comer ciais e propagandas, muitos dos quais reforgam as ideologias alienantes. E como ce fosse criado um encarceramento ideolégico da populagdo num mundo onde esse bombardeio de informagées parece set tio normal quanto 0 calor no sertéo nordestino. Por isso se faz necessatio que os professores, de uma maneira geral, ¢ de forma bastante especifica os professores de Geografia, considerem esse mecanismo poderoso, que é a propaganda, ao se propotem trabalhar com a formacio para a cidadania de seus jovens estudantes. Segundo Valladares: 'A difusio e controle de conhecimentos, informagées ¢ opinides [..], se totnaram um recurso alternativo a violéncia fisica na producio da sub- missio da vontade de outrem. Sua evolugio se consolidou no que hoje se denomina propaganda — que nfo necessariamente se ocupa s6 em vender produtos ou servigos, mas continua significando a busca € a con- quista de adesio a uma ideia ou posicio diante de fatos. (2000, p. 54) Conforme destaca Crespo (1993), nfo bastasse a programagio, que 6 ruim, os antincios (propaganda) sio bons. Assim, 0 mundo vendido pelos anincios é um mundo de sonhos, sem conflitos, onde o melhor xampu ou desodorante abre as portas para o sucesso, sempre individual, Com uma rapida anélise das propagandas, pode-se observar alguns elementos que sempre se re petem e acabam gerando uma série de modelos de comportamento social. Os programas so ruins ¢ os antincios sio bons, porque veiculam uma vida ideal. Prazer, dinheiro, satide ¢ felicidade familiar sio temas veiculados a um publico gue, em sua gtande maioria, nio pode conquisti-los. ‘A situagio agrava-se quando 0 mundo ficcional dos programas ¢ @ pro- paganda se misturam. Ao anunciar determinados produtos, o gal da novela ou a apresentadora do programa infantil, por exemplo, ambos quase sempre associam o consumo de um determinado produto ao sucesso da personagem, a sua beleza, a0 seu poder. Dessa forma, a televisio funciona como um “6pio do povo” (CRESPO, 1993, p. 202). GEOGRAFIA NA SALA DE AULA: linguagens, conceitos e temas 417 Uma das consequéncias dessa disseminacio ideolégica é a coercio, que re- cotrentemente vem se insinuando entre os jovens estudantes, ¢ se coloca como ‘um grande obstaculo ao trabalho do professor, na sua luta cotidiana por formar cidadios criticos, conscientes e questionadores das/nas relagdes de espaciali- dades em que vivem, 4, ARISTOTELIC WAY OF CARCERE: A COERCAO ‘Augusto Boal (1977) descreve, solidamente, como funciona um sistema de coercio propagado pelo teatro, mas que acontece, hodiernamente, nos meios de comunicagio de massa, de forma geral: o sistema tragic coercitivo de Aristételes. Comega 0 espetaculo, a novela, o filme, 0 seriado. O herdi € apresentado e rapidamente o ptiblico estabelece com ele uma relagio de empatia”” ¢ iden- tificaco. Surpreendentemente, o herdi apresenta uma falha em seu com- portamento, a harmatia” EB, talvez 0 mais surpteendente seja que em funcao dessa harmatia € que 0 personagem alcanga a felicidade que sera ostentada. Inesperadamente, acontece algo que muda tudo. Ocorre uma modificagio ra- dical no destino do personagem, 0 que constitui a peripécia. Até cetto momento, o espectador sentia sua barmatia estimulada, no entanto, agora, ele sente crescer o terror da iminente desgraca. E a peripécia que torna mais extenso 0 caminho entre a felicidade e a desgraca. Essa mudanga inesperada, quando ocorre com o personagem, ocorre igualmente com o espectador. Porém, para evitar que 0 espectador perca a empatia pelo personagem, durante a peripéria, é preciso que esse ser ficticio passe pela explicagao de sua falha, por meio do discurso, ¢ seu reconhecimento. Portanto, o personagem, aceita e confessa seu erro, para que o espectador, em- paticamente, aceite como nociva, sua propria harmatia, sua falha. Claro que a grande vantagem do espectador é que niio cometeu 0 erro de fato ¢, por isso, nao precisa pagar por ele. No entanto, pata que o espectador possa sentir as terriveis consequéncias de cometet 0 erro, de fato, Aristételes exige um final terrivel para a tragédia, que é a catastrofe. No é preciso que o personagem portador da falha morta. 