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Emanuele Coccia A vida sensivel ¢ Cultura e Barbérie PARRHESIA Desterro, 2010 Titulo Original La Vita Sensibile ‘Tradutor Diego Cervelin Conselho Editorial Alexandre Nodari, Diego Cervelin, Flévia Cera, Leonardo D’Avila de Oliveira, Rodrigo Lopes de Barros Oliveira C689% Coecia, Eman Avida sensivel / Emanuele Coccia; [tradutor Diego Cervelin].— Desterto [Florianépolis}: Cultura e Berbarie, 2010, ‘98p.~ (PARRHESIA, Colegio de Ensaios) ‘Tradugiio de: La Vita Sensi ISBN; 978-85-63003-01+ 1 Filosofia, 2 Filosofia antiga. 8, Filosofia oriental J. Ntulo. cpu: ‘ates pub por Ola Sina Gamaray CRBajo7 Editora Cultura Barbérie R. José Joo Martendal, n°145 / 304 Carvoeira- 8040-420 Florianopolis/SC Tel:(48) 99605336 editora@culturaebarbarie.org vow: culturaebarbarie.org Nota sobre a tradugao brasileira “Toda tradugao se depara com a dificuldade de transpor termos e cexpressGes de uma lingua a outra sem perder, minimamente que seja, a intensidade de pensamento exposta pelo texto original. As linguas italiana e portuguesa, ambas carregando consigo os rastros de uma mesma matriz latina, possuem similitudes, mas nem sempre 0 uso dos termos em cada dessas Iinguas presenta uma intensidade de mesmo grau. Alguns termos que, no italiano, so cortiqueiros, se traduzidos literalmente para 0 portugués, assumiriam um aspecto raro ¢ preciosista que néo condiz. com © original. Podemos traduzir um texto em italiano, mas nfo podemos traduzir a lingua italiana pura e simplesmente, ainda mais quando a experiéncia que se tem com a linguagem também comporta 0 uso de termos de outras linguas, como o latin ou 0 grego. Esse € 0 caso deA vida sensivel. Como se poderd perceber jé no segundo ponto do livro, o autor utiliza correntemente o termo latino specie. A grafia do termo é a mesma no latim e no italiano. Em um primeiro momento, specie poderia significar 0 complexo dlas caracteristicas coincidentes em muitos individuos, ou seja, 0 termo “espécie” tal qual utilizado pela texonomia biolégica, Por outro lado, aetimologia do termo latino e 0 seu uso pelo discurso filoséfico apontam para outras significagées que dizem respeito 0 pensamento das imagerise do intelecto relevantes pare aleitura deA vida senstuel: a figura exterior que pode ser vista, a forma, 0 aspecto, a aparéncia, as imagens impressas na imaginago. Assim, quando no texto italiano lemos a exptessio “specie intensionale™ optamos por traduzit “formaintencional” —ou seja, aquelas formas que se delineiam na imaginago dos viventes ~ e, quando a palavra “specie” surge sozinha, traduzimos geralmente como “figura” (e excepcionalmente como “espécie", conforme o caso), mantendo © original entre colchetes ¢ em itiico. Além disso, quando “specie” aparece em Jatim, mantivemos 0 termo nao traduzido e em ico, conforme a versdo italiana. Na segunda parte do ensaio, © autor utiliza seguidamente o termo “abito”, que remete tanto 3 roupa como, em uma significagio menos cortiqueita, a hdbito, no sentido de costume. Optamos por traduzi-lo como *roupa”, utilizando a palavra *hébito” apenas para traduzir 0 terme Hine”. Nas citagdes de O olbo e oespirito, de Maurice fizemos uso da tradugao de Paulo Neves ¢ Maria Ermantina Galvao Gomes Pereira (Sao Paulo: Cosac & Naif, 2004). Em relagio ao décimo ponto do livto, sexto e ao décimo sétimo pontos do livro, quando 0 autor retoma as consideracées de Jacques Lacan sobre o “estédio do espelho", para as vétias citagdes presentes no compo do texto, seguimos a tradugao de “O estidio do espetho como formadora da fungdo do eu tal como nos 6 revelada na experiencia psicanalitica” feita por Vera Ribeiro, Dtesente na edigao dos Hscritos de Lacan publicados pela Editora Jorge Zahar (Rio de Janeiro, 1998). Diego Cervelin Seulemens la vie peut soutenir la vie [Somente a vide pode sustentar a vida} Julien Joseph Virey 1 Vivemos porque podemos ver, ouvir, sentir, saborear o mundo que nos circunda. E somente gragas ao sensivel chegamos a pensar: sem as imagens que nossos sentidos so capazes de captar, nossos conceitos, tal qual jé se escreveu, nao passariam de regras vazias, operages conduzidas sobre o nada. A influéncia da sensagio ¢ do sensivel sobre nossa vida é enorme, embora petmaneca prati- camente inexplorads, Enfeiticada pelas faculdades superiores, a filosofia raramente mediu o peso da sensibilidade sobre a existén- cia humana, Esforcando-se por provar e fundar a racionalidade do homem, procurando separé-lo a qualquer custo do resto dos animais, ela freqiientemente esqueceu que todo homem vive no meio da experiéncia sensivel e que pode sobreviver apenas gracas as sensages, Ha meio século, Helmuth Plessner ainda podia conside- rar como nao solucionado o enigma relative a “quais espectficas possibilidades 0 homem obtém de seus sentidos, aqueles em que notmalmente confia ¢ de que depende”. O seu projeto de “uma estesiologia do espirito”, iluminado posteriormente no quadro de “uma antropologia dos sentidos” se aftonta, porém, com uma Facil 10 Emanuste Cocca objec. Sentido e sensagao nao possuem nada de especificamente humano. A sensagio nfo é aquilo que transforma um animal em algo humano; ela é pelo conteétio, segundo a tradigao, ‘a facul: dade através da qual os viventes, para além da posse da vida, se tornam aitinais” (Alexandre de Afrodisia, In De anima, 38, 18-19) E provavelmente em fungio disso que sua influéncia seja tio dift- cil de perceber e tematizat. O sensivel (0 ser daquilo que chamamos aqui de imagem em sentido amplo) 6 aquilo pelo qual vivemos indiferentemente a nossa diferenga especifica de animais racionais: paradoxal- mente, ele define a nossa vida enquanto ela ainda nao tem nada ° de especificamence humano. Na experiéncia e no sonho, dormindo c em vigilia, vivemos uma vida inferior ao pensamento, nfo neces- sariamente definida pela autoconsciéncia, ¢ integralmente tecida pelo sensivel, A pergunta formulada por Plessner deveria ser, entio, inver- tida: mais do que questionar quais sio as possibilidades especificas que o homem obtém dos sentidos, deveremos perguntar que forma a vida tem na sensac&o, tanto nos homens como nos ani- mais, Do que o sensivel € capaz no homem e no seu corpo, até onde podem