Sie sind auf Seite 1von 55

CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS - UNIRITTER

FACULDADE DE DIREITO

JUSTIÇA TERAPÊUTICA: CONCEITO E APLICABILIDADE NO BRASIL

Fernanda Secchi Cerqueira

CANOAS
2006
1

CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS


FACULDADE DE DIREITO

FERNANDA SECCHI CERQUEIRA

JUSTIÇA TERAPÊUTICA: CONCEITO E APLICABILIDADE NO BRASIL

Monografia jurídica apresentada ao Curso


de Direito, como requisito à obtenção do
título de Bacharel em Direito, sob a
orientação do professor André Bencke.

CANOAS
2006
2

JUSTIÇA TERAPÊUTICA: CONCEITO E APLICABILIDADE NO BRASIL

FERNANDA SECCHI CERQUEIRA

Aprovada em:
Banca Examinadora:

___________________________________

___________________________________

___________________________________
3

Ao meu pai, Ciro Fernando Sória de


Cerqueira, que não está mais entre nós,
mas durante toda sua vida foi para mim
um exemplo de determinação e coragem.
Fica então, materializado nessa
monografia a concretização do último
sonho que idealizamos juntos.
4

Ao meu orientador, professor André


Bencke, pelo zelo e atenção dispensados.

Ao Doutor Ricardo de Oliveira Silva e


Doutora Carmen Có Freitas, que pela
dedicação conferida à Associação
Nacional de Justiça Terapêutica,
acabaram por despertar o meu interesse
no tema escolhido.

À minha mãe e melhor amiga Marilva, por


estar sempre ao meu lado, cuidando para
que nada de mal me aconteça.

À minha irmã Sabrina, que tem sido para


mim um exemplo de superação do qual eu
me orgulho muito.

Aos meus amigos, em especial à Simone


Dorneles Jahen, Débora de Martini
Callegaro e Lidiane Soares Saija por
tornarem os meus dias mais alegres e
fazerem sentir-me uma pessoa especial
da mesma forma que elas são para mim.
5

Os cativos do medo não sabem que estão


presos. Mas os prisioneiros do sistema
penal, que levam um número no peito,
perderam a liberdade e perderam o direito
de esquecer que a perderam. Os
presídios mais modernos, últimos
guinchos da moda, tendem a serem todos
eles, presídios de segurança máxima. Já
não há uma proposta de reintegrar o
delinqüente na sociedade, recuperar o
extraviado, como se dizia antigamente. A
proposta, agora, é isolá-lo e já ninguém se
dá ao trabalho de mentir sermões. A
justiça tapa os olhos para não ver de onde
vem o que delinqüiu, nem por que
delinqüiu, o que seria o primeiro passo de
sua possível reabilitação. O presídio-
modelo do fim do século não tem o menor
propósito de regeneração e nem sequer
de castigo. A sociedade enjaula o perigo
público e joga fora a chave1.

1
GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. 8. ed. Porto Alegre:
L&PM, 1999. p. 112-113.
6

RESUMO

A presente monografia dedica-se à conceituação da Justiça Terapêutica, bem


como análise dos seus objetivos, pressupostos e hipóteses de aplicabilidade no
ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se o instituto de sistema de tratamento
àqueles criminosos que praticam delitos onde o elemento dependência química
esteja diretamente relacionado à conduta delitiva. A conjectura do estudo
consiste na apreciação do sistema adotado no Brasil, baseado no bem
sucedido modelo norte-americano, suas proposições, pressupostos de
aplicação legal, assim como averiguação de quais são os preceitos normativos
que comportam a inserção desse programa de tratamento no Direito Penal
vigente.

Palavras – chave:
Justiça Terapêutica; Tratamento; Dependente químico; Aplicabilidade; Direito
penal.
7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................ 8
1 JUSTIÇA TERAPÊUTICA .................................................................... 14
1.1 Conceito............................................................................................... 14
1.1.1 Considerações gerais acerca da Justiça Terapêutica ........................... 14
1.1.2 A nomenclatura adotada ....................................................................... 18
1.1.3 Oposições à Justiça Terapêutica .......................................................... 19
1.2 Proposições da Justiça Terapêutica ................................................. 22
1.2.1 Tratamento do infrator........................................................................... 22
1.2.2 Perspectivas acessórias ....................................................................... 26
1.3 Pressupostos de aplicabilidade ........................................................ 28
1.3.1 Correlação entre o delito praticado e a dependência química .............. 28
1.3.2 Previsão legal de aplicação do instituto ................................................ 30
2 HIPÓTESES LEGAIS IMPLÍCITAS DE APLICABILIDADE DA
JUSTIÇA TERAPÊUTICA ................................................................................ 36
2.1 Aplicação em casos implicitamente previstos ................................. 36
2.2 Previsões legais do Código Penal ..................................................... 37
2.2.1 Limitação de fim de semana ................................................................. 37
2.2.2 Suspensão condicional da pena – sursis .............................................. 40
2.2.3 Livramento condicional ......................................................................... 42
2.3 Previsões legais no âmbito dos Juizados Especiais Criminais ..... 44
2.3.1 Transação penal ................................................................................... 44
2.3.2 Suspensão condicional do processo ..................................................... 46
CONCLUSÃO ....................................................................................... 49
REFERÊNCIAS .................................................................................... 51
8

INTRODUÇÃO

Segundo a Coordenadoria de Justiça Terapêutica do Ministério Público


do Estado do Rio de Janeiro, o número de dependentes químicos vem
crescendo demasiadamente rápido no país e, por conseqüência, a prática de
ilícitos relacionados a essa questão igualmente toma proporções alarmantes2.
Somam-se a isso frustradas tentativas das autoridades competentes no
propósito de controlar e reprimir a difusão das drogas ante a ineficácia do
sistema adotado. Isto porque este prefere a constrição do delinqüente usuário
de drogas, pura e simplesmente, ao invés de buscar soluções na origem do
problema, ou seja, no tratamento da dependência química. O interesse no tema
Justiça Terapêutica, portanto, reside na análise deste problema e como este
novo enfoque pode equacionar a questão.
A Justiça Terapêutica, por ser uma inovação no sistema judicial
brasileiro, ainda encontra-se em processo de maturação e aperfeiçoamento. O
interesse específico no assunto surgiu devido aos questionamentos existentes
em relação à aplicabilidade desse instituto no ordenamento jurídico penal
pátrio, uma vez que não existe previsão legal delimitando seu alcance; isto é:
abrangência e extensão de sua utilização. Estes serão, portanto, os enfoques
do trabalho.
A Justiça Terapêutica teve como marco referencial originário os
Tribunais Americanos, precursores na implementação de tratamento aos
transgressores da lei envolvidos com drogas, ao invés de submetê-los aos
trâmites do processo criminal comum a que são sujeitos os demais
delinqüentes3.
A opção pelo tratamento em detrimento da constrição da liberdade deu-
se em razão da dependência ser considerada uma enfermidade pelos

2
COORDENADORIA DA JUSTIÇA TERAPÊUTICA. Ministério Público Estadual, Rio de
Janeiro, [s.d]. Disponível em: <http://www.mp.rj.gov.br/portal/page?_pageid=577,3856462
&_dad=portal&_schema=PORTAL>. Acesso em: 29 maio 2006.
3
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 52.
9

especialistas da área da saúde e, por isso, carecedora de cuidados


específicos. Uma vez concebidos como doentes, a reclusão penal tornou-se
inócua para esses infratores dependentes de substâncias entorpecentes, que
dentro dos presídios não recebiam tratamento adequado e, por conseguinte,
tinham o seu quadro clínico cada vez mais agravado.
A iniciativa estadunidense partiu da constatação de que, nos anos
noventa, na cidade de Miami, os presídios encontravam-se abarrotados de
infratores condenados por crimes relacionados à drogadição. Com isso, os
Estados Unidos criaram um revolucionário e eficaz modelo de tratamento para
dependentes químicos cometidores de delitos associados diretamente ao uso
de drogas, ao qual denominou de Drug Courts4.
Esse inovador modelo consiste na submissão do delinqüente ao
acompanhamento judicial de seu tratamento médico para recuperação da
dependência da droga, onde o encerramento do processo criminal fica atrelado
à sua reabilitação. Uma vez não cumprindo de forma satisfatória o programa de
recuperação imposto, será imputada ao infrator a pena prevista para o delito
que cometeu5.
O judiciário do Estado da Flórida, em um ato demonstrativo da
consciência de sua responsabilidade social para com os cidadãos de sua
nação, abandonou a política utilizada até então, da iniciativa do tratamento pelo
dependente, passando a impor tratamento a esses drogaditos em substituição
à pena. Tudo isso com o intuito de sanar uma falha constatada no sistema
penal ora adotado. Este, apesar de sua severidade e rigor, não lograva êxito
em coibir essas modalidades de delitos, além dos associados ao uso de
substâncias entorpecentes. As práticas criminosas vinham se alastrando
significativamente e até mesmo a reincidência era verificada em muitos casos6.
As Cortes de Drogas, tradução das Drug Courts para o português,
através de um acompanhamento judicial rigoroso, visam obter êxito em afastar
o viciado do consumo da substância entorpecente e evitar novo delito. Para

4
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator
usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 30 maio
2006.
5
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 65.
6
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 65.
10

tanto, os juízes dos tribunais para dependentes químicos contam com o auxílio
de promotores, advogados de defesa e profissionais especializados para o
tratamento de combate às drogas, como equipe multidisciplinar. Esta forma
conjugada procura acompanhar o integrante envolvido nesse processo tanto no
progresso em relação aos cuidados com sua saúde, quanto no cumprimento
efetivo das regras impostas quando da aceitação dessa opção7.
A penalidade, assim, terapêutica, consiste em averiguar periodicamente
se o paciente está engajado no tratamento e o está aproveitando de forma
produtiva. Para isso, conta o magistrado com o auxílio de especialistas da área
da saúde, que criam um vínculo de confiança com o infrator, pela própria
condição da profissão que lhes é peculiar. A eles cumpre a tarefa de fornecer
as informações necessárias para que se possa avaliar a evolução dos
participantes da recuperação, a fim de aplicar-lhes as devidas benesses ou
reprimendas8.
O processo a que são submetidos esses infratores é simples. Com
regras claras fixadas, o juiz será regularmente informado de seu desempenho.
O descumprimento das condições, como por exemplo, apresentação perante o
tribunal e participação das sessões de tratamento, é sempre penalizado; a
evolução do paciente garante-lhe benefícios. Trata-se de um sistema onde o
indivíduo também assume a responsabilidade pela sua recuperação 9.
Importante observar que, como conseqüência da participação exitosa no
tratamento proposto ao criminoso, pode este ver-se contemplado com a
redução da sentença, suspensão desta ou até mesmo a retirada da acusação
que desencadeou todo o procedimento especializado a que foi submetido10.
Como exemplo, temos os dados fornecidos pela Embaixada dos Estados
Unidos da América no Brasil, revelando que em avaliação feita pelo Instituto
Nacional de Justiça do primeiro tribunal para dependentes químicos em Miami

