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Resumo: Trata-se de averiguar, aqui, até que ponto a divisão do trabalho constitui um
instrumento de dominação da força de trabalho. Com este objetivo, num primeiro momento,
o artigo discute as noções de técnica e de dominação e mostra, num segundo momento, como
a questão da divisão e especialização do trabalho foi tratada pelos clássicos da sociologia –
Karl Marx e Èmile Durkheim. Por fim, a discussão procura mostrar como a divisão do
trabalho pode ser utilizada não só como técnica de produção, mas também como técnica de
dominação. A divisão do trabalho que, num primeiro estágio de seu desenvolvimento, ocorreu
espontaneamente entre as diversas tribos, com o advento da propriedade privada, das
inovações tecnológicas e, particularmente, do capitalismo, se expandiu em especializações
com o propósito deliberado de ampliar a produtividade do processo produtivo e, assim, a
lucratividade do capital. Com este propósito, a divisão e especialização do trabalho foram
utilizadas não só como uma técnica de produção, mas também, como foi demonstrado em um
estudo de caso, como uma técnica de dominação, isto é, como um instrumento de imposição
dos interesses do capital sobre os interesses do trabalhador.
Palavras-Chave: Divisão do trabalho, Técnica de produção, Técnica de dominação.
1.Introdução
1
José Otacílio da Silva é professor de Sociologia e Ciência Política do CCSA – Centro de Ciências Sociais
Aplicadas e membro do GPCP – Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político, da UNIOESTE –
Universidade estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel-PR.
2
Rosana Kátia Nazzari é professora de Ciência Política do CCSA – Centro de Ciências Sociais Aplicadas e
membro do GPCP – Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político, da UNIOESTE – Universidade
estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel-PR.
3
Elizabeth Maria Lazzarotto é professora do CCBS – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde e membro do
GPCP – Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político, da UNIOESTE – Universidade estadual do Oeste
do Paraná, Campus de Cascavel-PR.
4
Antônio Pimentel Pontes Filho é professor de Sociologia e Antropologia do CCSA – Centro de Ciências
Sociais Aplicadas e membro do GPCP – Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político, da UNIOESTE –
Universidade estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel-PR.
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Cascavel – 18 a 22 de Outubro de 2004
necessárias para a produção desse produto foram divididas entre os homens e, cada um, se
especializou em tarefas cada vez mais específicas.
O processo de divisão e especialização do trabalho e de introdução de novas
tecnologias no processo produtivo trouxe consigo um grande paradoxo. Se, por um lado, as
transformações ocorridas no processo produtivo permitiram aos homens dominar a natureza
ao invés de serem dominados por ela, por outro lado, essas mesmas transformações os
submeteram aos ditames do sistema de produção. É diante desse paradoxo que o presente
artigo pretende tratar da divisão e especialização do trabalho que se instaurou no processo
produtivo do mundo moderno. Trata-se de averiguar, aqui, até que ponto a divisão do
trabalho constitui-se como um instrumento de dominação da força de trabalho. Com este
objetivo, num primeiro momento, serão discutidas as noções de técnica e de dominação e,
num segundo momento, a discussão mostrará como a questão da divisão do trabalho foi
tratada pelos clássicos da sociologia – Karl Marx e Èmile Durkheim – e, por fim, por meio de
um estudo de caso, a discussão procurará mostrar como a divisão do trabalho é utilizada não
só como técnica de produção, mas também como técnica de dominação.
Em seu livro A divisão social do trabalho, Émile Durkheim (1975), não está
interessado em examinar a divisão do trabalho como técnica de produção ou como técnica de
dominação. Ao invés disso, naquela obra Durkheim defende a tese de que, longe de promover
a desintegração da sociedade, a divisão do trabalho constitui um dos fatores responsáveis pela
integração social. Na demonstração desta tese, Durkheim faz distinções entre sociedades
inferiores ou segmentares e sociedades superiores ou orgânicas. As sociedades inferiores
seriam as sociedades dos primórdios da evolução humana onde não havia divisão do trabalho,
onde a consciência coletiva, sendo muito forte, se impunha facilmente a todos e onde,
portanto, os indivíduos eram semelhantes em suas maneiras de pensar, agir e sentir. É essa
semelhança existente entre os membros da sociedade que os mantinham, mecanicamente,
integrados, coesos, solidários. Ao contrário, nas sociedades superiores, onde a divisão e
especialização do trabalho se encontram bastante acentuada, onde a consciência coletiva
perde sua força coercitiva e onde, portanto, os indivíduos se tornam diferentes em suas
maneiras de pensar, sentir e agir, o que os tornam integrados, coesos, solidários, é justamente
as diferenças existentes entre eles. Quer dizer, aos olhos de Durkheim, a divisão do trabalho
tornou os indivíduos diferentes e enfraqueceu a consciência coletiva, mas, ao mesmo tempo,
gerou a dependência entre eles e é justamente esta dependência que os mantêm integrados,
coesos, solidários.
