de nossa atengao. A primeira estrofe apresenta dois movi-
mentos: os dois primeiros versos partem do cotidiano e,
construfdos sintaticamente em forma de condicional, dao
suporte as interrogzacGes cujas respostas niio sao nada sim-
ples. As perguntas da
criangas retomadas nesta estrofe
sio levadas a sério. Como responder a algo simples como:
“de que € feita a madrugada”? Esta, uma possivel pergun-
ta de crianga que pede do adulto um mergulho na fantasia
{ou um chega pra 14 com pergunta boba!). Responder ra-
cionalmente a estas perguntas nos levaria a questdes mui-
to sérias, como por exemplo, o tempo e sua continua pas-
sagem. O que de certo modo o poeta o faz através da forga
de suas image:
A passagem do concreto (goiaba, limio etc.) ao abs-
trato (madrugada, alvorada, revoada) nos chama a aten-
¢40 para a dificuldade que enfrentamos para responder a
estas questées colocadas pelas criangas. Automatizados,
guiados por respostas prontas, mecdnicas, ficamos aténi-
tos quando perguntas simples nos so colocadas.
A primeira estrofe € uma espécie de bola levantada
para a bela jogada que se arma na segunda, O que ficou
momentaneamente sem resposta, ganha agora um conjun-
to de respostas das mais inventivas e de grande efeito poé-
tico. Um aspecto que logo chama a atengao nas imagens
criadas pelo poeta é seu visualismo: “dos passeios que as
Uiltimas / estrelas dio no céu", a “preguiga/ do sol que acor-
dae os bragos jé estendeu”. A imagem que indica a maté-
ria de que é composta a “revoada” é cunhada por meio de
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uma rica metonimia. Nas trés respostas um aspecto comum:
idéia de passagem, diria mesmo do fugaz.
A terceira estrofe retoma o tom interrogativo que es-
tava na primeira e, 20 mesmo tempo, nasce da segunda. Isto
é, as respostas sugeridas geraram outras perguntas, agora
para serem respondidas. “Céu”,
talvez mais complexa
“sol”, “estrelas”, “v0” passam a ser interrogados sobre sua
matéria ou sua natureza. Uma estrofe toda de interrogagoes
gue nos deixam perplexos. Ou seja, 0 poeta ndo esti inte-
ressado em dar respostas prontas, conformadas, Pergunta, .
resposta poética, novas perguntas; esta a estrutura do poe-
ma. Do poema? Nao s6, Da vida em todo processo, em seu
desdobrar-se, em seu vir a ser. Uma resposta pode apazi-
guar a alma momentaneamente, mas ela jé pode conter em
i outras perguntas e assim indefinidamente.
E nem falamos da sonoridade do poeta apoiada em
rimas, aliteragdes e algumas repetigdes de palavras; tam-
bém nao tocamos na estrutura sintatica, cheia de subordi-
nagées, 0 que relativiza a hipétese de que a linguagem
dirigida a crianca deva sempre apoiar-se em estruturas
parataticas. : ;
Oleitor que poderia imaginar que a poesia para crian-
gas deve ser facil, cheia de respostas prontas, sugestoes
acomodativas, cunhadas em ritmo monsétono cai do cava-
sempre resiste a uma lei-
lo. A melhor poesia para crianga a lei
: 7
tura mais vertical. Sempre oferece possibilidades semant
cas inesperadas.
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