chegar a forca, a ago, a influéncia da sensagio nas atividades humanas? E ainda, a qual estadio da vida sensivel, aqual modo da vida das imagens, acostumamo-nos a chamar “homem"? Nao é apenas o ponto de vista que muda com essa inversio dia lética. ‘Trata-se, antes, de evitar pressupor uma natureza humana aquém das poténcias que a definem. A vida animal ~ a vida sensivel em todas as suas formas ~ pode ser definida como uma faculdade particular de se relacionar com as imagens: ela é a vida que as proprias imagens esculpiram ¢ tor- naram possivel. Cada animal nao é sendo uma forma particular de abertura ao sensivel, uma certa capacidade de apropriar-se dele ¢ de interagir com ele. “Como a faculdade vegetativa opera sobre A Vina Sensfven n © alimento, assim a faculdade sensitiva precisa do sensivel para poder ativar-se” (Alexandre de Afrodisia, J De anima, 39, 2-3). Se € a faculdade sensitiva que dé nome e forma a todos os animais, as imagens desempenham um papel semelhante ao alimentto, ao deli- near a maneira pela qual cada um vive. A vida precisa; na mesma medida, tanto do sensivele das imagens quanto da nutrigo, O sen: sivel define as formas, as realidades e os limites da vida animal Portanto, para que a vida exista e se dé como experiéncia e sonho, “€necessério que exista o sensivel” (De anima, 417b 25-6). E somente interrogando-se sobre a natureza e as formas de existéncia do sensivel que € possivel defini as condigSes de possi- bilidade da vida em todas as suas formas, seja humana ou animal A Obvia distancia que separa 0 homem do resto dos viventes no coincide de fato com o abismo que divide a sensibilidade do intelecto, a imagem do conceito, Ela se expressa inteitamente na intensidade da sensagio e da experiéncia, na forga ¢ na eficdcia da relagdo com o mundo das imagens. 8 prova irrefutavel disso o fato de que grande parte dos fendmenos que nominamos espirituais (Sejam esses o sonho ou a moda, a palavra ou a arte) no apenas pressupdem alguma forma de relacao com o sensivel, como tam bém sao possiveis somente gracas capacidade de produzir imagens ou de ser afetado por elas, Para compreender “quais especificas possibilidades o homem obtém de seus sentidos, aquueles em que normalmente confia e dos quais depende”, € necessério, ento, resolver um duplo enigma, Em primeiro lugar, seré necessério interrogar-se sobre 0 modo de existéncia daquilo que chamamos sensivel. E.a tarefa destinada 3 primeica parte deste livro. Se a vida sensivel nfo tem neces- sariamente origens humanas (sem que por isso seja estranha 20 homem), a ciéncia do sensivel —e, em um fécil silogisino, a ciéncia do vivente ~ tem uma extensdo mais vasta e mais geral do que a de uma antropologia. A ciéncia das imagens pode ser articulada 2 Emanuete Cocca somiente nos termos de uma fitica do sensivel. Pelo contrétio, uma antropologia da imagem no deveré se interessar pelo modo através do qual as imagens e 0 sensivel existem diante do homem dotado de sentidos, mas deverd estudar os modos pelos quais a imagem dé corpo 2s atividades espirituais (aquilo que Hegel cha- maria espirito objetivo, que, como se veré, no consiste sendo de imagens) ¢ também dé forma ao seu proprio corpo. Ea essa exigén- cla que a segunda parte do livro procuta responder. 2 ‘Toda indagagao sobre o modo de existéncia do sensivel deve con~ frontar-se como curioso destino que pesa sobre as imagens desde as otigens da modernidade, Contra o sensivel eas imagens nfo se armararn, como havia acontecido no mundo tardo-antigo, o poder politico e a teologia (que, depois do segundo Concilio de Nicéia, reduziram-se a sofisticadas praticas iconogréficas e a perspicazes técnicas de produgao do sensivel), senfo a filosofia mesma, que jaa tantos séculos declarou um verdadeiro abandono de ambos: indagar 0 modo de existéncia do sensivel nfo seria possivel por- que ele nfo possui uma existéncia separada e separvel do sujeito cognoscente que através dele conhece a realidade, Nao existe ! nenbum sensivel em sie por si A ptoibicao de reconhecer qualquer autonomia ontolégica as imagens é um dos intimeros mitos fundadores que a moderni-* lade produziu ¢ cultivou. No gesto aparentemente insignificance : pelo qual Descartes procurou liberar “o espirito de todas aquelas equenas imagens que flutuara no ar as ditas formas {specie} inten cionais, que tanto cansam a imaginagéo dos filésofos®, trava-se na realidade uma das batalhas decisivas do pensamento moderno AVips Senstver, 3 contra o préprio passado, A cruzada contra uma opiniéo que Hobbes definiria como “pior do que distante do senso comum, porque obviamente impossivel (worse than non-commonsensical since itisobviously impossible)” envolweu quase a totalidade dos pen- sadores reconhecidos sob a égide do moderno; alids, Malebranche insistird, na sua Recherebe de a verité, que “nao hé nenhuma veros- similhanga no fato de que os objetos enviem imagens ou figuras [specie] que se assemelhem a cles”, As razGes dessa unanimidade dos modernos sfo faceis de entender, De fato, é apenas através da definigao daquilo que até poderia parecer um simples detalhe gnoseolégico que se torna possfvel pensar um sujeito realmente auténomo das coisas, Foi somente o abandono.da forma {specie} intencional que possi- bilitou fazer coincidir 0 sujeito com o pensamento (c com 0 pensado) em todas as suas formas. Nas palavras de Descartes, a sensagdo e a vida sensorial podem ser explicadas apenas a partit do sujeito: nao sé “no hé nenhuma necessidade de supor uma passagem efetiva de algo material entre os objetos e nossos olhos para que seja posstvel ver as cores ea luz”, como também no é preciso “que haja naqueles objetos algo de semelhante as idéias ou as sensacdes que temos deles”, A existéncia do homem basta por sisé para explicar tanto a existéncia quanto o funcionamento da sensagio: “dos corpos percebidos por um cego com a sua ben- gala nfo fluj nada até sua mao; a resisténcia eo movimento desses corpos, que so a tinica causa das sensagdes que ele tem, ndo siio de modo algum semelhante as idéias que 0 cego concebe desses corpos’, Aos olhos dos modernos a forma {ypecie} intencional se apresentava como um obstéculo inttil que impedia pensar a per- cepgio subjetiva inxta