Diferentemente de Durkheim, Marx (1980), tem a divisão e especialização do trabalho
como fonte da alienação humana. Isto é, no entendimento de Marx, com a divisão do trabalho,
o indivíduo perde o controle do processo de produção e do produto de seu trabalho. Se antes
da divisão do trabalho o indivíduo dominava o processo produtivo, decidia o que produzir,
como produzir, o quanto produzir e para quem produzir, com a divisão do trabalho, ele se
torna alienado no sistema. Em outras palavras, com a divisão do trabalho o indivíduo perde a
compreensão e o controle sobre sua atividade econômica e, com isto, as exigências do
processo produtivo lhes são impostas. Com a divisão do trabalho, o trabalhador não decide
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mais o que produzir, pois o suposto mercado consumidor e os proprietários dos meios de
produção já decidiram por ele; já não decide mais o quanto produzir, pois a necessidade de
acumular riqueza aliada á necessidade de atender ao consumo estimulado, também já
tomaram estas decisões; não decide mais como produzir, pois os técnicos já traçaram os
movimentos que ele deve seguir durante o trabalho; já não sabe mais para quem produz, pois
não é necessariamente ele quem vai consumir e nem os membros de sua família. Enfim, na
avaliação de Marx, com a divisão e especialização do trabalho, o trabalho perde o sentido para
o trabalhador.
As visões de Durkheim e de Marx sobre a divisão do trabalho requerem alguns
comentários. Ao contrário do que supunha Durkheim, a divisão do trabalho não foi capaz de
gerar a solidariedade social nas sociedades modernas. Pelo contrário, os conflitos de
interesses entre os homens – entre capitalistas e trabalhadores; entre os próprios capitalistas;
entre os próprios trabalhadores; entre as raças; entre as religiões, etc – são cada vez mais
alarmantes no mundo moderno onde, paradoxalmente, impera a divisão e especialização do
trabalho. Mesmo com a criação das leis, regulamento e normas de condutas que, aos olhos de
Durkheim, poderiam suprir as deficiências da divisão do trabalho na geração da integração
social, o que se nota é o individualismo exacerbado em detrimento da ação solidária. Quanto a
Marx, não há como contestar suas observações sobre a divisão do trabalho. Se se compara o
trabalhador assalariado moderno e o artesão da idade média, é fácil constatar o quanto o
assalariado moderno é dominado pelo processo de produção. Enquanto o artesão – por ser
proprietário de seus meios de produção e por produzir, diretamente, para a satisfação de suas
necessidades e de sua família – concebe, planeja e executa sua atividade produtiva como um
todo, o trabalhador assalariado moderno, com suas tarefas fragmentadas e sem a posse de seus
meios de produção, se limita, obrigatoriamente, a executar apenas as tarefas produtivas
concebidas e planejadas por outros e, no final, o produto de seu trabalho não mais lhe
pertence.
A divisão do trabalho que, até então, fora um processo espontâneo de organização das
atividades econômicas que nasciam no seio de desenvolvimento das sociedades, com o
advento do comércio e da indústria, haveria de transformar-se em uma técnica de produção e
uma técnica de dominação deliberadamente utilizada para a ampliação da produtividade dos
processos produtivos. Ou seja, a divisão e especialização do trabalho se tornam um
mecanismo para incrementar a produção e os lucros dos capitalistas, a partir do momento em
que os agiotas e comerciantes transformaram-se em capitalistas, isto é, em proprietários dos
meios de produção que passaram a comprar a força de trabalho e a destinar a produção para o
mercado e não mais para a satisfação direta das necessidades humanas.