18 Quando o espeticulo comeca, se estabelece uma relagdo enire o personagem (especialmente o protagonista) ¢ 0 espectador. Esta relacdo tem caractersticas bem definidas: o espectador assume uma atitude passiva e delega o poder de ago ao personagem. Como 0 personagem parece-se conosco, como indica Aristteles, nds vivemos, vicariamente, tudo 0 que vive © personagem. Sem agir, sentimos que estamos agindo, sem viver, sentimos que estamos vivendo. ‘Amamos e odiamos tanto quanto odeia e ama o personagem 20 E também conhecida como a falta tragica. E a nica impureza que existe no personagem. A harmatia &, portanto a nica coisa que pode e deve ser destruida, é a causadora do confito. E a dnica tendéncia que no se harmoniza com a sociedade, com o que quer a sociedade, ae Algumas vezes ele morte, outras, fica com graves sequelas ou perde algum de seus entes quetidos. Tudo isso, para provocar no espectador a catarse", a des- truicao de sua propria harmatia. Vivenciadas estas etapas, 0 espectador presencia, com assombro, a catas- trofe vivida pelo personagem e sofre a cafarse, putificando-se de sua prépria falha. Criam-se, assim, situacdes onde o espectador é impelido a reagir, a viver ea desejar um comportamento que lhe foi imposto. 2. DA COERGAO A EDUCAGAO, ‘Talvez em decorréncia desse mundo de fantasias e de sonhos, a escola e a educagao, por requererem esforgo e dedicagao, sejam vistos como algo desinte- ressante ¢ desestimulante, tendo em vista 0 imediatismo da ascensao social, que, ideologicamente, é passado pelo sistema coetcitivo. Especificamente no tocante A realidade do ensino, nossas vivéncias, en- quanto professores de Geografia, nos evidenciam que os mecanismos desta- cados sio, provavelmente, divisores de 4guas, que influenciam os estudantes ao desinteresse pelos estudos na escola. Vale aqui lembrar a relevante e pertinente licio de Brecht, a0 nos advertir que,“segundo o consenso geral, existe uma grande diferenca entre aprendizado e diversio. Aquele pode ser util, mas so- mente esta tiltima é agradavel” (BRECHT, 1967, p. 98). Portanto, ressaltamos a necessidade de associat a divers%io a0 aprendizado. E, nessa diregao, um ca- minho possivel para o ensino passa pela perspectiva do Teatro Pedagégico, ligando 0 ensino a escola, ¢ as aprendizagens 4 vida cotidiana, aos momentos de diversio e prazer. FE exatamente nessa diregao que encontramos, em Boal (1998), fortes contribuigdes para o ensino da Geografia, em sua busca por formar cidados, atrelando 0 ensino ao Teatro do Oprimido, como estratégia de aproximar di- versio e aprendizagem, expurgando essas coercées ¢ agindo diretamente em suas raizes optessivas. 3. DA COERCAO PELO TEATRO AO TEATRO DO OPRIMIDO O teatro é tio antigo quanto a propria humanidade. Desde o principio da existéncia humana, ja temos tracos da existéncia do teatro primitivo. Uma danga antes da caca, o dangatino mascarado que afasta os deménios, as transformagées ar- quetipicas das expresses humanas, 0 ator que pde em vida um personagem. Todas sio ctiagdes e tepresentagdes de uma realidade, mais verdadeira, mais fanvistica. 21 De acordo com Boal (1977), trata-se da purficagao da harmatia, Destuigéo do impeto revoluciondio. GEOGRAFIA NA SALA DE AULA: guagens, conceitos e temas 119 Segundo Berthold (2006), © teatro, como conhecemos hoje, teve suas otigens na antiga Grécia, surgindo por volta do século VI a.C., otiundo das festas populares que aconteciam por dias seguidos. Ainda segundo Berthold 2006), durante a primavera, na época da colheita do vinho, o teatro era pra~ ticado como um ritual, sagrado e popular, em homenagem ao deus Dionisio, deus do vinho, do teatro ¢ da fertilidade. © povo cantava livremente, sendo o autor e também o proprio destinatario deste “canto ditirambico””. Porém, a atistoctacia chegou ¢ ctiou algumas divisdes, separacées. Algumas pessoas passaram a ir para o palco e representar, enquanto outras ficavam na plateia, as- sistindo a tudo, passivamente. Surgiu dai a plateia de espectadores, a massa po- pulat. Além dessa divisfo, a aristocracia criou ainda outra subdivisio: dos atores que fepresentavam no palco, uns setiam os protagonistas (aristocratas), sepa- tados do coro, que representaria a massa, o povo. Criou-se, assim, as bases para o sistema tragico coercitivo de Aristételes, conforme discutido anteriormente. ‘Apesat da forca e da disseminagio desse sistema aristotélico, alguns au- tores buscaram ultrapassar esse sistema opressivo. Exemplifica um dos esforgos nesse sentido 0 autor Bertold Brecht, que trabalhou seu teatro épico e dialético, permitindo que o espectador pensasse por si mesmo, podendo/devendo dis- cosdar do personagem, apesar deste ainda agit ¢ encenar por aquele, Conforme bem enfatiza Boal (1998), foi a América Latina 0 palco para a destruicao € a superagao das barreiras impostas pelas classes dominantes, nas atividades tea- trais. Primeiramente, foi quebrada a barreira entre piblico ¢ atores; em seguida, todos passatam a tepresentar, a protagonizar as transformacdes necessatias & sociedade, Essas mudangas eclodiram no “teatro do oprimido”, o qual, con- forme defendemos aqui, pode contribuir, de maneira contundente, ao processo de ensino-aprendizagem da Geografia. 