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s antropdlogos \ brasileiros — dentro ou fora da academia — ‘yém desempenhando um importante papel junto aos movimentos sociais no reconhecimento de grupos étnicos ¢ dos direitos de minorias — os direitos humanos em geral. Essa pratica — que, de certa forma, é antiga — ganha entretanto novos aspectos na medida em que a expressao publica de uma cumplicidade pessoal toma-se 0 oficio de um perito, ou técnico, que redimensiona a nossa formagao atuago profissionais, A ABA tem atestado essa importante mudanga, organizando oficinas sobre ética e direitos humanos, sobre o ensino da antropologia e, finalmente, sobre a profissionalizacao do antropélogo. A presente publicagao aborda, especificamente, os resultados alcangados por esta tiltima. ‘ssodagao Brasileira de Anropoiogia Antropologia extramuros Antropologia extramuros novas responsabilidades sociais e politicas dos antropdlogos Glaucia Siva (org) ‘Aledo Wagner Berno de Almeida, Ana Fdvia Santos, Ana Luca Pastore Schritameyer, Beatie Heredia, Carlos Alberto Sti, Ceca Maria Viera Helm, Elaine Amorim Carrera, Efane Cantarino O'Duyer, ‘Guita Grin Debert, Jacqueline Sinhoretto, 16 Cardoso de Olvera, Lelah Landim, Luis R, Cardoso de Olvera, Lyla Segala, Manuel Ferreira Lima Filho, Maia Emfla Lisboa Pacheco, Neide Ester, Regina Novas, Ricardo Gd Fernandes, Roque de Barros Lafaa,Rosiene Alin, Shela Braslero, Sonia Gonzaga G Paralelo 15. Glaucia Siva fara wii a Antropologia extramuros Gléucia Silva (org) Antropologia extramuros Novas responsabilidades sociais e politicas dos antropélogos Anais da Oficina da Associagio Brasileira de Antropologia, maio de 2002, Campus do Gragoati, Universidade Federal Fluminense Allfiedo Wagner Berno de Almeida, Ana Flivia Santos, Ana Lucia Pastore Schiritameyer, Beatriz Heredia, Carlos Alberto Steil Cecilia Maria Vieira Helm, Flaine Amorim Carreira, Eliane Cantarino O'Dwyer, Guita Grin Debere, Jacqueline Sinhorett, J Cardoso de Oliveira Leilah Landim, Luis R Cardoso de Oliveira, ‘Lygia Segala, Manuel Ferreira Lima Filho, Maria Emilin Lisboa Pacheco, Neide Esterei, Regina Novaes, Ricardo Cid Fernandes, Rogue de Barros Laraia, Resilene Alvim, Sheils Braileise, Sonia Gonzaga Gracee Diteitos exclusives para esta edigio: Paralelo 15 Copyright © 2008 by: ABA Enieho: Cratos Rua 13, chacara 361 73100 000 Lago Oeste - DE Fone: (61) 3478 1816; e-mail: paralelol3@uol.com.br ISBN: 978-85-86315-17-6 Ficha catalogrifica Silva, Glivea for) Antrapologi extramarot ~ Novas responsbilidade soci e poliess dos antropSloyos / Given Sika eal / Bras; Parole 15, 2008 188 p 1. Cina soci. 2.Ansapologia. 3. Poiécas pablica 41. Teal oe 305 Sumario Preficio Luis R. Cardoso de Oltveira Introdugio Gléncia Sioa -Antropélogos e profissionalizagio Rogue de Barros Larata A présis da mediago cultural Jo Cardoso de Obtetra Antrop6logos e profissionalizacto: A contribuigo do Instituto Goiano de Pré-histéria e Antropologia — IGPA Manuel Ferrera Lima Filho Antropélogos e profissionalizagio: ‘As experiéncias do curso de especializagio e das ONG's, Cartos Alberto Stett 1B 19 23 29 35 41 Peritos e pericias: Novo capitulo de (des)naturalizago dat antropologia. A luta contra positivist e contra o empirismo vulgar Alfredo Wagner Berna de Almelda Antropélogos e Laudos Ana Flavia Santos lugar da antropologia no campo smultdisciplinar do laudo pericial laine Amorim Carreira Antropélogos e jurists na mediagiio de confltos no povo indigena kiviti Sheila Brasileiro 0 caso dos laudos: pesquisa aplicada ou exercicio profissional da antropologia? liane Contarino O‘Duyer Algumas reflexdes sobre pritica académica e pritica politica. Um antrop6logo numa ONG eatrt: Heredia Historia antiga Letleb Landim Notas de fronteira: Antropologia e educagao Aygia Segata 45 51 53 87 99 109 Um olhar antropolégico sobre a trajetéria de de um trabalho s6cio-educativo Maria Bmita Lisboa Pacheco Camponeses e povos indigenas: Atuagio de antropélogos no espago das Igrejas e das ONGS nos anos 1970 Nelde esterct As relagies entre a universidade e 0 movimento social Rosilene Alto Apostas € riscos. Para além das melhores intengdes antropolégicas Regina Nowaes Proximidades, distincias e as questies de mediagio Sonia Gonzaga ‘A questio Gtca, as intervengdes e a produgio do conhecimento antropol6gico em consultoria para implantago de projeto hidrelétrico Cocitta Marta Vitra Helm Produto e processo: Antropélogo ¢ empresas Ricardo Cid Fernandes Nossos muros e os dos outros Ana Lucla Pastore Schritzmeyer Antrop6logos e segucanga piblica Jacqueline Sinboretto 119 125 135 M1 151 167 173 179 A antropologia fora da academia Inks R. Cardoso de Oltveira* jpesar de a antropologia brasileira ter sempre mantido alguma articulacao entre o trabalho desenvolvido nas universidades a implementagio de po- ltcas pblicas, especialmente no campo do indigenismo, nos tims 20 anos houve enorme expanso do mercado de trabalho fora da academia, ¢ 0s artigos aqui reunidos constituem uma primeira tentatva de reflexdio mais sistemdtica sobre ‘este universo de atividades que congrega um ntimero cada vez maior de antropélogos. slém da ampliagio desta atuagiio em érgos pitblicos diversos, com destaque para 0 Ministério Paiblico Federal e para o Ministério da Reforma Agréria que tém feito concursos pablicos nesta drea, antropélogos tém sido requistados para atuar nos mais diversos dominios das politicas piblicas, nos trés niveis de governo, e em orga- nizagdes n’io-governamentais, as ONG's, Embora as chamadas minorias étnicas ¢ so- ciaisvenham sendo alo privilgiado do trabalho antropol6gico também fora da aca- emia, tudo indica um processo de ampliagio dos segmentos populacionas, assim ‘como do universo de problemas e de situagées sociais sobre os quais os antropdlogos deverio ser cada vez mais chamados a colaborar no campo das polis pblicas. a organizacdo do seminério que deu origem ao livro, havia a preocupacao de ‘mapear melhor a atuago dos antroplogos fora da academia, assim como de rele- tir sobre a relagdo destas atividades com o trabalho académico em sentido estrito, Algumas questBes interessantes levantadas pelos partcipantes dizem respeito 20 status da antropologia no académica:deveriamos concebé 1a como “antropologia, pritica’, como “antropologia apicada’, ou como “antropologia da aco"? Da mes- ‘ma maneira, qual seria a especificidade dos resultados do trabalho antropol6gico fora da academia? A elucidaco de “evidéncia etnogrdfica” ou da “prova etnogréfi- a"? Que difculdades os antrop6logos estariam enfrentando no didlogo com profs- Presidente da ABA Ls R. Cero de Ofria sionais de outrasdisciplinas na reatizaglo de trabalnos nfo académicos? Qual seria a importincia da atuagio do antropélogo como mediador entre visdes de mundo, culturase perspectivas diferentes? Que implicagdes estas atviades teria no ca po da ética de pesquisa e da ética profissional? Fm que medida a antropologia fora da academia teria uma contribuigko a dar para a disciplina enquanto campo de saber ede produgzo de conhecimento? ‘Todas estas sio quest6es importantes © permeiam os trabalhos aqui reunidos {que motivatam os debates durante o semingrio, 0 leitor nfo encontrar respostas precisas para estas questbes, mas ter acesso a inmeros exemplos onde elas relevantes e poderé dialogar com o entcaminhamento dado pelos autores em situ ‘bes especificas,Trata-se, em certa medida, de pequenas etnografias destasatvida- des fora da academia, €oletor tera um rico material para rele sobre as impll- cagdes destas experiéncias para a disciplina. Evidentemente, os autores compatt- ham com o leitor suas préprias rellexdes sobre os temas e dilemas com os quais se defrontaram, ¢ 0 equilbrio entre as dimensGes etnografica ¢ conccitual varia bas- tante em cada exposigio. Embora este no seja o momento nem o lugar para discu tir as questdes elencadas acima, gostaria de fazer duas observagbes gerais sobre a antropologia fora da academia antes de conclu este preficio, Recentemente defini o oficio do antroplogo como estando marcado pelo esfor- 0 em desvendar evidéncias simbélicas* as quals dependem de uma articulacao audequada com o ponto de vista dos sueitos da pesquisa, e que seriam ahsolutamen- te impermesveis a0 olhar objetvista do observador. Os trabalhos aqui reunidos demonstram que tal caracteristica esté amplamente presente nas atvidadesrealiza- das fora da academia, revelando uma dimensfo de identidade importante com a produgio académica. Na mesma direco, e assim como na academia, o trabalho do antropélogo extramuros também produ verdades que nio consiituem certezas Isto é: se definiemos as iltimas como fundamentadas na aplicacio de um método, 4 primeiras estariam associadas ao esforgo de elu camente pré-estruturado, que englobaria necessariamente os eventuais métodos ¢ ‘6enicas utlizados pelo antropélogo. A importincia deste momento nio met6dico do trabalho do antropélogo seria 0 que garante, a meu ver, seu carter dindimico e 1 LR Cardoso de Olli, “0 ofcio do antropslogo, ou camo desvendar eidéncis sin ex, Séhie Antopolagia, Vol 413, Brasia, Departamento de Antsopologia ea Universidade de Brasilia, 2007, pp. 6-19, 1SSW print format: 1980-9859, ISSN electronic format: 1980 9867. A sale no Anudrio Antropalgiea?2006, no pro 10 Pri ‘ritico, Além das dificuldades que esta caracterstica traz para o didlogo com pro- fissionais formados em disciplinas orientadas para a producio de certezas, ela torna o trabalho do antropslogo imune a recetas e nfo permite sua vinculacdo a projetos de engenbaria social, onde se procuratia induzi transformagio sem eluct- aco e engajamento prostivo dos sueitos. Na perspectiva anttopol6gica a intelo- cugio tem sempre precedéncia sobre a intervencio, ‘Mas isto me leva A segunda observaco. Os princfpis éticos que orientam pesquisa académica so 0s mesmos que orienta o trabalho extramuros ainda que tal identidade de principios esteja longe de resolver os dilemas étcos com os quais 0s profissionais da disciplina se defrontam cotidianamente. Se a preocupagio com © respeito ao ponto de vista dos sujeitos e 0 compromisso de no prejudicarinte- resses e direitos legtimos dos grupos estudados sio princfpios consensualmente aceitos na disciplina assim como a responsabilidade do antrop6logo sobre publi- cagio dos resultados de pesquisa, o trabalho fora da academia traz&tona algumas situagdes particularmente polémicas. Reiro-me, por exemplo, & prtica apacente- mente corrente no mercado de contratar consultorias cujos resultados pertencem 2 ‘empresa ou insttui¢Zo contratantee nas quais 0 profissional que realiza o trabalho perdea autonomia sobre. divulgaco dos dados obtdos. Em que circunstancis tl pratica poderia ameagar os prinefpios que norteiam o trabalho do antropélogo? Que mecanismos poderiam ser acionados para defender a preservagiio destes prin- cipios? Estas sfo apenas algumas questdes que o livro suscitt ¢ para as quals se pretende estimular a reflexao. Finalmente, esta publicago faz parte de um esforgo mais amplo da ABA em articular de forma mais sistemética a adic acaclémica da disciplina com a an- tropologia que se faz fora da academia, em todas as suas manifestagBes. A prop6si- to, os virios seminars e publicagdes sobre laudos pericias, direitos humanos ¢ ica em pesquisa realizados nos fitimos 10 ou 15 anos sio contribuigées impor- tantes nesta direco. Com o objetivo de canalizare aprofundaras discussdes sobre o lugar da antropologia-fora-da-academia no fmbito da ABA, 2 atual diretoria criou © GT“Oficio do antropélogo”, que mantém um blog avo em nossa pagina na WEB. O GP constitu! um rum de discussio permanente sobre os temas abordacls no liv, € tem procurado avangar na definigZo de alternativas para um melhor reconheci- mento da antropologia como profssio em seus diferentes niveis de formagio. ACE u Apresentacao Gléncia Sitvat evento inttulado Oficina antropologia extramuros: Novas responsabilt- dades socials epotiticas dos antropélogos, que aconteceu no Campus do Gragoaté, em Niter6i, Rio de Janeito, nos dias 9 ¢ 10 de maio de 2002. Foi uma iniciatva da Associag2o Brasileira le Antropologia — ABA, apoiada financeiramente pela prépria Associagio, pela Faperj e também pela Pr6-Reltoria de Pés-graduagio e Pesquisa da Universidade Federal Fluminense — UFR, a qual se vincula 0 Programa de Pés-graduacio em Antropologia, que teve a saistagio de hospedar a oficina ‘Todos texios apresentados pelos componentes das diversas mesas foram grava- dos e transcritos, Posteiormente, a transcrigZo foi submetida aos participantes para que fizessem as modificagBes que considerassem necessiris, Somente os tex- tos que foram devolvidos por seus autores integram este livo. A partir do momento «em que os textos foram devolvidos, nenkuma ateracio foi feta, tendo sido direta- ‘mente enviados 2 editora ‘os convidados que compuseram as mesas da oficina, solicitamos relatos pes- soais, que versassem sobre a experiéncia de cada profisional em suas escolhas ‘extra ¢intramuros, e que coubessem nos 20 minutos destinados a cada exposicio. O teor¢ o tamanho dos textos autorizaram que sua publicacZo guardasse um estilo mais pr6ximo ao da oralidade, marcado pelo tom coloquiale pela informalidade nas referéncias a autores e obras consagradas. Alguns partcipantes, enretanto, ‘optaram por atenuar 0 caréter informal de seus escritos. 0 leit encontraré desta forma uma ceria heterogencidade de apresentago entre 0s textos. Aintengio da ABA 20 propor a ofcin fot, além de discutt a questio da atvida- de profissional extramuros do antropélogo, colocar-se como espago deaglutinagao ‘para os profissionais que construiram uma carreira fora da academia, Jé durante a E se livro retne alguns dos textos que foram apresentados por ocasio do * Antropslogs, peofessora da Universidade Federal Huminense, B thai Sta organizaco do evento, ficou clara a distincia entre as duas formas de atuagio cevidenciada na dificuldade de localizarmos e incorporamos esses antropélogos 20 evento queafinal, acontecia num espago intramuros. s ttulos das mesas foram dados de forma a inventariar campos sociais em que 0s antropélogos tém atuado, Bvitamos assim falar ce “antropologia preferindo a referéncia aos “antropélogos”, uma vez que no hé uma posigio da. disciplina, como um todo, em relagio a esses campos ou temas nos quais os antropélogos atuam e sobre os quals refletem, ‘A organizacio das mesas ea escolha dos temas foram felts por uma comissao organizadora composta por professores da UFE, com a partcipaco Deborah Lima (professora da UEMG) e de Alfredo Wagner de Almeida (professor da UFMA), que ‘ram vstantes da UPE entre 2001 e 2008. A secretaria do evento ficou sob a resp sabilidade de Maria das Gragas Reis Goncalves, auxiliada por Inez Almeida Vieira. A paalronizagéo dos textos ap6s a transcricio fo feita por Hélio Brasil e César Augusto, «que também coordenaram 0 envio dos textos aos autores e sua recep Abaixo, vemos a composigio das mesas e seus ttulos. Para cada una, foi escolhido (a) um(@) coordenador(a) que, com excegio da mesa sobre laudos, no fer relato, procurando apenas mediat 0 debate e introduzir a apresentacdo de cada patticipante: 2 Antropélogos e profissionalizagao: Roque de Barros Lara, J6 Cardoso de Olivia, Manuel Ferreira Lima Filho, Carlos Alberto Stell, Guita Grin Debert, Sue Fleming, Marco Anténio da Silva Mello (coordenadot) © Antropélogos e laudos: Alfreslo Wagner Berno de Almeida, Ana Flavia Santos, Elaine Amorim Carreira, José Augusto Sampaio, Jodo Pacheco de Olivera, Sheila Brasileiro, Eliane Cantarino O'Dwyer (coordentadora). © Antropélogos e ONG's: Beatie Heredi, Leah Landim, ypia Segal, Maria Emi- lia Pacheco, Netde Esterci, Rosilene Abin, Deborah Lima (coordenadora) © Antropélogos e movimentos sociais: Claudia Fonseca, Moacyr Palmeia, Regi- na Novaes, Sonia Gonzaga, José Sergio Leite Lopes (coordensdor). © Antropélogos ¢ empresas: Cecilia Helm, Livia Barbosa, Mercio Gomes, Ricar do Cid Fernandes, Gliucia Oliveira da Silva (coordenadora) © Antropélogos e seguranga puiblica: Ana Licia Pastore Schritzmeyer,Jacqueli- ne Sinhoretto, Luiz Eduardo Soares, Roberto Kant de Lima, Sofia Tiscornia, ‘Simoni lahud Guedes (coordenadora) 4 Aprseniagio Com excegio de José Sergio Leite Lopes, que é professor do Museu Nacional’ LUFRY, e que foi convidado a coordenar-a mesa sobre movimentos socias, os outros ‘cinco coordenadores sto professores ligados 3 Universidade Federal Fuminense. A oficina foi uma experiéncia interessante, muitas vezes engracada, outras emocionan- tc, mas sobretudo extremamente vida para o levantamento de questbes suscitadas pelas miiiplas modalidades de atwagio do antrop6logo. Foi possivel identificar algunas idéias mais recorrentes nas apresentagdes, que estdo resumidas a seguir; 1, Até certo tempo atrés, a academia formava exclusivamente para a academia, Isso nfo quer dizer que nfo existissem cargos e fungdes a serem desempenha- das fora dela. A Funai, um dos taras espagos de atuagio profissional dos ant pélogos fora da universidade, algumas vezes abriu aos académnicos espaco para exercerem papéis importantes, inclusive em casos de delimitagZo de tr ras indigenas. Também vem se tomnando cada vez mais not6ria a atuacio dos antropélogos na demarcacio de terras de quilombos, de eamponeses e de ‘reas a serem preservadas por sua importancia histrica e cultural. 