7
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 50.
8
PÉRIAS, Gilberto Rentz. Leis Antitóxicos Comentadas. 1. ed. São Paulo: Vale do Mogi,
2002. p. 14.
9
DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA DOS ESTADOS UNIDOS. Divisão de Programas de Justiça.
Programa de Tribunais para Dependentes Químicos. Definindo os Tribunais para
Dependentes Químicos: os componentes chaves. Disponível em: <http://www.embaixada-
americana.org.br> Acesso em: 17 outubro 2006.
10
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 51.
11

foi constatada uma redução de 33% no índice de repetidas detenções de


egressos dos tribunais para dependentes químicos, comparados com outros
infratores em situação análoga11.
As Drug Courts, nesses termos, têm por objetivo substituir o processo
criminal propriamente dito pelo tratamento dos usuários de drogas autores de
delitos relacionados a essa condição, através de acompanhamento terapêutico
e judicial. Isto visa a recuperação do infrator e, conseqüentemente, o abandono
da prática de ilícitos penais a que esse criminoso era afeito, eliminando a
própria causa de sua delinqüência e reincidência.
Feitas as considerações acima e com o intuito de principiar a análise do
tema, cumpre esclarecer que limitaremos o presente estudo à análise dos
objetivos, pressupostos e hipóteses de aplicabilidade da Justiça Terapêutica no
Brasil. Não será feito o estudo multidisciplinar que ela mereceria ou também
comportaria, em uma justificação por entendermos que extrapole os limites que
o problema escolhido comporta.
No primeiro momento discorreremos acerca do sistema adotado no
Brasil. Este baseou-se no bem sucedido modelo implementado pelos norte-
americanos e que foi aqui denominado de Justiça Terapêutica, procurando
adequar-se ao ordenamento jurídico pátrio, de forma a surtir os mesmos efeitos
lá obtidos. Esta tentativa é essencial, em virtude da atual problemática que
enfrenta o usuário de entorpecentes perante a conjectura da droga no âmbito
nacional, e a sua alta criminalidade.
Serão ainda analisados quais objetivos a serem alcançados pelos
operadores do direito. A instituição inovadora no sistema brasileiro deve-se
mostrar preocupada com o enfrentamento da questão do binômio drogas-
crime, bem como debater o assunto na procura de alternativas viáveis que
possibilitem a dissolução da problemática.
Finalizando esse fragmento do trabalho, enfrentaremos os pressupostos
de aplicabilidade da Justiça Terapêutica. Com este estudo visa-se ultimar
proposições elucidativas de quem são os sujeitos aptos a serem submetidos à
essa inovação legal e quais as exigências imprescindíveis a consecução a que

11
No documento elaborado pela Embaixada dos Estados Unidos da América no Brasil, não
consta o período em que foi realizada a estimativa feita pelo Instituto Nacional de Justiça do
primeiro tribunal para dependentes químicos em Miami.
12

se propõe o instituto12. Ainda nesse ponto, será feita análise dos preceitos
normativos que atualmente possuem previsão legal expressa de aplicação da
Justiça Terapêutica.
No segundo momento, serão abordadas as hipóteses legais que
permitem de forma implícita a aplicação do instituto em comento, uma vez que
este carece de previsão específica de sua implementação em muitos casos.
A Justiça Terapêutica encontrou seu primeiro amparo legal no Estatuto
da Criança e do Adolescente13. Este galga a teoria da Proteção Integral quando
em um de seus artigos prevê que em razão da conduta de uma criança ou
adolescente, será aplicada uma medida de proteção. Ainda, o novel diploma
expressamente assevera a possibilidade de aplicar-se ao menor infrator, como
espécie de sanção, o tratamento ou a freqüência a programas de orientação a
alcoolistas e dependentes químicos.
Através do princípio balizador do Estatuto em comento, de atenção
integral ao indivíduo, é que se pôde introduzir o instituto que será analisado no
presente estudo, para o âmbito dos adultos infratores. Essa identificação é
possível ante a necessidade de receberem atenção protetiva nas mesmas
dimensões.
A Justiça Terapêutica para aqueles que já atingiram a maioridade penal
encontra-se passível de aplicação no âmbito dos Juizados Especiais Criminais,
quando cominadas penas restritivas de direitos ao infrator. Isso cabe quando
além das alternativas já preestabelecidas pelo legislador, há a possibilidade de
imposição de medida diversa, não elencada no texto legal.
Utilizando-se da mesma premissa, vislumbra-se a viabilidade de aplicar
o programa em voga no livramento condicional, ao passo que, muito embora se
encontre em fase de execução da pena diversa, pode a liberdade com
condições abarcar a submissão do apenado à tratamento para dependentes
químicos, se esse for o caso.

12
Muitos estados norte-americanos adotam o sistema do tratamento compulsório. No Brasil,
pendem discussões acerca da imposição do tratamento àqueles que não desejam, que serão
analisadas em momento oportuno, nesta monografia.
13
BRASIL, Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 09 set. 2006.
13

Recentemente promulgada, a Nova LeiAntidrogas14, na busca pela


reinserção social do usuário dependente de drogas, estabeleceu em seu texto
medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo como
uma das alternativas de penalizar aquele que adquire, guarda, mantém em
depósito, transporta, traz consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização legal. Dita novidade vem ao encontro da Justiça Terapêutica,
evidenciando a atualidade da discussão.

14
BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>.
Acesso em 09 set. 2006.
14

1 JUSTIÇA TERAPÊUTICA

1.1 Conceito

1.1.1 Considerações gerais acerca da Justiça Terapêutica

A Justiça Terapêutica é um instituto direcionado especificamente aos


usuários de drogas pura e simplesmente, bem como aos indivíduos que
cometem crimes por estarem sob o efeito de substância entorpecente ou até
mesmo como forma de manter o seu acesso a ela.
Na definição de André Pontarolli:
A Justiça Terapêutica, nova proposta de alternativa penal, nascida
nos Estados Unidos da América e já adotada em alguns Estados
brasileiros, consiste em um conjunto de medidas voltadas para que o
criminoso, envolvido com a utilização de drogas, receba tratamento,
ou outro tipo de terapia, de acordo com o seu grau de utilização
quando verificados os requisitos legais; buscando-se, desta forma,
evitar a aplicação de pena privativa de liberdade e possibilitar a
15
melhor reeducação e reintegração deste infrator .
Compreende portanto, a Justiça Terapêutica, um novo conceito no
enfrentamento do binômio drogas-crime, onde o encarceramento dá lugar a um
tratamento adequado do indivíduo que cometeu um ilícito penal sob o efeito ou
influência das drogas16.
Trata-se o instituto em comento de um programa judicial que visa a
redução do dano social criado, que tutela aqueles indivíduos autores de

15
PONTAROLLI, André. Justiça Terapêutica. Programa inovador no combate ao binômio
existente entre as drogas e a criminalidade. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/47/1947/p.shtml> Acesso em: 11 setembro 2006.
16
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 20.
15

pequenos delitos onde o elemento dependência em substância química esteja


diretamente envolvido17.
Parte do pressuposto de que a dependência química é um fator
criminológico determinante. Afastada a drogadição, diversos delitos deixarão
de existir. Exemplificando, uma vez tendo praticado um crime sob o qual não
pende a obrigatoriedade da clausura, que esteja relacionado à drogadição, o
criminoso poderá ser submetido ao tratamento adequado a sua recuperação,
como modalidade de pena única ou, ainda, em concorrência com outras penas
previstas nas leis penais brasileiras.
A necessidade de se criar um instituto que tutelasse de forma específica
esse tipo de criminoso surgiu com a constatação, através de Relatórios
confeccionados pelas Promotorias da Infância e Juventude, de que, nessa
área, em cerca de noventa por cento dos atendimentos a menores infratores,
estava presente o componente drogas18.
Impressionados com essa estatística, os operadores do direito atuantes
no Rio Grande do Sul, Estado pioneiro na utilização desse novo programa,
intitulado Justiça Terapêutica, resolveram modificar a maneira de intervenção
jurídica então utilizada para penalizar esse tipo de infrator. Muito elucidativo é o
documento produzido pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de
Justiça, do qual cumpre transcrever trecho:
Assim sendo, por envolver uma teia complexa, as medidas de cunho
repressivo, preventivo e curativo ou recuperativo são difícieis, caras,
demoradas e demandam um esforço permanente e integrado.
Há diversas formas de proceder-se ao combate a esta preocupante
questão envolvendo as drogas. As principais providências sem
dúvida cencernem, à prevenção, de um lado, e, de outro, à
repressão ao uso e circulação das substâncias entorpecentes. A
idéia hodiernamente predominante é a de que o caminho a seguir
está na formação da capacidade do jovem de descernir acerca do
problema facultando-lhe o conhecimento honesto de todas as suas
facetas, pois, uma vez estruturada a personalidade, a opção far-se-à,
19
naturalmente, pela rejeição do tóxico .
Após inúmeras reuniões e estudos na busca de uma solução para a
problemática dos crimes associados ao uso de substâncias entorpecentes, a

17
SILVA, Ricardo de Oliveira et al. Justiça Terapêutica: perguntas e respostas. Disponível
em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 29 maio 2006.
18
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
16

exemplo do bem sucedido modelo norte-americano, é que surgiu a construção


de um instrumento de justiça, miscigenado com preceitos sócio-terapêuticos,
que objetiva não só o cumprimento da reprimenda penal imposta ao
delinqüente, mas também a sua recuperação do vício pelas drogas, através de
tratamento, e que em nosso país foi denominado Justiça Terapêutica 20.
Delimitadas a consistência e a justificação da Justiça Terapêutica,
necessário se faz compreender a sua funcionabilidade. Para tanto, imperioso
esboçar o caminho a ser percorrido por aqueles que pretendem aplicar o
instituto em comento.
Os operadores do direito devem trabalhar em conjunto com os
profissionais da área da saúde, na busca de proporcionar a reabilitação
daquelas pessoas que cometeram delitos onde o fator dependência química
esteja presente como causa determinante para a prática do crime21.
A melhor forma a ser utilizada para que se obtenha sucesso nesse
programa multidisciplinar é que os profissionais envolvidos submetam-se a
capacitações que proporcionem a uniformização das informações atinentes à
Justiça Terapêutica. Sobre o assunto, enfatiza Luiz Achylles Petiz Bardou:
Consolidou-se a assertiva de que a capacitação deve,
preferencialmente, envolver o Juiz, o Promotor e o defensor que
trabalham juntos na mesma Promotoria e Vara Judicial, bem como
policiais e profissionais da área da saúde interessados, convidando-
os, para que todos compartilhem da mesma informação, da mesma
proposta filosófica da Justiça Terapêutica, derivando como resultado
o de determinar intervenção ou tratamento e não prisão para os
22
envolvidos em pequenas ou médias infrações, com drogas .
Uma vez existindo essa conjugação de esforços entre os profissionais
das áreas acima elencadas, na busca da concretização das finalidades da
pena traçadas por Beccaria23, estaremos diante da materialização do instituto
da Justiça Terapêutica. Segundo Ricardo de Oliveira Silva:

19
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
20
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
21
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
22
BARDOU, Luiz Achylles Petiz. Justiça Terapêutica: origem, abrangência territorial e
avaliação. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 06 junho 2006.
23
Afirmava Beccaria: “Da simples consideração das verdades, até aqui expostas, fica evidente
que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já
17

Assim, onde houver um Promotor, um Juiz, um defensor e


profissionais da área da saúde capacitados, ali estará funcionando
uma unidade de Justiça Terapêutica (Corte de Drogas), sem que
haja necessidade de instalação formal de uma vara especializada na
24
matéria .
Em virtude do elevado número de Estados membros que compõem o
nosso país, a melhor saída é que cada unidade federativa monte a estrutura
necessária para a instituição da Justiça Terapêutica em sua localidade, de
forma que os profissionais submetidos à capacitação mantenham um padrão
nacional que colabore na construção da unicidade do sistema, atendendo
sempre as peculiaridades locais25.
O tratamento terapêutico propriamente dito pode ser feito tanto em
instituição privada como na rede pública, de acordo com a preferência, bem
como com as condições financeiras do drogadito. Um dos maiores empecilhos
da aplicação do programa de Justiça Terapêutica é, por certo, em relação
àqueles que não possuem condições de subsidiar o seu próprio tratamento e
têm de utilizar a rede pública de saúde, que normalmente não está capacitada
para tanto26.
Para solução desse óbice, muitos Estados como Pernambuco, Rio de
Janeiro e São Paulo, construíram Centros de Justiça Terapêutica que prestam
apoio aos Juizados e Varas criminais, na parte relativa ao acompanhamento e
tratamento do usuário de drogas, elaboração de diagnósticos, bem como
outras imposições fixadas pelos juízes processantes27.
O infrator participante do programa, à semelhança do sistema delineado
pelos estadunidenses, fica atrelado ao tratamento até o encerramento do
processo judicial. Porém, a equipe de saúde pode indicar a continuidade do

cometido. É concebível que um corpo político que, bem longe de agir por paixões, é o tranqüilo
moderador das paixões particulares, possa albergar essa inútil crueldade, instrumento do furor
e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam talvez os gritos de um infeliz trazer de volta,
do tempo, que não retorna, as ações já consumadas? O fim da pena, pois, é apenas o de
impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir
desse modo.” BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 1997.
24
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
25
BARDOU, Luiz Achylles Petiz. Justiça Terapêutica: origem, abrangência territorial e
avaliação. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em: 06 junho 2006.
26
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
18

tratamento ao paciente28. De acordo com Ricardo de Oliveira Silva, Luiz


Achylles Petiz Bardou, Carmen Có Freitas, Simone Santos Neves e Gilda
Pulcherio Fensterseifer:
Aqueles que concluem o Programa referente ao processo em
andamento, terão o mesmo arquivado não constando como
antecedente criminal, ficando com os seus nomes „limpos‟. Aqueles
que não cumprem a proposta, após todas as tentativas para que ele
não saia do programa, terão seus processos reabertos, percorrendo,
29
como último caminho, os trâmites legais da justiça .

