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ABSTRACT: This paper aims to discuss the short story “A terceira margem do rio” by
Guimarães Rosa, published in 1962 in Primeiras Estórias, seeking for homological relations
with the painting “Where we come from? What are we? Where are we going?” (1897-1898)
by the French paintor Paul Gauguin. This research comes from the observation that both
artists, each one in its artistic system, tries to discuss aspects related to essential elements of
human being. The means that each one uses to represent it are not limited to an analogical
association, but they can be put in parallel. The aim of this article is to seek this point of
encounter between both arts in the short story and in the painting quoted.
Keywords: Literature; Art, Painting, Homological Relations.
1
Doutora em Teoria da Literatura pela Unesp/Ibilce de São José do Rio Preto, Professora Colaboradora
da Unesp/Ibilce de São José do Rio Preto junto ao Departamento de Estudos Lingüísticos e Literários,
Profa. de Teoria da Literatura e Narrativa brasileira da UniFaimi, Mirassol, e-mail: driteles@ig.com.br.
2
Graduando em Letras pela Unifaimi, Mirassol, e-mail: marcelobrito1@gmail.com.
Em seu livro Do espiritual na arte (1990), Kandinsky afirma que “não basta comparar
os procedimentos das mais diferentes artes: esse ensino de uma arte por outra não pode dar
frutos se permanecer unicamente exterior. Deve ajustar-se aos princípios de uma e de
outra” (p.58). Para isto, devemos procurar, como sugere Aguinaldo José Gonçalves no
ensaio “Relações homológicas entre literatura e artes plásticas: algumas considerações”
(1997), relações na estrutura de cada obra. Essas relações, definidas como homológicas,
diferem do que Gonçalves chama de “analogias simplistas”, por não se limitarem a
recuperações temáticas muitas vezes óbvias, mas sim por estarem diretamente ligadas ao
processo de criação de cada uma das obras. Nesse sentido, e ainda de acordo com
Gonçalves, tais relações de homologia seriam as que merecem destaque, pelo caráter
profícuo que possuem (p.4-5). Para Gonçalves,
As considerações de Frye nos interessam não apenas no que diz respeito à leitura da
obra literária, que é ao que se refere de maneira mais explícita e direta, mas também para o
trabalho de interpretação da própria pintura. Acreditamos que a leitura centrípeta, a buscar
relações internas entre os signos que o texto/imagem traz deve guiar o trabalho com o
objeto. É óbvio que o signo sempre se relaciona com o externo, é parte de um universo
sistêmico instituído, no entanto, é necessário que ele seja considerado a partir do que se
oferece quando em relação com outros elementos internos a comporem um simulacro
novo e autônomo.
Para Gonçalves, são muitos os caminhos para que se busque por sentidos em uma
obra. Para o pesquisador, é necessário romper com que chama de imobilidade do signo. Tal
acepção parte de uma idéia desenvolvida por Marcel Proust e citada por Gonçalves, que
reproduzimos: “a imobilidade das coisas que nos cercam, talvez lhes seja imposta pela
nossa certeza de que essas coisas são elas mesmas e não outras, pela imobilidade de nosso
pensamento perante elas” (PROUST apud GONÇALVES, 1997, p. 2). Trabalhar com o
artístico, seja o literário ou o plástico, requer que nos despojemos de um universo sígnico
automatizado do qual, muitas vezes, nem percebemos que somos parte. Tal despojamento
é o que permitiria, em última análise, uma leitura centrípeta eficiente, quando não mais
partiríamos de referentes externos, mas neles nos apoiaríamos, capazes de transitar pelos
sistemas, e não dependentes dos mesmos. Estes surgiriam como índices a serem
movimentados pela experiência com o artístico.
Segundo Gonçalves, a consciência de mobilidade é a “única vertente que não
negaceia nossa condição de existentes diferenciados, sensíveis e racionais (...)” (1997, p. 2).
“Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos
negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao
padre que um dia revestisse, em praia de margem, para esconjurar e
clamar a nosso pai o dever de desistir da tristonha teima. De outra, por
arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu
de nada” (1988, p.34).
“Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão
resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar
depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez,
residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui de resto”
(1988, p. 35).
“Só fiz que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito
no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto.
Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas
vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz:
A pintura de Gauguin “De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?”, em
conformidade com o texto de Guimarães Rosa, também parece emanar como uma das
possíveis sugestões temáticas a necessidade de resgate de aspectos primeiros do homem,
elementos de essência de sua natureza, perdidos ou deformados ao longo de sua trajetória
no tempo rumo ao desenvolvimento, seja ele científico, econômico ou ainda de outra
ordem.
As figuras representadas na pintura são intencionalmente trabalhadas para causar
um aspecto de pintura rude e cru, a lembrar os traços primeiros de pintura do homem, o
que causa estranhamento no espectador. Tal estranhamento é corroborado pelas opções de
cores que o artista empreende.
“A gente teve que se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo,
a gente mesmo nunca se acostumou, em si na verdade” (grifo nosso,
1988, p. 34).
Esse dado é muito curioso e parece bastante coerente com a temática proposta pelo
conto. A busca por uma essência perdida ao longo do tempo é narrada em um estilo que
lembra e/ou simula narrativas que se aproximam da oralidade. Tal traço do texto torna
possível que o relacionemos às narrativas orais, o que nos possibilita remeter ao princípio
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