4. EM BUSCA DA LIBERDADE: O TEATRO DO OPRIMIDO NA SALA DE AULA De acordo com Boal (1977), esta interessante maneira de se fazer teatro surge no inicio da década de 1970, com 0 grupo Teatro de Arena, em Sao Paulo, ditigido por Augusto Boal. Trata-se do “Teatro do Oprimido”, um novo jeito de se fazer teatto, que busca a superagio do espectador, concebido como um ser totalmente passivo e receptor de informagées. Em sua proposta, Boal (1977) zetorna o teatto ao tempo em que o mesmo era feito pelo povo € para o povo. E preciso, em sua dtica e em sua proposta, quebrar as barreiras impostas pelas classes dominantes e permitir a participacao popular. 22 Cortejos festivos cantados nas ruas, com participaco popular. 120 De acordo com esse autor, a poética aristotélica, vigente nos meios de comunicacao de massa, oprime os espectadotes, de modo que: © mundo é dado como conhecido, perfeito ou 4 caminho da perfeicao € todos os seus valores sitio impostos aos espectadores. Estes passivamente delegam poderes aos personagens pata que atuem e pensem em seu lugar. Ao fazé-lo, 0s espectadores se purificam de sua falha trégica — isto é de algo capaz de transformar a sociedade. (BOAL, 1977, p. 168-169) Algumas vezes, a sala de aula pode ter alguma semelhanga com essa po- ética aristotélica. Exemplo disso pode ser observado em praticas docentes, tais como quando o professor repassa ao estudante informagées “oficiais” sobre © descobrimento do Brasil, ou, ainda, quando exige do aluno a memotizacio de todas as capitais dos respectivos Estados brasileiros. Visualiza-se, ai, uma espécie de mecanismo de dominagao. Esse tipo de evidéncia também pode set exemplificado nas priticas docentes do tipo em que o professor “dita” algum contetido para que os alunos copiem, como sendo a resposta certa, sem maiores reflexdes acerca de tais informacées. Essas imposigdes servem mais para afastar os estudantes do conhecimento do que aproximé-los. Ressalta-se, assim, a importancia do professor se utilizar mais de mecanismos que permitam a0 estudante ser um agente ativo do processo de produgio do conhecimento, rompendo com praticas onde ele seja apenas um receptor passivo de infor- magées, muitas vezes sem sentido e desconectadas de seu mundo e de seus interesses, Nessa direcio, a aproximacao da esséncia do Teatro do Oprimido pode ser um caminho a ser seguido, pois conforme ressalta Boal (1977), “A poética do oprimido é essencialmente uma poética de liberagdo: o espectador j4 nao delega poderes aos personagens nein pata que pensem nem pata que atuem em seu lugar. © espectador se libera: pensa ¢ age por si mesmo! Teatro é acho!” (p. 169). Para conseguir viabilizar esse ideal libertador, Boal (1977) propde algumas técnicas para trabalhar 0 teatro do oprimido, que podem ser adaptadas 20 ensino, tais como: teatro jornal, teatro invisivel, teatro-forum, teatro estétua, teatro trem, teatro imagem ¢ 0 sistema coringa. A base de seu trabalho, presente em todas as técnicas citadas, consiste em transformar esse espectador. Em suas palavras: “espectador, ser passivo, é menos que um homem e é necessitio re- “humanizé-lo, restituir-Ihe sua capacidade de acio em toda a sua plenitude” @BOAL, 1977, p. 168). Dessa forma, Boal introduz 0 termo espect-ator. Trata-se daquele que, enquanto observa a agio do outro, planeja a sua propria aco. ‘Abandona o ser passivo, objeto, ¢ passa a set ator, sujeito atuante. GEOGRAFIA NA SALA DE AULA: linguagens, conceitos e temas 4121 Sem a pretensio de esgotar aqui todas as possibilidades de aproximagio das diferentes técnicas do teatro do oprimido do ensino de Geografia, enfa- tizando suas potencialidades para a formacio do aluno cidadao, nosso foco recairi sobte a técnica denominada por Boal (1977) de teatro-forum. Esta opsio se justifica por acreditarmos ser uma eficiente técnica para os propé- sitos pedagdgicos aqui determinados: despertar a consciéncia critica e cidada de nossos estudantes, possibilitando-lhes condigées para filtrarem ¢ selecionarem informacdes que Ihes sejam titeis no mundo, onde so constantemente bom- pardeados por elas, transformando-as em conhecimento. Este é, sem dtivida, 0 cerne € 0 propésito desta nossa reflexo, Vale, no entanto, ressaltar que actedi- tamos igualmente que as demais técnicas podem ser igualmente utilizadas para os mesmos propésitos, seja de forma separada ou em conjunto. 