1.1.2 A nomenclatura adotada

Conforme já mencionado no intróito da presente monografia, a Justiça


Terapêutica inspirou-se no modelo implementado pelos norte-americanos, por
eles batizado de Drug Courts. A nomenclatura adotada no Brasil não pôde
seguir os mesmos lindes, e utilizar-se da simples tradução para o português
para passar-se a se chamar Cortes de Drogas.
Na busca de uma terminologia coerente, capaz de definir com precisão o
sistema jurídico-legal a ser implementado, que mescla a atuação judiciária em
sociedade com outros ramos da ciência, principalmente a área da saúde, é que
se deu atenção especial a escolha do nome a ser utilizado para designar o
instituto30.
Assim, a denominação Justiça Terapêutica visa consagrar a fusão de
dois fragmentos da ciência: de um lado a palavra justiça representando os
aspectos legais do instituto; de outro o termo terapêutica enaltecendo a
utilização de tratamento com o objetivo de sanar uma situação patológica 31.

27
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 76.
28
SILVA, Ricardo de Oliveira et al. Justiça Terapêutica: perguntas e respostas. Disponível
em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 29 maio 2006.
29
SILVA, Ricardo de Oliveira et al. Justiça Terapêutica: perguntas e respostas. Disponível
em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 29 maio 2006.
30
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
31
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
19

Complementando, refere Ricardo de Oliveira Silva:


Assim sendo, a nomenclatura Justiça Terapêutica consagra os mais
altos princípios do direito na inter-relação do Estado e do cidadão, na
busca da solução não só do conflito com a lei, mas conjugadamente
aos problemas sociais de indivíduos e da coletividade, nas doenças
32
relacionadas ao consumo de drogas .
A escolha do nome Justiça Terapêutica, para designar o inovador
programa de tratamento, encontra respaldo no cuidado em evitar termos que
exprobrassem o dependente químico. Segundo Ricardo de Oliveira Silva:
A adoção da expressão Justiça Terapêutica é justificada também por
possibilitar a eliminação de possíveis estigmas que se criariam para
as pessoas atendidas pelo sistema de justiça, caso fosse consignado
o nome do local de atendimento e aplicação com a titulação “juizado
ou vara de medidas para usuários de drogas, de dependentes
químicos, de tóxicos ou de entorpecentes” o que poderia, nesta
última hipótese, ser confundida com outras operacionalizações
33
judiciais já existentes .
Estas são as razões que impulsionaram a escolha da denominação
Justiça Terapêutica para indicar o instituto ora apreciado.

1.1.3 Oposições à Justiça Terapêutica

Assim como existem autores que defendem a aplicação da Justiça


Terapêutica, alguns doutrinadores são contrários à sua utilização, justificando
essa aversão ao programa de tratamento do criminoso dependente químico
sob vários aspectos.
Elisangela Melo Reghelln, levantando a disparidade que ocorre entre
tratamentos operados em instituições privadas e públicas, afirma:
Embora o discurso seja protetivo, na prática quase não existem
estabelecimentos adequados para o cumprimento dessas coações.
Em certos casos, chega a haver uma seletividade social muito
grande, quando, por exemplo, se permite que alguns as cumpram
em estabelecimentos privados, custeados pelo apenado ou pela sua

32
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
33
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
20

família, enquanto outros têm de se submeter a tratamento em locais


34
praticamente insalubres, sendo, muitas vezes, maltratados .
Comentando o sistema de Justiça Terapêutica, Luiz Matias Flach alega
não vislumbrar avanços com a implementação do instituto, uma vez que
permanecem rígidas as premissas crime e castigo, asseverando:
Sob uma aparência de liberdade, ele apenas reitera o sistema
existente, a visão do crime e castigo. Se o dependente químico não
se recupera com o tratamento, o que ocorre em grande parte dos
casos, e é apanhado novamente com drogas, acaba indo para a
cadeia de qualquer jeito. Cria-se uma estrutura cara e pesada, com
uma série de organismos para chegar aos mesmos resultados. O
modelo força usuários de drogas não dependentes, que são a
35
maioria, a fazerem um tratamento de que não precisam .
Outro argumento, bastante utilizado pelos avessos à Justiça Terapêutica
é de que a compulsoriedade do tratamento fere de morte o princípio da
secularização, consagrado em nossa carta Magna. Obrigar um indivíduo a
tratar-se de sua dependência química, é agredir a sua dignidade, tolhendo-lhe
o exercício do direito à liberdade de escolha de ser e estar nas condições que
desejar36.
Ainda sobre a ineficácia de imposição do tratamento ao drogadito,
tecendo comentários acerca da Lei n° 11.343/0637, Walter Fanganiello
Maierovitch refere:
O Presidente Lula, no final de agosto, sancionou uma nova lei para
enfrentar o fenômeno das drogas proibidas. Ela substituirá a colcha
de retalhos tecida no governo FHC. [...] A lei sancionada por Lula,
que também pediu ao Congresso urgência na aprovação, mostra que
o atual presidente, com relação ao usuário, deixou de cumprir a
promessa feita em 1998, quando subscreveu carta enviada ao
secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, por ocasião de uma
assembléia especial sobre drogas. Na carta a Annan, pediam-se
mudanças nas convenções da ONU, todas marcadas pela
militarização no combate às drogas ("war on drugs") e pela
criminalização do usuário. Sem registro de memória, Lula acaba de
criminalizar o portador de droga para consumo pessoal. E resultará
em cadeia a desobediência a sanção judicial restritiva de direitos,
como, por exemplo, submeter-se a tratamento terapêutico

34
REGHELIN, Elisangela Melo. Redução de danos: prevenção ou estímulo ao uso indevido
de drogas injetáveis. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 163.
35
FLACH, Luiz Matias Flach. Tratamento para viciados substitui penas. Zero Hora, Porto
Alegre, 08 jun. 2001. p. 36.
36
CARVALHO, Salo de. Pena e garantias: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no
Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 286-288.
37
BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>.
Acesso em 09 set. 2006.
21

obrigatório. Para Lula, a repetir FHC, todo portador de droga para


uso próprio surpreendido pela polícia é criminoso. Mais ainda, Lula
legitimou a chamada justiça terapêutica. Esta, difundida na América
Latina pelo governo Bush com verbas substanciais, até para a ida de
juízes e promotores aos EUA. Pela doutrina Bush, todo usuário
primário deve ser tratado por ser um doente. Ao reincidente e àquele
que abandona o tratamento, a solução é a prisão. Como se sabe, a
justiça terapêutica é reprovada pela maior parte da comunidade
científica acadêmica internacional. A tendência moderna,
progressista e de ótimos resultados na redução da demanda,
considera o porte para uso próprio como infração meramente
administrativa. Portanto, fora do sistema processual criminal. Assim,
só vale como problema de saúde pública a ser contrastado pelo
Executivo, ou seja, pelo Estado-administração, e não pelo Estado-
juiz. Ao tipificar a posse de droga para uso como crime, cai por terra
o discurso enganoso da pena alternativa, sem prisão, feito pelo
governo Lula. Quando se opta pela criminalização, o sistema legal
sanciona com encarceramento a desobediência a uma sanção
38
judicial restritiva de direitos .
Outra oposição à Justiça Terapêutica reside na afirmação de que para
que se possa tratar um viciado, este deve obrigatoriamente estar disposto a
tanto, uma vez que o modelo coercitivo de recuperação não funciona, pois a
peça chave para a obtenção do sucesso terapêutico, é a vontade do paciente
de livrar-se do vício39.
Os doutrinadores contrários à Justiça Terapêutica acreditam que o
tratamento e a prevenção não podem andar juntos com a criminalização do
dependente químico. É o que assegura Elisangela Reghelln:
Adotar o modelo da Justiça Terapêutica significa reafirmar a
criminalização do usuário, ainda que o discurso esteja protegido sob
um manto de benevolências, algo estrategicamente muito
inteligentemente criado e realizado dentro da política proibicionista
da guerra às drogas norte-americana e que, infelizmente, tem
convencido muitas pessoas a acreditar nesta ilusão perniciosa e
40
violadora de direitos fundamentais .
A solução apresentada por essa corrente, que repudia a Justiça
Terapêutica, é que ocorra a descriminalização dos delitos relacionados à
drogadição, pois a problemática das drogas deve ser encarada como um
problema de saúde e educação e não como um problema de polícia. Sobre o
assunto, pontua Elisangela Reghelln:

38
MAIEROVITC, Walter Fanganiello. Lula: um crime contra o usuário de drogas. Folha Online,
09 setembro 2006. Disponível em: <http://www.folha.com.br/folha/ilustrada> Acesso em: 19
nov. 2006.
39
CUNHA, José Sebastião Fagundes. Juizado Especial Criminal: competência nos crimes com
pena não superior a dois anos, inclusive do procedimento especial. O Estado do Paraná.
Paraná. Coluna Direito e Justiça, 26 out. 2002.
40
REGHELIN, Elisangela Melo. Redução de danos: prevenção ou estímulo ao uso indevido
de drogas injetáveis. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 167.
22

Diante da legislação incriminatória severa, o legislador convence a


sociedade de que o problema está resolvido, criando uma sensação
de segurança, quando, na verdade, a população deveria estar
exigindo do Poder Legislativo a melhoria na qualidade dos serviços
41
prestados pelo Estado .
Analisadas as oposições à Justiça Terapêutica, sem o intuito de dizimar
a sua utilização, uma vez que a presente monografia tem por escopo
conceitua-la, bem como delimitar a sua aplicabilidade, passaremos a analisar
quais são os objetivos a serem alcançados com a criação desse novo instituto
no direito penal brasileiro.

1.2 Proposições da Justiça Terapêutica

1.2.1 Tratamento do infrator

Conforme já mencionado no decorrer de nosso estudo, a Justiça


Terapêutica pretende oportunizar ao delinqüente, cometidor de crimes
relacionados diretamente com o fator drogadição, o devido tratamento do vício
em substância entorpecente e, conseqüentemente, a sua reabilitação.
Como bem lecionam Carmen Có Freitas, Luiz Achilles Petiz Bardou e
Ricardo de Oliveira Silva:
A essência da proposta do Programa da Justiça Terapêutica é
oferecer ao usuário, abusador ou dependente de drogas que
cometeu uma infração de menor potencial ofensivo, a oportunidade
de receber intervenção educativa ou tratamento para o seu uso de
drogas como alternativa para a instauração do correspondente
processo criminal e eventual condenação. Esta medida representa
um significativo avanço na possibilidade de minimização da
problemática exposta pois, além de oferecer ao usuário de drogas
uma intervenção específica para o seu problema de saúde, evita, ao
mesmo tempo, que o mesmo seja exposto à pena de
encarceramento quando a lei assim o prevê. Nesses casos, o papel
do tratamento tem sido a significativa contribuição que ele tem na
42
redução do crime .