0 fato de este tipo de atuagio vir aumentando de importincia nao quer dizer que seja 2. Bamtiga também a prtca de mediagio desempenlada pelo antropdlogo, que cia formas de tradugio e concertacio entre partes que comungam tradigées diversas, concepgdes de mundos substanciatmente diferentes e muitas vezes linguas dispares. Assim, foi lembrado por um participante que a Justca espera ‘que 0 antroplogo sefa capa de atuar tanto junto a0s indios quanto junto 0s posseiros, ito 6, espera-se que o antropélogo demonstre a habilidade em evidenciar as 6gicas em contlito, ssa capacidade de mediagZo em relagdes interéinicas e entre a sociedade nacional eos povos indigens, permite que o antroplogo formule parmetros de negociagZo nos confitos, além de zetar pela qualidade e fidelidade de {nformagGes veiculadas por outrasinstincias, que néo a academia, para impe- dir a divulgagio de visbes distorcidas e estereotipadas das sociedades indige ‘nas € outros grupos. Em parte, essa capacidade de mediaco vem de constante exercicio desnaturalizador, consttutivo do fazer antropol6gico. fo olhar relaivizador «que fiz do antropélogo um profisional adequado para certas assessors © consultorias. Entretanto — e iss0 também foi lembrado —, nos vemos freqien temente desagradando nossos prdprios clientes, pois falamos de outras rel- sides e de tolerdncia reigiosa para religiosos, falamos de habitos culturais 5 tic Sita antigos, clasificados de antiecoldgicos por ONG's que nos contratam no &m- bito de projetos que objetivam a “defesa do meio ambiente” Nesse sentido, alguns partcipantes reataram 0 quo surpresos fcaram a0 serem chamados, uma segunda ver, para uma consultoria,se:na primeira ha viam “demotido” as conviegdes de seu contratante. Admite-se, enkio, um imudanga socal, para a qual a antropologia, certamente, soube conteibur, em ‘que a relleividade ea relatvizacio se impdem como dimensdes das rlagoes socials. E um dos participantes ousow afirmar que “nem precisamos mais censinarrelativizag0 aos nossos alunos" Se, por um lado, pode-se observar que a academia sempre formou antrop6lo- gos para a academia, hove também a concordincia sobre o fato de que a ‘antropologia produvda na academia brasileira sempre extrapolou o muro, no sentido de sempre ter sido sensivel is questies da prépria sociedad. Os part cipantes se definiam como “profissionals que descrevem mm ziguezague” entre ‘campos diferentes, emt que operam légias diferentes, bem como formas de reconhecimento e de legitimaco diferenciadas, “Mas 0 quiio distintos so os campos de atuacio do antropélogo em rela 2 Academia, € algo que muda constantemente. Por exemplo: as ONG'S, que cconstituem atualmente um amplo espago de atuacdo dos antrop6logos, surg ram em oposicZo 2 academia, consttuindo-se num espaco antiintelectual, bem ‘como foi 0 caso do Movimento de Educacao Popular, organizado pela Igreja Calica, e das instituigdes assistencialistas que também atuaram junto 20 ‘movimento sindical e deassociages de bairros. Com as acusagbes de “herme- tismo” e “pedantismo”,dirigidas & academia, as ONG's se afrmavam em con- traste a esta que, por sua vez, desqualificava atuagBes externas como “vulgar- zadoras do saber” ‘Ao enfatiza, porém, o aspectodindmico das relages entre o que es dentro & ‘ que esti fora do muro, hoje em da, encontramos formas delegitimaxo entre os dliversos campos a partir de propriedades espeeficas de cada um, Por exemplo: a academia certifica enquanto as ONG's sto capazes de grandes performances. 0 que permite 20 antropélogo ser um consultor, assessor ou mediador espe- cial 6, como j fi dito, sua capacidade de ouvir e entender segmentos socizis, além da autoridade advinda do trabalho de campo. EntZo, foi comum ouvir-se «que uma proposta de trabalho extranmuros se apresentasse a partir da experién- cia intramuros: “Eu tinha feito trabalho de campo, conhecia a realidade da- queles trabalhadores.." 16 Apragia 0 instrumental apreendido e incorporado, entZo, com a experiéncia acadé. mica era.a chave da atuacio extramuros, Mas houve una discordncia, aparen- temente viniea do evento, mas de grande importincia. Ela se dew entre antro- logos que consideravam que, fora academia, nfo atuavam como anttop6- logos e sim como cidadios; e antropélogos que consideram impossivel des- vencilhar-se do viés profissional para essa atuacio. ‘4 idéia do antrop6logo que se recusou, durante anos de sua vide, a atuar como tal fora da academia, baseava-se no pressuposto de que o tinico frum de produgiio de conhecimento antropol6gico € a academia. Para ele, 0 que estava em jogo nfo era tanto a possibilidade de “emprestar 0 owvido", dar a palayra ao informante, evitar os prejulgamentos; o que estava em jogo no era lum trabalho profissional, mas uma adequacZo entre certo perfil profissional a ‘um tipo de militincia politica, Para ele, nfo se tratava de produzir conheci- mento antropol6gico. Entretanto, hoje, ele, mesmo mantendo a conv que € na universidade que se faz antropologia, se pergunta se esta continua ‘endo um lugar que oferece as eondigdes adequadas para a produgio de co- nhecimento ‘Ao discordar da primeira parte deste argumento, houve quem dissesse que a participagio como cidadao incrementava c ampliava sua atividade academic, Assim, a imtervengdo foi vista por um partcipante como possibilidade de digit, um pouco mais, a propria reflexzo, Anda contrariamente ao argumento da atuaco extramuros ser, basicamen- le, arefa do cidadléo, foi muito enfatizado 0 fato de que o que € considerado extra ou intramuros mudar no tempo, além de nfo envolver apenas os antro- Pélogos, mas outros cientistas e a sociedade como um todo. ‘Adela da existéncia de um constante movimento de ziguezague, unindo as ‘modalidades de atuagio do antropélogo, trouxe para o debate mats uma ima gem sobre o muro, que é possibilidad de o antropélogo nao estar nem intra ‘nem extranmuros, mas sobre 0 muro. Nio no sentido ingénuo de ni tomar partido, mas no sentido de assumir um lugar do qual ponha em perspectiva tanto a produgio do conhecimento na academia quanto outras insigies, odendo formular desta confluéncia novos problemas, Secs antropélogos sempre tiveram uma atnagio extramuros, o que mudou? £ consenso que existe um novo mercado de trabalho a ser ocupado pelos ‘antropélogos. Agora, a academia quer profissionalizar atvidades do antrop6- Jogo que eram vistas como ocasionais, em relagio a atiidade académica, com Cli Stoo 1 criagio de cursos profissionalizantes sobre confecgo de laudos ou em ges- tio do patriménio cultural. Para concluir esta “IntrodugZo”, podemos afirmar que duas questGes eruciais afetam 0 antrop6logo no exerccio de sua profiso que, de forma simples, pode ser descrita como a andlise compreensiva dos valores e priticas “dos outros”. A primeira é a reflexio também sobre seus proprios valores e, conseqiientemente, sobre o estatuto de cientificidade possvel de ser atribufdo & discipina, avo central da critica levantada pelos “pés-modernos”. A segunda é 0 questionamento sobre sila prtica junto aos grupos estudados que, como bem elaborou Howard Becker, 420 examinar “de que lado estamos”, est intrinsecamente ligado & primeira, 0 exercicio académico da compreenso da alteridade sempre esteve associndo construgdo de determinado tipo de relaco estabelecia entre antropélogos e seg- mentos sociais por esses estutados, Se, em outras épocas a histOra dx sociedad ‘ocidental ¢ em outros paises, ou se dentro de uma proposta de antropologia apl da, tal relagio nem sempre foi de cumplicidade, esta Gitima foi e tem sido uma marca dos antropélogos no Brasil. Porém, a mencionada cumplicidade era cunha- da dentro de uma perspectiva pessoal, entre antropélogo e "seu grupo”. ‘Atualmente, 0 papel de mediador extrapola a atuacZo individual e so criados espagos a serem ocupaddos profissionalmente, dentto de outras instituigbes, que nfo a academia, Por isso, 2 mediagdo nfo €apenas uma questto individual, mas de insttuigdes internas que, consttuindo wma ampliago do antigo mercado de traba Iho, incorporam antropélogos no exercicio de sua profisto. (0s anttop6logos brasileiros — dentro ou fora da academia ~ vém desempenhan- do um importante papel junto aos movimentos sociais no reconhecimento de gru- pos étnicos e dos direitos de minorias —os direitos humanos em geral. Ess prtica ~ que, de certa forma, é antiga — ganha entretanto novos aspectos na medida em que a expressio prblica de uma cumplicidade pessoal torn-se o olfcio de um perito, ou téenico, que redimensiona a nossa formagio ¢ atwacZo profisionals. A ABA tem atestado essa importante mudanga, organizando oficinas sobre ética e direitos humanos, sobre o ensino da antropolog lente, sobre a pro nalizagio do antropélogo. A presente publicacio aborda,especificamente, os rest tados sleangados por esta 1e, 8 Antropologos e profissionalizagdo Rogue de Barros Larata* parte da minha vida tentando explicar para os meus pais © que fa, um antrop6logo, Isto porque quando comecei a trabalhar, hd 42 anos, no Mu- seu Nacional, o principal campo de trabalho dos antropélogos eram os museus, cembora nas universidades jf existisse a cadeira de antropologia. Com raras exce- ‘es, como a USP ea Universidade do Brasil — hoje UFRY -, nfo existia a dedicacio exclusiva ¢, na maioria das vezes, 08 ocupantes dessa cadeira eram tudo, menos antropélogos. Os museus, entéo tiveram um papel importante nainstitucionalizacio dle nossa profisso ‘Na Universidade de Brasflia, onde criamos uma espectalizagio dentro do curso de ciéncias sociais, continuamos ouvindo a pergunta:afinal, o que faz um antrops- Jogo? Parece uma anedota, mas € um fato: um colega, professor de medicina, estava ‘muito preocupado porque a fila tinha resolvido estudar antropologia, le queria saber onde ela poderiatrabalhar. Expliquei que havia vagas em muitas universida- des e que muitas vees existiam mais vagas do que candidatos. f verdade que para ‘um concurso no Rio de Janeiro podem aparecer 18 candidatos para uma vaga. Pot ‘outro lado, existem lugares importantes que abrem concursos e nfo aparece nin- guém, Afirmei, entio, que existia uma demanda, Hle me disse 0 que achei muito Aivertido, e que j4 tinha pensado antes: € uma profissio que se dedica a formar ‘outros profisionais. Citou Millor Fernandes que teria dito que “xadrez 6 um jogo muito bom para desenvolver a inteligéncia para jogar xadrez’ -Apés essa conversa passei a procurar saber o que estavam fazendo os nossos ‘mestres, principalmente aqueles que no se dedicaram ao doutorado, Descobri que abriram espagos em diferentes ministérios. De certa forma, conquistaram um mer- ‘ado de trabalho novo. S er antropélogo sempre foi uma questio muito complicada. Passei uma * Profesor do Instn de Pré-istériae Antropologia da Universidade Calica de Gos € roessor emit da Universidade de rasa, 9 Regu de Bae Laie Neste seminario, teremos uma mesa redonda sobre 0 espago dos antropélogos no Ministério Péblico Federal De fato, muitos de nossos alunos trabalkam no Ministério Fablico, como anttopélogos. © mesmo acontece em ONG'S e ema movie rmentos sociais; em sindicatos e até mesmo 1a dea de seguranga piiblica. Adlemais, existem antrop6logos trabalhando no Ministério da Educago, no Mi nistério da Agricultura e no Ministérto da Savide, Neste, existe um bom espago dentro da Funasa, responsével pela sade indigena. No meu caso, uma experiéncia importante foi, em 1999, ter acetado o cargo de diretor de Assuntos Fundlidrios da Funai, Como sabem, trabalho com a ques indigena desde 1961, Durante 40 anos, muitas vezes critiquet o trabalho do SPI e, posteriormente, da Funai. Quando o Dr. Garlos Marés convidou-me para trabalhar ‘com ele na Funai pedi um tempo para responder, Lembret, nto, que nesses anos todos, quando um ex-aluno pedia uma carta de recomendacio para obter wm em prego na Funai, eu perguntava se ele inha um bom equifbrio mental, se inha os “ parafusos” bem apertado, Mas quando recebl o convite, comuniquel o fato a mi- nha esposa. Bla disse: “voo® no pode ficar 40 anos crticando e quando surge & possibilidade de fazer alguma coisa, recusar”. Acetei 0 comvte. Foi experiéncia dificil, mas gratiicante. Descobri que as difculdades da Fun decorrem do fato de nao ter funcionérios em niimero suficiente No realiza con- cursos de admissio desde 1984, Feu acreditava que era um cabide de empregos, cheia de gente sem fazer nada, Tem apenas 2.100 funcionéios para administrar 580 Terras Indigenas, Menos de 5 funciontio por tera. E existem terras enortnes, ‘maiores que alguns paises. 0 total dessasterrastotaliza um terrt6rio equivalente a 2 Frangas, ou seja 12% de nosso terrtério. Descobri ento que o nimero de fun- ionrio ¢ insuficiente. f verdade que ela foi esvariada de dois papéis important ‘que foram transferidos para o Ministério da Educagio e para o da Satide: educacio ce sade indigena, onde agora existem espagos para os antropdlogos. ‘Mas, de qualquer forma, temos a esperanca de um dia ela transformar-se em um grande espaco para o trabalho de antropGlogos. No momento, hé cerca de 40, jovens antropélogos trabalhando nos departamentos responsdvets pela demarca- ‘glo das Terras Indfgenas, Mas trabalham em uma situacio desconfortével tanto para eles como para a Funai. Sio contratados pela Unesco como prestadores de servigos. Esta é una forma de driblar as proibigdes de novas contratagdes. Se algum deles, por infelicidade, sofrer uma acidente no campo ~ e esta possibili lade no ¢ remota ~ninguém sabe quem se responsabilizaré, pois ele é um mero prestador de servico, tio Anepsees« pefisionaizaio Mas, supondo que ela restabelega 0 seu poder de contratar, de ampli 0 seu quatdeo, tenho certeza que ser um grande espago para os antropSlogos fazerem aquilo que desejam fszer. Lim grande nimero das Terras Indigenas ainda esta em processo de regularizacio. 0 conceito de limite territorial munca fez parte de suas caulturas, pois, durante séculos, conviveram com abundancia de terras. Compete, pois aos antropélogos auniliar os fndios na definicao de suas fronteiras. Mesmo porque as comissdes de demarcago nomeadas pela Funa, o antropélogo tem tum papel importante, Aprendl que é cil citcar a Funat quando estve na diregto da Divsto Rundi ria, Demarcar tetra é um trabalho dificil e demorado, Foi na minha gesto que foi feitaa demarcagio fisica do vale do Javari, Uma Area de 8 milhdes de hectares com uma linha seca de 700 quildmetros. Sabem o que so 700 quildmetros? a distancia de Brasfla a Belo Horizonte. Atéhelioépteros foram uilizados nessa demarcagko, Numa operagio dessa, muitas vezes perde-se a verba destinada porque o trabalho io se iniciou antes da cheia ou da seca. Ou o rio sobe e prejudice 0 trabalho, ou ele fica baixo demals € nfo permite a navegaco. E quando isto ocorre o trabalho fica adiado para o préximo ano ea verba pode ser perdida A Diretoria de Assuntos Pundiatios necessitaria de pelo menos 100 anirop6lo- 0s para o desempenho de suas demands, Mas a Funai nao faz $6 ito, Hd a Dite- toria de Assisténcia, que desenvolve projetos de desenvolvimento nos quais a pre- senga do antropélogo & necessétia. Nao basta ser técnico em desenvolvimento, Projetos que tem sucesso entre outros segmentos da sociedade nacional podem fracassar em uma comunidade indfgena por falta de conhecimento antropoldgico. Enfim, dentro da Funai existem muitos espagos para os antrop logos e o Seu qua- Aro 6 demasiadamente pequeno. A partir de 1988, os antropélogos receberam um encargo de fazer laudos antro- poligicos, Tiveram de passar a lidar com quesides juridicas para as quals nio tiveram nenhum treinamento, Em 1990, quando fui presidente da ABA, organize’ em Sio Paulo um semindtio sobre laudos antropoldgicos referentes 2s terrasind- genas, Varios juristas participaram lo seminario, Atéentio muitos juizes conside- ravam 05 laudos como panfltos, Nao 6 suficiente enaltecer os direitos dos indios, € necessirio uilizar una argumentagio que seja compreensivel juridicamente, € necessnfo apresentar provas convincentes. Os presidentes da ABA que me sucede- ram continuaram com a tarefa de melhorar a eficicia dos laudos antropolégicos. 