4.1, 0 TEATRO-FORUM Esta técnica teatral constitu um jogo e como tal possui regras. Contudo, conforme destaca Boal (1977), tais regras nao foram criadas, mas descobertas. Como 0 objetivo principal do teatro do oprimido é combater a opressio, as regtas serio explicadas visando a compreensio de como funcionam os meca- nismos de opressio ¢, assim, evitar que os mesmos acontecam dentro do jogo. Para a dramaturgia desse jogo, 0 texto deve ter clareza. Deve ficar claro papel de cada personagem ¢ a opressio trabalhada. No texto, deve haver uma falha politica ou social, claramente perceptivel, para que depois ela possa ser dis- cutida durante o forum. F importante que essa falha ou esse erto politico esteja bem claro ¢ bem ensaiado, numa situagio definida, no intuito de estimular os espectatores na busca por desenvolverem as solucdes e maneiras de enfrentar essa opressio. Nao ha respostas prontas e, portanto, sera o piiblico quem ira pensar ¢ criar as respostas, juntamente com os atores. Todos aprendem e criam juntos. ‘A encenacio dos atores precisa ser clara ¢ limpa, a fim de melhor ex pressar as ideologias e situagées trabalhadas. As cenas precisam ficar claras, para que 0 ptiblico compreenda verdadeitamente os significados das agGes ¢, assim, possa agir melhor ou reagir, quando estiver em cena, Também é importante que cada personagem possa ser reconhecido claramente, independente de suas falas, para que os espect-atores possam ter igual clareza ¢ assim compreenderem ¢ representarem, quando necessario. Inicialmente, 0 espetaculo transcorre como em qualquer outra encenagio de representacio de um conflito, onde ocorra uma opressio que se deseja com- bater, Em seguida, pergunta-se ao ptiblico se ele concorda com as soluges pro- postas em cena. Geralmente, eles diraio que discordam. Em seguida, os atores novamente representarao a cena modificando-a, porém sem alterar a estrutura SS 122 de opressio utilizada. Eles manterio a visao de mundo utilizada, com o intuito de provocar a intervencao dos espect-atores, mudando a cena, Da mesma maneira, xe cles nao tomarem a iniciativa de propor uma mudanga para qe © mundo senha a ser como o desejado, isso, analogamente, também nfio acontecera, € 0 espetaculo nao mudaré sua estrutura, sem a devida interven¢ao. Entio, informa-se aos espect-atores que, quando eles virem alguma falha, alguma cena que eles julguem precisar de mudangas, eles deverio chegar perto do palco e gritar pata que a encenagao pare. Em seguida, devem tomar o lugar do protagonista e a cena seri refeita, com todos os atores, mas agora um. novo protagonista ir alterar a cena. ‘iim atividades de ensino, quando um ator cede lugar 20 espect-ator,o pto- fessor precisa encorajé-lo ¢ auxilid-lo, para que ele no enverede por caminhos incoerentes. Como, por exemplo, Hitler, gritar socialismo ou morte. Caso isso ocotra, 0 primeiro ator estar’ prdximo ao novo, como se fosse uma espécie de consciéncia, e Ihe esclareceré 0 fato. Logo que 0 espect-ator tome 0 lugar do protagonista, todos os outros perso- nagens se transformariio em opressores, com excegio dos personagens que sao ous aliados, Caso ja sejam opressores, cles irdo intensificar opressao, para que 0 espect-ator perceba e sinta 0 quanto ¢ dificil transformar a tealidade. Tividentemente, 0 objetivo deste frum ou jogo nao € que alguém des- cubra a grande verdade e se torne o vencedor. Este é um exercicio onde cada pessoa pode colocat em pratica suas idcias, exer itando-as. Atores e plateia, tra- balhando, percebetio as consequéncias de suas ages, podendo melhor analisar ¢ conhecer as opressdes e as maneiras de combaté-las. Evidencia-se, assim, 0 \ sisenal de estratégias dos opressores €, consequentemente, encontsan Se pos- siveis estratégias de mudanca. E um grande ensaio para a vida real. Caso 0 espectnator desista ou se veja sem mais alternativas, o primeiro ator | setoma o papel € a cena seguiré o seu final conhecido. Essa mudanga de ator pode ocorrer intimeras vezes. O espectator sempre comecara de onde julgar ne- | persdrio e far as mudancas que julgar necessarias. ApOs cada encenagio, um personagem especial: “o curinga” entra em acao. Esse personagem atua, como | ke fosse um mestre de ceriménias. Em