41
REGHELIN, Elisangela Melo. Redução de danos: prevenção ou estímulo ao uso indevido
de drogas injetáveis. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 168.
42
FREITAS, Carmen Có; BARDOU, Luiz Achilles Petiz; SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça
Terapêutica: uma estratégia para redução do dano social. Disponível em:
<http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 15 outubro 2006.
23

O tratamento do infrator é, portanto, a principal proposta da Justiça


Terapêutica, uma vez que os sujeitos por ela tutelados não se tratam de
criminosos comuns, mas sim de pessoas que cometeram delitos influenciados
por uma enfermidade: a dependência química. Uma vez concebidos como
doentes, devem esses indivíduos receber intervenção adequada capaz de
possibilitar a sua reabilitação, de forma a inseri-los novamente ao convívio
social e afastá-los das práticas criminosas.
Segundo Arnaldo Neto:
A adoção desse sistema nos demonstra uma certa preocupação com
a sociedade, com a dignidade da pessoa humana, fazendo com que
profissionais da área jurídica e da área da saúde trabalhem juntos,
com o mesmo objetivo comum: o de aplicar o Direito não só para
fazer valer a Justiça, mas na melhor perspectiva de também exercer
43
a cidadania .
Tecendo comentários acerca do usuário de drogas, Ricardo de Oliveira
Silva encara a submissão do viciado a tratamento como uma forma de solução
tanto do processo como do problema social causado pela drogadição,
afirmando:
O usuário de droga se torna dependente da sensação de prazer que
a substância causa em seu organismo e por isso tem dificuldade em
parar de usá-la, entrando no círculo vicioso da dependência, que
pode ser interrompido pela sua submissão a tratamento judicial
compulsório. E mais. Como visto, sem necessidade de elaboração
legislativa, simplesmente adotando-se o princípio de retirar alguém
do sistema de encarceramento e colocá-lo no sistema de tratamento,
se estará colaborando, no sistema jurisdicional, para resolver o
problema e não simplesmente o processo, emprestando-se uma
visão holística ao tema, com a possibilidade de ver-se operar uma
44
mudança substancial na tessitura social .
A importância de proporcionar ao drogadito um meio eficaz de
recuperação de sua enfermidade encontra seu ápice no fato de que a aplicação
de uma pena que se mostre indiferente à sua condição de viciado, além de ser
ineficaz, pode contribuir para agravar seu quadro clínico. Justificando essa
assertiva, refere Arnaldo Neto:
O que se observa é que a prisão exerce um efeito devastador sobre
a personalidade do infrator usuário de drogas, reforçando valores

43
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 22.
44
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
24

negativos, podendo criar ou até mesmo agravar distúrbios de


45
conduta (comportamentais) .
Consignada a supremacia conferida ao tratamento do usuário de
substância entorpecente nos casos abarcados pela Justiça Terapêutica,
necessário se faz trazer a baila a divergência existente em relação à forma de
intervenção a ser ministrada aos sujeitos por ela compreendidos.
São dois os sistemas existentes: o do tratamento compulsório e o do
tratamento consentido. Luiz Flávio Gomes, de forma sucinta, define essas duas
correntes de operacionalização do tratamento, referindo:
Ocorrem duas tendências possíveis neste setor: a) justiça
terapêutica (de cunho norte-americano), que propugna pela
tolerância zero e abstinência total, aplicando-se (quase que
compulsoriamente) a sanção de tratamento ambulatorial; b) política
de redução de danos (posição européia), que distingue claramente o
usuário ocasional, o usuário dependente e o traficante, sendo que
primeiro não necessita de nenhum tratamento, enquanto o segundo
46
somente fará tratamento se houver consenso .
Embora muitos países já tenham pacificado a forma de abordagem para
aplicação do tratamento a ser utilizada, no Brasil a questão ainda é foco de
debates.
Muitos estudiosos no assunto defendem a inviabilidade de imposição do
tratamento como modalidade de sanção, sob o argumento de que a eficácia na
recuperação está diretamente relacionada à voluntariedade da busca pela cura.
De acordo com Florência Costa:
O modelo coercitivo não dá certo. O dependente necessariamente
tem que estar disposto a se tratar. Além disso, a maioria tem
recaídas e isso não é considerado um insucesso terapêutico.
47
Recaídas não podem ser punidas .
Nesse sentido é o documento produzido pelos Conselhos Federais e
Regionais de Psicologia, com o intuito de tornar pública a sua posição sobre a
Justiça Terapêutica, no qual refere:
O Psicólogo, enquanto membro de equipes multiprofissionais da
área de saúde, não pode atuar como agente executor de penalidade
a ser aplicada ao indivíduo.
A “Justiça Terapêutica”, ao tratar a saúde como um dever e não
como um direito, fere o código de Ética do Psicólogo no Princípio
Fundamental VII, que, balizado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, aprovada em 10.12.1948 pela Assembléia Geral das

45
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 56.
46
GOMES, Luiz Flávio. Juizados criminais federais, seus reflexos nos juizados estaduais
e outros estudos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 34.
47
COSTA, Florência. O Ópio americano. Revista ISTOÉ. São Paulo: Editora Três. Edição n°
1674-31, out./2001, p. 42.
25

Nações Unidas, prega que o acesso á saúde é um direito universal e


não um dever a ser imposto.
O código de Ética do Psicólogo dispõe, no seu Princípio
Fundamental VI, que “o Psicólogo colaborará nas condições que
visem eliminar a opressão e a marginalização do ser humano”, e
aponta que a sua inserção em um tratamento compulsório propicia o
desenvolvimento de situações que o oprimem e o marginalizam. [...]
A “Justiça Terapêutica” preconiza a naturalização de tratamentos
compulsórios em conflito com a tendência atual, nas práticas de
saúde no âmbito da dependência química, que definem que a
vontade e o desejo de se tratar é fundamental para a eficácia do
tratamento.
O modelo da “Justiça Terapêutica” estabelece uma escolha
logicamente questionável, entre a penalização e uma prática
terapêutica clínica compulsória, colocando o usuário de substâncias
psicoativas lícitas ou ilícitas propensos a ser tratado como ser
humano inválido ou incapaz, que perdeu a razão e, por conseguinte,
48
sua cidadania .
Em contrapartida, inúmeros são os defensores da eficácia do tratamento
compulsório. Arnaldo Neto afirma:
[...] o sistema brasileiro admite que o primeiro tratamento, em se
tratando de dependência de drogas (sentido amplo) pode ser
compulsório, pois é cientificamente comprovado que a dependência
química acarreta satisfação ao usuário da droga, uma vez que o
dependente, a princípio, não vai querer parar de usar sua “fonte de
49
prazer .
Ricardo de Oliveira Silva, contemplando a modalidade de tratamento
aplicado de forma coercitiva, refere:
Vale ressaltar ainda que, muitos profissionais e não-profissionais,
acreditam que o tratamento para a dependência química só será
bem sucedido "caso o paciente queira se tratar". Resultados de
estudos sobre efetividade de tratamento têm evidenciado que o
tratamento não-voluntário apresenta igual ou melhores resultados
que o tratamento voluntário. Além disso, não se pode esquecer que,
"não querer fazer o tratamento" é um sintoma da enfermidade
50
dependência química .
Argumentando no sentido de que invariavelmente o dependente químico
não irá buscar de forma deliberada o tratamento, Carmen Có Freitas assevera:
Outro aspecto que vale ressaltar é que a maioria dos usuários e/ou
dependentes de drogas que chega a um serviço de saúde para
tratamento, não o faz de forma totalmente voluntária. Entenda-se
aqui que o termo voluntário significa que o paciente tenha, por si
mesmo, chegado à conclusão de sua necessidade de buscar ajuda
e, conseqüentemente, tenha ido, por sua iniciativa, buscar
tratamento.

48
CONSELHO FEDERAL E CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA. Declaração de
Intenções. Disponível em: <http://www.portaldopsicologo.com.br/noticias/justicaterap.htm>
Acesso em: 14 outubro 2006.
49
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 65.
50
SILVA, Ricardo de Oliveira. Usuário de drogas: prender ou tratar? Disponível em:
<http://www.anjt.org.br> Acesso em: 14 out 2006.
26

Relatório da reunião européia sobre tratamento não voluntário para a


dependência de álcool e drogas, promovido pela Organização
Mundial de Saúde em 1999 em Moscou, afirma que "muito pouco
tratamento é totalmente voluntário" (3). De fato, a grande maioria dos
usuários e/ou dependentes de drogas entra no tratamento de forma
"pressionada". Pressionados por quem ou por o que? Por familiares,
51
por amigos, pelo local de trabalho ou pelo sistema de justiça .
Analisado o impasse existente em relação a possibilidade ou não que
deve ter o usuário de drogas em optar pelo seu tratamento, prosseguiremos ao
exame de mais algumas propostas incutidas no programa de Justiça
Terapêutica.

1.2.2 Perspectivas acessórias

Esclarecido que o tratamento do criminoso submetido aos trâmites da


Justiça Terapêutica é o marco representativo da proposta do instituto, uma vez
alcançada dita proposição, certamente iremos depararmos-nos com
conjecturas acessórias, porém igualmente relevantes, que justificam a
implementação dessa modalidade de intervenção penal.
Uma das proposições almejadas com a aplicação do instituto é, sem
dúvida alguma, a redução da reincidência criminal. Uma vez admitida a idéia de
que o criminoso somente cometeu o delito por estar envolvido no binômio
drogas-crime, a imposição do programa de Justiça Terapêutica a esse
delinqüente, além de proporcionar a sua reabilitação, acabará por afastá-lo das
práticas delitivas.
Nesse sentido, refere Arnaldo Neto:
A aplicação do sistema da Justiça Terapêutica no Brasil procura
oferecer ao infrator a possibilidade de receber atendimento
profissional e especializado, de acordo com a sua necessidade,
diminuindo a reincidência da conduta infracional e a superlotação do
52
sistema carcerário brasileiro .
Ivone Ferreira Caetano cita os resultados que a aplicação da Justiça
Terapêutica vem mostrando nesse sentido, na área da Infância e Juventude.

51
FREITAS, Carmen Có. Tratamento não voluntário em países da região européia:
princípios éticos, organização e resultados. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
10 maio 2006.
27

Quando em 20 de novembro de 2001 o Programa de Justiça Terapêutica foi


implantado na Vara de Infância e Juventude de São João de Meriti, passando a
encaminhar os jovens infratores dependentes químicos a tratamento, após dois
anos, foi constatada a redução na reincidência desses menores53.
Outra proposição que se busca com a implementação do programa de
Justiça Terapêutica, é a redução nos gastos com o sistema carcerário, muito
bem analisada por Arnaldo Neto que assegura:
O indivíduo preso representa um custo ao estado de
aproximadamente R$ 750,00 (setecentos e cinqüenta reais) por mês,
isso em relação à prisão comum, podendo chegar num patamar
mensal de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais) no caso de prisão
de segurança máxima.
Já o custo do tratamento desenvolvido pela Justiça Terapêutica tem
custo médio de R$ 75,00 (setenta e cinco reais) ao mês para cada
individuo participante do programa, ou seja, uma redução de até 10
vezes do custo de um encarcerado. Desta forma, verifica-se um
custo-benefício não apenas para o Estado, mas para toda a
54
coletividade, pois reduz os casos de reincidência .
Ainda em relação à questão da economia gerada com o implemento do
instituto em análise, refere Arnaldo Neto:
No tocante à questão econômica é muito melhor e mais barato
investir no tratamento do acusado utilizando a rede pública de saúde
como referência, ou seja, não dispondo de ônus adicionais para o
Estado, do que o custo em mantê-lo em regime carcerário, onde
também correrá risco do infrator viciado ser verdadeiramente um
transgressor, cada vez mais longe de uma vida saudável, digna e
55
produtiva .
André Pontarolli, analisando o programa, menciona a redução nos
custos despedidos pelo Estado como uma das vantagens de sua utilização:
Ainda, as vantagens do programa são inúmeras, quando
comparadas com as demais penas que compõe o ordenamento
jurídico, principalmente porque é uma forma de se dar maior
efetividade à incidência penal, garantindo uma melhor reeducação e
reintegração social do infrator-usuário, além de apresentar um custo
financeiro reduzido ao Estado; é, deste modo, instrumento penal de
concretização da finalidade de reestruturação social pós-crime,
56
verdadeiro remédio de tratamento da atividade delitiva .