No artesanato ou no sistema produtivo manufatureiro que antecederam o capitalismo,
apesar dos artesãos trabalharem aglomerados num mesmo pavilhão, o processo de produção
se dava sem a especialização das tarefas. Habilitado a executar todas as tarefas necessárias
para a confecção de um produto, o trabalhador dominava os sistemas produtivos. O próprio
trabalhador determinava a quantidade que deveria produzir; a qualidade do produto; o seu
tempo diário de trabalho; decidia sobre as interrupções que deveria fazer durante o trabalho;
escolhia as ferramentas com as quais deveria trabalhar; decidia como utilizá-las e, acima de
tudo, tinha a possibilidade de criar, de dar a forma desejada a seus produtos.
A necessidade de ampliação dos lucros constituiu o fator decisivo na transformação do
artesanato ou da manufatura no sistema fabril cuja característica básica é introdução da
divisão e especialização do trabalho e da maquinaria no sistema produtivo. Com a divisão e
especiação das tarefas, o sistema fabril fez o ritmo da produção de um trabalhador depender
do ritmo da produção do outro; tirou do trabalhador a possibilidade de conceber e planejar
suas atividades; de decidir sobre a quantidade da produção; sobre o horário de trabalho e
sobre as eventuais interrupções diárias do trabalho. No sistema fabril, deixar de trabalhar um
dia ou interromper continuamente o trabalho, significa acumular peças inacabadas ou não dar
seqüência á produção; significa, portanto, menos produtividade e menos lucro.
A divisão e especialização do trabalho, ao mesmo tempo em que racionaliza o
processo produtivo com vistas à ampliação dos lucros, impõe aos indivíduos condições de
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Esta produção de fusos novos, por ser a atividade mais lucrativa da empresa, era a
função melhor remunerada, e por isto o torneiro produtor de fusos novos obtinha mais
prestígio tanto diante da empresa como diante dos demais trabalhadores. Nesta situação, o
conflito entre empregado e empregador era inevitável. De um lado, o torneiro, ciente da
importância de seu trabalho para a empresa, se achava no direito e com força bastante para
reivindicar e obter aumentos salariais e outras regalias. Neste caso, a demissão do torneiro não
seria desejável, pois um torneiro recém admitido levaria de oito a doze meses para adquirir a
habilidade do torneiro demitido. Portanto, demitir o imponente torneiro significava admitir
outro torneiro impotente, mas inoperante; significava diminuição da quantidade da produção e
deterioração da qualidade do produto. A saída encontrada pela empresa foi dividir as tarefas
necessárias na confecção do fuso entre os diversos trabalhadores. Mesmo estando a matéria-
prima fixada, durante todo o processo de produção, em um mesmo torno mecânico, cada
tarefa era designada a um trabalhador específico, ao invés do mesmo torneiro executar todas
as tarefas. Quando um trabalhador terminava a tarefa que lhe era designada, o outro se dirigia
ao torno mecânico para executar a tarefa seguinte e assim sucessivamente até o término da
construção do fuso.
Com a divisão das tarefas necessárias para a construção do fuso, a força de trabalho
haveria de se curvar diante da astuta decisão empresarial. O torneiro que antes era orgulhoso
de seu trabalho, daí para frente, faria apenas uma das tarefas e as demais por outros
especialistas. Não poderia mais se vangloriar por transformar materiais brutos numa obra de
arte; por transformar materiais brutos em caríssimas peças que iriam proporcionar esplêndidos
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lucros para a empresa. O material bruto que antes saia do deposito diretamente para seu torno
e dali saia minuciosamente acabado para o uso, agora tem que passar por várias mãos, embora
numa mesma máquina. O ajudante busca o material no deposito e o entrega para o serrador
fazer o corte no comprimento necessário. Depois o material cortado é entregue ao ajustador
que tira suas rebarbas e faz os furos de centro das extremidades. Em seguida o torneiro faz a
rosca extrusora e outro torneiro, a rosca comum da extremidade do fuso. Agora, o rasgo de
chaveta é feito por um frezador e não mais pelo torneiro versátil. Finalmente, outro torneiro se
incumbe de dar o acabamento e polimento final. Subdividiu-se o trabalho não só para
aumentar a produtividade, mas também para amesquinhar o trabalho e coibir as reivindicações
do trabalhador. .
7.Conclusão
8. Bibliografia