0 Departamento de Antropologia da UnB esté cogitando criar um mestrado profissionalizant, ou uma especilizago sobre laudos antropol6gicos. No se deve ar Rogue de Bors Lara estranhar 0 fato de que existe um grande espago para a antropologia brasileira relacionado com a questo indigena. Sempre € bom lembrar que a antropologia nasceu no Brasil muito ligada a esta problemdtica, Durante muitos anos, ser antto- logo era ser confundido com indigentstas. $6 na segunda metade do século XX é ‘que a antropologia se abriu para outros tema, Hoje menos de 10% dos sbcios da ABA trabalham com etnologia Mas este semindrio tem demonstrado que 0 campo de anttopologia niio se esgota na etnologia indigena. Uma das areas que atuo & 0 Conselho Nacional de Imigrago que analisa os casos excepcionais que envolvem imigrantes. Cada vex sturgem, nesse conselho, mais casos novos. SituagGes que esto dentro da rellexzio aniropol6gica. Nio detsa de ser uma importante frea de pesquisa. © Brasil tm ‘uma politica imigratéria restitiva porque a sua legislacao tem como objetivo a protegdo do trabalhador nacional, Sao relativamente poucas a pessoas que entram Jegalmente no pais, Por out lado existe um grande niimero de imigrante clandes- tinos: chineses, coreanos ¢ bolivianos, principalmente. Enfim, devemos ter um papel aivo, conquistar estes e outros espagas mais de trabalho, Bvtar, por outto lado, que os lauds periciaisreferentes& questio indige na continuem sendo feitos por engenheiros e agrénomos. ‘Terminaria dizendo que causa espanto aos meiosjuridicos o fto de as antrop6 logos recusarem fazer laudos para a parte nfo indigena. & bem verdade que os audvogados partcipam dos dots lados, ou sea, tanto da defesa como da acusaio, os antropélogos no, Esta é uma questo que merece discuss. acu 22. A prdxis da mediacdo cultural Jé Cardoso de Oliveira® Z. moeda corrente na antropologia que, ao estudar o outro (outras socieda 1B) es), © antropélogo nio escapa do estorgo de relatvizaio de suas catego- ras de entendlimento para apreender o significado das praticas ou situa Bes socials pesquisadas, cujainteligblidade depende da compreensio do ponto de vista natvo, Ou seja: ainda que retatvize suas pressuposigdes cullurais,o antro- logo no pode se abster da mediagZo desta para transformar sua visto incial do problema estudado, captando o sentido das prétcas socials ede suas representa- G6es. Este € 0 tipo de mediaco freqtentemente tematizado na academia, quando 0 objetivo precipuo é compreender um fendmeno e produzir uma etnografia. Na antropologiaextramuros ~ fora ca academia ~ soma-se a esse tipo de medio 0 que gostaria de denominar “prisis da mediagZo cultural”, cujo foco, normalmen- te, 60 equacionamento das relagGes socials em que as partes comungam tradigBes, culturais diversas, concepgdes de mundo substancialmente dstnis e, as veues,fa- Tam Knguas diferentes. Aqui a prévis da medliago visa articular ou sancionar relagbes sociais, tem precedéncia sobre 2 mediago de conceitos que objetiva aprimorar a ‘compreenszo do mundo social ou ampliar o horizonte do conhecimento, No caso da priticaindigenista—tema da minha exposigo —,a prxis da media- «lo quase sempre envolve a discussio de direitos das populagées indigenas, prenhe de implicagdes no plano ético-moral, o que justiica minha opgio peta nogio de prixis para enfatizar a importincia da dimensio éico-moral, sempre presente nes- se tipo de mediacio. F notéria a contribuigo dos antropélogos brasileiros 20 processo de definigio e demarcacio das Terras Indigenas,agindo como mediadores entre 0s diferentes segmentos envolvidos nas relacdes interétnicas, onde a Runai 6 %Secretira Exeeutivada COPY, pesquisadora do Setor de Bnograllae Etnologia do Museu Nacional, coordenadora gral de Estudos e Pesquiss na Funai. Trabalhou no Centre d'Amié Autochtone, em Montreal, tendo sido também colaboradora do Cultural Survival, em Massachusets, Estados Unidos. foi membro do Consalho Inigeisa da Funal eda Comiss2o de Assuntos Indigenas da ABA, 24 “I Conds de Oftcira ‘uma instancia de mediagao importante entre os interesses da sociedade nacional e ‘os dos povos indigenas, Numa democracia, o Estado € constitucionalmente respon- savel pela garantia dos direitos individuais e pelos direitos de suas minorias, 0 que, no caso das populagdes indigenas, se dt através da Funai. O principal exemplo cesta responsabilidad na questio indigena dé-se em relagio ao direito terra. Apesar de 0 cariter histrio ¢ tradicional da luta por este diteito, a dinfmica dos processos socias no Ambito dos quais o problema é enfrentado esti constantemente deman- dando novas reflexdes, que sero abordadas em outra sesso desta oficina. ‘A seguir, gostaria de explorar um pouco as caracteristicas ou implicagbes da praxis da mediacio no émbito indigenista em relacZo ao equacionamento de direi tos talver menos prementes ou menos dramticos que 0 acesso 2 terra, mas nem por isto menos significatvos ou menos complesos. Refiro-me ao actimulo de inte esses, demandas e tematizaglo de “novos” dieitos que aletam os povos indigenas tais como: o direto de imagem dos povos, o diteito auroral, o dirito relacionado 0 conhecimento tradicional associado & biodiversidade, 0 dieito ao patriménio genético, 0 diteito 20 bem-estar fsico, moral e social dessas populagoes, entre ‘outros. Nao teremos tempo para discuti todos esses tems, mas gostara de poder tocar em pelo menos alguns deles, tendo como refer@ncia minha experiéneia n Coordenacio Geral de studos e Pesquisas da Funai O direito autoral eo direito de imagem -Apesar de muitas vezes aparecerem juntos, o direito utoral e 0 direito de ima- gem so distintos. 0 direito de imagem referese 2 invilabildade da imagem das pessoas e 6 garantido pelo Art. 5, Inciso 10 da Constituico Federal. Ninguém pode dispor ou utilizar a imagem dos indios, ou de suas comunidades, sem sua prévia autor Este direito pode ser individual ou coletiv. ‘Jo direito autorat est relerido ao patrimdnio cultural indigena, de natureza material e imaterial, que envolve todas as suas manifestagbes culturas: lingua, crengas, cosmologias, formas de expressfo, modos de criar, de fazer e de viver, obras e criagbes do espiito—tais como dancas, ritais, obras iconogrificas, mis cas, desenho, grafismo, arquitetura, pescaria, arte plumnia e outras formas de expressto orale escrita Nas sociedades indigenas est dieito € sempre coletvo, de tituaridade difusa, ‘© que significa que & de todos. Portanto, nfo pode ser dividido em partes, nao 4 A prise de eager havendo possibilidade de atibuir a ele uma ttularidade individual, Paco uma res- salva: 0 caso de um artista indigena que produza uma obra pessoal, com uma singulatidade individwalizante. Em resumo: as comunidades indigenas — enquanto atores socais —tém direitos de natureza coletiva, cabendo as respectivas comunidades, por meio de seus repre- sentantes, definidos de acordo com os seus usos e costumes, conceder autorizacio para utilizago da imagem de seus integrantes ou de seu patriménio cultural, assim com estabelecer as condigdes nas quals esta autorizagao se dard A dificldade em integrar 0 principio do direito coltivo e seus desdobramentos nas negociagdes interétnicas com 0 mundo dos brancos provoca impasses cujo eventual desenlace demanda esforgos cle mediaglo cultural, onde o antropélogo tem um papel particularmente importante. Nessa direcZo, 0 antropélogo pode co tvibuir para a formulaglo de parimetros ea facilitacio das negociagdes, a partir da identiicagio de pontos de tensio como, por exemplo: 1, E dilfeil entender a especificidade do direito coletivo. Como a legistacio de ireito autoral € de caréter goral, nfo existindo parmetros ou leis de aplica co especifica para os povos indigenas, a let esté totalmente voltula para 0 indivduo,e dria também que hi um certo etnocentrismo ou sociocentrismo jurico que inibe a compreensio das demandas indigenas. A perspectiva o- rminante 6 de que o que € transmitido por via oral eno tem autor definido & de dominio piblico, Nesses termos, ff um uso indiscriminado do patriménio cultural indigena, (0 tempo waz tona questbes de dif equacionamento, A distancia da con- cepcio sobre o tempo cria enormes dificuidades de compatibilizagZo entre as, demandas do produtor e a visto dos indios. Por exemplo: imaginem uma grande empresa de televisio pretendendo fazer uma filmagem ou trabalho {otogritico em uma drea indigena, Em geral, a equipe chega & “porta da al- deia” para negociar o consentimento com a populacio, com todo o seu apa to, e demandando rapidez e agilidade na decisio dos indios. Do outro lado, voce tem 0 indigena —geralmente com pouca experincia de contato — porque saprefer@ncia 6 sempre por grupos considerados mais ex6ticos. Ninguém que, por exemplo, fotografar um FulniO ou outro grupo étnico percebido como allamente integrado 2 sociedade nacional. Em geral, procuram Yanomami, ‘Zo6, Matis e outros grupos com menos experincia de contato que, pressiona- dos pela presenga de profissionals ‘pronios” para realizar um trabalho, io levados a aceitar essa demanda de forma irrefletia. 25 3, 8 Carers de Obicica ‘Outro ponto de dificuldade € a definigdo dos interlocutores legitimos, o que, as vezes, pode ser um processo bastante complexo, Por exemplo: gravar uma _isiea xavante na aldeta Sio Marcos. A mtsica & de um pova e gera direitos para todo o povo xavante, inclusive os das outras aldeias. Nesta circunstin- cis, a quem se deve pedir autorizago? A todos?! Na prética, a0 efetivarse essa ‘mediacZo, ¢ complexo identficar os limites da populaglo legitimamente con- cemida com o problema. A questi do consentimento informado ou do fornecimento das informagoes necessirias sobre o pleito dos diversos visitantes que pretendem fazer seus trabalhos em areas indigenas ~ cineastas, fotdgratos ete. ~ também € outro onto importante para que os povos indigenas possam dar sua autorizac com conhecimento de causa. ‘Trata-se de uma questio freqiientemente complicada, pois nfo € Ficil tornar transparente ao povo indigena a extensio do consentimento que cle esti dando ‘para uma determinada flmagem, por exemplo, hi uma tendéncia de se fazer contratos nos quais ¢ dificil entender a especificidade da cessio do uso da Imagem de maneita irrestrita, ¢isto nem sempre fica claro para os fadios uma vez que quando contrato é negociado o profssional pede a autorizaco para a utlizagio da imagem em um trabalho espectico, Tendo como referéncia a rede Globo, par exemplo, cujos conteatos tendem ter este carter, parte do resultado de uma filmagem de dex horas é usado imediatamente para a final dade prevista, enquanto o restante vai para um banco de dadbos e fica dispont- sel para Globo ou para qualquer interessado disposto a pagar & Globo por aquetas imagens, que poderio ser utlizadas em um outro trabalho: um poster, tum documentétio etc. ‘Claro que a cessio do direito do uso da imagem ou do patriménio cultural sempre tem uma contrapartida, Aparecem, entio, outros problemas, prin palmente no que concerne a forma como o indio ser enquadrado, porque sua partcipaco nesses trabalhos & sempre equiparada a de um figurante,classii- cago que apresenta problemas, Freqiientemente, no direito de imagem do {ndio, esté embutido um direito autoral de maneira quase inimaginavel quan- do estes mesmos direitos envolvem atores ou prossfonais da imagem no mundo dos brancos, Enquanto um figurante de nossa sociedade, ao representar um papel, retrata uma idéia formulada no texto do autor ou na cabega de um diretor os indios, quando contratados para representartradigBes ou priticas calturaisvigentes em suas sociedades de origem, no contribuem para o pro- 26 A pris da medi ctl duto final apenas com suas imagens, ou com a interpretaco das idéias do autor do diretos, mas com a introducio de contedos culturais que nunca estio {neiramente presentes noscript part o qual foram contrads, Iso 6, a compo- sigdo das cenas nas quais os indios partcipam é parcialmente constituida por tradigBes das quassio co-autores,€ 2 quais 0 autor ¢ 0 diretor responsiveis pela ilmagem nfo teriam acesso sem 2 participa deles. Assim, estes contet- dos de autoriacoletiva nfo so percebidos como merecedores de crédito espe- cial, ¢ ha grande resistncia para traduct-los em compensao financeira Um exemplo: na minissérie “A muralha", a Rede Globo uilizou indios do grupo Gé (Savante) para protagonizar os indios “selvagens” das aldeias mais afastadas € que nif tinkam contato com os brancos, e um grupo Tupi (Ka- ‘mayurd) para protagonizar os indios déceis, que ficavam em volta da missio. [Estes indios foram deslocados para o Rio de Janeiro — onde ficaram por quase dois meses & disposicdo da Globo ~ fizeram laborat6tio com os atores bran cos, projetaram 0 cenévio, construfram as aldeias. Por todo esse trabalho, cada indigena recebven a quanti de R§ 500,00! Alem disso, o antropélogo extramuros, mediando a negociagio interética em nome da Funai, deve procurar garantir que as imagens realizadas ou prod- zides nfo contibuirio para a difusdo de visbes distorcidas ou estereotipad: das sociedades indigenas- ‘Nao tratarei, nesta oficina, da protego a0 conhecimento tradicional associado A biodiversidade nem da proteco ao patrimOnio genético dos povos indigenas. Mas, também nesses casos, deparamo-nos com questdes sobre 0 consentimento previamente informado no processo de negociagao das pesquisas cientificas que ‘acessam estes patriménios. Isto & questées que envolvem © confronto de éticas diferentes, ou a definigao de patriménios coletivs. [Em muitas cixcunstincias, no Ambito da implementagzo de projetos ou ages ‘que visam combaterdificuldades enfrentadas pelas populacdes indigenas ou me- Ihorar suas condigées de existéncta, o antrop6logo vé-se engajado em empreendi- mentos nos quai colabora com viros tipas de especialistas. Nesses casos, a a dade de mediagio é importante para enfrentar nio apenas 0 sociocentrismo da soctedade nacional, mas também un certo “areacentrismo disciplinar” que, fre- iientemente, informa o trabalho dos outros especialista.. Por exemplo, da iltima vex em que estive na Coordenaco Geral de Estudos ¢ Pesquisas da Funai, tomei conhecimento de um projeto em curso, sob a responsa- bilidade de uma psicéloga, que pretendia “tratar” o suifdo entre os Ticuna & 27 8 Carkos de Obicve Zuruaha, assim como o alcoolismo dos Kara dos Maxakalf, e dos Bororo, fazen- do psicodiagnésticos seguidos de palestras de conscientizayo.O teste ja hava sido aplicado na sociedade Maxakalt etransposigio mecinica de um teste, elaborado validado em nossa sociedade, para outra cultura, com caracteristicasinteiramen- (e diferentes das nossas, estava gerando distorgées de todo tipo: a imterpretagiio de que a predomindncia da cor vermelha seria um sintoma de neurose coletva, en- ‘quanto os trabalhos cle uma antrop6loga estudiosa daquela sociedacle mostrava que 6 vermelho eraa cor sagrada, carregada de significado ritual, além de ser conside- ada a cor bela por exceléncia, a cor prpria dos seres humanos, extremamente valorizada entre eles. A proposta