52
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Ed. Bagaço, 2003. p. 13.
53
CAETANO, Ivone Ferreira. A Justiça que Cura e Previne. Disponível em:
<http://www.amaerj.org.br/index.php?option=content&task=view&id=372> Acesso em: 08
novembro 2006.
54
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Ed. Bagaço, 2003. p. 60.
55
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Ed. Bagaço, 2003. p. 98.
56
PONTAROLLI, André. Justiça Terapêutica. Programa inovador no combate ao binômio
existente entre as drogas e a criminalidade. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/47/1947/p.shtml> Acesso em: 11 setembro 2006.
28

A diminuição da superlotação nos presídios, de igual modo, deve ser


referida como um objetivo suplementar da instituição do programa de
tratamento aos usuários de drogas cometidores de delitos diretamente
relacionados à sua condição de viciados.
De acordo com Daniel Pulcherio Fensterseifer:
A Justiça Terapêutica não busca disfarçar a crise no sistema
prisional e da segurança pública, mas tem como objetivo dar atenção
integral ao infrator, oferecendo-lhe tratamento ao uso ou abuso de
substâncias entorpecentes e, consequentemente, beneficiando,
também, os problemas relacionados à superlotação e falta de
57
condições mínimas existentes nos presídios .
Elencadas as proposições da Justiça Terapêutica, passaremos à análise
de seus pressupostos de aplicabilidade, com o intuito de esclarecer quem são
os sujeitos para os quais pretende o instituto em apreço oferecer o seu
programa de tratamento e quais as exigências indispensáveis para sua
aplicação.

1.3 Pressupostos de aplicabilidade

1.3.1 Correlação entre o delito praticado e a dependência química

Conforme já mencionado no transcurso de nosso trabalho, pretende a


Justiça Terapêutica, erradicar a prática de delitos em que o fator drogadição
constitua elemento determinante na execução do ato antijurídico. Portanto,
para que se possa aplicar o instituto em comento a determinado indivíduo,
imperioso existir correlação entre o delito praticado e a dependência química.
Nas palavras de André Pontarolli:
A justificativa social da Justiça Terapêutica, por sua vez, se encontra
na problemática das drogas, principalmente na sua influência à
criminalidade e, ainda, nas grandes dificuldades apresentadas pelo
sistema punitivo, pois, como já dito, o binômio existente entre as
drogas e a criminalidade, bem como a dificuldade que se tem em

57
FENSTERSEIFER, Daniel Pulcherio. Justiça Terapêutica: uma breve investigação sobre
sua aplicabilidade no direito brasileiro – III. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
15 outubro 2006.
29

desfazê-lo constituem um grave problema social que pede soluções


58
urgentes .
No mesmo sentido, refere Arnaldo Neto:
A Justiça Terapêutica é um programa judicial destinado aos
infratores envolvidos com drogas, lícitas ou ilícitas, sendo usuário ou
dependente químico, aquele que tenha cometido uma infração penal
59
de menor potencial ofensivo .
Diante de tais assertivas, é de se afirmar que a Justiça Terapêutica irá
tutelar aquele indivíduo dependente químico que comete pequenos delitos, sob
o efeito ou influência de substâncias entorpecentes, podendo ser esses
componentes químicos tanto de uso proibido como de utilização permitida pela
legislação pátria.
Uma vez constatada que a prática delitiva restou desencadeada pelo
vício pelas drogas, tanto como forma de mantê-lo, como em virtude dos
próprios efeitos concernentes à sua utilização, e estando o agente criminoso
abarcado por alguma das previsões legais anteriormente analisadas,
estaremos diante da viabilidade jurídica de aplicação da Justiça Terapêutica.
Dadas essas proposições, cumpre referir, apenas para dizimar qualquer
tipo de anfibologia, que o tráfico de drogas, em hipótese alguma, consistirá em
modalidade de delito contemplado pela Justiça Terapêutica. Arnaldo Neto,
analisando a questão, assevera:
O tráfico de drogas não será abordado jamais pelo instituto da
Justiça Terapêutica. São concepções completamente distintas, além
de não se enquadrar na natureza da Justiça Terapêutica.
Primeiro, o tráfico de drogas possui procedimento criminal
específico, refere-se à venda e ao comércio ilegal de tóxicos,
entorpecentes e afins; segundo, a Justiça Terapêutica vai tratar do
uso de substâncias psicoativas atuante sobre o indivíduo
dependente químico ou usuário, de modo que este se recupere,
60
oferecendo tratamento específico ao mesmo [...] .
O crime tipificado no artigo 28, da Lei n° 11.343/06 61, é o delito em que
mais facilmente se verifica a correlação do binômio drogas-crime, pois as

58
PONTAROLLI, André. Justiça Terapêutica. Programa inovador no combate ao binômio
existente entre as drogas e a criminalidade. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/47/1947/p.shtml> Acesso em: 11 setembro 2006.
59
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 15.
60
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Bagaço, 2003. p. 19.
61
BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
30

condutas tidas como ilícitas consistem na aquisição, guarda, manutenção em


depósito, transporte ou porte para consumo pessoal de substâncias
entorpecentes. Contudo, sem prejuízo de aplicação em outras modalidades
criminosas, possui a Justiça Terapêutica, uma extensa abrangência de sua
aplicabilidade.
Inúmeros são os crimes tipificados pelo Código Penal62 de nosso país
onde podemos vir a constatar a dependência química como fator decisivo para
ocorrência do ilícito criminal.
Muito elucidativo é o exemplo trazido por Arnaldo Neto em sua obra
Estudos Sobre a Justiça Terapêutica:
É o que ocorre, por exemplo, com o indivíduo que cometeu uma
lesão corporal leve, conforme o art. 129, caput, do Código Penal
Brasileiro e que estava sob efeito do álcool, por exemplo, podendo
estar também sob a influência de mais de uma substância tóxica.
Com relação ao caso dado em exemplo para análise, o consumo de
bebidas alcoólicas é permitido pela nossa legislação; é uma droga
lícita, mesmo causando dependência e sérios riscos à saúde. Assim,
o indivíduo que praticou o ilícito penal, desde que sob influência de
qualquer droga (seja lícita ou não), será submetido à competência
dos Juizados Especiais Criminais, por força da Lei n° 9.099/95, o
qual deverá encaminhá-lo para o tratamento previsto pela Justiça
63
Terapêutica .
Demonstrado que a associação da prática delitiva com a dependência
química deve, necessariamente, estar presente para que se possa operar a
Justiça Terapêutica em determinado caso, passaremos à análise da
necessidade de previsão legal acerca do emprego do instituto em comento.

1.3.2 Previsão legal de aplicação do instituto

Como sabemos, o Brasil adotou o princípio da civil law, onde a base


para que se possa aplicar o direito é soberanamente a lei escrita. Ademais,
vige em nosso país o princípio do devido processo legal, onde o procedimento

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>.


Acesso em 09 set. 2006.
62
BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.
63
NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça Terapêutica.
Recife: Ed. Bagaço, 2003. p. 25-26.
31

a ser adotado em cada processo deverá estar rigorosamente previsto na lei,


para que as partes, assim, possam saber todos os ritos que irão transpor no
decorrer da ação64.
Nessa mesma linha, temos o princípio da reserva legal, consagrado
expressamente em nossa Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso XXXIX,
que prevê o seguinte:
Art. 5° [...]
[...]
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal;
[...]
Trata-se, o princípio em comento, de garantia fundamental da liberdade
individual do cidadão ante o poder punitivo estatal que delimita seguramente a
abrangência da ilicitude penal.
De acordo com Heleno Cláudio Fragoso, “pode dizer-se que o princípio
da legalidade é essencial à estrutura jurídica do crime e da pena no Estado de
Direito. Não se pode obedecer ou violar senão ao que é previamente
imposto.”65
Discorrendo acerca do assunto, Paulo de Souza Queiroz acrescenta:
Constitui, portanto, constitucionalmente, uma poderosa garantia
política para o cidadão, expressiva do imperium da lei, da
supremacia do Poder Legislativo – e da soberania popular -, sobre
os outros poderes de estado, de legalidade da atuação
administrativa e da escrupulosa salvaguarda dos direitos e liberdade
66
individuais .
O princípio da reserva legal, portanto, visa garantir a soberania da
norma escrita e, com isso, resguardar a segurança jurídica no que diz respeito
à criminalização de condutas bem como suas penalidades. Assim, somente
poderão abarcar o rol das ações antijurídicas aqueles comportamentos
expressamente insertos no ordenamento jurídico vigente como tais, sendo
imperioso, de igual modo, a devida cominação legal da pena correspondente.
Assim, para que se possa aplicar a Justiça Terapêutica aos indivíduos
que cometem delitos onde o fator dependência química esteja diretamente

64
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
65
FRAGOSO, Heleno Claudio. Observações sobre o princípio da reserva legal. Disponível
em: <http://www.fragoso.com.br/cgi-bin/heleno_artigos/arquivo11pdf> Acesso em: 01 novembro
2006.
66
QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001. 22p.
32

relacionado à prática do ilícito, imprescindível a existência de norma permissiva


de efetivação do instituto.
Dadas essas considerações, necessário se faz averiguar quais os casos
abstratamente previstos em nossa legislação que permitem de forma expressa
a aplicação da Justiça Terapêutica.
Em relação à existência de previsão legal explícita de imposição de
tratamento aos dependentes químicos cometidores de ilícitos penais, podemos
citar os enunciados normativos constantes em duas leis específicas: o Estatuto
da Criança e do Adolescente67 e a Novíssima Lei de Tóxicos68.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seu artigo 101, inciso
VI69, de forma expressa a aplicação da Justiça Terapêutica, quando refere
como medida especial de proteção a inclusão em programa oficial ou
comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.
A proteção especial de que trata a referida norma consiste em
enunciado que, de forma direta, possibilita a inserção do programa de
tratamento preconizado pela Justiça Terapêutica.
Nesse sentido, Ricardo de Oliveira Silva assevera:
Por fim, o Estatuto da Criança e do Adolescente é o diploma legal
pátrio que possui a melhor previsão sobre a matéria, já que
estabelece expressamente a possibilidade de a criança e o
70
adolescente serem submetidos a tratamento contra as drogas .
Pelo fato de haver previsão expressa, não se vislumbram maiores
problemáticas a serem enfrentadas no que se refere à aplicabilidade do
instituto na legislação concernente ao menor infrator.

67
BRASIL, Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 09 set. 2006.
68
BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>.
Acesso em 09 set. 2006.
69
“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente
poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
[...]
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos.” BRASIL, Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 09 set. 2006.
70
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
33

Tanto é, que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, uma


vez constatando a dependência química como fator determinante para a
ocorrência do ato infracional praticado pelo adolescente, de forma uníssona
sobrepõe a medida protetiva de tratamento contra drogadição ao infrator.
Justificando a assertiva acima, cumpre colacionar jurisprudência a
respeito:
Apelação. Eca. Ato Infracional. Roubo. Uso de arma. Autoria e
materialidade comprovada. Medida socioeducativa de internação e
cumulação com medida de proteção. Cabimento.
Autoria e Materialidade
Comprovada pela confissão de um dos adolescentes em juízo, prova
testemunhal e exame de corpo de delito.
Medida Socioeducativa
Em observância ao princípio constitucional de presunção da
inocência, a sentença de internação vai aqui mantida pela gravidade
do ato infracional praticado, mas não pela reiteração de eventual
conduta infracional. Apesar de constar inúmeros registros em nome
do apelante Cleiton, todos estão ainda em andamento.
Sendo os apelantes usuários de drogas, cabível a cumulação de
medida protetiva de tratamento contra drogadição.
71
Negaram provimento ao apelo .
Apelação. ECA. Roubo. Medida socioeducativa de internação, sem
possibilidade de atividades externas. Em casos como este, por
diversas oportunidades tem sido decidido nesta Câmara, com
fundamento no art. 122, inciso I, do ECA, que, comprovada a prática
de ato infracional mediante violência contra a vítima, mostra-se
apropriada a medida socioeducativa de internação, em nome da
segurança social e do próprio menor. Somente a internação, por sua
força coercitiva, dará ao adolescente a consciência exata da ilicitude
do ato praticado. Aplicar medida mais branda geraria verdadeira
sensação de impunidade, que não pode ser admitida. Medidas de
proteção. Adequada a aplicação cumulativa da medidas protetivas
previstas nos incisos V e VI do art. 101 do ECA, dada a evidenciada
necessidade do adolescente, que admite envolvimento com drogas,
referindo, inclusive, que praticou o roubo “para fumar crack”.
Negaram provimento e, de ofício, aplicaram medidas protetivas.
72
Unânime .
ECA. Apuração de ato infracional. homicídio qualificado. Medida
socioeducativa.
Impõe-se a aplicação da medida socioeducativa de internação, sem
possibilidade de atividade externa, ao adolescente que pratica ato
infracional extremamente grave - homicídio qualificado pelo motivo
torpe e pela utilização de recurso que dificulta a defesa da vítima-,
possui antecedentes e revela extrema periculosidade.
Aplicação da medida socioeducativa. Uso de substâncias
entorpecentes.