atividades de ensino, 0 curinga sera o er um resumo das alternativas propostas, 4 \ professor da turma, Cabe a ele fa | fim de explicité-las ao puiblico € ainda indagar se alguém discorda, para melhor (ll esclarecer o que foi experimentado. Se num dado momento algum espect-afor conseguir romper Com & opressio imposta estruturalmente pela peca, 0s atores poderao abdicar de seus perso nagens, cedendo lugar a outros espectatores, convidados pata que possam exercet a mesma opressio, mas de maneira diferente. O objetivo é discutiz ¢ analisar as imameras formas de opressio € igualmente as suas formas de combate. Quando yr GEOGRAFIA NA SALA DE AULA: linguagens, conceitos ¢ temas 123 os atores iniciais abdicam de seus papéis, eles nfio abandonam a cena, mas continuam ali otientando os novos atores, como se fossem suas consciéncias, incentivando e estimulando os espect-atores. ‘Algum dos atores deve também exercer a funcio do curinga, para esse caso, preferencialmente, 0 professor, explicando 0 jogo, evidenciando os erros e estimulando os espect-atores a agirem para a transformacao da realidade. Pois, caso nfo interfiram na estrutura da cena, ninguém o fara por eles. E preciso ensaiar as mudangas que se deseja ver no mundo, pois, se alguém nao fizer a diferenga, nada mudara. E importante esclarecer que nfo é preciso que os estudantes descubram ou proponham algo fenomenal. Mas é preciso que as pessoas se arrisquem a expor suas opiniGes, a expressar suas vivéncias e seus conhecimentos, Nao se trata da imposicao de um dogma ou verdade absoluta, no existe um dono da verdade, Tampouco © cutinga ira explicar a solucio para a fome da Africa ou a paz mundial. E um processo em que cada um contribui com 0 que tem ¢ 0 que sabe. O papel do curinga é intermediar 0 proceso, incentivando os menos ousados a agirem mais ou os mais s4bios a dividirem suas ideias. Trata-se de uma criagio coletiva. Boal (1977) destaca vinte temas fundamentais ao teatro-forum. Um con- junto de andlises e direcionamentos a esse tipo de teatro que deve ser seguido para uma maior eficacia de seus objetivos. Discutiremos alguns desses temas, por acreditar serem de importincia consideravel pata uma possivel aproxi- macao da técnica do Teatro do Oprimido a atividades relacionadas ao ensino. O primeiro tema, de fundamental importancia a ser tratado, esta re- (0: optessio ou agressio? O autor exemplifica com uma Jacionado 4 discu: ilustragao, onde uma pessoa esté num paredao de fuzilamento, vendada ¢ com soldados apontando suas armas para maté-la. Pouca ou quase nenhuma atitude poder ser feita para salvar essa pessoa. Outra cena pode set exemplificada com uma pessoa espancada por um grupo de bandidos. i um caso onde a solugio, geralmente, é de ordem fisica, quem sabe a maneira da pessoa se livrar seria por meio de técnicas de artes marciais ou mesmo utilizando-se de alguma arma. Esse tipo de cena, por envolver apenas a agressio, nio é eficiente no teatro-forum, pois se trata ai de repressio ou agressfo, que é 0 tltimo caso da optessio. Caso isso aconteca, 0 ideal é que se retome 0 inicio da histéria encenada. Alguma coisa poderia ser feita antes da situacio chegar a esse ponto? Quem podetia fazer? De que forma essa situagio poderia ser evitada? Quais agentes poderiam interferir nessa histéria? Em quais condigdes? Quem poderia impedir essa situacio? Caso ocorra novamente, o que poderia ser feito? 124 Quanto ao estilo do modelo utilizado, Boal (1977) se diz indiferente. Para ele, deve-se utilizar 0 estilo mais conveniente. No entanto, o espetaculo deve set um bom espeticulo. Os espect-atores precisam ver as opressdes ¢ no somente ser delas informado. Ele dividiu os estilos em trés formas bisicas: realista, ex- trapolada e metaférica, Outra questio a ser considerada refere-se 4 urgéncia ou nao do tema pro- posto em cena, se é preciso utilizar algo complexo ou simples? Ressalta-se que todos os temas sfio possiveis, mas é preciso estar claro que, para a eficiéncia do teatto-forum, é necessaria uma boa petguntal Se ninguém souber o que esta sendo perguntado, dificilmente alguém saber a resposta. Um problema con- creto ¢ urgente pode trazer discussdes ¢ respostas andlogas. Temas imprecisos, apesar de nao proporcionarem a criagio de um modelo concreto de resposta ou atuagio, podem trazer uma boa discussao e analise do problema. ‘Mas ser preciso chegar a alguma solugo? Acreditamos que mais impor- tante que a solugao seja o debate, ou, mesmo chegando a alguma