propria principia: a existéncia do sensivel, separada tanto do sujeito quanto do objeto, torna efetivamente impossivel toda redugdo da teoria do conhecimento em psico- logia, em teoria do sujeito. E toda teoria das imagens se torna entio um ramo acidental da antropologia. Do mesmo modo, somente © abandono dessas “imagens” de todo ato espiritual, permite considerar a reflexao do sujeito sobre si mesmo como o fundamento de todo conhecimento. A propria consisténcia do cogito ergo sum cartesiano é amea- ada pelas formas {specié] intencioneis. Elas exprimem, de fato, 0 modo com que o objeto insiste ao sujeito, uma espécie de lasca de objetualidade infiltrada no sujeito, ou 0 sujeito enquanto pro- jetado em diregao ao objeto ¢ a realidade exterior, néo psiquica (iteralmente rendido em diregao a eles). Se é gracas a essas species que podemos sentir e pensar, qualquer sensagdo ¢ qualquer ato de pensamento demonstrariam nfo exatamente a verdade do sujeito ou a sue natureza, mas sim a simples existéncia das imagens, Por mais absurda que possa parecer a quem, por séculos, esté habituado a considerd-la uma fantasmagoria primitiva sobre nosso modo de conbecer, a doutrina das formas {ypecie} intencionais funcionava através de evidéncias “fenomenolégicas”. Reexaminar, hoje, as raz6es e as evidéncias de uma teoria que “tanto caiisou a imaginagao dos filésofos” néo significa promover o retorno nos- télgico a um passado sepultado em escombros, Trata-se muito | mais de suspender, mesmo que por um instante, 0 sono dogma tico que rejeita cidadania filos6fica a idéias das quais nao se é mais! capaz nem mesmo de reconhecer a necessidade. ‘Trata-se de se colocar mais uma vez diante das imagens e de sua existéncia com | olhos livres de preconceitos, um pouco mais abertos e perspicazes do gue aqueles do cego de que falava Descartes Fisica Do SENS{VEL 1 t i 3 Osensivel,o ser das imagens, nao ¢ algo meramente psiquico: caso fosse, bastaria fechar os olhos para ver e abservar qualquer coisa. Nao precisariamos do mundo para poder ouvir nem deveriamos lancat-nos pele a pele nos objetos para poder perceber suas super ficies ou para sentir seus gostos, Nao ¢ a luz que existe no fundo do nosso olho, no € 0 esplendor que percebemos toda ver que adormecemos, 0 que iumina o mundo. Esse esplendor tem uma natureza outrae provém de foradends. Aexisténcia dosensivel nao coincide perfeitamente nem mesmo coma existéncia do mundo e das coisas. Se os interminaveis debates sobre a possibilidade de deduzir a existéncia do real a partir da sensacio preocuparam a filosofia por tanto tempo € porque as coisas nao so perceptivei por sismesmas. Elas precisam devir perceptiveis, Seo sensivel no coincide com o real, é também porque o real eo mundo, enquento tal, nao so por si mesmos sensiveis, cles precisam devir sensfveis. Ha um experimento bastante simples que demonstra isso: “Se alguém colocar o que tem cor bem diante da prdpria vista, nfo o vera” (De anima, 419a 12-3). Nao basta fazer interagir um objeto como sujeito para que se produza a percepcdo. Deixando o objeto 18 Emanuste Cocca agir imediatamente sobre o sujeito nao haverd nenhuma sensagdo. E isso nfo vale apenas para a visio, “sengio também para o som ou © odor, Nenhum dos seus objetos produz sensagio quando to © érgio perceptivo [..] E, quando alguém coloca sobre 0 érgéo © objeto que soa ou que exala, ndo haverd nenhuma percep¢io” Acima de tudo, é preciso que o objeto real,o mundo, a Coisa, rome. se fentmeno, eque 0 fendmeno encontre nossos érgios perceptivos Enqu into objetos realmente existentes, as coisas slo geneticamente diferentes das coisas enquanto fentmenos. Ou seja,o processo pelo ual as coisas se tornam sensiveis é diferente daquele pelo qual clas existem, e é também diferente daquele pelo qual elas sio per- cebiclas por um sujeito cognoscente. A génese da imagem, o devir sensivel das coisas, ndo coincide nem com a génese das coisas mes- mas nem coma génese do psiquismo ou dos contetidos psiquicos Ou seja, o senstvel, 0 ser das imagens, & geneticamente diferente tanto dos objetos conhecidos quanto dos sujeitos cognoscentes, oumelhor, tem uma natureza diferente tanto da psique quanto dos compos. Natureza (physis) ndo € sendo a forca que torna possivel © nascimento das coisas, Nas palavras de Vico, “natureza & nas- cimento de coisa”, A ciéncia do nascimento das coisas se chama ica~ ou cigncia natural: isto 6 0 saber que faz coincidir aessén- cia das coisas com o modo pelo qual elas se geram, que deduz a identidade de qualquer objeto a partir do modo pelo qual ele se sgera. O nascimento ou a génese de toda coisa éa forma extrema de movimento ou devir de que ela é capaz:o lugar onde o movimento nao é simples acidente exterior ou periférico, mas toca e dé forma 20 ser; éimediatamente responsével por aquilo que um objeto é, ¢ pelo préprio faeo deele ser. Uma coisa tem natureza apenas porque € na medica em que o seu ser éum efcito do movimento de que é capaze em cujo seio cle existe, gera-se, destr6i-se e faz tudo aquilo ue pode. A fisica do sensivel ~ a cigncia natural das imagens ~ do pode coincidir com a psicologia, que precede e funda, mas no AVips Sensiven, 19 pode tampouco se reduzir a ciéncia das coisas. O sensivel, o vistvel, no coincide perfeitamente com a coisa enquanto existente pela mesma razo que o mundo nao é evidente por si mesmo, Entre rea- lidade e fenimeno, hd uma diferenga que nfo pode ser suprimida, somente observando como as imagens se geram que se chegaré definigdo de sua narureza, Compreender a génese de alguma coisa no significa interrogar-se imediatamente sobre sua esséncia ou sobre sua forma, Trata-se muito mais de perguntar onde, atcavé do que, a partir do que, as imagens podem gerar-se nesse mundo, 4 Os femimenos esto aquém da alma, mas além das coisas. © lugar onde as coisas se tornam fendmenos nao é a alma, tampouco a sua simples existéncia, Para que haja sensivel (e para que, assim, haja sensagio) “é necessirio que exista algo intermedidrio” (béstanaghaion ti einai mecaru, De anima, 41a 20). Entre nés ¢ os objetosha um lugar intermediario, algo em cujo seio o objeto torna se sensive,faz-se phainomenon. Eo uy ato ae expena bem Resse espago intermedidrio que