71
PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Cível n° 70014588750. 1°
Apelante: C.O. 2º Apelante: G.C.L. Apelado: M.P. Relator Ds Rui Portanova. Acórdão 04 mai.
2006. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov.
2006.
72
PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Cível n° 70015944267. Apelante:
M.S.S. Apelado: M.P. Relator Ds Luiz Felipe Brasil Santos. Acórdão 23 ago. 2006. Disponível
em: < http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov. 2006.
34

A circunstância de o adolescente fazer uso de drogas não tem o


condão de elidir a aplicação da medida socioeducativa. Deixar de
impor ao representado a medida adequada, quando verificada a
prática de ato infracional, ocasionará ao jovem a sensação de
irresponsabilidade por suas ações, em desatenção às finalidades
educativa e ressocializante buscadas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Apelo conhecido em parte e desprovido. De ofício, retificada parte da
sentença e aplicada medida de proteção (art. 101, VI, ECA) ao
73
adolescente .
De igual sorte, a Novíssima Lei Antidrogas74, recentemente em vigor,
quando trata dos crimes relacionados ao consumo de drogas e define as
penalidades a serem impostas a quem incorrer em suas sanções, refere,
dentre outras penalidades, a medida educativa de comparecimento a programa
ou curso educativo, como uma modalidade de pena a ser imposta àqueles tipos
de transgressores.
É a redação do artigo 28, inciso III, da Lei n° 11.343/0675:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou
trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas:
[...]
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo.
[...]
Por esta razão, compulsando a Nova Lei de Tóxicos 76, verifica-se que
uma vez enquadrando-se a conduta delitiva em um dos verbos nucleares do
tipo mencionados no caput, do artigo 28, poderá o juiz, quando constatada a

73
PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Cível n° 70012638771. Apelante:
G.C. Apelado: M.P. Relator Ds Maria Berenice Dias. Acórdão 30 nov. 2005. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov. 2006.
74
BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>.
Acesso em 09 set. 2006.
75
BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>.
Acesso em 09 set. 2006.
76
BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>.
Acesso em 09 set. 2006.
35

dependência química do infrator, aplicar-lhe a sanção na forma de tratamento


de sua enfermidade.
Sopesadas as previsões legais que expressamente permitem a
aplicação da Justiça Terapêutica, dedicaremos a segunda parte do nosso
estudo ao exame dos preceitos normativos que, de forma implícita, possibilitam
a aplicação do instituto objeto de nosso estudo.
36

2 HIPÓTESES LEGAIS IMPLÍCITAS DE APLICABILIDADE DA


JUSTIÇA TERAPÊUTICA

2.1 Aplicação em casos implicitamente previstos

Seguindo as boas regras de hermenêutica, podemos observar que


existem em nosso ordenamento jurídico penal cláusulas onde o legislador, ao
permitir a aplicação de uma punição alternativa à pena privativa de liberdade,
conferiu ao juiz a faculdade de cominar penalidade não prevista na lei. É
justamente nessas previsões legislativas abertas que vislumbramos a
possibilidade de aplicação da Justiça Terapêutica.
É o que argumenta Ricardo de Oliveira Silva:
Compulsando-se a legislação brasileira, encontramos alguns
paradigmas que, salvo melhor juízo e aplicando-se regras razoáveis
de interpretação, permitem desde logo, sem embargo de edição de
legislação especial sobre a matéria, a adoção do sistema de
imposição de tratamento aos envolvidos com delitos que têm a droga
77
como fator intercorrente .
Analisando a Lei n° 9.099/9578, bem como o Código Penal Brasileiro79,
deparamo-nos com alguns preceitos normativos que conferem ao julgador a
possibilidade de estabelecer condições não positivadas a que ficam sujeitos os
infratores.
Tais espaços abertos, inseridos de forma propositada pelo Poder
Legislativo, porque de maneira expressa manifestou o desejo de que ficasse a
cargo do juiz a imposição de condição não conjeturada, são por certo
viabilizadores da aplicação da Justiça Terapêutica, quando este programa de

77
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
78
BRASIL, Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm> Acesso em 09 set. 2006.
79
BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.
37

tratamento, direcionado estritamente ao dependente químico cometidor de


ilícitos penais, se mostrar adequado.
Nesse sentido, é a definição tracejada por André Pontarolli, que afirma:
Quanto à viabilidade jurídica, esta se concretiza nas hipóteses legais
que possibilitam a aplicação do programa, seja, esta, conjugada a
outras medidas penais alternativas (suspensão condicional do
processo, transação penal, suspensão da pena, limitação de fim de
semana) [...] É importante considerar que cada uma destas
hipóteses legais possui as suas especificidades, sendo que algumas
delas permitem a aplicação facultativa das medidas terapêuticas,
enquanto outras possibilitam, apenas, a imposição coercitiva do
80
tratamento, funcionando este como forma de sanção .
Nos casos implicitamente previstos, portanto, atuará a Justiça
Terapêutica como uma condicionante para a efetivação da pena principal,
diferindo daquelas previsões anteriormente analisadas, onde o programa de
tratamento aparece como uma modalidade de sanção.
Justificada a possibilidade de inserção do dependente químico que
pratica delitos em programa de tratamento, através de enunciados normativos
abertos, iremos dedicar-nos ao estudo individualizado dessas normas, com o
intuito de delimitar a abrangência da aplicabilidade da Justiça Terapêutica no
Brasil.

2.2 Previsões legais do Código Penal

2.2.1 Limitação de fim de semana

Dentre as penas restritivas de direitos elencadas no Código Penal


Brasileiro81, encontramos a limitação de fim de semana. Esta pena alternativa
consiste em obrigar o condenado a permanecer aos sábados e domingos, por

80
PONTAROLLI, André. Justiça Terapêutica. Programa inovador no combate ao binômio
existente entre as drogas e a criminalidade. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/47/1947/p.shtml> Acesso em: 11 setembro 2006.
81
BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.
38

cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento


adequado82.
Importante referir que somente poderá ser aplicada esta espécie de
pena se preencher o condenado os requisitos esculpidos no artigo 44, do
Código Penal83, ou seja, tiver sido a ele aplicada pena privativa de liberdade
não superior a quatro anos, por crime que não tenha sido praticado com
violência ou grave ameaça à pessoa ou nos casos de prática de crimes
culposos, qualquer que seja o lapso temporal de apenamento.
O condenado, também não pode ser reincidente em crime doloso, e a
sua culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e
circunstâncias do delito, devem ser indicativos da suficiência de aplicação
dessa modalidade de pena alternativa.
Tecendo considerações acerca da finalidade a que se propõe essa
modalidade de pena restritiva de direitos, Cezar Roberto Bitencourt, afirma:
A prisão descontínua, que recebe denominações diversas, limitação
de fim de semana (Brasil), prisão por vias livres (Portugal), prisão por
tempo livre (Alemanha) ou arresto de fim de semana (Bélgica e
Espanha), tem a intenção de evitar o afastamento do apenado de
sua tarefa diária, de manter suas relações com sua família e demais
relações sociais, profissionais etc. Fundamentalmente, impedir o
encarceramento, com o inevitável contágio do ambiente criminógeno

82
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei n° 7.210, de 11-7-1984. 11.
ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 615.
83
“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de
liberdade, quando:
I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido
com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for
culposo;
II - o réu não for reincidente em crime doloso;
III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem
como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
o
§ 1 (VETADO)
o
§ 2 Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por
uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser
substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.
o
§ 3 Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face
de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se
tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
o
§ 4 A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o
descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a
executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo
mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
o
§ 5 Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução
penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado
cumprir a pena substitutiva anterior.” BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09
set. 2006.
39

que essa instituição total produz e todas as conseqüências


84
decorrentes, sem descurar de prevenção especial .

Acrescentando, Julio Fabbrini Mirabete, assinala algumas vantagens


ocasionadas por esse tipo de sanção:

Apontam-se como vantagens desse tipo de sanção penal: a


permanência do condenado junto da família, ocorrendo seu
afastamento apenas nos dias dedicados ao repouso semanal; a
continuidade de seu trabalho normal, evitando-se dificuldades para a
subsistência da família; a ausência da corrupção advinda com o
recolhimento ao cárcere; a possibilidade de reflexão sobre o ato
cometido no isolamento semanal a que é mantido o condenado; a
oportunidade de serem ministrados cursos, palestras e outras
atividades educativas nos dias de recolhimento, a fim de promover a
85
reintegração social do condenado etc .

Vislumbra-se, ainda, de acordo com o parágrafo único, do artigo 48, do


Código Penal86, a possibilidade de, durante a permanência do apenado em
casa de albergado ou outro estabelecimento compatível, serem ministrados
cursos e palestras.
A Justiça Terapêutica, portanto, uma vez constatada a existência do
binômio droga-crime na conduta delitiva do condenado, pode ser aplicada
durante o período em que o indivíduo esteja cumprindo essa modalidade de
pena alternativa, na forma de palestras ou cursos que tenham como tema a
dependência química.
Segundo Ricardo de Oliveira Silva:

Assim, o tratamento compulsório, nessa hipótese de limitação de fim


de semana, se dará sob a forma de cursos específicos e palestras
sobre o uso e consumo de drogas e seus malefícios, que o agente
87
deverá freqüentar obrigatoriamente .

84
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2001. p. 309.
85
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei n° 7.210, de 11-7-1984. 11.
ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 616.
86
BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.
87
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
40

2.2.2 Suspensão condicional da pena – sursis

Prosseguindo a análise das previsões legais inscritas no Código Penal


Brasileiro88, encontramos a suspensão condicional da pena, também
denominada sursis. Esta preconiza que a pena privativa de liberdade, não
superior a dois anos, poderá ser suspensa, por dois a quatro anos, uma vez
preenchendo o condenado certos requisitos determinados em lei.
Os requisitos consistem em não ser o condenado reincidente em crime
doloso e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade
do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aconselharem a
concessão da suspensão da pena.
Ainda em relação aos requisitos para aplicação do sursis, encontramos a
exigência de não ser indicada ou cabível a substituição da pena privativa de
liberdade pelas restritivas de direitos elencadas no artigo 44, do Código
Penal89.
Definindo o instituto, Julio Fabbrini Mirabete, comenta:

Nos termos legais, a suspensão condicional da pena é um benefício


que permite não se executar a pena privativa de liberdade aplicada
quando o condenado preenche determinados requisitos e se
submete às condições estabelecidas na lei e pelo juiz. Tida já como
forma primitiva de graça, instituto de extinção da relação jurídica do
crime ou da pena, sanção moral, forma qualificada de absolvição ou
modelo de sanção unitária socialmente integrada e cientificamente
individualizada, é reconhecida no Código Penal e na Lei de
Execução Penal como uma alternativa penal, ou seja, uma reação da
natureza peculiar, com características tipicamente sancionatórias,
consistente na restrição da liberdade e na satisfação de encargos e
90
condições .

Da leitura do artigo 78, do Código Penal91, depreende-se a imposição de


condições a que ficará sujeito o condenado ao sursis, que podem consistir na

88
BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.
89
BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.
90
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei n° 7.210, de 11-7-1984. 11.
ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 623.
91
“Art. 78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao
cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz.
§ 1º - No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (art. 46)
ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48).
41

prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana. Se o


indivíduo contemplado com a suspensão da pena houver reparado o dano ou
possua circunstâncias judiciais inteiramente favoráveis, poderá o juiz aplicar-
lhe cumulativamente as seguintes condições: proibição de freqüentar
determinados lugares, proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem
autorização do juiz e comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, para
informar e justificar suas atividades.
Entretanto, no artigo subseqüente, encontramos a possibilidade de o juiz
especificar outras condições a que deverá subordinar-se o condenado,
diversas das descritas anteriormente. Com isso, mais uma vez deparamo-nos
com a possibilidade do emprego da Justiça Terapêutica, nos casos em que tal
atuação se mostre adequada92.
Assim, poderia o jugador, constatando a dependência química do réu,
impôr-lhe como condição à que fica subordinada a suspensão, medida de
tratamento adequado à sua enfermidade, uma vez que tal iniciativa se mostra
plenamente adequada à situação pessoal do condenado.
Comentando a imposição de tratamento nos casos de suspensão da
pena, Ricardo de Oliveira Silva, assevera:

Pois bem. Se o condenado praticou o crime envolvido com drogas, é


de todo recomendável que a condição judicial a ser estabelecida
deva ser a obrigatoriedade de o agente submeter-se a tratamento,
93
sujeito a fiscalização judicial .