era tio absurda que no deveria ser levada a sétio, Entretanto, 0 centio ministro da Justiga, entusiasmadissimo com o trabalho, tendo mesmo ji realizado uma palestra de apresentagiio no Ministério da Justiga sobre a parte do ‘wabalho que ja havia sido feita junto aos Maxakalf, colocou a estrutura do ministé- to a servico da divulgacio de sua palestra, Para confrontar 0 apoio a esse projeto totalmente inadequado, recotti ao diflogo com especilistas em diferentes areas da academia, com o objetivo de mediar, de forma articulada, vsies balizadas que permitssem a elaboragzo de um parecer definitvo quanto & precariedade do pro- jeto. Solicitei a opiniio de quatro pareceristas: um psicélogo especialista em Psicodiagndstico e com hom senso, umm antropdlogo especialista no grupo indlige- ‘nd, um antropélogo com reflexio na questio do alcoolismo, e um antropélogo renomado, porque era preciso um grande “cacife™ para enfrentar a posigao do ‘ministro. Utilizando, entio, essa referéncia da academia ~ esse nome tem uma cert magia no contexto do servigo piiblico — ¢ apoiando-me nos pareceres que soliitei, construf entfo um parecer fina, traduzindo para alinguagem burocritica ‘os argumentos que davam sustentagdo & posicio que enfatizava o carter inadequa- do do projeto, Desia ver, ve sorte e consegui suspend pesquisa. Finalmente, como indica a discussio dos temas aqui abordados, a contrbuigiio do antrop6logo extramuros no campo do indigenismo caracteriza-se pela praxis da ‘mediagao cultural, onde o esforgo para compreensio dos problemas confrontados ‘nasa atvidade € acompanhaclo pela preocupaco coma responsablidade de estar mediando no apenas conceitos e pressuposigdes culturais, mas também 0 ‘equacionamento dos direitos das populagdes estudadas. "Coe 28 Antropélogos e profissionalizagao: A contribuigao do Instituto Goiano de Pré-historia e Antropologia — IGPA Manuel Ferreira Lima Fitho* nha experincia esté centrada no tema do Patriménio Cultural Traba- Iho na Universidade Calica Goiés —a primeira Universidade do Cen- tro-Oeste do Brasil -, no Instituto Goiano de Pré-hist6ria e Antropolo- ia — IGPA, que completou, em julho de 2002, 30 anos de invesigacao sobre 0 patrimdnio cultural brasileiro. Atvalmente, so quatro ticleos de pesquisa do ins- tito: antropologia, arqueologia, documentacao audiovisual e meio ambiente, além do Centro Cultural Jesco Puttksmer. (0 IGPA iniciou a sua experiéncia com projetos aplicados de antropologia no final dos anos 1980, por meio de um contrato entre a Universidade Catdlica de Goifs e Furnas S.A, € produziu um levantamento socioeconémico sobre as reas mpactadas pela hidrelétrica de Serra da Mesa, no estado de Goids, Entendida na éoca como uma interface que se denominou “antropologia do desenvolvimento”, essa experiéncia mostrou claramente — do ponto de vista institucional ede alguns profisionais que atuaram no projeto — que tal modalidade de aco exigia matur dade conceitual, metodotogia propria de atividades e uma reflexio critica a respi to do posicionamento profisional do antrop6logo dante de ais projetos de rema- nejamento, Embora algumas experiéncias etnogréficas no Brasil apontassem ca- ‘minkos conceituais importantes (como, por exemplo: “Possibilidades da antropo- logia da agio”, de Roberto Cardoso de Oliveira; “O antrop6logo, ator politico e a figura juridica”, de Aleida Rita Ramos e, ainda, as expetiéncias de Silvio Coelho e cde Mavia Cecilia Helm sobre a questo das hidrelétricas e a questo indigena), a nossa experiéncia IGPA focalizou-se no tema do patrimdnio cultural. = Uaiersidade Catia de Goiisnsitato iano de PréHistra © AntropologlaMestrado Pro fissionalizante em Gesto do PatrimGnio Cultural, 29 Manne! Fens Lie Filho ‘A cexperiéncia de Serra da Mesa causou um certo refluxo dos antropélogos do GPA em trabalhar com antropologia aplicada, envolvendo remanejamento de po- pulagées rurais e indigenas, pois a primeira experiéncia mostrou dificuldade dos profissionais em lidar com questdes tio complexas: pesquisa de campo pressiona- da por um cronograma com categorias espactais e temporais definidas por enge- ‘heirs etécnicos da construcZo civil, ands, os interesses financeos da empresa contratante, O GPA, entretano, fez uma nova experiéncta, assumindo novo contra- to de trabalho com a mesma empresa Furnas S.A., em razio da construgo da hidrelétrica de Corumbé, uma hidrelétrica bem menor, também em Goiis, cons- truida entre 1996 e 1998. ‘Torna-se importante contextualizar que os trabalhos do IGPA foram impulsiona- dos, primeiro, por trabalhos de arqueologi, iniciados nos anos 1970, mais especi- ficamente em 1975, com uma pesquisa na hidrelética de Itai. 0 "Projeto 2010”, da Bletronorte, preva mais de 10 hidrelétricas no rio Tocan- tins — de fato, elas jd estdo acontecendo -, bem como no Araguaia, em todo 0 Centro-Oestee na Amarbnia. Essas experiéncias estabcleceram, para os arquesilo- 08, uma nova modalidade de aco profissional, No caso, esavam respaldados por uma legislagio prépria (Decreto-Lei nt 1.937, de 1961, a pr6pria Constiuicto e, posteriormente, a ResolugZo do Conama n® 7/001, de 1986, que estabeleceu crité rios e categorias a serem contempladas pelos BIA-Rimas). Esse campo de atuaclo cresceu de noite para o dia, tornando a demanda por profissionais muito grande. Voltando ao caso de Corumbs: além de ter havido o projetoespecitico de resga- te, estudo e levantamento da arqueologia pré-histérica, 0 1GPA desenvolveu um projet interdisciplinar tendo antropologia como frea atuante, No caso, a cultura material foi o ponto de partida sobre a qual se teceu um diflogo interdsciplinar. AS pesquisas foram realizadas nas éreas de impacto do projeto, resultando um traba- Iho extremamente interessante, configurando-se como uma das primeiras produ ‘es brasileiras que imprimiu essa sistemdtica, ou se, 0 didlogo da arqueologia histrica com a antropologia, a hist6nia e a arquitetura. A partir da resolugo do Conama, abriu-se, definitivamente, um amplo leque para a atuagio de profissionais Para trabalhar em dreas impactadas como ferrovias, hidreléticas, estradas,linhas de transmissio, projetos agricolas, entre outros. 0 GPA sedio e conduzin dois importantes congress m a chancela da Sociedade ce Arqueologia Brasileira — para avalinr criticamente a stuagio dos pro- fisionais envolvidos na questio ambiental e cultural: 6 "Simpésio Brasileiro sobre «4 Poltica Nacional do Meio Ambiente e PattimOnio Cultural, realizado em dezem- 30 Anoplogese prsfionlzegas A coteliuige de CPA bro de 1996 ¢ o simpésio “Arqueologia do Meio Empresarial, realizado em agosto de 2000, Movado, entao, por nossa experiénciae pelas questGes conceitusis, metodo- légicas, juridicas e profissionais debatidas nesses dois simpésios, apresentamos, em 2000, na Reunio Brasileira de Antropologia, em Brasilia, o f6rum ce pesquisa ‘que teve como coordenadores os colegas Gustavo Luis Ribeiro (UnB) e Marco Laza- rin (Museu Antropol6gico, da Universidade Federal de Gots). Incentivamos a apre- sentagéo de traballios baseados em experiéncias etnogrdlicas ¢ da atuaco dos an- tropélogos em areas niio exclusivamente académicas e de docéncia, cujos debates apontassem para a compreensio de um novo perfil de atuagio da classe, A parte desse primeiro férum de pesquisa, que compreendeu tr dias de deba- tes e contou com a participagdo de alguns exdinetores da Associago Brasileira de ‘Antropologia ~ ABA na mesa ou no plensio, comecamos, de fato, a refletr critiea- ‘mente sobrea questio do mercado, as possibilidades de trabalho para o antropélo- 40, questBes de ética e também o papel do antropélogo como intelectual pablico, Devo ressaltar que sensibilidade da ABA por essa demanda, que vem crescendo ha algum tempo, foi proporcional ao nosso interesse em discutir 0 tema, Sabemos que, recentemente, a mesma ABA realizou encontros para discutir 0 mercado, 0 papel do profissional em antropologia e, ainda, a questio do ensino e da po graduagao. £ Yoltemos, agora, 20 tema especfico do patrimdnio, No mesmo ano do frum da ABA de Brasilia, 0 presidente Femando Henrique Cardoso assinow um decreto insttuindo 0 “Livro do Registro de Bens Imateriais". Assim, 0 que estavalegelmen- te amparado ou voltado & questo dos arquedlogos, que tém a cultura material como algo visvel, os antropélogos contam agora com a possibilidade de um regis- tro etnogrifico que ainda exige relexzo. Partindo dessa experiencia de fluxos & relluxos, acho que jé passa do momento de os antropélogos compreenderem importincia da participagao nesse tipo de trabalho, j& que a participagio dos ar quedlogos, por exemplo, costuma ser diferente Uma vez cheio o reservatério da hidrelétrica, os arquedlogos fazem seus reat rios e neles se referenciam. Os antrop6logos, no, isso porque trabalhamos com remanejamento de populagSes. A vida cas pessoas continua, os impactos culturais continuam: Eno, no final da década de 1990, uma nova experiéncia amadureceu «nossa reflex institucional. Fiemos um novo contrato com Furnas ¢ tabalha- mos dois anos na hidelétrica Rio Manso, na Chapada dos Guimares, A antropolo- gia deu 0 tom do projeto, entio denominado, “Patriménio Flist6rico-Cultural n Monel Foie Lime Fie ‘Trabalhamos com um enorme complexo cultural de fests religiosas — uma manei- ra tradicional de fazer festas, de pensar 0 espaco, de pensar 0 tempo — e, se no fossem os-antrop6logos, 0 resgate enogrtico nia teria sido realizado e tudo lite ralmente seria tragado pelas &guas. Fizemos um relatorio sobre essa experiéncia e esperamos publicélo ainda este ano, Como antropélogo, trabalhando numa dea impactad numa regio muito importante e completamente inviabilizada do ponto de vista da etnografia camponesa, crelo que demos uma contribuico important No Mato Grosso, principalmente na regio proxima a Gulabé, os registros alam ‘muito mais da etnologia indigena do que da etnogeafia dos camponeses. Das outras praticas religiosas, paticamente nada se conhecia Em fungio desse trabalho, aca- amos trazendo a experiéncia etnogréfica para um projeto de contrato. Depois, com a contextalizagio das nossas experiéncias, constatamos que néo existiam profssionais que pudessem apoiar essas pesquisas, que muito exigem, tanto da irea da antropologia quanto da arqueologia. Ali, antes de falar da nossa propos pritica e aplicada, do mestrado profisionalizante em gestio do pattimdnio culty ral, devo ressaltar que nossa experiéncia é também a primeira que busca resgatar 0 didlogo entre a antropologia e « arqueologia, num mesmo projeto institucional Sabemos que antrop6logos e arquedlogos tém especificidades metodolégicas ¢ tebricas mas, no TGPA, temos feito 0 esforgo, de certa forma, de vanguarda, de traballhar em conjuato, problematizando a questio da cultura material e material Com base nessas diferengas, encaminhamos & Capes um projeto de mestrado pro- fissional para formar “gestores do patrimdnio cultural", para trabalhar em novos ‘campos de atuaco, um espago novo para antroplogos earquedlogos. Isso acabou. catalisando, também, um dialogo institucional entre 2 antropologia e a arqueolo- sit, porque embora com caminhos diferenciados, ambas disciplinas estio juntas ‘no dominio de conhecimento da Capes. A p6s-graduaco em arqueologi, no includ na grande drea da antropologi, ent2o nfo kavia porque nio se estabelecer esse didlogo, Foi feito, entéo, um trabalho de conscientizagio. A univer idade investiu, contratamos os professores Roque de Barros Laraia e Klass Axe] Woortmann, realizamos virios seminstios profssionalizantes ministrados por pro- fessores de alta competéncia, Estamos entrando jé no terceiso semesire da primeita turma, Seréo defendidas 12 monogratias/projetos profissionais. Finalmente, embora iio tenhamos a pretenslo de formar antropélogos,a Capes aprovou o projeto, cujo principal objetivo € fazer com que os alunos tenham wna formagio minima em antropologia e em arqueologia para atuarem na gestio do patrim6nio cultural e depos, se assim o desejarem, fazer 0 mestrado ou doutorado 2 Anteapilogte profsonlzagn:A contigs de JSPA nna rea académica, Sempre dissemos 20s nossos alunos que eles no vio sai fazen- do laudos indigenas, ou que sairdo escavando sitios arqueol6gicos, pois un curso de 18 meses ndo se forma nem arqueslogo, nem antrop6logo. Formamos sim “ges- tores do patrimdnio”, que tém a area de concentracZo em antropologia e em ar queologia como background tebrico € de diflogo. Considero essa uma formagio inovadora progeama tem por objetivo formar pessoas qualifcadas no exercicio de aiv- dadles profissionais na dea da gestio do patriménio cultural de expressio nacional regional ¢ estd voltado para a capacitagio do profissionais no campo de museus, secretarias de cultura ede educago, turismo ecocultural, publicidade e marketing cultural. Voli-se, também, para a paticipaco na feitura de EIA-Rimas, do resgate € monitoramento de sitios arqueolégicos histéricos, bem como a participagio no repisiro de bens imateriais em éeas impactadas por projetos de hidreléticas, fer- rovias,estradas, hidrovias, edificagées ete. Essa 6 a experiéncia institucional que querfamos comparilhar com vocts *Cue* 4 Antropélogos e profissionalizagdo: As experiéncias do curso : de especializagao e das ONG’s Carlos Alberto Steil ro falar sobre duas coisas: primeiro, a experi@ncia de um curso de especializagio em projetos socias eculturais que estamos desenvolven- do no Instituto de Filosofia eCiéncias Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que conta com sigificativa presenga de antropélogos no corpo de professores. Este projeto surgi a partir de uma demanda, tanto de ONG's, de pessoas que trabalham com projetos socias no terceiro setor, quanto de 6rgios agentes do Estado, Vivemos uma situago peculiar no Rio Grande do Sul: logos anos de gover nos petistas, de esquerda, incorporaram um nimero muito maior de cientistas sociais— sociélogos e antroplogos —do que de administradores, como acontece em governos de outro perfil. Hé uma demanda que precisamos responder. Cr mos esse curso que poderiamos denominar de curso de especializacio, porque voltado para a formagio profissfonalizante e que jé formou duas twrmas, com ‘grande procura. A outra experioncia 6a da profisionalizago nas ONG's,Considero um processo de profissionalizago, nao unilinear, e gostaria de trazer-Ihes a minha experiéncia «de 10 anos de trabalho em ONG's, com uma temtica muitas vezes considerada na Academia “perigosa”, porque o campo da religido ¢ visto como uma dea de conta- ‘minago para antrop6logos e soci6logos, especialmente quando se trabalha com as, religibes dominantes, como € 0 caso do catolicismo. Gostaria de discutir como & ser antropdlogo dentro de processos que podemos denominar de assessoria aos movimentos sociais, principalmente aos movimentos dentro da Igreja Catélica e das igrejas histbricas protestantes. Na verdade, essa + Antopstogo, professor da UFRGS. 