quando sustenta que, se 0 meio 2 cosas se tornam sensiveis ¢ Aili com vais verla com re & desse mesma espago que os Se2.aiémesmo uma orm viventes colhem o sensivel com © qual, noite e dia, mutrem suas préprias almas. Também para observar a si mesmo, ouvir a si mesmo, faz-se necessdrio, para todo animal, constituir a prépria imagem éno Tai pen thee er fora de si, em um espago exteri espelho que conseguimos devir sensiveis © € 0 espelho (¢ nfo exatamente aos noss0s cozpos) que deman= damos nossa imagem; é apenas depois de termos ‘pronunciado 20 Enanuece Coceua alguma palavra que podemos ouvir aquilo que dizemos, Nao se trata simplesmente da impossibilidade da percepgao imedliata de si, Na tealidade, € sempre fora de si que algo se torna passivel de experiencia: algo se torna sensivel apenas no corpo intetmedigtio que esté entre 0 objeto € 0 sujeito, Fé esse meraru (e no as coi sas mesmas diretamente) que oferece todas as nossas experiéncias © que alimenta todos os nossos sonhos. A experiéncia, a percep- $0, nao se torna possivel a partir da imediiatez do real, mas sim a partir da relagao de contigitidade (sunechous ongos) com esse lugar ou expaco intermedidrio onde o real se torna sensivel, percepti- vel (per continuationem suam cum videntem). Esse espaco nfo é um vazio, Sempre € um corpo, sem nome especifico e diferente em aco aos diversos sensiveis, mas com uma capacidade comum: aquela de poder gerar imagens. No cerne desse meio, os objetos corpéreos se tornam imagens ¢ assim podem agir imediatamente sobre nossos drgaos perceptivos. Ha percepeao apenas porque hé ‘um meracit, O sensivel tem lugar apenas porque, para além das coi- sas ¢ das mentes, hé algo que possui uma natureza intermediéria, 5 Esse corpo intermedittio se faz conhecer, em todas as suas pro- priedades, no espelho; simultaneamente exterior 20s sujeitos ¢ aos objetos, é nele que estes transformam 0 proprio modo de ser se tornam fenémenos, ¢ aqueles colhem o sensivel que precisam para viver, Se durante séculos o espelho foi a experiéneia decisiva de qualquer teorin do conhecimento nao é porque reproduz una duplicagio narcisista da consciéncia entre um eu sujeito e um eu objeto, mas porque representa o paradigma da medialidade, sendo seu exemplo mais evidente. No espelhio, 0 sujeito ndo se toma A Vina Sensiven, a objeto para si mesmo, mas se transforma em algo puramente sensivel, algo cuja tinica propriedade é o ser sensivel, uma pura imagem sem corpo ¢ sem consciéncia. No espellno, tornamo-nos algo que nao conhece e nao vive, mas que é perfeitamente cognos- civel, sensivel, ou melhor, é 0 sensivel por exceléncia. Longe de reencontrar a ‘carne” da percepeao, gozamos de um estado em que nos tornamos um sensivel sem carne e sem pensamento, ser puro do conhecimento. Nesse estado, no fundo, cessamos de ser tanto sujeitos pensantes quanto objetos que ocupam espago ¢ vivem. 1a matéria, Subitamente, perdemos nosso corpo, que permanece aquém do espelho, da mesma forma que também nos distanciamos denossa alma e de nossa consciéncia, jé que ela é incapaz de existir através do espelho. A experiéncia do espelho 6, por assim dizer, a experiéncia de uma duplicagio, da constituigao de duas esferas geneticamente separadas: de uma parte, aesfera na qual existem o eu sujeito eo eu objeto, acarne eo espirito,a matériac a inteligén- cla coincidindo perfeitamente; de outra, a esfera das imagens, que estd separada, exilada, na mesma intensidade, tanto em relagio ao corpo quanto em relagio a alma. De uma parte, hi o sujeito que véeé visto (que € corpo e alma) ¢, de outra, nés ainda existimos, ‘mas apenas enquanto mera visibilidade envato, como puto ser do sensivel. No espelho, entio, a imagem, o sensivel, faz-se conhe- cer como aquilo que se opse frontalmente aos corpos-objetos e as almas-sujeitos, algo que ¢ simultaneamente exterior aos corpos de que so imagens e aos sujeitos aos quais permite pensar esses mesmos corpos. O espelho demonstra que a visibilidade de algo ¢ realmente separivel da coisa em si e do sujeito cognoscente. Nele, se esta diante da prépria visibilidade, da prépria imagem, diante de si mesmo enquanto ser puramente sensivel; essa imagem, no entanto, existe em um outro lugar, diferente daquele onde cxistem osujeito cognoscente ¢ o objeto do qual a imagem ¢ visibilidade. 2 Eaanuste Cocera 6 brimo-nos transformados no ser puro imaterial e inextenso do’ sensivel, enquanto ndssa forma, nossa aparéncia, passa a existir fora de nds, fora de nosso corpo e fora de nossa alma. Com isso, podemos concluir que a imagem (0 sensivel) nio € sendo a exis- téncia de algo fora do proprio lugar. Qualguer forma e qualquer coisa que chegue a existir fora do préprio lugar se corna imagem. Nossa forma se torna imagem quando é capaz de viver para além de nds, para além de nossa alma, para além de nosso corpo, sem que ela ‘mesina se torne um outro corpo, jd que € capaz de viver como que na superficie dos outros corpos, A imagem é como que a astticia que as formas encontraram para escapar da dialética entre alma e corpo, matéria e espitito: como sair dos corpos e das almas sem se tornarem um outro corpo ¢ sem entrarem ainda em uma consci- éncia ou alma alheia transformando-se em percepgées atuais de qualquer outro? £ como se, para toda forma, houvesse uma vida depois do corpo, que, no entanto, ainda no é a-vida do espirito, uma vex que tem lugar ances de enttar 20 sovia ex yiotum? Dieo reino dos espititos, das almas, das cons- ota apparcntia nl en ciéncias. A imagem nasce e vive sempre locum suum £..} quia res depois do fim, do término do corpo de Sypangtnon solu in loco que era forma, e antes da consciéncia onde € percebida. E exatamente esse o lugar e 0 tempo em que as formas so sensiveis, Na sua obra sobre a perspectiva, John & Peckham se perguntava: “O que é uma imagem? Digo que é to somente a aparéncia da coisa fora do seu lugar (extra locum suum), nna medida em que a coisa no aparece apenas no prdprio lugar senio também fora do préprio lugar”. O ser das'imagens é o ser das formas em uma matéria alheia ao seu sujeito natural. Nossa & imagem é a existéncia de nossa forma fora de nossa matéria, do 5 No espelho, encontramo-nos sendo uma pura imagem, desco: | A Vina Sensive. 