§ 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as


circunstâncias do art. 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá
substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições, aplicadas
cumulativamente:
a) proibição de freqüentar determinados lugares;
b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;
c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas
atividades.” BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.
92
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
93
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
42

2.2.3 Livramento condicional

Finalizando a análise do Estatuto Repressor94, encontramos as


previsões legais relativas ao livramento condicional. Em uma delas existe a
faculdade conferida ao julgador de especificar as condições a que ficará
subordinada a liberdade, com condições impostas ao condenado que preencha
os requisitos ensejadores da concessão dessa benesse.
O livramento condicional é a última fase pela qual transborda o apenado
inserido no sistema penitenciário progressivo, que teve sua pena privativa de
liberdade fixada em patamar igual ou superior a dois anos, por intermédio do
qual retorna ao convívio social para que se habitue à condição de liberto que
está por brevemente alcançar.
Definindo a liberdade condicional, Juarez Cirino dos Santos relata:
[...] a liberdade condicional constitui a fase final desinstitucionalizada
de execução da pena privativa de liberdade, com objetivo de reduzir
os malefícios da prisão e facilitar a reinserção social do condenado
95
[...] .
Tecendo comentários acerca do instituto, Cezar Roberto Bitencourt
afirma:
O livamento condicional, a última etapa do cumprimento de pena no
sistema progressivo, abraçado em geral por todas as legislações
penais, é mais uma tentativa para diminuir os efeitos negativos da
prisão. Não se pode denominá-lo substituto penal, porque, em
verdade, não substitui a prisão, tampouco põe termo à pena,
96
mudando apenas a maneira de executá-la .
Trata-se, portanto, de instituto inserido em nosso sistema jurídico-penal
com o condão de atenuar os impactos produzidos àquele que regressa ao
convívio com os livres.
Por certo que, para alcançar a liberdade com condições, deve o
condenado preencher uma série de requisitos, consistentes no cumprimento de
mais de um terço da pena, no caso de réu primário, ou, mais da metade da
pena, quando tratar-se de apenado reincidente em crime doloso. Nos casos de
condenação por crime hediondo, onde haja recidiva específica em crimes

94
BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.
95
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 258.
96
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2001. p. 337.
43

dessa natureza, fica o indivíduo subordinado ao cumprimento de mais de dois


terços da pena para obtenção da dita benesse.
De igual sorte, deve restar comprovado o bom comportamento
carcerário do apenado, durante a execução da pena, assim como bom
desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover a própria
subsistência através de labor honesto.
Ademais, quando possível, deve ter o réu reparado os danos causados
com a sua conduta delitiva.
Procedida pequena análise acerca do instituto e suas peculiaridades,
cumpre referir que além do preenchimento dos requisitos esboçados acima,
deve o juiz especificar as condições a que ficará subordinado o condenado que
se vir contemplado com o livramento condicional.
Veja-se que o legislador deixou a cargo do juiz a fixação de condições a
serem impostas ao apenado. É essa faculdade que dá ensejo a que se aplique
a Justiça Terapêutica, na forma de imposição de tratamento para dependência
química quando constatada a drogadição do condenado, como uma das
condições para a liberdade condicional97.
Nesses lindes, cumpre trazer à baila fragmento de voto proferido pelo
Eminente Desembargador Sylvio Baptista, transcrevendo trecho do parecer
emanado pelo Procurador de Justiça, Doutor Paulo Antonio Todeschini:
Com efeito, o laudo criminológico realizado foi favorável ao benefício
do livramento condicional pleiteado pelo agravante. Contudo, de
forma fundamentada, referiu acerca da necessidade do apenado ser
submetido a tratamento para enfrentar o alcoolismo. É que, segundo
ainda esse laudo, o agravante é portador de uma síndrome de
dependência alcoólica. Mais do que isso, durante a execução,
registrou várias fugas e outras ocorrências e tudo em função de
causas relacionadas com esse problema de consumo de álcool.
Enfatizou, também, que o risco de reincidência está diretamente
relacionado a esse fator do alcoolismo.
Não bastasse tudo isso, verifica-se que o próprio agravante, ao
explicar as condenações atribuiu isso a influência do álcool. Assim,
por exemplo, numa condenação por roubo, disse que “... encontrava-
se embriagado, motivando, desta forma, a prática delituosa...” (fl.
04).
Diante desse quadro, é fácil concluir que a vida do agravante, antes
e durante a execução da pena, sempre esteve vinculada ao
consumo de álcool, o que repercutiu, negativamente, na sua
trajetória pessoal. Por isso, a observação feita no laudo
criminológico, é inteiramente razoável e compatível com a situação

97
SILVA, Ricardo de Oliveira et. al. Justiça Terapêutica: perguntas e respostas. Disponível
em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 29 maio 2006.
44

pessoal dele agravante, nada tendo de absurda. Por isso, acertada a


98
decisão e que, com base no laudo, acolheu a restrição imposta .

2.3 Previsões legais no âmbito dos Juizados Especiais Criminais

2.3.1 Transação penal

Na esfera dos Juizados Especiais Criminais, deparamo-nos com o


instituto da transação penal, que permite a aplicação imediata de pena restritiva
de direitos ou multa.
Trata-se de instrumento de política criminal pelo qual o Ministério
Público pode, de forma imediata, propor ao infrator praticante de delito de
pequeno potencial ofensivo, o cumprimento de pena não privativa de liberdade,
quando julgar conveniente e oportuno, sem instauração de processo 99.
Segundo o artigo 61, da Lei n° 9.099/95100:
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial
ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os
crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano,
excetuando os casos em que a lei preveja procedimento especial.
Consiste a transação penal em ferramenta de conciliação entre as partes
antes do oferecimento da denúncia, em atenção aos princípios orientadores
dos Juizados Especiais Criminais, quais sejam, oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade.
Definindo a transação penal, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães
Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, lecionam:
À transação penal pode-se chegar por intermédio das vias
conciliativas. Entendida a transação como concessões mútuas entre

98
PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Agravo Criminal n° 70004054706. Agravante:
Luiz Alberto Dutra da Silva. Agravado: Ministério Público. Relator Ds Sylvio Baptista Neto.
Acórdão 09 jun. 2002. Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>.
Acesso em 07 nov. 2006.
99
FILHO, Marino Pazzaglini et. al. Juizado especial criminal. Aspectos práticos da Lei nº
9.099/95. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 49.
100
BRASIL, Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm> Acesso em 09 set. 2006.
45

as partes (ou partícipes), constitui ela o resultado com relação ao


qual o procedimento conciliativo pode ser valiosíssimo instrumento
101
operacional .
Analisando o caráter despenalizador do instituto, Cezar Roberto
Bitencourt complementa:
A transação penal vem sendo apontada, como uma das mais
importantes formas de despenalizar na atualidade, sem
descriminalizar, aduzindo-se, entre outras razões, as de procurar
reparar os danos e prejuízos sofridos pela vítima, ser mais
econômica, desafogar o Poder Judiciário, evitar os efeitos
102
criminológicos da prisão [...] .
O momento dinamizador de aplicação da Justiça Terapêutica, nos casos
em que houver transação penal, ocorre com a aplicação imediata de pena
restritiva de direito, em específico, da limitação de fim de semana, a qual já
analisamos anteriormente.
A grande vantagem de sua aplicação nos Juizados Especiais Criminais
é a de que, ao contrário do procedimento comum, a pena cominada ao réu não
consta como antecedentes criminais em seus registros.
Assim, no âmbito da Lei n° 9.099/95103, a aplicação da Justiça
Terapêutica, nos casos em que ela se mostre viável e oportuna, além do
oferecimento de tratamento específico ao delinqüente dependente químico,
permanece este, ainda na qualidade de réu primário.
Dita assertiva é analisada de forma minuciosa por Ricardo de Oliveira
Silva quando refere:
A terceira referência legal existente se encontra no sistema dos
Juizados Especiais Criminais, quando nos crimes de menor potencial
ofensivo, “havendo representação ou tratando-se de crime de ação
penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o
Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena
restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta”. E,
“considerando-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para
os efeitos desta lei as contravenções penais e os crimes a que a lei
comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os
casos em que a lei preveja procedimento especial.”
Como já vimos, dentre as penas restritivas de direitos a que melhor
se adequa é a imitação de fim de semana que permite a imposição
de tratamento sob a forma de cursos, palestras e atividades
específicas. A imposição dessa sanção não constará de certidão de
antecedentes criminais do agente, pois, “acolhendo a proposta do

101
GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados especiais criminais. Comentários à Lei 9.099,
de 26.09.1995. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 96.
102
BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados especiais criminais e alternativas à pena de
prisão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 93.
103
BRASIL, Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm> Acesso em 09 set. 2006.
46

Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a


pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em
reincidência sendo registrada apenas para impedir novamente o
104
mesmo benefício no prazo de 5 (cinco) anos” .

2.3.2 Suspensão condicional do processo

No âmbito dos Juizados Especiais Criminais, precisamente no que se


refere à suspensão do processo, sem prejuízo das demais condições a que
deve o acusado submeter-se, visualizamos a possibilidade de o juiz aplicar,
ainda, outras condições que se mostrem adequadas ao fato e à situação
pessoal do acusado.
Assim, como bem refere Ricardo de Oliveira Silva:
Essa cláusula aberta da lei autoriza o juiz do processo a estabelecer
outras condições a que fica subordinada a suspensão. E é razoável
a interpretação de que uma dessas outras condições possa ser a
obrigatoriedade de o acusado se submeter a tratamento contra as
drogas, exatamente dentro do conceito filosófico da Justiça
105
Terapêutica .
Embora utilize-se de requisitos autorizadores da suspensão condicional
da pena, prevista no artigo 77, do Código Penal106, a suspensão do processo
não se confunde com aquela.
Segundo Luiz Flávio Gomes:
Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou
inferior a um ano, o Ministério Público, por força do artigo 89
da Lei n° 9.099/95, ao oferecer a denúncia, pode propor a
suspensão do processo, desde que o acusado preencha

104
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
105
SILVA, Ricardo de Oliveira. Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao
infrator usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br> Acesso em:
30 maio 2006.
106
“Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá
ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;
III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.
§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício.
o
§ 2 A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser
suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de
idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.” BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de
dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-
Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09 set. 2006.
47

alguns requisitos legais. Numa primeira aproximação ao


instituto, impõe-se desde logo salientar que a suspensão
regulada na mencionada lei [...] não se confunde com o sursis
(suspensão condicional da execução da pena), que é instituto
tradicional entre nós. Neste último instaura-se o processo,
realiza-se a instrução e no final o juiz, caso venha a condenar
107
o acusado, pode suspender a execução da pena .
Enaltecendo a modernização do sistema processual, Márcio Mothé
Fernandes aborda a regra prevista no artigo 89, § 2°, da Lei n° 9.099/95 108,
expondo:
Conforme pode ser observado, seguindo a tendência mundial e a
modernização do sistema processual, a introdução dos institutos da
transação penal e da suspensão do processual no sistema legal
brasileiro, baseado no Civil Law, constitui significativo avanço, com a
possibilidade, ante a clara regra prevista no artigo 89, § 2º da Lei n°
9.099/95, da autoridade judiciária poder fixar condições a que fica
subordinada a suspensão, desde que “adequadas ao fato e à
situação pessoal do acusado”. Exatamente como na hipótese do
usuário de drogas, cujas medidas terapêuticas sugeridas pela equipe
de tratamento conjugadas com os institutos já previstos em lei,
podem contribuir definitivamente para a sua ressocialização e o seu
109
tratamento, afastando-o definitivamente do submundo das drogas .
Tanto é viável a aplicação do programa de Justiça Terapêutica nos
casos de suspensão condicional do processo, que o Tribunal de Justiça do Rio

107
GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal: e a representação nas
lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de justiça criminal. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 126.
108
“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,
abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a
suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo
processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que
autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a
denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as
seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de freqüentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas
atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde
que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por
outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo,
por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em
seus ulteriores termos.” BRASIL, Lei n° 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os
Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm> Acesso em 09 set. 2006.
48

Grande do Sul, vem utilizando-se dessa novidade jurídica, aplicando-a quando


constatada a dependência química de seus jurisdicionados. Veja-se:
Tóxicos. Suspensão Condicional do Processo. Revogação.
Prescrição. Inocorrência. Tendo em vista que o prazo nao corre no
periodo da suspensão condicional do processo (art. 89, § 6º, da Lei
9.099/95), não esta caracterizada a alegada prescrição. Delito do
artigo 16 da Lei 6.368/76. O réu é confesso e a materialidade está
demonstrada. Dependente químico. Tratamento. A possibilidade de
tratamento da dependência química foi oferecida ao acusado por
ocasião da concessão do benefício da suspensão condicional do
processo, sendo estabelecido como uma das condições. O réu não
aproveitou a oportunidade, descabendo a alegação nessa fase
110
processual. Apelo defensivo desprovido .