5 aes Albee Stil demand para que universidade criasse um curso sobre projetos sociaise cultu- ris est diretamente ligada d minha experigncia e biografia pessoas. Quero comecar por um testemunk: em 2002, fui conviado para integrar uma equipe chamada “Comissio para Reabilitagio Hist6rica do Padre Cicero Romo Batista". Essa comissio 6 formada por antrop6logos, socidlogos,teblogos, historia- dores, gente da Igrejae psicSlogos. Antigamente, nas equipes formadas pars anal sar quesibes de “milagees”, a primeira categoria profisional se pronunciar era a dos médicos ssa € a terceira comisslo, Abordo especialmente a primeira, porque a segunda, na verdade, foi uma farsa, A primeira comissfo, formada em 1891 para se pronunciar sobre o milagre que teria acontecido em Juazero, em 1889, com a transforma da héstia em carne e sangue, na boca da beata Maria do Aratjo, Este é o milagre e também a origem de toda uma sitmacio de perseguigdes e de discriminagBes que a TgcejaCatoica fez contra o padre Cicero e quese prolonga até hoje. Um médico, 0 Dr. Madeira, promunciou-se a favor do milagre, Te6logos cle confianca da Igre Catli- ca, inclusive com formacio gregoriana em Rom, e teélogos de notério reconliect mento ~ um deles convidado para ser primaz.no Brasil e que se negara a assumi © cargo ~, também pronunctaram-se favor do milagre, wma hist6ra fascinante, ‘0s outros antrop6logos que fazem parte dessa comissio so o professores Mat- celo Camurga, da Universidade Federal de Juz de Fora, ¢ a professora Luitgarde de Barros, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, A comissio reuniw-se pela primeira vez no inicio de 2002, foram dias de estudos intensos, andlise dos docu- mentos, das correspondéncias, de arquivos sobre o padre Cicero —dig-se de passa gem, um figura fascinante, mesmo em termos histéricos. Toda a correspondéncia, aque cle enviava, copiava A mao, guardava e6pia. Assim, hoje, temos arquivos extre- mamente consistentes ¢ ricos, Quando voltei de Juazeiro, minha sensagio era a de ter feito o trabalho mais importante da minha vida, como antropélogo, wna sensa oe experiencia que ainda nao set como trazer dentro de uma linguagem cicnt- ca, Pode nfo acrescentar grands conhecimentos mas, como dizi o professor Las [Bduardo, muda a relagio com o fato, com 0 povo e com as pessoas. [Essa experiéncia foi rica, porque pude sentir que, no anoninmato de uma commis. dio de estudiosos, estivamos fazendo algo que incidia sobre multddes de romei- ros, de pessoas simples, do povo, pessoas pobres que ha mas de um século véem ‘suas crengas deslegtimadas pela Igreja, jé que o padre Cicero é uma figura proscri- ta da hierarquia catdlica. Os padres e os bispos sabem trabalhar tanto com esse plo sensorial, quanto com 0 ideolégico, como diria Victor Turner, 6 Antoplege« pofiunelisagio: A experitudes do ass de pfisimalizle das ONC ‘A reuni2o ferminou com a romaria de Nossa Senhora das Candetas. A equip, que nio foi apresentada aos romeiros, simplesmente ocupou lugar a0 lado dos bispos e dos padres. Diga-se de passagem: foi a primeira vez que um bispo foi & romaria, porque a Igreja Catblica if a apoiavae hierarquéa evitava partcipar do evento, Devo contar rapidamente que esse bispo € novo, chama-se Dom Fernando Panico, Ba primeira ver que um bispo assume a frente de uma romaria, Ele fez um discurso belissimo, embora falasse muito pouco acerca do padre Cicero, Termina mos, portanto, a reanio junto ao altar e perto de uma multiddo de 150 mil romei- 10s. A sensaco foi muito forte, percebemos que estavamos ali fazendo um trabalho que transcendia muito a tudo o que podemos fazer na academia, em termos de debate e de discussio. Tratava-se de reabilitagHo. E reablitar ¢ um termo que vem sendo discutido na pr6pria comissao, Reabiltar o qué? De qué? Como? Quem deve se reabilitar 6 Igreja e nfo o padre Cicero. Mas, por enquanto, no temios outro termo, nfo podemos ainda falar num processo de canonizacio ou beatificago. A sensagio que partlhdvamos era que, efetivamente, estavamos fazendo algo muito significativo para aquela multido de romeiros que acreditava no padre Cicero, que manteve a sua f6 contra um processo de desmistificacio e combate da Igreja Caté- lica essa forma de religisidade. ‘Trago para vocts a sensago de que encontrei mais um sentido para ser antrop6logo, extremamente gratiicante, e que pode ser chamado de pouco académico. Mas o que isso pode trazer de novo? Por que fomos convidados? Por que ts antrop6logos? A meu ver, sso estérelacionad a algo que o professor Kant de Lima Fi falou neste semingtio, Somos convidados para trabalhos quando temos reconhe- iment, © professor Marcelo Camurga fez um trabalho sobre a seco do Juazei- ro, a Guerra de 1914. interessante notar que, no Ceara, a Guerra de 1914, niio é Grande Guerra, a Primeira Guerra Mundial, e sim a Guerra do Juazeiro, a guerra do padre Cicero contra os rabelistas que estavam contra a oligarquiaacioisa A professora Luitgarde escreveu o livro Na terra da mie de Deus, sobre 08 romeios de Juazeiro, Meu trabalho — na verdade, minha tese fi sobre os rome ros de Bom Jesus da Lapa, no serto das romarias, que enfoca justamente a questio a religiosidade no serto do Brasil Queria dizer que o convite se deu em fungdo dos trabalhos realizados, sobre 0 que podemos fazer numa situagio assim. Devemos nos perguntar o tempo todo: 0 que faz um antvopélogo nesse contexto? Penso que hi coisas importantes faze, tais como contextualizar as ages do padre Cicero, a questio do milagre, a questo 7 Cor Albee Stel das disputas que acontectam naquele momento 0a sociedade brasileira, também dentro das transformagbes do catoicismo. Aprimira hipétese que levantamos e que nos parece interessante pensar, é que, realmente, a partir do estudo do juazeiro, o professor Ralf della Cava traathow intensamente com a categoria de romanizacHo na questZo de modernizaco do catolicismo brasileiro. Eo que percebertos & que tavex houvesse duas modemniza- Ges: uma mais internacionalista, outra mais nacionalista. 0 padre Cicero filiava-se 2 tradigio nacionalista, com uma longa hist6ria no catolicismo brasileiro, como agente da modernizago. Tz uma historia de formagio em semintio, mas tam- ‘bém apresenta este vgs nacionaista Acho interessante um trabalho como este, que nos permite trazer outras hipéteses para a academia, para estudos, para retomtar cestudos que foram realizados, que jé esto consolidadas e nos permitem colocar ‘outras questies, Outro elemento que considero extremamente importante € 0 flo de podermos brit, 20s wossos estudantes de mestrado e doutorado, novos temas eacessos. Hoje, ‘neu sonho é ter pelo menos dois alunos de doutorado estudando padre Cicero no Rio Grande do Sul. Penso que é I que temos que estudar padre Cicero, e no apenas no Ceard, Considero importante que a gente possa ter uma maior diversifi- cago regional, qe os cearensesestucem 0 Rio Grande do Sule vice-versa, Porque estou dizendo isso? Porque considero que nao pode ser uma prerrogativa exclusiva do Rio de Janeiro, de Sio Paulo ou de Brasilia estudar o restante do Brasil. Como se sé fosse legtimo estudar outrasregides a partir do centro Podemos romper com essa posi¢do, abrindo nossos campos de estudos para coutras repides, para outras realidades. £ um sonho legtimo, que abe muitas por tas ja delimitadas. Trago minha experiéncia sem considerar se isso € melhor ou plor para a pesquisa na universidade, para pesquisa académica. Minha experién cia de trabalho, inclusive no trabalho que fiz para minha tese, passel um ano € ‘meio trabalhando em Bom Jesus da Lapa, numa assessoria 2 diocese. Um ano e ‘meio depois, retornei a Bom Jesus da Lapa, agora para a pesquisa da tese de douto- rao. Aqueles 18 meses nfo serviram como pesquisa para a ese de doutorado, uma vex que, efetivamente, o trabalho académico, o trabalho de tse, é de outra nature- za, Nao sei dizer exatamente quais so os limites e as diferencas, mas ha uma especificidade no trabalho aplicado e outra que € propria do trabalho de pesquisa, paras academia, Agora, por que passar um ano e meio num trabalho de assessor? A possibilidade de acesso a lugares onde nai chegaria se no tivesse criado uma tia derrelagdes, de confianga, de conhecimentos e revonhecimentos. Esou consciente, 8 Aniypiogs« paisionali At experi es exis de prfisonlizert des ONC porém, que esse teia tem especiicidades. Se no tvesse passado pelo processo anterior de assessoria, seria outrateia e outros acessos que seriamn viabilizados. ‘A questo do antropélogo & saber que todo trabalho de pesquisa ésituado den- tro de um contexto politico e soctslespectico. De um contexto de retacdes insti ionais e relagbes humans que n6s criamos. Se, por um lado, nos abrem algumas ;portas, por outro fecham outras que poderiam ter sido abertas. ‘No meu artigo “ONG's no Brasil: Blementos para uma nacrativa politica’ tento ‘mostrar como se dé essa passagem da academia para as ONG'S e vice-versa, Nesses 10 anos em que trabalhei no Instituto de Estudos da ReligiZo ~ Ier, vi muita gente indo do movimento popular para ONGs e vice-versa. Trés de meus professores passaram da academia para os movimentos socias, Esse trinito & de mao dupa Nao 6 quando se esgotam as possbilidades e nos desencantamos com a politica ea Ita que vamos para a academia, Podemos ter idas e vindas Neste artigo, termino dizendo que o projeto que estamos desenvolvendo de um. curso de especializaco em projetos sociais, na verdade, é impregnado pelo meu trabalho em ONG e em movimentos socials. Interessante que duas pessoas coorde- ‘nam o curso: eu, que venho de uma ONG e uma colega sociéloga, que trabalhava no governo, impregnada de preocupagtes das experiéncias governamentais,Tentamos ‘ouvir uma demanda externa e internalizar essas questies, criando um nicleo de estudos sobre politicas e proelos socials. Temos uma publicagZo e estamos traba- Ihando também essa temética, como uma pesquisa, dentro da universidade. Faltaria dizer como é retroalimentada a relacio entre a experiéncia de uma ‘antropologia aplicada e a experiéncia académica de uma reproducao de conhect meato, ~CUe 1 Carlos Alberto Ste, “ONG' no Bas: Hementos para una narraia pola", Revista Huma na, Poo Alegre, ICAVURRGS, 2001 Etica e formagdo do antropdlogo Guita Grin Debert* ZAM eatmente impressionante o leque de dreas de awagio da antropologia, E co antropSiogo e do profssional de outras reas com espcialdade em antropologi, Para mim, ¢surpreendente porque, por mais que estejanos ‘em contato com o que se faz.em antropologia, ha certas reas que nem imaginamos que poderiam ser objeto de atuaco do antropélogo, como foi possivel ver neste seminario. ‘Meu interesse aqui € tratar da rego dessa diversidacle com duas linhas de ago que a ABA definiu como centrais durante esta gestio: a questo do ensino da antropo- Joga, da formagao do antroploo;e, a questo da dca, Essas so duasdimensbes que nao podemos perder de vista neste debate, ao longo desses trés dias de discussio. 0 ensino e a formagéo do antrop6logo, assim como a ética, no so questes novas na antropologia. Desde que me reconheco como antrop6loga, a ABA tem promovido discusses sobre esses dois temas e nem imagino uma reuniZo dos ntropologo em que essas questGes no estjam presenes. Além das etnografias e das anedotas do nosso trabalho de campo, que sao as ‘questdes que mais gostamos de discutir, a ética e a formaciio do antropélogo sao os ‘outros dois assuntos com cadeira catia na nossa agenda. Discutir essas questGes na antropologia tem um sabor especial, pela caractristica da nossa disciplina, a mais indisciplinada das ciéncias humanas, porque nfo temos fronteiras teméticas, meto- dol6gicas ou geogréfica. Qualquer tema ou regio podem ser objetos de estudo antropolico nosso eque de métodos € bastante variado ea questi metodols- ica é basica no tipo de trabalho que fazemos. Tso no quer dizer que nio existem tentativas de criar fronteiras. Uma presenca ‘muito ativa.na nossa disciplinaé 0 que os norte-americanos chamam de gate keepers, sa espécie de porteros que quetem estabelecerfrnteras claras do que é um + Profesora tar do Deparamento de Anropoogi do Inst de Filosofia e Cléncias Homa ‘as da Unicamp e pesqusadora do Nile de Estudos de GEnero da Unicamp ~ Page do Pg, a Guita Gin Deben fazer antropoligico, e dizer “isso no 6 mais antropologfa é sociologia” ou coisa de cientista politico”, “é coisa de historiador”, Ou disciplina eujo fascinio é nfo ter fronteira cara. E eu fico sempre muito descontia- «da com a pergunta “qual é identidade do antropélogo?” Nio estaria af embutida a intengio de estreitar 0 campo da nossa disciplina? Reagir a uma delimitagio precisa do que si 0s objetos de estudo da antropolo- gla nfo € dizer que nao devamos te ctareza do que define a nossa protissio e nos fa diferentes dos demats cents Da mesma forma, as questbes da éticae da formacdo do antropslogo nfo so novas, mas € também preciso reconhecer que os debates realizados no passado somam muito pouco ao debate atual Por qué? Porque os problemas as conjun turas slo diferentes. Fm realidad, o que foi dito antes parece no ter impacto hoje. Tratar do ensino da antropologia 6 ver essa variedade de freas de atuacao. Como dar uma formagio que permita aos antrop6logos responder aos desafios profissionais colocados? Esse 6 um problema que gana contomnos espeeificos para os profisionais da ‘minha geracto, porque ea foi uma "gera intermedi ria entre geraciio caracterizada pelo autodidatismo e a geracio marcada pelo que ppoderfamos chamar de “cultura da avaliaco”, Com a idéia de autodidatismo quero ccaracterizar 0 esforgo empreendido por nossos professores para institucionalizar a antropologia no Brasil, professores vieram de dreas muito diferentes, nfo tiveram formagio especifica em antropologia propriamente dit, vieram do direito, letras, da filosofia, enfim, tinham uma formagzo extremamente variada e, de certa forma, ser antropélogo era precisar de uma alta dose ce atodidatsmo, ‘A minha geracto jf entra na academia num momento em que as coisas est mais insitucionalizadas,existem prograntas de antropologia plenamente constitu dos nas universidades brasileiras. Mas, de certa forma, somos uma geracdo que, de rmaneira muito répida, presenciou a consttuicdo de uma cultura da avaliago, ito € a proliferagao de procedimentos para aavaliagdo do desempenho das instituigbes do ensino superior que tem mobilizado as nossas universidades.! As consid de Marilyn Strather sobre o tema ni podem ser mal compreendidas: no se trata de propor uma recusa as formas de avalingZo, mas de rever os procedimentos que {8m sido adotados, porque envolvem uma definigio préva e externa As universida- sanduiche”, uma gera "Gf, Mariya Stather, “A sali no sistema uni 1, 53, Go Palo, margo de 1999, sii britineo”, Novas Btudas Cobrap, 4 ioe omagio do antopege des das fungdes socias que devem desempenha: Critérios criados pela necessidade cde medir o desempenho das universidades acaham transformando-se em finalida des do mundo académico. Os controles de qualidade do ensino da producto cientifica passam a exigir que seja copiado em uma instituigZo o que 6 feito ‘outras. Os trabalho desenvolvidos em cada unidade tém de ser descritos através de ie de clementas que o avaiador reconhece ese esses elementos no estiv rem presentes, 0 programa avaliado de fato nfo exstré porque no havers uma linguagem capaz. de medir seu desempenho e a produtvidade Ninguém duvida de que € preciso avaliar 0 desemipenho das instituig interesse piblico. ;podemos ser complacentes com elas, Mas, a svaliagio nfo pode gankar vida pr pria capaz de ferir a esséncia da vida académica. & parte fundamental dle nosso imétier conviver com visbes distintas e confitivas sobre as finalidades sociais da universidade, aceitando que elas devem atuar, simultaneamente, er v Ainsttucionalizagio da antropotogia certamente perma ampli po da disciplina em proporgdes que 0 autodidatismo jamais teria possibiitado, pr6prio a insttucionalizagio incentivar a qualidade e a produtividade do ensino e da pesquisa. Mas a produtividade no pode bloquear o debate, os desacordos, critivdade e a inovaco. So esses espagos que, na maioria das vezes, mostram-se capazes de estender ao meéxim nossos horizontesintelectuais, morais e imaginati- {5 ¢, portant, precisam ser preservados. Nesse contexto, como dar conta da diversidade de areas de atuago? Como criar espacos para que o debate, diferenga e sobretudo a formagio sida na disciplina tenham seu lugar? A formagio académica, o aprendizado e o desempenko profissional em institu- Ges e onganizagdes do Estado e da sociedad civil sio dimensdes que no seguem ‘os mesmos procedimentos a antropologia e em outras disciplinas. Essasdiferen- as sio um elemento de tensio para os profissionals que atuam extranmuros em diferentes areas de saber. A universidade no pode, entretanto, perder sua capacida- de de coneric uma formagio mais geral em nome de una expertise que deverd ficar a cargo do exercicio profissional em espacos que so muito diversificados e dinfntcos na escolha de seus proissionais Esse € um tema importante quando discutimos os mestrados profissionalizantes 4 propria idéia ce una graduagZo em antropotogia, O que significaria isso? Como sero organizados os mestrados profissionalizantes? Como eles redefinem as mes- trados stricto sensu? uma: s de tabemos que muiias coisas v2o mal na universidade e que no 8 Caita Cain Debt A discuss destas dimens6es tem de acolher