2B substrato que permite a essa forma existir: “em uma matéria total- mente alheia (extranea materia) iquela na qual se existe ¢ com a qual nada se mistura’, Se isso é verdade, poder-se-4 dizer que toda imagem nasce com a separago da forma da coisa em relagéo a0 lugar da sua existéncia: onde a forma estd fora de lugar, tem lugar uma imagem. A possibilidade de devir imagem néo & outra senio aquela de nfo estar mais no proprio lugar, aquela de chegar a exis- tir fora de si mesmo. Ser imagem significa estar fora de si mesmo, ser estrangeito ao préprio corpo ¢ & prépria alma, Nossa forma adquire um ser diferente daquele natural, um ser que os escolésti- ‘cos chamavam esse extraneum, ser estranho, ser estrangeiro. O ser das imagens é0 ser da estranheza. Iso significa que as imagens no tém um ser natural, mas sim um etse extraewm: entre o corpo eo espirito, que dao lugar ao ser natural, hé um ser estranho, estran- geiro, Em outras palavras, as formas so capazes de transitar em uum estado que nfo corresponde nem ao set natural que possuem em sua existéncia corpérea (fisica, mundana) nem ao estado espi- ritual em que se encontram quando so conhecidas ow percebidas por alguém. Tornar-se imagem, para toda forma, é fazer experién- cia desse exilio indolor em relago ao préprio lugar, em um espaco suplementar que no € nem o espaco do objeto nem o espaco do sujeito, mas que deriva do primeiro e alimenta e torna possivel a vida do segundo, Isso porque o sensfvel & uma transformacio dos corpos, ¢ aquilo que determine ¢ orienta os espititos. Nesse sentido, todo sensfvel resulta da fratura entre a forma de algo e 0 lugar da sud existéncia e da sua consciéneia. No fundo, 0 cagite do espelho 6: ndo estou mais onde existo nem onde penso. Ou ainda: sou sensivel apenas onde nio se vive mais € nao se pensa mais O sensivel se define por uma dupla exterioridade: uma exte tioridade em relacdo aos corpos, jé que se gera fora de si, e uma exterioridade em relagao as almas, na medida em que as imagens existem antes de entrar nos olhos de um sujeito que observa um rsd 24 Emanuete Coccta espelho. Todo sensivel é, entdo, nfo apenas extra mental, mas também extra- objetivo. Define um regime de existéncia diferente daquiele dos corpos assim como daquele das almas ¢ dos espiri- tos. Enquanto pertencentes a um regime de existéncia diferente daquele da objetividade, as imiagens fundam aquilo que se chama, de uma parte, fingimiento e, de outsa, erro, O erro € posstvel justamente porque o sensivel (0 ser mais verdadeiro e teal da consciéncia) é transcendentalmente exterior a alma e aos objetos (torna possivel a ilusto ¢ a exclusio em relacdo & objerividade), pertencendo a uma esfera outra. A imagem nio define uma forma qualquer de exterioridade. Para toda forma, ela € a experiéncia da exterioridade absoluta. Uma longa tradigao havia oposto © corpo, enquanto forma da extetioridade, a alma, o lugar da interioridade. Desde Agostinho até Kant, 0 espago, 0 mundo dos corpos, nfo € sendo a forma da exterioridade, a forma através da qual tudo aquilo que nos é exte- rior acontece e, ao mesmo tempo, aforma ein que tudo aquilo que éexterior asi mesmo acontece. O espaco € por excelénciao mundo das partes extra partes onde tudo existe fora das outras coisas e fora de si mesmo. Poder-se-ia dizer que a imagem é 0 fora absoluto, uma espécie de hiper-espago, aquilo que se mantém fora da alma ¢ fora dos corpos. O sensivel, jé havia escrito Aristételes, pertence a0 singular e & sempre “algo exterior” (sin exdithen, De anima, ax7b 28), ndo apenas As coisas, mas especialmente & alma dos viventes capazes de percebé-lo. O Fora, nesse sentido, nao coincide de fato com o mundo, com a objetividace, com os corpos, 0 verdadeiro fora sio as imagens. Seernuemmomenmaror AVioa Senstven 25 7 O senstvel 6 0 ser das formas quando elas esto no exterior, exila- das do préprio lugar. Mas qual a forma desse “fora”? De que modo precisamos pensar esse espaco suplementar que é 0 fora absoluto em relagdo as almas e aos corpos? Para compreendé-lo, & neces- sitio estudar quais sdo as propriedades dessa materia evtranea em que as imagens surgem, nascem, vivems. O que é de fato um espelho para a imagem que nele surge? Ou seja, qual 60 modo de existéncia de uma forma em uma matéria estranha a ela? Qual é a mancira de ser da forma em exilio em relaco ao préprio lngar natural? Como a nossa forma existe no espelho? Em suma, qual é o ser-no-mundo definido por um espelho? Quando um espelho recebe uma imagem, ele no aumenta nem de peso nem de volume (speculum propeer ipsam non occupat taiorem locum, escreve Alberto Magno). Mesto que todo corpo tenha uma profundidade, no a Jorma ita reultans in pecuo non hebet espelho a imagem existe sem itlas dimensiones, sed tontum speciem intentionem —illarum — speeierum. se elevar acima da sua super- & ficic. O ser do sensivel, o ser imagético, no é uma forma de existéncia _propriamente conpérea, J4 se disse: uma ima- gem é a fiiga de uma forma do corpo de que é forma sem que essa existéncia exterior chegue ase definir como aquela de uum outro corpo ou de um outro objeto. A imagem € a forma vivendo em um outro corpo ou Amago resultans in speculo non haber Tongitudinem et latitudinem, secundum esse longitudinis et latitudinis, sed patius dimensionum habeetantum Si enim esset longum vel latum cum longitudo ita vel latitudo non terminetur terminos aeris vel speculi sed jtudo et latitudo alicuius esse extra ipsum, quo dest inconveniens et propter hoe necesse est dicere quod in veritate non est longum neque latum, sed species longi et lati per quam cognoscantur figura eseipientis, em um outro objeto, A, objetividade, a corporeidade, é, entio, seu logar, seu substrato, seu sujeito, mas nfo uma propriedade sua i f L 26 Enavete Coceia, Isso quer dizer que a ineréncia ou a imanéncia de uma ima~ gem em um espelho nfo é mais determinada essencialmente pela quantidade. F. prova disso o fato de que, quando um espelho se quebra em dez partes, em cada um desses fragniientos se reencon- ‘trard a imagem inteira e ndo despedacada (si speculum frangatur in decem partes, in qualibet ‘Maram partium erit forma totd). em cada uma das partes do espelho quebrado a imagem nao seré menor do gue no espelho inteiro, A imagem, 0 sensivel, tem, entdo, a capaci- dade de apoiar-se sobre a matéria, sobre o meio, mas nao de modo extensivo. A sua ineréncia nao depende da extensio desse ultimo. “Generatio forme intentionalis [..