solucio, talvez cla nao possa ser efetivada em outras citcunstincias ou outras pessoas envol- vidas. F. o debate, conflito, argumentacio, contra-argumentagao que prepara ¢ incentiva o espect-ator a pensar e a agit. Outra grande potencialidade desse tipo de espeticulo é preparar, ensaiar uma cena, praticé-la para depois utilizé-la na pritica,como em uma reunio do sindicato, um tribunal, dentre muitas outras. Cabe ainda destacar que, neste teatro, mais importante que a certeza deve se trazer a diivida, a indagacio. O espectador deve ser capaz de criar uma tes- posta e no que lhe seja fornecida uma resposta pronta. Vale aqui esclarecer algumas consideragdes a respeito das duas atirudes do “curinga”, A primeira é que ele nio deve trazer respostas para o espeticulo, mas sempre gerar chividas, questionando as préprias conclusdes ¢ induzindo o piiblico a responder e a pensar. Nao é 0 curinga quem decide a trajet6ria a ser desenvolvida pelo espetaculo, ele apenas explica as regras € permite que 0 piiblico as modifique, se julgar necessitio. O curinga deve, também, reenviar as duividas a plateia. Isso esta certo mesmo? E isso que vocés pensam? Ele deve estimular o melhor desempenho das propostas de cada espect-ator. Ele deve questionar solugdes muito faceis ou mégicas. ‘A encenacio deve trazer a riqueza de elementos, como o figutino ou a cenografia. Muitas vezes sfio esses elementos que produzem a opressao, como uma roupa, uma marca, um objeto. Se estamos discutindo a musica, é preciso que haja musica, se for a danga, € preciso dangar. © ator precisa deixar claro, com sua encenagio, que 0 oposto do que ele estiver fazendo também é uma possibilidade valida. O ideal é que ele faca ensine, 20 mesmo tempo. “[...] ensinando-se, aprende-se. A pedagogia € tran- sitiva. Ou nao é pedagogial” (BOAL, 1998, p. 336). GEOGRAFIA NA SALA DE AULA: linguagens, conceitos e temas Muitas vezes, as cenas podem ser repetidas, pot isso os atores devem estar atentos para que a repeti¢io nfo se torne enfadonha, e acelerar os fatos que ja ficaram claros, para evitar 0 desgaste do piblico. A cena criada como um microcosmo pode interagir com 0 macrocosmo social. Por exemplo, se uma pessoa que esté no centto da cidade de Vitoria (Espirito Santo), numa rua, pode telefonar para a policia, em outro bairro, e assim se criar 0 bairro € 0 outro ambiente, imediatamente. A policia pode ainda requerer a ajuda de outra cidade, quem sabe de outro Estado, Enfim, no teatro, tudo € possivel. Ao substituir o personagem, nfo se pode transformé-lo em outro. As caracteristicas principais que se relacionam com © problema no podem ser alteradas. Se, por exemplo, uma pessoa que ama muito a sua familia tem a oportunidade de viajar e morar em outro continente e fazer o trabalho de seu sonho, nfo pode entrar um espect-ator e simplesmente fazer com que a perso- nagem odeie sua familia. Assim, estaria alterando a estrutura do problema, ¢ nao seriam discutidas possibilidades pata aquele problema. Pois, se a pessoa que estivesse em diivida quanto a sua viagem, odiasse a familia, nem haveria ditvida. Todas as opressdes, independente de seu tamanho, podem ser discutidas. Por exemplo, a situagio de uma mulher que 0 marido nao deixa exercer uma atividade remunerada pode ser tio bem encenada e discutida quanto a questio da paz mundial ou da opressio sentida pelos judeus em relacio aos nazistas. Um espectador nfo pode permanecer exclusivamente como espectador. Caso algum espectador nao queira reagir a uma cena aberta, onde ele é con- vidado a agir, sua escolha de nao agit j4 é uma atitude, e, portanto, ele ja tomou uma decisio. Uma sessio de teatro do oprimido nunca termina. Geralmente, ela € in- terrompida. © ideal é exercitar ideias e mecanismos que possam ser utilizados com eficdcia, na vida real. O ideal é que os experimentos testados no mundo ficcional, maravilhoso e fantastico do teatro, possam chegar 4 implacavel rea- lidade e, quando bem-sucedidos, transformé-la. Esse conjunto de regras e observacdes compéem a estrutura geral para a utilizacio do teatro-forum, que compreende uma riqueza inestimavel de possi- bilidades de trabalho, para um professor, em sua escola. Pode gerar discussées, debates e féruns, funcionando como um grande ¢ eficaz elemento de estimulo 4 aco. Com 0 uso do teatro do oprimido em sala, as discussées podem ser recheadas de uma forca transformadora, ou seja, a acho do espect-ator. As dis- cussdes so aliadas e estimuladas pela propria vivéncia do estudante, em sala de aula, que pode ser um trabalho de campo sem sair da sala, ao criar as condigdes de qualquer parte do mundo, e experimentando formas de transformacao tanto do espect-ator quanto do préprio mundo. 