projets divergentes, ce modo que cexperiéncias inovadoras possam ser realizadas,debatidase avaliadas. in sum cessas as GuestOes que dio um cariter especffico a discussio que empreendemos sobre o tema. Assim como a questio do ensino e da formaco do antropélogo, a éica é um tema central nos debates da ABA, 20 longo de sua histéra, Os temas com 0s quis trabalhamos,o tipo de populagdes que tradicionalmente pesquisamos ¢ o impacto do que dizemos sobre elas fizeram com que fOssemos uma das primeiras associa ofes a elaborarem um c6dligo de ética na pesquisa. A professora JO de Oliveita colocou as questbes fundamentais para o trabalho com as populagdes indigenas, como 6 0 trabalho com a Funai ssa preocupagio tio central em nossa disciplina ampliow-se para outa «hoje, no contexto brasileiro, sHo as ciéncias médicas que, tendo como locus central 0 Ministério da Saide, tém orientado a preocupacio ética nas diferentes, reas de saber. Certamente essa preocupacio é louvivel etrata-se de uma conquistt de sociedades mais justas e democréticas. Como antropélogos, no entanto, iio podemos deixar de discutir 0 impacto dessas orientagdes no tipo de projetos que desenvolvemos, especialmente quando elas passam a criar entraves burocriticos et fazer exigencias que parecem mais interessadas em impedir a pesquisa do que em proteger os sujeitos pesquisados. Em outras palavras, é parte central no nosso cédigo de ética, criado nos anos 1980, que os sujeitos estudados tenham 0 direito de serem informados sobre a natureza da pesquisa realizada, mas 0 modo como os novos céidigos de procedl- mentos étcos sio organizados, a burocracia que eles podem envolver, as difculda des implicadas no consentimento informado ¢ outras exigéncias podem transfor marse em uma camisa de forga para o trabalho antropol6gico. Cabe, portanto, discutir 0 cariter dos procedimentos ético que nfo podem ser tio restritivos a onto de nio serem cumpridos ou tio amplos que deixem de exercer o impacto desejadlo no modo como as pesquisas so concuzidas em diferentes éreas de saber, Cae 44 Perito e pericias: Novo capitulo de (des) naturalizacao da antropologia. Alita contra positivistas e contra o empirismo vulgar Alfredo Wagner Berno de Almetda* bordaret a nogio de pericia antropolégica segundo diferentes planos de reflesio, consoante os trés lugares insttucionais em que os géneros de documentos que thes sio correspondentes — laudo, parecer ou relario ‘éenico de identificagio étnica — tém sido produzidos. Todos estes géneros ou modalidades de producto de conecimento tém sido designados indistintamente como pericia. Remetem, por um lado, aos significados sociolégicos de pericia, mencionados por Max Weber, por Michel Foucault e por Pierre Bourdieu, e, por outro, & nogo juridico-formal, nos termos do Gédigo de Processo Civil, Lei n® 5.869, de 11 de janeiro de 1973, €2 nogio que estabelece correspondéncia entre pericia e forma de intervened por parte de associagies voluntérias da sociedade civil em sinuagées de confitos sociais extremos. (s chamaclos audos anttopol6gicos tanto podem ser demandados pela Procu- radoria Geral da Repsilica — PGR como requeridos pela Justiga Federal, consoante 0 Gédigo de Processo Civil. Com a ago da Procuradoria datamos o instrumento de ‘outubro de 1988, balizado pela ConstituigZo, e podemos I-10, no que concerne os, antropélogos, a partir dos convénios firmados entre a PGR e a ABA que versam sobre identificagio étnica ou sobre questBes que envolvam intresses de povosin- ‘genas, de comunidades remanescentes de quilombos, minoris e outros assuntos referentes is atibuigdes do Ministério Pablico Federal ~ MPE Consoante 0 Gédigo de Processo Civil, datado de 1973, entende-se, entretanto, 0 trabalho do perito e no mais tio-somente 0 antrop6logo-perito como verificagio ‘ou prova percial (“exame, vistoriae avaliago” cf. Art 421). No Art. 145, da Seco 11 do capftulo ¥, "Auniliares da Justiga’, podemos ler: + Aniopslogo, anor da perc antropoligia de ideatiicasio de comunidades remanescentes de qulonbos a Sea pretendida pla Base de Fogutes de Aleta 45 Aifedo Wagar Bona de Alvida Quando a prova do fato depender de contecimentoténico ou cient, o juz ser asistido por peito, segundo odspostono Art 421. [.] Ojulzpodersindeferir a pevicia quando “a vrfcago for impratifve, [rt 420, 4s comunicagées anteriores nesta mesa-redonda falaram emt “prova etnogrdli- ca een “evidencia etnogréfica", numa tentativa de compatillizacto do discurso antropol6gico com o discurso juridico-formal, objeto da etapa que Malinowski dlefinia como de “acesso superficial” em Coral Gardens and their magic e aparen- temente pode ser uma ponte entre eles. Contudo, para além da similitude dos lermos estio em jogo procediments distintos no traballio de campo e provavel ‘mente expectatvas diferentes sobre o trabalho cientifico.Pelo eédigo mencionadlo, ‘© perito deve se cingir& verficacio, ao reconhecimento de um dado que existe & “que 6”. Nao Ihe compete interpretar ou relativizar possveis evidéncias. Eos domi nios pensados como clentficos para os legsladores parecem ser aqueles corres- pondentes is ciéncias naturais, Nas exempliicages, pnsaram basicamente em me- dicina ¢ engenharia, principalmente engenbaria civil, Pensaram também em agro- nomi ¢ arquitetura, Neste sentido, no se detém na definigfo do que é "prova”, posto que auto-evidente, além do que a pericia & definida como prova do fato, As yes julgamos que o discurso antropoldgico guarda extrema proximidade ou dlispée-se em continuidade com o conlhecimento juridico, o que nos faz baixa vigilincia conceitual e tomar espontaneamente os exemplos do positivismo como se dispusessem em seqtiéncia com aqueles da antropologia. Por oposigo est dian- te de nds 0 exercicio de marear diferencas. 0 Ant 423 do Cédigo diz, por exemplo, que o médico no pode ser perio de seus pacientes, Parece indicativa de que a prova nfo existe independentemente de ‘quem a interpreta ou ha tum temor de que a rela face a face afete a objetvidade? a, se isto fosse tomado spss liters, os antrop6logos no poderiam estudar os srupos que estivessem investigando? Aqui parece aumentaro fosso entre o manual positvsta © as normas que orientam 0 trabalho de campo em antropologia. Os cesforgos do legislador, entretanto, so de tratar 0 método cientifico como conjunto de regrasfisas que apontam para a verdade da prova. Penso que questo central, para nds, €evtar 0s tscos desta normatizagZo, reportando ao aspeeto relacional dos procedimentos metodoldgicos. Caso insistamos numa “manualizagao", derra- mando regras, positvando, poderemos, sendo pragmsticos demais, provanclo tudo", chegar a uma transformacio da antropologia em mero conhecimento iil, Levado a0 limite, este pragmatismo é uma. forma de positvsmo, pois acaba sendo atest \6rio do que tem sido crticado por todos n6s. Afinal, nfo se pode converter os 46 Pate «pris procedimentos de observagdes etnogritica em normas do “calecismo positvsta” implicto no idedrio dos legisladores Por outro lado, segundo a exposicio de Jodo Pacheco, também aqui nesta mmesa-redondla, nfo hi uma sistemstia perfeta. As vezes procuramos defini-ta de modo cuidadoso e com uma perfeico que nfo existe porque ela é dinamica e se alvera segundo os processos sociais ¢ as realidades localizadas, Nzo deve ser frigorificada, Neste sentido, podemos destacar que 0 Cédigo de Processo Civil ‘mplicitamente separaria o perito antropol6gico dos demais assistentes técnicos. 14 um conto escondido ou nfo revelado nos nossos laudos periciais, que nos ‘obrigaa usar termos como “prova’, redefinidos para nos ajustarmos 3s exigencias juridico-formais. Assim é que entendo a idéia de prova aqui mencionada pelos que me antecederam. £ como se juizes e demais operadores do direito, hierarquica- mente colocados, ainda imaginassem 0 nosso trabalho como aquele de wm antro- pélogo fisic. ‘Trabalhamos com cartégrafos, ge6grafos, agrnomos, historiadores © advoga- dos numa atividade interdisciplinar definida no fmbito das pericias. Hi situacies de intercmbio de conhecimentos que estreitam vinculos, mas hd igualmente fato ‘es contrastantes que nos diferenciam dos demais. Sao eles que nos permitem falar nessa “solidiio do antropélogo”, Por qué? Por transcendermos.as evidéncias, acaba- mos por entrar em rota de colisio com os assstentes téenicos de outros dominios lo conhecimento, Vou tentar exemplificar: em situagbes como as de Alcintara out de Porto Cori, pretendemos identifica as comunidades remanescentes de qulon bos e 6 cetectamos ruinas de casa-grande e engenho. Para o trabalho etnogréfico em que o dado € construido, trata-se de inverter e relatvzar a evidéncia, ea ru casa-grande torna-se indicativa das comunidades quilombolas em virtude do siste- ma de representacdo e do uso que dela fazem os agentes sociais observados, AO contrariar os positivistas, torna-se inversamente a “prova do que jamais foi ou pretendia ser, reconhecendo em verdade o seu contravio, Para os arquedlogos ~ como sucedeu em Porto Coriz.-, as rufnas enquanto vestigios arqueol6gicos limi tam-se a0 reconhecimento da evidéncia,trata-se simplesmente de wma “casa gran- de” (sede de fazenda), como se 0 dado jé estivesse pronto e tudo se resumisse em coleti-lo, Por uma arqueologia de superficie apressam-se em logo emir o veredic- to, Em Alcantara a evid@ncia nfo estaria nas rufnas, mas na relagéo que os quilom. bolas mantém com elas. Uma vez que os senhores de escravos abandonatam a fazendas, sio eles que zelam pelas cufnas como se fossem recursos da natureza. At ‘colocam seus plantios de mandioca e pomares. "7 Alfio Wigner Bena de Almeida Os historiadores exibem documentos mostrando que contrara a evidencia trans formar sesmatias em quilombos, fazendas em comunidades quilombolas apenas porque assim as representam os quilombolas. Os quilombos, para ees, coadunam ‘com fuga e estariam longe das sedes das fazendas, em lugares remotos. A dupla cevidéncia do documento e das ruinas parece ser de uma objetvidade a toda prov, aparentemente indiscutivel, B eles indagam: se as pedras de rumo definem uma sesmaria como entio esté-se afirmando que ¢ um guilombo? Como alirmar que ‘uma memoria oral cujadelimitagZo de rea tem como limites squeles mesmos que delimitavam uma sesmaria determinada, trata-se de um quilombo? Os antropélo- {05 relativizam os documentos e os pr6prios marcos, porquanto também consti- tuem uma forma de representaco ou seja “é o que os fazendeiros diziam que possufam”. Esté em jogo uma autodeclaragio. Os antropélogos — com Fredrik Barth — tm revisto as teses de isolamento como “forma de sobrevivéncia", &m cevitaclo absolutizarasfagas de escravos,principalmente quando hi tantas situ de terein sido “os brancos que fugiram”. Os antropélogos privilegiam os atos dos agentes sociais que hoje io capazes de administrar esta memsria em prol de seus interessescoletvos. Representao ¢ alos so evadas em conta Para os gedgrafos, a questio da fixider dos limites das reas identificadas 2s vezes tomna-se um principio operativo, Exemplifiquemos com a situa dos Pretos:na primeira visita da equipe& rea, ela corresponderia a4 mil hectares; na segunda, a 8 mil; e na terceira, a 13 mil hectares, Para cart6grafos e gedgrafos Podleria até parecer uma alteracio arbitraria dos limites que idealmente deveriam ser sempre os mesmos, entretanto, a observagio etnogrdfica, contrariando nova- mente a evidéncia, opera com o conceito de territério como produto de uma consteugio social do préprio grupo identificado, Enquanto construgfo, pode va- riar consoante a correlagZo de forgas tal como percebida pelos agentes. 0 terri- ‘rio se materaliza em extensbes que se caracterizam pela dinmica e nio pelo congelamento, Una terra indigena pode ser representada de outro modo mesmo depois de registrada no SPU. 0 caso de faccionalismo aqui relatado por Shella Brasileiro é de uma acuidade a toda prova, pois evidencia o perigo de nos encer- rarmos nos absolutos, Certamente que incomoda a outras formagdes académicas lidar com contingencialidades, Todos preferem situagdes em que se sintam absolu tamente seguros e esta seguranga parece vir do flo de negarem a dindmica. Ora, ‘mas as relagdes socials fo dindmicas e 2s comunidades também o sfo, Um traba- Iho de identificacéo pode ser uma pega na complexa engrenagem de resgatar a ‘meméria de uma terrtorialidade especifica. Nao importa se a sesmaria é revalida 4B Pte « pie a ou no, no importam os ftores de auto-evidncia, enfim mais valem os proces- 0s sociais em curso. 0 olhar dos advogados também é deestranhamento face a esta postra antropo- ‘pica de contrariar as evidenciss aparentemente mals fagrantes. E 0s jules aqui sto tentados a acompanh-ls, jé que todos esposam a legislaglo colonial, os titu- los de terras, as plantas de sesmarias, os documentos de cartrio, os relatos de fuga feitos por militares ¢ capties-co-mato e tudo o mais que constitu evidéncia 0s antrop6logos, muitas vezes, correm 0 risco de ficarem sozinhos nesta dispu- ta, padecem de uma soldo ao desdizerem, com dados construidos pelo trabalho de pesquisa de campo, o que é usualmente ldo como “abvio”. A necessidade impe- risa de obter a evidéncia pode acabar por complicar a propria obviedade, posto que So negligenciados argumentos e exposigdes de motivos criteriosos, io dis- pensadas as explicagSes. 0 impressionismo ou a primeira vista acaba por dominar ‘0 discutso positiista que nfo consegue romper com esta monotonia e redunda em ‘uma explicagio circular: “é porque é”. Ao imaginar a pericia enquanto campo de «isputas, pode-se entender como os antagonismos em forga para revertero dito. «deste ponto que os antroplogos relativizam documentos, alicerces de casas-gran- des eengenhos, muralhas, pedras de rumo e demais elementos de cultura material, nfo deixando, numa figura metalrica, "peda sobre pedra. Os antropélogos colo- ‘cam indagagdes sucessivas, suspeitando das certezas apotadas no impressionismo, A“solidio” aqui consiste num repert6rio de perguntas que estabelece uma interlo- ‘cugio aparentemente imaginéria, mas que deixa transparente 0 quanto o trabalho peticial também 6 um jogo de poder. Ainda nos termos legais, outro condicionante ao trabalho antropolégico & o prazo da pericia. £ possfvel produzit etografia em 90 dias? Um dos fatores que atenua isto € que na gestio da ABA conduzida por JoZo Pacheco e Bliane O'Dwyer ficou registrado, no convénio firmado com a PGR, que deveriam ter prevaléncia na escolha do perito antrop6logos que jd tivessem investimento anterior na rea obj- to de disputa. Como falar ent0 em etnograia? Ora, ito nos leva a uma distingzo entre etnografia € observagdes de natureza etnogrdfica, Esta diferenga fem de ser reavivada neste contraste com priticas cientficas de outros dominios do conheci- mento, 0 dado é construido e nfo € espontineo, como o seria nos laudos dos dlemais assstentes técnicos. Neste ponto fése pode dizer que também a solidio ‘orna-se relativa porquanto ha wm certo conforto ao reproduzirmos criticamente 0 que vemos & 0 que nos 6 transinitido. 0 trabalho de pericia antropoldgica tem de ser arrancado dos quadros da naturalizacio do conhecimento ¢ isto pode levar a 49 Aljeds Wagner Berne de Ali uma relago algo tensa com os operadores do direito. Hes sempre dizem que niio foram suficientemente contemplados. & como se tivéssemos feito sempre a metade do percurso ¢ no 0 percurso completo. Com freqiiéncia somos: chamados para novas audiéncias para explicar 0 que acham que nfo ficou explicado. K este no cexplicado € difcil de sé-lo porque contraria o absolut e é relactonal. Com estas rellexdes penso que precisamos de uma forma de “protegao” intelee tual , que ABA deve levar em conta, porque o risco de passarmos por “inventores. de Areas", por alguém que s6 fuz dizer meias-verdades ow por “farsantes da nova era” tomna-se grande mediante situagdes de confito que também envolvem grandes empreendimentos — barragens, projetos agropecudros, industriais, bases mita- res, quarts etc. Da mesma forma que classificamos aideologia da “prova do fato” somos também retrucados no lugar comuin de outras formagdes acacémicas que talvez anda nos vefam como ciéncia menor que corspira contra 2s evidéncias. PAIGE so Antropélogos e laudos Ana Flavia Santos* inha participagio estava prevista para ontem —Antroplogos, Ministé- rio Piiblico & laudos ~ mas justamente, 0 acompanhamento de um ‘processo bastante complicado de ficenciamento de uma hidrelétrica ‘imped meu comparecimento, Quero contibuir com minha experiéncta no Mi- ristério Pablico Federal. 