} in tribus Mais corretamente, o sensi- dfertageneraoneformereats primoauia vel & aquilo que, sem estar poke es ementtin eet srvado de extensio, sem ia generatur sine contrarietate materie. ser inextenso e incorpéreo, Tero quia generatur sine distractione mantém uma relagio emi. hutusmod generate sinecrni materta nar a grandeza, De fato, ima- gem é aquilo cuja natureza inbentesseneturale sed extrancum quod sc uma alterago quantitativa imeigentumestquasurt totesintetions jarnais mudaré, diferente. mentedo que acontece com os seres além do espelho. Pode aumentar ou diminuir ‘materia propria et natural ipst color! de dimensées: continuaré cuiusmodi est corpus terminatum ides corpus quod et ternatuot vsus. Sed fant sem poder se dividir, que- brat, distinguir em outras sunt sine materi, quia eu conditionibus partes, O imagético é 0 indivisivel, a intensidade que se encontra na extenséo isformahinnune, Eet dental. por isso, por essa é q aenereto taium formarim tera, qua et secundum stuationes capacidade de resolver-se artium materiae, ut si coloratum aliquid limprimat suara intentionem im medio pars dextra ‘ius colorati impressionem dyametratem et fortem facies in dextra parte ‘medi et pare sinistra in sinietra que omnia carguuttatium formarumesse generationem m materia. eetepeee AVipa Sensivew ey no segundo o modo da extensiio, que as imagens estdo em toda parte: no ar, sobre a superficie da 4gua, sobre os vidros, sobre a madeira, Elas vivem como que na superficie dos corpos sem que, no entanto, confundam-se com eles. E como se a existéncia do sensivel nfo fosse determinada pela capacidade de uma matéria especifica, e sim pela capacidade das formas de existir fora do pré- prio lugar natural. Um homem nao pode viver sobre a madeira, sua imagem sim. Isso indica a medida de outro paradoxo do ser imagético: o fato de que, ainda que a imagem esteja no proprio sujeito ut in puncto, como se nfo ocupasse mais do que um ponto de seu lugar, ela conservaré a forma ou a aparéncia das dimensGes de um corpo natural. Uma imagem nfo é, propriamente falando, comprida, larga ou profunda, mas, mesmo assim, mantém a ima- gem dessas dimensSes e é a ratio cognoscendi delas. E também por isso que um espelho pode concentrat em sia forma de coisas muito maiores do que ele, O sensivel é sempre acidentalmente extensivo. Além disso, 0 sensivel no tem nenhuma substancialidade: uma vez recebidas as imagens, o espelho nao muda de identidade, de natureza ou de substancia, em suma, nao se transforma. O seu ser permanece inalterado, estével, idéntico. Todavia, a forma refletida que existe no espelho permanece como algo cujo ser é preciso saber definir. Se nfo é uma substancia, ndo quer dizer efetivamente que se trate de um simples nada. Conforme explica Nicolau de Argentina em um belo capitulo de sua Summa, havia quem pensasse que a imagem fosse um nada (xibil est absolute) que fosse possivel reduzi-la & simples relagaio daguele que olha para espelho com o espelho mesmo. Ora, 0 ser do senstvel, o ser imagético, nfo é um simples nada: a imagem continua a subsistir noespelho mesmo que a pessoa nfo a olhe. A génese de uma ima- _gem.no espelho nfo coincide com uma transformacao do espelho; uma coisa outra se adiciona a ele, algo cuja remocao deixa a natu- reza dele igualmente inalterada. A imagem ¢ um ser puramente 28 Enanurie Coceta, suplementar que permanece como algo mais substancial do que 0 efeito do simples olhar dos homens 8 Antes de tudo, a experigncia do espelho demonstra que a imagem nio € 0 acidente de uma conseiéncia, seja ela humana ow animal, senao um ente, ou melhor, uma modalidade particular do ser em geral. A ciéncia do sensivel é, nesse sentido, uma forma de ontologia regional: existe uma ontologia do sen- sivel. Existem imagens, ou ainda, hé sensfvel no universo. O sensivel, a imagem, nao é ptopriedade de algumas coi- sas, mes € um ser especial, uma esfera do real diferente das outras, algo que existe por si mesmo e que tem uma moda- lidade de ser particular, cujos termos € preciso definir. Por um longo tempo, a filosofia escolistica se perguntou sobre © estatuto ontoldgico do sen- sivel. A imagem tem um ser inferior em relacao aquilo de Esse intentionate potest dy acelpi, uno moda, prout distingu contra esse reale et sic dicuntur habere esse intertionale illa quae non sunt nnisi per operationem intellectus sicut genere et species et logicae intentiones et iste ext proprius modus accipiendi intentionem et esse intertionale [4] habere sed habere esse dedile adhuc tripliciten Aliqua enim dicuntur habere esse debile ermine quia non habent suum esse simul sive: -Bermanens sed in successione ut motus et tempus et haee non dicuntur habere ‘onale [..] Secundo modo ua habere esse debite qui \ existentiam requirunt praesentiam, suae cnusae proximae pre tanto dico quia ange immediate a de prot wr requirunt 1d sui existentiam potentiam suae casae immediate Geilicet Dei) et tamen non dicuntur habere esse debile [..] Tertio ‘modo dicitur aliquid habere esse debile non solumper comparationem ad caus proximai naturaiem sed quia deficit « ‘erfectionem propriae speciet” que éimagem, O seu ser é um ser fraco (esse debile), como escreve A Via Sensfvet 29 Durand de Saint-Pourgain. No inicio de sua obra sobre a ética, Roger Bacon escreve: “Fala-se geralmente de intencdo (intents) omnis enim tntentio en e™ Funcao da fraqueza do seu ser em propter id quod interatur rélac3o a0 modo de ser da coisa. Diz-se et est minors ese quam id freqitentemente a propésito de algo que Quod intendttur 7 Ado se trata verdadeiramente daquela coisa, mas da sua éncentio, ou seja, da sua similitude”. E Avicena escreve na sua Metafisiea: “a intengao tem um ser menor do que se cchega a pensar gragas a ela”. As imagens tém umser menor, poréin, ‘em todo caso, representam um tipo de ser particular cujas pro- priedades é preciso saber delinear. Estudar as imagens 6 tarefa de uma forma especial de ontologia capaz de estabelecer, para além