126 Mediante o exposto, apresentamos, a seguir, 0 relato de uma experiéncia de ensino de Geografia e Teatro do Oprimido, pautada na técnica do teatro-forum, ‘Tal experiéncia foi, portanto, testada e devidamente validada, no cotidiano de uma turma de sétimo ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede publica do municipio de Vit6ria, Espirito Santo, durante o ano letivo de 2015. 5. TEATRO DO OPRIMIDO EM SALA DE AULA Reafirmamos, de imediato, que infinitas propostas podem ser formuladas ¢ adaptadas para todos os niveis de escolaridade e igualmente para todos os contetidos. Evidentemente, cada um terd suas singularidades, valendo ressaltar que nao é necessdrio que os estudantes aprendam, antes de praticar, todo o con- junto de regras do jogo discutido acima, mas que o professor deve se valer das mesmas para “capitanear” o batco da sala de aula, com a destreza de um mestre de ceriménias (0 curinga), que estimula e incentiva os espect-atores a agirem por si mesmos, sem se desviarem dos objetivos almejados. Também € relevante salientar que nossa proposta no tem a pretensio de ser uma receita pronta e acabada, mas que pode e deve softer imimeras alte- rages, conforme a necessidade ou a criatividade dos participantes. O professor deve exercer sua fungio de curinga ou mestre de ceriménias j4 desde 0 inicio da ctiagio das cenas até o final do forum. Outro detalhe é que este exercicio pode ser desenvolvido em sala de aula, conforme jé testamos e aprovamos em nossa vivéncia, contudo, 0 uso de locais abertos, como uma quadra, também pode ser benéfico. Conforme ja anunciado, a turma escolhida para o desenvolvimento da atividade pritica foi o sétimo ano do ensino fundamental e 0 contetido foi a formacio do territério brasileiro, Na primeira aula, a tarefa foi explicada para a tutma e os grupos divididos. Nossa turma, com média de quarenta alunos, foi dividida em dois grupos de vinte alunos. Ainda na primeira aula, os alunos, subsidiados com textos didatico-pedagégicos sobre a temitica, de- veriam criar um roteiro, uma dramaturgia. Para tanto, podiam ter a presenca de um narrador, pois percebemos que isso facilitaria a organizagio da cena, uma vez que todos sio atores iniciantes. Apés a criagao do roteiro, os alunos utilizaram o restante da aula para o ensaio da cena, sempre supervisionados pelo professor, para que nio se afastassem dos objetivos. A tarefa proposta e a ser desenvolvida foi a seguinte: GEOGRAFIA NA SALA DE AULA: linguagens, conceitos e temas 427 ‘Tema: bandeiras ‘Atividade: criar uma cena onde o senhor das terras determina expedigdes que vio adentear as terras da colénia portuguesa, para este, 4 procura de indios, para domina- «Jos e tra7é-los cativos para o trabalho forcado, como na extragao do pau-brasil. Portanto os petsonagens so: senhor de engenho e talvez familiares, feitores e escravos-indios. ‘ema: Ciclo da cana-de-agiicar ‘Atividade: criar uma cena onde os senhores de engenho determinem aos feitores obtigar os escravos a trabalharem na lavoura da cana. A lavoura vai crescendo e se expandindo € o territério utilizado vai igualmente aumentando. Portanto, os personagens sio: senhor de engenho ¢ talvez familiares, feitores ¢ escravos. Na segunda aula, os alunos tiveram um tempo aproximado de dez minutos para um breve ensaio ¢, logo apés, se inicia a apresentagio. Um grupo vai a frente da sala, que ja estara preparada com todas as cadeiras organizadas ¢ inicia sua apresentacio. Esta apresentagio pode ser pausada ¢ reiniciada quantas vezes 0 professor julgar necessirio, fazendo as respectivas observagées, abu- sando de questionamentos, para toda a turma, ao invés de simplesmente dizer, por exemplo, esté errado. Caso aconteca, na cena, algo errado, o professor in- terrompe a cena ¢ pergunta a todos: — pessoal isto esta certo? Outro elemento muito eficaz, observado na atividade desenvolvida, foi a repetigio de cenas, com a troca de personagens. Os estudantes que fizeram, por exemplo, papel de opressores, ao serem perguntados a tespeito, respon- deram que escolheram tal papel para exercer a opressio e se divertirem com isso. Assim, na repetigio das cenas, os mesmos foram convidados a trocar de papel, fazendo agora o personagem oprimido, para que experimentassem os dois lados da opressio. Inémeras