0 que me chamou a atengio, na fla do professor Ricar- do, foi ele dizer que aqui no Brasil, no caso das empresas que constroem hidrelé- trea, 0s antropélogos s6 so contratados quando ha essa exigencia legal De fato, pensando bem, a impressio € que os antropélogos, na verdade, sfo contratados quando 0s casos envolvem minorias, particularmente indios, realmente porque a legislagio obriga. A Procuradoria de Minas Gerais acompanka vris casos de hi- drelétricas ¢ esse caso em que estou trabalhando envolve uma comunidad rema- nescente de quilombos. ‘A impressio € que, quando isso ocorre, 0 antropslogo incorpora o especialista «em indios, partir de un conpromisso com aqua populaZo. Hl se insere nesses processos de forma bastante pontual, e acaba nao abrindo os olhos para os proces- 0s, @legislago ambiental e a politica de energia elérica. Nao 6 4 toa que os laudos de impacto nao tm impacto. © professor Ricardo citou, por exemplo, que «Funai tna gostado muito do laudo dele, hava pedido que fosse inluido no EIA- Rima um laudo em que foram diagnosticados sérios impactos sobre a comunidade. Se eles nfo foram diagnosticados, a coisa comegou mal porque, na verdade, um processo de licenciamento tem varias etapas, com um claro significado. A hora de estabelecer compromissos, de comprometer o empreendedor, nfo € durante a fase de concessio da licenga de instalaco, e sim da discuss da licenga préva,Alerto para a necessidade de prestar atencio especificamente na legislaco, e também no processo em si. Apesar da abertura politica, nossa sociedade continua sendo extre- ‘mamente autoritéra. Dispomos de poucos mecanismos de participacio. ‘Anais pericialem antopologia da Procuradoria da Replica em Minas Gras e doutoranda em antropologia (PPGAS/MN-UFR). ‘Ana Flv Senet A questio do setor energético € onde isso se reflete de forma mais clara porque, na verdade, temos af um processo que, teoricamente, deveria ser pablico e partic: patio porque temos o principio da participagio garantida na Lei do Dieito Am- biental. Se todos temos direito a um meio ambiente saudvel, endo todos os usos do meio ambiente deveriam ser definidos num processo participative, e 0 que temos é um processo de licenciamento ambiental em que as cartas definitivas sto jogadas antes do tinico processo que supostamente € paticipaivo, que €o processo delicenciamento ambiental. Ha varios estudos, ea vabilidade do empreendimento 6, na verdade, definido em fases as quals # sociedade civil nio tem acesso. So cestudos e conversas que se estabelecem entre empreendedor e, hoje, a Agencia ‘Nacional de Energia Eltrica — Aneel. Depols, partimos para um processo de pseu- dopauticipacdo onde nfo se discute a concepgo do empreendimento, mas onde apenas se faz uma adequagio da realidade ao empreendimento, Hl situagBes em {que apesar de termos um trabalho ou laudos antropoldgicos, consulta sto feitas refeitas de uma forma menos transparente, ¢ @ coisa continua. Nao dependeria tanto da Funai fazer valer 0 seu laudo, portanto. E uma questo mais complexa do que isso, Chamo a atencio para a fala da Professora Claudia, pois também acho que devemos pensar nisso quando resolvemios nos inserir nesses, processos. Apesar de haver antropélogos nia academia. com ut diregio criticas sobre esses grandes empreendimentos, percebo que isso aparece pouco nos relatos das pessoas que efetivamentepartciparam do processo elaboran- do laudos. ACO 2 O lugar da antropologia no campo multidisciplinar do laudo pericial Blaine Amorim Carreira* atari a questo, fi comentada aqui, do lugar da antropologia no campo smultidsciptinar do laudo pericial, Minka fala estar centrada no tema dos direitos indigenas, com o qual trabalho diretamente, porém, o debate se aplica aos faudos antropolégicos de forma geal 0s direitos inerentes aos fos so defindos pela Constigo nfo s6 em tras de direito terra, mas como direto cultural, ou sea, diteito 3 liberdade de reprod- zr sua organizago social, sua lingua, suas erencas ec. Isso é mais que reconhecer as caractriticas raise pitorescas dle uma cultura, é recomhecer tia uma dindmica de pensamento e comportanentas distintos do standard em muitos aspectos. Ao validar 084808, costumes e tradigdes diversos dos dominantes,o Estado admin a coexistén- cia de modos de ser que se concebem a si prdprios e a base espacial na qual se inserem ce modos diferentes. Ou seja, o Bstado, a partir de 1988, admit oftcial- mente a existéncia do “outro” e seu direito de continuar sendo “outro”. Amparados por essa legislagto, vetos a agdes que afetam as condigbes de exis- ‘8ncia dos grupos indigenas tm sido impostos pelo poder piblico, motvado pela mobilizaco da sociedad civil organizada e, sobretudo, pelos atores diretamente interessados. Mas como definire defender os direitos indigenas? Num campo de dlisputas e relagGes interéinicas desiguais, a autoridade de decisio ser sempre controversa. 0 fndio ~ titular do direito — sem divida é o agente mais legitimo, Mas quem 60 fndio? Qual 6 a sua vor? Bla 6 diversa, miltipla, conraditria,Dife- rentes fucgDes, geragies e jogos de interesse nfo permitem supor, ingenamente, ‘qualquer unanimidade. 0 Estado também deve se levado em conta, mas 0s opera- ores judicias e administativos estio preparados para enfrentar a poissemia do “outro”? A sociedade civil es ONG's— incluo aqui as nissGes religiosas fondamen- * —Aatopéloga da Procuradona Geral da Replica ~ 6 Clas, lene Amrin Carcie talistas ~ jgualmente legtimas, mas também representam interesses difusos que impedem tomar suas manifestagbes como elementos definitvos de juizo, Nesse quad, a prtinéncia do conhecimento antropolégico ¢ inequivoca, asim como a legitimidtade do laudo pericial 3 hora de defender os direitos culturais dos ovo indigenas e julgar sua violago* Porém,lembbremo-nos, aplicacZo de direitos ‘grupos concretos em particular & um campo de atuago do saber jurdico, pertinen- tea diferentes profissionais do direlto e da administrago pica, mas no da antto- pologia. A antropologia cabe oferecer subsfdios para que decisGesjuridicas sobre as vidas de grupos humanos respeitem ao mximo suas dinfimicas socioculturas. Essa face, no Brasil, tem uma larga histria com importantes e proffcuos resultados. Porém, yjo ser preciso um melhor delineamento do lugar do antropdlogo no processo de efetivacdo de direitos elturas, sobre os qua temos muito, mas no tudo a dizer. Vamos tomar como exemplo una pericia cujo objeto sea a dspura sobre um tervt6rio indigena Partimos do principio constitucional de que o Estado brasileira reconhece a tervtorialidade indfgrta na medida em que reconheceo indio enquan- (o alteridade. Sendo assim, admite falar de terra em outras linguagens. Essa pala- ‘ra, portanto, tem deter seu sentido retirado de dentro x linguagem do grupo em questo ¢ rio do nosso vocabulério, & preciso uma tradugao “qualficada”. O pré- prio {ndio pode no saber dar essa qualidade & traducao, ou por ni ter um bom conhecimento do portugués ou simplesmente por imaginar que compartilhamos com ele o mesmo conceito. A qualidade de uma tradugo depende basicamente de trazer & tona 0 ethos e a visio de mundo em que se insere o termo. Aqui, sem divide entra a antropologia, No campo das cincias humanas,cabe A antropologia «a investigucdo especializada sobre a especificidade do comportamento, da organi- ‘ago social, ds valores, sentimentos ecrengas das sociedades humanas, seu estilo de vida e cosmovisio, uma espécie de senha de acesso a outras realidades. Especia lizago ancorada em metodologia prépria, capaz de proporcionar um olhiar de alcance profundo sobre a vida em sociedad de um grupo humano e, portanto, capau, de dar essa qualidade & tradugio dos termos. Para um grupo indigena, terra é muito mais do que espago fsico, & espago social, lugar capa de thes proporcionar um modo de ser £ essa possibilidade de um grupo seguir sendo ele mesmo que dé a um territrio a qualidade étnica ampa 1 Tendo em vst a espeicdate dos termos jure, vale ioformar que pecs € o trabalho céentico propriamente dito, ou sea, o exame feito por um especais, Ji o ando € 0 resultado da pericia, a pega escritaande o perio expe as observages, a esudas e as ceonclusées de seu trabalho de ivestgagio e andise 4 (0 lugar de anvepolegi wo compe niga de laude peril ada pela Constituicio Federal, No caso dos Guarani Mbya, por exemplo, € comum ‘er ou outra grupos familiares moverem-se em busca desse lugar apropriado. Hoje estio bastante confinados, mas 0 mover:se faz parte da sua terttorialidade, Segun do 0 professor Melia, esto se movendo desde mil anos antes de Cristo. Como esse ‘movimento é entendido hoje em termos legais? O que esto fazendo ao se move ‘ei: esto ocupando terrss? Retomando terras?Invadindo terras?Trata-se também de “tradugio qualificada”, mas a ser feta pelo direito, Fazer a tomada do modo peculiar de ser do indio e subsumi-to no sistema de direitos da sociedad branca cenvolvente étarefa que cabe ao operador do direito e nfo ao antropélogo, Anorina legal, muitas vezes, parece exgitprovas ou condigBes que vo contra a concepcio dos préprios indios e de sua vida contemporinea. Certa vez, em um seminrio no qual se discutia justamente a teritorialidade guarani mbya, um par ticipante chegou a afirmar nfo haver “legislacZo que dé conta desse modo de ser ‘guarani”, Diante disso, o que fazer? Como adaptar o dado etnogrético as exigéncias, legais? Isso cabe ao antrop6logo ou 20 operador das decisbes judicais e adminis- tratvas? ssa adaptacio 6 uma resposta etnogrifca ou uma soluio jurdica? Essas pergntas, apesar da aparente obviedade, ainda no esto devidamente respondidas pelos agentes envolvidos e, portant, nem por nds, antropdlogos. Ao antropGlogo, com certez, cabe contextatizar e dar wsiilidade as catego- rias de pensamento e 3s préticas sociais que orientam a relagio do grupo com o objeto do processo em questo, sefa ele um procedimento administrativo ou judi- cial, Voltando ao exemplo do Iaudo no qual a disputa gira em torno do reconheci- mento territorial indjgena, ao antropélogo cabe responder quais os critérios nor- teadores da escolha dos limites territoriais, o quanto aquele territ6rio est ligado 40 conjunto das priticas, crengas, conhecimentos e sentimentos imprescindiveis & reprodugao social ¢ cultural da comunidade, ou se sero no futuro, Mas é total mente inadequado 0 antropélogo, em seu fando, trar conclusées jurdicas e suge- rir reconhecimento do domfnio consoante o Art. 231 ta GonstituigZo Federal ou ‘vaquisicio de terra, conforme seja 0 caso. Fiss0, no entanto, ocorre com relativa freqtigncia, Ao anttopélogo cabe apenas descrever as estratégias dos fndiose veicu- lar os dados etnogréficos que déem conta o melhor possivel do como as coisas ocorrem naquela realidade peculiar ao grupo demandante, Bssa informacio ira servi de subsfdio para o administrador piblico ou o juiz decidir sobre a aplicacto do Art 231, ou uma eventual compra ou desapropriacio de tera E tarefajunidica ~ e no antropolégica — a interpretago da territorialidade ind genaveiculada pela etnografia ea conchustio de ques trata ou nao de ferrasfradicio- 8 laine orion Caria nnalmenie ocupadas, segundo 0 dispostivo constitucional. Subsunir wm fato da rea lidade letra da let 6, afin, ua exegese do direito e nfo da antropologia. Nao faz sentido, por isso — como vi algumas vezes —, o antrop6logo inibic sua pesquisa e conter seus dados com medo do juiz ou minisro no aceitar 0 modo de ser de seus informantes no que se refere a construgo da base espacial. Evidentemente, 20 apresentar uma delimitagdo territorial, o antrop6logo deve elaborar uma argumen- tagio de convencimento ¢ munirse de todos os meios ao seu alcance, inclusive de dadlos no etnograticos, quando pertinentes. Mas na qualidade de autoridade cien tfica, ni The é permitido extrapotar os marcos de sua disciplina no kaudo pericil Podle ser muito cémodo 20 administrador péblico que 0 antropélogo adiante-se e emia um juao que caberia a ele emit: Qualquer problema decorrente, 2 culpa ser sempre do antropélogo. Alina, foi ele quem disse. Foi ele quem decid, Para nés isso nfo € nada interessante e ainda poe em risco a eficécia de nosso trabalho. © laudo set sempre um subsidio para a stuaco de outro profissionl. A inverdis- ciplinaridade implica em campos de conlecimtento que dialogam, trocam saberes para um fim comum. Entradas meituas no significam invasbes miftuas. Emitir con- clusdes juriicas & nosso papel? Por que, como antropélogos, estamos tio seguros de ue efetivamente é 0 Art, 231 da ConsttuicZo Federal que tem de ser aplicado ¢ nao ‘outro dispositv legal? 0 251 nao diz respeito s6& culm e modo de vida dos povos, nele se aticulam outras ids, outros conceitos juris. Nao é nossa seara, por que ‘enti invadi-la quando somos chamados justamente a twar como expertos em antto: pologia ¢ nao em direito, administrago paibliea ou como militanteindigenista? Geralmente somos solicitados a dar certas definigBes que, rigor, vio além dos, limites de uma perictaantropol6gica. Nesses casos, nfo estamos obrigados a res ponder, £ melhor que ado respondamos, pois mum processo, a ma informagio pode reverter contra aquela causa a qual estamos empenhados a defender. A maxi- ma no fale sem a presenea do sen advogado 6 totalmente valida. f principio da precaugio, No devemos e nfo podemos assumir uma responsabilidade que nfo é nossa, dar respostas e suger solugoes Sobre questGes nfo pertinentes ao nosso campo de atuagio, para evtar prejutzos as partes envolvidas no processo. 0 sito processual € um tito muito formal e¢ imprescindiel saber 0 nosso luge Por outro lado, €legitimo esperarmos de um juz, de um membco do Minis to Piblico, de um administrador péblico, a capacidade de entender outraslingua- gens quando devidamente veiculadas por uma traduco qualficada,Eles estio obri- gadlos a essa compreensiio na medida em que o Estado nacional reconhece, por lei, 1 phurieticidade. 36 © lug de entrpslga no compo muidiiplinar do laud pel F necessérioficar claro que “Terra Indigena” nao € uma categoria antropologi- a, mas uma categoria juridica dfinida por lei, Na antropologia, trabalhamos com. ‘o-conceito de territorialidade. Sem dlvida, ¢ importante empenhar-nos no diflogo interdisciplinar para harmonizarmos esses dois conceitos, sobretudo porque, no campo juridico, no h uma hermenéutica consensual do que vem a ser terras Inadicionalmente ocupadas, Mas, por isso mesmo, se assunimos @ performance do outro, além de nos expormos desnecessariamente, néo contribuimos, falta desse consenso jurdico ficou evidente na polémica em torao da recente aquisigio de terras pelo governo do Rio Grande do Sul para grupos Guarani, Desde perspectiva dos que se posicionaram contra esse caminho, sobretudo 0 Conselho Indigenista Missiondrio ~Cimi, o que hes incomodon foi a conviceto de se watar de terras tradicionais e, nesse caso, o correo seta a aplicacio do Ar. 231 da Constitui- Go € nio o ato administraivo da desapropriagio, As glebas desapropriadas esto inseridas nos limites da rea historicamente deimitada como o vastoteritério Gua rani, foram amplamente ocupadas no passaco e, no presente, foram indicadas por familias concretas como adequadas a seu modo de se. Para ees isso €0 suficieate para provar a tradicionalidade da terra, Jf para os que apoiaram a solucio do governo do Estado, entre eles 0 préprio Ministério Péblico, as terras adquiridas nfo podem ser consideradas como Terras Indigenas tal como definidas pela Cons- tituigdo, onde o aspecto histico da imemorialidade nao é mais o determinante para se falar de ocupagéo tradicional, e sim o antropolégico do modo de ser, das, formas atuas e peculiares a cada grupo de ocupagio, na contemporaneidade, f correto classificar como terras nao tradicionais aquelasinseridas no fmbito do terit6+io transnacional historicamente defnide como de ocupagio guarani? Os critérios parecem no ser tio evident quanto deviam. A busca de algo préximo a0 consensual seria, sem divida, de grande proveito para a solugio desse tipo de impasse e para uma adequada aplicagao dos direitos indigenas. E n6s, antropélo- 08, podemos e devemos contribuir com o debate. $6 no podemos e no devemos ‘nos perder na hermenéutica juridica e nos esquecermos da nossa prpria, No campo multidisciplinar onde estéinserida a auvidade perical, além de sa- ber qual o seu lugar, do antropélogo espera-se objetiidade, rigor metodol6gico e adequacio tebrica A peticia € um meio de prova e s6 ¢ solicitada para responder perguntas pontuais. No processo judicial, 0 antropSlogo € um cienista como os demas, € esté ali na condigio de experto para responder questes que o julz ou outras autoridades nio sabem, Por isso, antes de qualquer coisa, tem de ter noo exata 7 laine Amarin Corie das perguntas a serem respondidas, 0 “para qué” da pericia, E nao basta ler os quesitos. & preciso conhtecer seu contexto, 0 que é feito pela leitura do processo em si e por meio de conversas com as autoridades solcitantes, os quais necessi- tam de subsfdios para decidirem com seguranga sobre o direito dos outros. f imprescindivel ter intimidade com a demanda € 0 antropdlogo nfo pode ficar fimido ao buscar esclarecimentos acerca do objeto de sua pericia, sob pena de ino realizé-la a contento, Pode e deve procurar as autoridades pessoalmente para 6 diilogo, Nio existe hierarquia funcional nessa relacZo, & o campo interdisci plinar em pleno fancionamento. £ troca de saberes entre esferas ce conhecimen- {o distintas a fim de aleangarem um mesmo objetivo: a adequada aplicacio dos direitos étnicos e culturais dos povos Feito isso, cabe a0 antropélogo investigar o objeto da pericia por meio de mé- todos cientiicos. 