do ser das coisas, um outro género de ser, o ser do sensivel, Falar de imagens fazer micro-ontologia, falar do nivel de existéncia mais fraco e mais frégil que hé. Surge, entdo, 0 problema da diferenga entre 0 género do set das coisase o dasimagens. ‘A diferenca entre foser que chamamos real ou corpéreo e aquele que chamamos espiritual ou intencional é um tanto quanto obscura’, lamentava-se Jean Buridan em seu comentirio a0 De anima de Aristételes. A ‘oposicdo com o ser objetivo das coisas con- duz a uma classificagéo do ser das imagens diferente daquilo que hoje chamariamos de imagindrio: o ser das imagens, dird Avertois em um de seus comentarios a Aristételes, 6 algo intermedisrio entre o ser das c € 0 das almas, entre os corpos e 0 espirito: as formas que existem fora da alma tém um set puramente corpéreo, enquanto aquelas que existem na alma tem um ser puramente espititual. O ser das imagens € necessétio occulta est differentia inter esse quod vocamus reale sex corporale et esse quod vocamus —spirituale seu intentionale Et esse formarum in mediis “est_modo medio inter spirituale et corporale: forme enim extra animam abent esse corporale hhoe loco instrumenta sensuum et on extra sensum sunt — 30 Enanvere Coceia exatamente por isso, continua Averrdis, na medida em que cons- ticui o ico elemento que permite & natureza passar do dominio espiritual para aquele corpéreo ¢ vice-versa, Para que 0 espiritual possa captar 0 corpéreo, ele precisa de algo intermediério 9 Existe um lugar onde as imagens nascem, um lugar que no se con- fande nem com a matétia de onde as coisas tomam forma nem com a alma dos viventes e seu psiquismo. © mundo especifico das imagens, o lugar do senstvel (0 lugar origindrio da experiencia e do sonho), no coincide nem com o espaco dos objetos - 0 mundo fisico — nem como espago dos sujeitos cognoscentes, Esse terceiro espago nao € definivel nem pela capacidade de conhecer nem por uma natureza especifica.\Um meio nio se define pela sua natureza nem pela sua matéria, mas por uma poténcia especifica itredutivel aambas. O sensivel, a imagem, conforme jé se disse, é a existéncia de uma forma privada de sua matéria, Um meio é aquilo que é capazdeacolher as formas de modo imaterial. Pensemos nos espe- Thos para as imagens, mas também na gua ou noat. © espelho nao aumenta de volume ou de peso quando recebe as imagens, nao as recebe, portanto, enquanto matéria ou corpo em ator ndo se trans- forma nem no ato da recep¢ao nem no momento em que aimagem. desaparece. Entdo, 0 que acontece quando um espelho acolhe uma imagem? E como se o espaco capar de acolher esses pequenos seres suplementares que sio as imagens também fosse, ele mesmo. algo como um suplemento de ser. Um meio é um ser que tem em si mesmo um suplemento de espago diferente daquele produzido Porsua natureza e por sua matéria. Esse lugar €a recepgao mesma Um meio € um receptor. A existéncia do sensivel é possivel apenas A Vina Sensfver, 3L sgragas a essa poténcia suplementar que alguns entes tém, potén- cia que nfo se baseia na natureza das coisas, nem na esséncia de suas matérias nem nas suas formas. Nao é da esséncia da madeira receber insctig6es ou figuras. Nao é da esséncia da celulose rece- ber € acolher os tragos que a caneta ali inscreve. A poténcia do meio é a recepedo, e toda teoria da medialidade é uma teotia da tecepgio, Foi o génio de Averrdis que produziu a teoria da recep- 20 (¢ por isso mesmo, do meio) mais desenvolvida. A recep¢o, escreve Averréis em uma formula dificil e 20 mesmo tempo muito profunda, nao é seno uma forma particular de paixdo que nfo implica uma transformacao (passia'sine transformatione). Quando ‘uma forma entra na espessura da matéria do seu receptor, ela muda ¢ também faz com que ele mude, transforma-se e transforma: nesse caso, trata-se de uma transformagio. Dizendo de modo técnico, chama-se recepco toda paixio no transformadora. E muito simples: um espelho ¢ afetado por uma imagem sem softer uma transformagao, Mas também é uma idéia espléndida: rece her significa softer algo, ser afetado por algo sem se transformar ‘esem transformar 2 coisa pela qual se é afetado. E posstvel dizer que se trata de uma paixdo sem sofrimento e sem resistencia. Se o sensivel existe, se as imagens existem, é porque as coisas tém essa poténcia suplementar e escondida, a faculdade receptiva. E essa faculdade ¢ absolutamente privada de érgios, uma vez que nao é definida por uma matéria, por uma forma, nem por qualquer coisa de positive. Pelo contrétio -¢, segundo Averréis, esta é a segunda propriedade de todo meio -, aquilo que recebe algo nao deve pos suir amatéria daquilo que recebe: o receptor deve se encontrar no estado de privagao da natureza da forma que recebe. Todo meio, todo receptor, o é somente gragas ao proprio vazio ontolégico, gragas a capacidade de no ser aquilo que é capaz de receber. Isso fica.evidente no meio por exceléncia, aquele capaz de acolher em siitambém a luz: a transparéncia, 0 didfano. E apenas enquanto 32 Ewanuete Coceia digffonitas non est in sola aqua neque in solo acre, sed etiam in espessura invisivel € néo coloride que @ transparéncia pode receber a luz ¢ as cores. A transparéncia nao é um corpo especifico: nfo é Agua, ar ou éter, sendo uma natu- reza comum sem nome (jatura commune sine nomine) que esté em todos esses corpos, Nas palavras de Averrdis, a transparéricia nfo existe nos corpos de acordo com aquilo que eles so, de acordo com a sua natureza. Um receptor recebe ndo obstunte sua prépri forma e nao obstante sua propria matétia, jamais se define por uma natureza especifica, exatamente porque & a capacidade de nao set aquilo que € capaz de receber. E pela mesma razio que qualquer corpo, qualquer ente pode se tornar meio: 0 at, a gua, o espelho, a pedra de uma estétua. Todos os corpos podem se tornar meio para outra forma que existe fora de si na medida em que possam recebé-la sem lhe oferecer resisténcia, O mundo das imagens, 0 mundo sensivel, é um mundo cons- truido sobre os limites de uma poténcia especifica, a poténcia, receptiva. Acolhendo em si forma sem matéria, o meio a separa de seu substrato ordindrio e de sua natureza. Na terminologia escolés- tica, o meio ¢ lugar de