possibilidades surgiram em cada cena e cada grupo particular de estudantes, aflorando naturalmente certas questdes. Contudo, ¢ importante que © professor j4 tenha algumas questées a serem perguntadas, para que o forum aconteca de maneira eficaz, como, por exemplo: foi visivel algum tipo de opressio na cena? Alguém tem alguma ideia de como seria possivel alteré-la? Vamos ex- petimentar? Foi visivel a relagio do contetido escolar ¢ o desenrolar da cena? Na hist6ria oficial do Brasil, 0s bandeirantes sfio tidos como hetdis, ser que 0s indios concordam com essa visio? Dentre muitas outras perguntas possiveis... Logo apés a apresentagio do primeito grupo, iniciou-se a apresentacio do segundo, passando pelo férum, onde foi possivel direcionar perguntas as questdes mais relevantes, vivendo ¢ experimentando o contetido escolar junto com a turma. Apés as apresentagdes ¢ numa aula seguinte o professor pode 128 didos e entregues, baseados nas aulas anteriores, utilizando-se assim de mais um tipo de método avaliativo do processo de ensino-aprendizagem. Na implementacio das atividades, quer por meio de narrativas e depoi- mentos espontineos dos alunos, quer pela observagio diteta de envolvimento e comprometimento da turma com as teméticas propostas, reafirmamos que © Teatro do Oprimido pode contribuir para o ensino, de uma maneisa geral ¢ mais especificamente pata 0 ensino da Geografia, que, ao estudar as questoes de espaco e espacialidade, naio pode se furtar de discutit as questdes explicitas ¢ implicitamente opressoras e alienantes, decortentes, principalmente, do bom- bardeio de informages a que esto sujeitos nossos estudantes. O professor pode, por meio de jogos teatrais, cenas, espetaculos criados pelos alunos ou mesmo um mondlogo do prdprio professor, criar situagdes favoriveis para que os alunos-espectadores (espect-ator) se sintam estimulados € possam interagit. Si inimeras as possibilidades de utilizacio/adaptagao das técnicas do teatro do oprimido para atrair ¢ estimular a participacio e o desen- volvimento de um pensamento geografico e critico, que contribua para o ques- tionamento e 0 posicionamento dos estudantes diante das questdes geograficas, politicas ¢ geopoliticas. Numa sociedade tio fluida quanto um iquido (BAUMAN, 2000) a escola e seus sujeitos nio podem deixar de ousar buscar alternativas para esse desa- fiador processo de ensino-aprendizagem. Na busca por um processo de apri- moramento e aperfeigoamento, hé que se considerar que, se a sociedade muda, tais processos € os estimulos necessarios para uma educagio, significativa e atraente, nao podem se manter os mesmos e estaticos. | Nessa diregio, vale a contribuicio de Boal: | ainda explorar essas vivéncias, com perguntas ou exercicios, para serem respon- | s as mulheres. A atividade artistica é natural a todos os homens ¢ a tod: Sao as repressdes que sofremos ao sermos “educados” que nos limitam c estreitam nossa capacidade de expressio. As criangas dangam € cantam | ¢ pintam. Depois, com a repressio que softem na familia, na escola, no trabalho, convencem-se de que nao sao bailarinos, nem cantores, nem pintotes. Porém devemos compreender que todos os homens sfio ca- pazes de fazer tudo aquilo que um homem ¢ capaz de fazer. i claro que | nem todos fario com a mesma maestria, mas todos poderao fazé-lo. Todo mundo pode fazer teatro — até mesmo 0s atores! O teatro pode ser feito em todos os lugares — até mesmo dentro dos teatros! (1979, p. 19) F GEOGRAFIA NA SALA DE AULA: inguagens, conceitos e temas 129 Pautados nessas premissas ¢ ideais utilizados por esse dramaturgo da con- iraopressio, acreditamos que o teatro pode ser utilizado como um elemento auxiliar das atividades de ensino, seja dentro da sala de aula, ou fora, no patio, na quadra, no auditério e até mesmo no espaco do teatro. O teatro do optimido pode estimular 0 pensamento geografico, o posicionamento do estudante, o de- senvolvimento de sua capacidade critica, sua educacdo e sua prépria cidadania. 130 REFERENCIAS ADORNO, T. A inddstria cultural. In: COHN, G. (Org) Theodor Adorno, Sao Paulo: Atica, 1986 BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Politica, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2000. BERTHOLD, M. Histéria mundial do teatro. 3, ed. Sao Paulo: Perspectiva, 2006. BOAL, A. Teatro do Oprimido e outras poéticas politicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilizagao Brasileira, 1977. . 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