0 Iaudo tem de ser um trabalho cientfico, caso contratio, é mera pinkie, como tal, sem forga argumentativa no bojo de um processo judicial ou «administrative, Ou seja: perde sua autoridade e, conseqiientemente, sua eficécia e sentido de set. E como estudo cientitico, o antropélogo tem de deixar claro quis 0s conceitos ¢ 0s métodos que utilizou e o porque. Ou seja, deve explicitar os se parimetros teéricos e metodol6gicos ~ o tugar de sua fala ~, e apresentar uma conclusiio coerente com os mesmos. & na coeréncia entre suas conclusbes e seus Pressupostos conceituais que reside a autoridade de seu trabalho, Portanto, olauclo pericial antropoléico tem de ser um exercicio de utilizacio das teorias e dos métodos da antropologia. Apenas um trabalho altamente qualificado pode fornecer elementos tidos como cientficos , por isso, acatados como argumentos sélidos, aptos a fundamentare direcionar as decises de juszes e de outros operadores do direito, bem como da administragZo pablica. E bem verdade que o laudo pode até ser considerado, Nenhuma autoridade esté obrigada a acatar as conclusbes de tum [audo pericial, Mas a tendéncia & cada vez. mais considerar as informagées antropolégicas, Mesmo porque atuar sem conhecimento da especificidade étnica, além de ineficaz, € inconstitucional, 0 papel do antrop6logo na investigacio pericial 6 pragmitico, para que direitos especilicos sejam aplicados a grupos especificos, em situagées especifcas, Nao & preciso falar tudo sobre o grupo, mas apenas o essencial para responder os pontos fundamentais da perica, De nada adianta veicular uma riqueea de detalles, com srande foreio, e dedicar poucas palavras ao fato em questio. £ bom lembrar que pecas longas, volumosas, incomodam, dificutam o entendimento e nem sempre silo necessitias, 8 (0 tage da etropolg no campo muidipinr do Toud pla £ preciso aproximar a linguagem antropolégica da linguagem juridica, pois nett sempre os termnos possuem 0 mesmo sentido nos dois campos de saber. Por isso, € tl defini os termos centrais ¢ determinantes da perfcia,langando mao, se preciso for, de glosstio, nots de pé ce pagina etc. Se nfo se toma esse cua, 0 juiz ou o administrador poder traduzir os termos segundo seu préprio entendi- ‘mento e via prejudicar o grupo em demanda judicial, Trata-se de esforgo que vale pena, pois evita divida e ambigitdade, Anda no empenho de aproximar o entendimento antropol6gico do juridico, & inferessante que 0 antrop6logo em seu Lando esclarega conceit e procedimentos bsicos da sua disciplina concementes ao objeto do processo, Voltando so laudo de uma demanda fundtéria, 6 preciso, por exemplo, que o perito deixe bem claro o seine: 8 Gabe ao grupo étnico identiicar seu tertt6tio e elaborar os critérios de per tencimento e exclusio espacial, assim como mapear suas fronteiras segundo sas prépriasclassificages e categorias Do ponto de vista da antropologia, nfo hi qualquer pertinéncia em sugerit ‘rea que nio seja a definida pela propria comunidade indigena. © OantropStogo no estéautorizado, em hipétese alguna, a substitu as classi ficagGes sociais defendidas pelos nativos, tores histéricos concretos e con- temporiineos, por um recorte sustentado por ele segundo a 1égica de sua pré- pria sociedade, Se assim o fizer nao estard atuando de acordo com os preceitos bsicos e elementares de sua disciplina 2 0 método da antropologia é a etnografiae, em linhas gerais, demonstrat ser cficaz para o objetivo que se propée. ‘io podemos supor que o juiz ou o administrador saiba disso. B depois, € bom termos em vista que uma acusacio comum feita aos antrop6logos, nesse contexto de disputas juidicas, & a de que inventamos terras,indios e impactos sociocultu- rais, Isso decorre da absolut ignordincia da abrangéncia da antropolog! rétodo, Huma falsa idéta de que cada um fiz 0 que quer em campo, inventa os pr6prios dados e pesquisa imerso no absoluto reino da subjetvidade Outra coisa importante. Ao elaborar um laudo € imprescindivel deixar claro «ques inica prova que podtemos oferecereficazmente, 2 snica plenamente de acor- o.com nosso método, a prowa etnogrdfica. Sempre vio nos pedir provas docu ‘mentais, provas materiais como se essas fossem por natureza dados reas preferen- ciais, Esse & o senso comum juridico, Mas s6 por estarmos atuando no campo By Blane Anti Cari Juridico, nfo significa termos de nos submeter a seu senso coum. Ao contro, se estamos nesse campo, é porque fomos channados a atuar como especialistas de coutra rea de conhecimento, E nossa espectalidade & a einografia e ndo a critica documental. A busca de documentos $6 se justfica enquanto subordinada & busca dos dados etnogrdficos, nunca oinverso, Li, certa vez, na introducao de uma pericia antropoldgica, a seguinte passagem: Recebiinstrugbes de que deveriainvestigara questo eapresentar prova documenta da ‘ocupagio indigena do trsitério em disput. Ataefs er localizar um registro etnohist- rico que comprovasse que os inios so os habitantes tradicionais das terrase mates Aceitet 0 desafio concordando com regras e expectaias que nfo sto definidas no context antropobgieo, Ora, como antropélogo, o que esse peritoaceitou foi o desafo de realizar uma pericia histrica e no antropolégica £ um perigo tanto para o antropélogo — por inferit em tea de conhecimento distinta da sua —e, sobretudo, para os povos indigenas — que perdem o direito & especifcidade. ‘Aimportincia do laudo antropol6gico est justamente na sua competéncia em consttuit novos tipas de provas capazes de confer eassegurar direitos sociis, Sua aiferenga esté af, nessa capacidade de garantir direitos que sem a prove etnogréfica se aplicariam, com prejufzos evident para as pessoas. Concluindo: para se fazer lus tem de ser um perit, um experto, com capa cidade e amadurecimento para atar profissionalmente mum campo eminentemen- te interdisciplinar Ou seja: tem de ser um antropélogo bem forma, altamente ‘qualifcado. B a ndo consigo entender bem as propostas de algumas universidades brasileira de criar cursos profissionalizantes em lado pericial £ mais ldgico que ‘essa capacitago sefa dada pela prépria formacto em antropologia. 6 esta apto a atuar profissionalmente quem fizer 0 curso profisionalizante? Os outros antrop6- logos niio so profissionais? So o que entio? Sera que o antropélogo precisa de ‘uma formago & parte para fazer lauds? Para atuar como perito? Para atuar como profissiona? Nao estou convencida disso, nem meus colegas da Procuradoria Geral da Repaiblica ~ 6 CAmara, No nosso entendimento, se voo® sabe fazer uma boa etnogratia, vocé com certeza saber fazer bons Iaudos. Sendo assim, no precisa de ‘um curso profissionalizante para ensinar fiver landos, basta a existéncia de bons cursos regulares que ensinem a fazer etnogeafia, ou sea, que ensinem como aplicar teorias em campo t6¢e-d-téte com os nats, como mapear 0 melhor possive sua realidade sociocultural e suas relagies intra e interétnicas. F exatamente isso 0 imprescindivel para os laudos, para os bons laudos, 60 (0 Ingo de enrol we cmp aniciplinar de endo psa De fato, vejo com preocupagio a criagZo de cursos profisionalizantes em an- tropologia, de cardter oficial e reconhecidos pelo MEG. Acho que iss0 pode vir configura num ipo espetico de antop6logo, oantropsiog prfisionaldssoczdo do pesquisador, com prejufzo para os povos,foco da investigacdo pericial antropo- J6gica, e com prejuizo para o didlogo interdisciplinar no que tange & aplicacéo dos Aiteitos étnicos. Ao se criar 0 especialista em laudlos, corremos orisco de criarmos rmercadores de laudos, babiltados a sair por af assinando atestados e cumprindo simplesmente um rto processul, sem o comproiisso cientfico inerente& pesqui- sa. Nabase do didlogo entre antroplogos e operadores do direito est uma mudan- a de paradigma na qual o laudo antropoldgico tem papel fundamental, mas desde ue pleno de antropologia endo uma mera pega téenica e burocritica. Vale Lem- brarmos que o paradigma a ser mudado é 0 da auto-imagem monodinica e mono- cultural da nagio brasileira para o da pluriéinica e multicultural. Nao € wma mu- danga qualquer, ¢ ainda estamos muito longe de vé-laconsolidada Aantropologia nos quadros do MPF ‘Aantropologiainserida nos quadros funcionais do Ministério Pblico represen ta ampliagio da capacidade da insitugo para o dilogo intercultural, favorece a leitura nfo naturaizante das préticas sociais, promove o estabelecimento de uma escuta sensvel ea criagdo de espagos de valéncia para outras concepgbes de mun- do. objetivo 6 0 de consubstanciar o dieito & diferenga garantido pela Consitui- io Federal 0 papel de seus antropSlogos é o de veicularinformagies e pareceres qualifica- dos, resultados de pericias sobre questBes pontuais, «fim de nortearem antropolo: sicamente as possibilidades ce atuago ou nio da insituigZo em situagBes muito ‘concretas em que esto em jogo os eit nesses de grupos socioculturais, Outra tare importante é a de fazer com que os laudos antropolégicos sejam soli citados, dos, e que os membros do Ministério Pablico confiem neles. Ou seja, nos cabe persuadi-los de que na questio dos direitos énicos e socioculturais, at melhor quem atua subsidiado por dados antropol6gicos, Nea ad G Antropdlogos e juristas na mediacao de conjflitos do povo kiriri Sheila Brasileiro* spresentarei dois laudos que realizei, na qualidade de analisa perical sn antropologia do Ministéro Péblico Federal, sobre um “caso de longa luracio".O primeiro consist, stricto sensu, em parecer elaborado para fins administrativos; o segundo foi resultante de uma aco na qual “funcionei” ‘como assistente técnica do perto indicado pelo juiz, no Ambito ce uma ago civ piblica proposta pelo Ministério Pablico Federal. Ambos os laudos referem-se 20s Aatropstoga, proessora da UE 1 Benoit LEstoile, Federico Neiburg Lygia Sigaud,“Savoirsanthropologiqus, administration es populations et construction de Ua, n Reo de Spats, n. 3-4, juldex 2000, p. 257, passin, 2 dem. lie Camtarva O'Dye de procedimentos administrativos, seja em agbes judiciais, no tem sido questiona- da, Porém, no caso da elaborago dos laudos antropoldgicos, tem-se destacado a nevessidade de contar com profisionais considerados de formaco plena na disci- plina. Deste modo, 0 convénio recentemente assinado entre o Ministério Péblico Federal ea Associagio Brasileira de Antropologia — ABA prevé que os laudos antro- polégicos sejam realizados por profisionais que tenham obtido grau de mestre ef ou doutor em insttuigdes reconhecidas de ensino e pesquisa na disciplina. Obser vase, cada vez mas, através da paticipacio desses profssionais em antropologia, que a fronteira entre atividades de pesquisa realizadas dentro e fora da academia deixa de se constituir em uma linha demarcat6riarigida, prevalecendo um zigueza- guear constante entre insergio no mundo académico eos chamados saberes aplica- dos que envolvem 0 campo politico de aplicagio dos direitos consttucionais e do exercicio da cidadania ‘Ainda assim, 0 r6tlo astropolagia da ago usado pela comunidade antropolé: gica, freqiientemente aplicado no Brasil & producio de laudos, tem sido por veres confundido como um tipo de “trabalho social” e, na medida em que se afasta da cincia pura, é visto igualmente como simples aplicaco de conhecimento a um “problema social prético”. 0 antropélogo Sol Tax admite que o termo antropolo- ga da agéo, primeiramente usado por ele em 1951, tina 0 objetivo de qualiicar as pesquisas realizadas por antropélogos que trabalhavam juntos na Universidade «de Chicago, mas terminou por assumir em certos eftculos uma conotago negativa Assim, em artigo de 1975, pretendlia duplamente esclarecer o significado implicito dessa suto-atribuigio e demonstrat como 0s antropélogos mencionados vinham naquele contexto *praticando a aco antropolégica” A expressio, segundo ele, fora usada para indicar trabalho do antropélogo em situagdes de contato entre povos € “comunidades de pessoas” culturalmente diferentes, principalmente, quando luis situagées envolviam relagSes de poder que impunham uma diego finica 8 mudanga, como no caso dos povos indigenas na América do Norte. Era nesse contexto restrto, denominado de “situacio de aculturagZo”, que se manifestava 6 interesse em desenvolver a teoria antropolégica. 0 autor ainda argumentava ‘que, confrontados com tal situacao os pesquisadores mantinham-se na “tradigio antropol6gica ao estud-la “em primeira mao” Sabemos que o trabalho de campo constiui uma prtica cléssica de investigacdo antropol6gica, Deste modo, 20 dell- nir asi préprio e aos seus pares da Universidade de Chicago como “pesquisadores de campo”, Sol Tax utlizava critérios de pertencimento e afliaso proprios ao fazer antropol6gico, 76 (desler: Prue apis ox co pofea de wnopeage? No Brasil, o termo “antropologia da ago” proposto por Sol Tax fot primeira. mente usado no Ambito dos estudos sobre “contato interétnico”, principalmente cm situages consideradas de “fricea0” entre populagbes indigenas e 0 chamado “mundo dos brancos”.’ A pesquisa antropol6gica, naquele contexto, deveria igual ‘mente “aprender” e“compreender" as “aspiragées” da populago indigena levan- do em conta o “sistema interéinico, no qual indios ¢ regionais desfrutalyalm de um convivio extremamente desfavorével para os primeitos”.« Dentre estas possiveis “aspiragdes" destaca va)-se principalmente o reconhecimento do ferit6rio indige- nna como localidade sobre a qual se assenta a identidade wibal”.> No contexto daquele debate crtico com o campo de ago indigenista, pensava-se a possbilda dede uma antropologia da ago através da “crag de novos conhecimentos como coniligio do trabalho pritico”s Deve-se reconhecer que dos anos 1970, nos quais os textos acima citados foram redigidos, a0 contexto atual ocorreram mudangas consideradas signiicatvas na pritica profissional da antropologia, tanto no plano conceal, quanto em relacio ao papel desempenhado pelo antrop6logo no campo politico, Os conceitos de gru- po étnico e etnicdade se tornaram novos instrumentos analiticos em substinico as abordagens sobre “situacéo de aculturagio", no exemplo norte-americano, € ‘gualmente serviram para alavancar os estudos de “contatointerétnico” nos estudos, sobre povos indigenas no Brasil, Durante o period dos governos autoritrios, pin-

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