109
FERNANDES, Márcio Mothé. Justiça Terapêutica para usuários de drogas. Disponível
em: <http://www.mj.gov.br/Depen/publicações/marcio_mothe_02.pdf> Acesso em: 08 junho
2006.
110
PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Crime n° 70001112507. Apelante:
Horácio Acunha Riella Junior. Apelado: Ministério Público. Relator Ds Silvestre Jasson Ayres
Torres. Acórdão 09 ago. 2000. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov. 2006.
49

CONCLUSÃO

A Justiça Terapêutica consiste em programa de tratamento imposto aos


dependentes químicos cometidores de ilícitos penais. Obedecendo as
peculiaridades exigidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, essa nova
proposta de alternativa penal dispõe-se a enfrentar a problemática do binômio
drogas-crime em nosso país, de maneira mais salutar e eficaz, oferecendo o
devido tratamento da dependência química do infrator e visando, com isso,
erradicar a prática de crimes relacionados a essa questão.
Através do trabalho conjunto entre profissionais da área da saúde e
operadores do direito, pode a Justiça Terapêutica ser implementada,
independentemente da criação de estabelecimento específico para tratamento
de drogaditos no âmbito judicial. O tratamento terapêutico preconizado pelo
instituto pode ser feito tanto pela rede pública quanto pela privada.
Ao concluir o presente estudo, estamos certos de que essa inovação
jurídica é plenamente aplicável em nosso país, uma vez que o tratamento é o
único meio de curar a dependência química, enfermidade que não raramente,
desencadeia a prática de pequenos delitos, os quais podem ser resolvidos na
seara penal através da aplicação do programa de tratamento intitulado Justiça
Terapêutica.
O tratamento do infrator, por certo, é a principal conjectura da Justiça
Terapêutica, podendo ser compulsoriamente aplicado no Direito Penal
brasileiro através da legislação constante no atual ordenamento jurídico, não
havendo necessidade da criação de lei específica regulando a matéria.
Da mesma forma, não restam dúvidas de que o instituto em apreço visa
tutelar apenas o dependente químico que tenha cometido um ato antijurídico
relacionado com a sua condição de abusador de drogas. Dita assertiva,
descarta a possibilidade do usuário ocasional de substâncias entorpecentes,
ver-se sob a tutela da Justiça Terapêutica.
50

É através do princípio da reserva legal, que vislumbramos a


possibilidade de aplicação da Justiça Terapêutica, sem que se operem
modificações no caderno legislativo atual. O princípio da legalidade preceitua a
obrigatoriedade de lei anterior que defina os crimes e suas respectivas penas.
Portanto, existem duas espécies de previsões legais que autorizam a
aplicação da Justiça Terapêutica em nosso ordenamento jurídico pátrio: as
explícitas e as implícitas.
Encontramos previsões legais expressas de aplicabilidade do instituto
em voga, nas premissas constantes no artigo 101, inciso VI, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, e no artigo 28, inciso III, da Nova Lei de Tóxicos.
Ambos enunciados de lei prevêem como modalidade de pena, a imposição de
tratamento aos infratores por eles tutelados.
Por outro lado, compulsando a legislação penal vigente, podemos
localizar outros enunciados que, de forma implícita, autorizam a aplicação da
Justiça Terapêutica. São previsões legais que, ao estabelecer modalidade de
cumprimento de pena alternativa à de prisão, deixam a cargo do julgador a
aplicação de condições não inscritas na lei, como forma de penalidade
acessória.
Essas previsões legais implícitas podem ser identificadas no Código
Penal, quando cominada pena restritiva de direitos consistentes na limitação de
fim de semana; quando viável a suspensão condicional da pena; ou como
condição pra concessão do livramento condicional.
Já na Lei n° 9.099/95 podemos aplicar a Justiça Terapêutica quando
ocorrer a transação penal e com ela for aplicada pena de limitação de fim de
semana; ou quando possível a aplicação da suspensão condicional do
processo.
Os paradigmas elencados acima carregam como caractere similar a
possibilidade de o juiz ampliar as condições a serem impostas quando da
cominação dessas espécies de sansão penal.
Através do presente estudo, concluímos que é plenamente possível
aplicar o programa de Justiça Terapêutica, por intermédio dessas espécies de
previsões legais implícitas, que possibilitam ao juiz a imposição de condição
diversa, não elencada na lei, nos casos em que o tratamento do infrator
dependente químico se mostre adequado.
51

REFERÊNCIAS

BARDOU, Luiz Achylles Petiz Bardou. Justiça Terapêutica: origem,


abrangência territorial e avaliação. Disponível em: <http://www.anjt.org.br>
Acesso em: 06 junho 2006.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997. 149 p.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e


alternativas. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 396 p.

_____ . Juizados Especiais Criminais e alternativas à pena de prisão: Lei


n° 9.099, de 26.9.95. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. 230 p.

BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação.


2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. 436 p.

BRASIL, Decreto-lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 09
set. 2006.

BRASIL, Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da


Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 09 set.
2006.

BRASIL, Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de


Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção
do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de
drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao
tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>.
Acesso em 09 set. 2006.

CAETANO, Ivone Ferreira. A Justiça que Cura e Previne. Disponível em:


<http://www.amaerj.org.br/index.php?option=content&task=view&id=372>
Acesso em: 08 novembro 2006.
52

CARVALHO, Salo de. Pena e garantias: uma leitura do garantismo de Luigi


Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. 314 p.

CONSELHO FEDERAL E CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA.


Declaração de Intenções. Disponível em:
<http://www.portaldopsicologo.com.br/noticias/justicaterap.htm> Acesso em: 14
outubro 2006.

COORDENADORIA DA JUSTIÇA TERAPÊUTICA. Rio de Janeiro: Ministério


Público Estadual. Disponível em: <http://www.mp.rj.gov.br/portal/page?_
pageid=577,3856462&_dad=portal&_schema=PORTAL>. Acesso em: 29 maio
2006.

COSTA, Florência. O Ópio americano. Revista ISTOÉ. São Paulo: Editora


Três. Edição n° 1674-31, out./2001.

CUNHA, José Sebastião Fagundes. Juizado Especial Criminal: competência


nos crimes com pena não superior a dois anos, inclusive do procedimento
especial. O Estado do Paraná. Paraná. Coluna Direito e Justiça, 26 out. 2002.

DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA DOS ESTADOS UNIDOS. Divisão de


Programas de Justiça. Programa de Tribunais para Dependentes Químicos.
Definindo os Tribunais para Dependentes Químicos: os componentes
chaves. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br> Acesso em:
17 outubro 2006.

FENSTERSEIFER, Daniel Pulcherio. Justiça Terapêutica: uma breve


investigação sobre sua aplicabilidade no direito brasileiro – III. Disponível em:
<http://www.anjt.org.br> Acesso em: 15 outubro 2006.

FERNANDES, Márcio Mothé. Justiça Terapêutica para usuários de drogas.


Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/Depen/publicações/marcio_mothe_02.pdf> Acesso em:
08 junho 2006.

FILHO, Marino Pazzaglini et. al. Juizado especial criminal. Aspectos práticos
da Lei nº 9.099/95. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. 194 p.

FLACH, Luiz Matias Flach. Tratamento para viciados substitui penas. Zero
Hora, Porto Alegre, 08 jun. 2001.

FRAGOSO, Heleno Claudio. Observações sobre o princípio da reserva


legal. Disponível em: <http://www.fragoso.com.br/cgi-
bin/heleno_artigos/arquivo11pdf> Acesso em: 01 novembro 2006.
53

FREITAS, Carmen Có; BARDOU, Luiz Achilles Petiz; SILVA, Ricardo de


Oliveira. Justiça Terapêutica: uma estratégia para redução do dano social.
Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 15 outubro 2006.

_____ . Tratamento não voluntário em países da região européia: princípios


éticos, organização e resultados. Disponível em: <http://www.anjt.org.br>
Acesso em: 10 maio 2006.

GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. 8. ed.


Porto Alegre: L&PM, 1999.

GOMES, Luiz Flávio. Juizados criminais federais, seus reflexos nos


juizados estaduais e outros estudos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. 165 p.

_____ . Suspensão condicional do processo penal: e a representação nas


lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de justiça
criminal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 421 p.

GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados especiais criminais. Comentários


à Lei 9.099, de 26.09.1995. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 415
p.

MAIEROVITC, Walter Fanganiello. Lula: um crime contra o usuário de drogas.


Folha Online, 09 setembro 2006. Disponível em:
<http://www.folha.com.br/folha/ilustrada> Acesso em: 19 nov. 2006.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei n° 7.210, de


11-7-1984. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 874 p.

NETO, Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão. Estudos sobre a Justiça


Terapêutica. Recife: Bagaço, 2003. 102 p.

PÉRIAS, Gilberto Rentz. Leis Antitóxicos Comentadas. 1. ed. São Paulo:


Vale do Mogi, 2002.

PONTAROLLI, André. Justiça Terapêutica. Programa inovador no combate ao


binômio existente entre as drogas e a criminalidade. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/47/1947/p.shtml> Acesso em: 11
setembro 2006.

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Agravo Criminal n°


70004054706. Agravante: Luiz Alberto Dutra da Silva. Agravado: Ministério
Público. Relator Ds Sylvio Baptista Neto. Acórdão 09 jun. 2002. Disponível em:
54

<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em 07 nov.


2006.

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Cível n°


70012638771. Apelante: G.C. Apelado: M.P. Relator Ds Maria Berenice Dias.
Acórdão 30 nov. 2005. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov. 2006.

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Cível n°


70014588750. 1° Apelante: C.O. 2º Apelante: G.C.L. Apelado: M.P. Relator Ds
Rui Portanova. Acórdão 04 mai. 2006. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov. 2006.

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Cível n°


70015944267. Apelante: M.S.S. Apelado: M.P. Relator Ds Luiz Felipe Brasil
Santos. Acórdão 23 ago. 2006. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em 07 nov. 2006.

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação Crime n°


70001112507. Apelante: Horácio Acunha Riella Junior. Apelado: Ministério
Público. Relator Ds Silvestre Jasson Ayres Torres. Acórdão 09 ago. 2000.
Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso
em 07 nov. 2006.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: introdução crítica. São Paulo:


Saraiva, 2001.

REGHELIN, Elisangela Melo. Redução de danos: prevenção ou estímulo ao


uso indevido de drogas injetáveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 206
p.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

SILVA, Ricardo de Oliveira et. al. Justiça Terapêutica: perguntas e respostas.


Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br> Acesso em: 29 maio 2006.

_____ . Justiça Terapêutica: um programa judicial de atenção ao infrator


usuário e ao dependente químico. Disponível em: <http://www.anjt.org.br>
Acesso em: 30 maio 2006.

_____ . Usuário de drogas: prender ou tratar?. Disponível em:


<http://www.anjt.org.br> Acesso em: 14 out 2006.

Das könnte Ihnen auch gefallen