abstracdo (abstracts), isto &, de separacio: sensivel é a forma enquanto separada, abstraida de sua existéncia natural. Assim, nossa imagem no espelho ou em uma fotogra fia existe enquanto separada de nés em outra matéria, em outro lugar, A separagdo a fungao essencial do ugar: dar lugar a uma forma, marcé-la com um big, significa separé-la das outras, tiré-ly da continuidade e da mistura com o resto do corpo. Essa sepa- rago medial das imagens que tem lugar no sensivel se tornow possivel através da propriedade particular de multiplicar-se que as formas tém. Considerou-se freqlientemente a experiéncia da (od illud est illud quod est, xg. secundum quod aqua est aqua auteetumcelum, sedseeuindum rraturam communera existentem in omnibus, lieet non habet nomen, A Vina Sensfver, B propria imagem no espelho como a experiéncia tragica entre um si mesmo como sujeito e como imagem, ou como a divisdo irrecon- ciligvel entee 0 sie a idéia (0 ideal) do eu. Porém, & mesquinher da teologia escapa o essencial. Aquilo de que se faz experiéncia cada vvez que nos olhamos no espelho.~ ou cada vez que nos percebe- mos fora de nés mesmos, cada vez que nos imaginamos diferentes daquilo que somos - é, de certa maneira, cOmico. O espelho, a ‘imaginagZo, a superficie da agua sobre a qual nos refletimos, nao thos privou de nossa forma, mas a multiplicou. As imagens sio os agentes da multiplicacdo das formas ¢ da verdade. A formula do cogito que hé pouco enunciamos ¢ falsa, Enquanto me vejo no espe Tho, observo-me ao mesmo tempo aqui e ld: em mim como corpo ealma, sobre o espelho como imagem sensivel. Devir imagem é, sim, um exercicio de deslocamento, como veremos, mas, sobre- tudo, de multiplicacdo de si. No espelho se aparece e se existe, por um momento, ld onde nfo se vive mais e nfo se pensa mais, smias se existe contemporaneamente em mais lugares e em modos diferentes. Nesse momento, nossa forma existe em quatro modos Aistintos: como corpo que se reflete no espelho, como sujeito que sepensa e faz experiéncia de si, como forma que existe no espelho, como conceito ou imagem na alma do sujeito pensante, que lhe permite pensar em si mesmo. A existéncia do sensivel no mundo ‘mostra quanto a navalha de Ockham é indtil. O sensivel éa mul- tiplicacdo do ser. Pode-se discutir se existe um tnico mundo ou infinitos. De fato, a existéncia das imagens nao faz senio multi- plicar infinitamente os objetos mundanos, Nao por acaso, 0 titulo +téenico das obras sobre a fisica das imagens na Idade Média era De multiplicatione specierum, sobre a multiplicaggo das formas. A imagem sensivel abre o reino do inumerével. A partir do momento em que existe o sensivel, a partir do momento em que nascem as Jmagens, as formas deixam de ser tinicas e irrepetiveis, A técnica vaio tem nada a ver. A reprodugio das formas é a vida natural at Emanurte Cocet das imagens. E jd que experiéncia e percepgdo s40 uma continu: cotrespondéncia com o sensivel - ou melhor, a vida psiquica de sensivel -, também o pensamento é uma forma de multiplicago A palavra, a audigao, a visio, todas as nossas experiéncias sio ums operagao de multiplicagio do real, uma vez que utilizam imagens 10 experiéncia do espelho coincide com a assimilagio de uma dimensao de irredutibilidade da imagem em relacio a0 lugar da percepgio. A imagem, o sensfvel, existe em um lugar diferente daquele onde a assimilamos. Ela existe no espelho antes de chegat a0 6rgao da percepeao (nesse sentido, a imagem é simulta- ncamente objeto e sujeito). Hé quase uma primazia de imagem sobre a imaginacio, uma primazia do sensivel sobre a sensago, que nfo é apenas de ordem cronolégica. A afirmagzo de que o sensivel existe, no sen- tido forte do termo, de que o sensivel é um genero de ser, uma forma de existéncia, leva a concluir que é preciso observar « génese da percepeio do ponto de vista da imagem mesma e nfo partir do sujeito queapercebe. O verdadeiro centro da percepgio & a imagem, Observada a partir desse ponto de vista, toda forme de conhecimento senstvel € uma aceitagao passiva de uma ima- gem perceptiva que ja se produziu fora de nds. Nao hé uma aco especifica do sujeito no ato da percepcao: perceber néo significa produzir a imagem de algo, mas recebé-la. Do ponto de vista do sensivel enquanto tal ~ do ponto de vista da imagem ~, 0 espelho ou 0 fundo do olho so exatamente a mesma coisa. Nao passam “recipere formas contrarias simul non tantum invenitur in anima sed in medi, Apparet enim quod per eandem parte weris recipit viddens contraria, selicet album et nigrum” A Via Senséven 35 de superficies capazes de acolher a imagem, de nao lhe opor resis- téncia. A questo nao é simplesmente topoldgica: as imagens se geram fora dos drgios de sentido e, sobretudo, sem aporte deles. Do ponto de vista estritamente ontolégico, 0 sujeito nao é nem olugar de nascimento da imagem, enquanto ser do sensivel, nem sua causa, O sexsivel € sensivel antes de ser percebido e indife- rentemente do fato de ser atualmente percebido. O sujeito nfo desempenha nenhum papel na génese do sensivel. Inferir uma causalidade direta dos érgios de sentido na produgio do sensi- vel, fazer dos dérgios de sentidos (e, por isso mesmo, do animal, do sujeito) aquilo que opera a transformagao do invisivel em visivel, significaria pensar uma irradiagio de luz que vai do olho ao objeto @, desse modo, retornar a posigao platénica. De acordo com as palavras de Averréis, tudo aquilo que tem lugar na alma, também tem lugar nos meios (er Boe non tention invenitur in anima sed). No ‘héuma grande diferenca entre meio e érgio perceptivo: um drgio éumaforma interior de meio. E, entdo, o meio que permite com- preender o que é um 6rgio e no 0 contrario, no mesmo sentido em que o espelho é o arquétipo de toda percepedo. Aquilo que as imagens encontram no fundo de nossos drgios de percepgio € tao somente a possibilidade de exercer a propria influéncia, de produ- zit movimentos, Aquilo que separa um drgao de um meio exterior iio é senfo a sua ligacdo com um érgdo de movimento. Se hé sensivel no universo € porque no hé nenkum olho observando todas as coisas. Nao é um olho que abre o mundo, mas €0 sensivel mesmo que abre esse mundo diante dos corpos e dos sujeitos que pensam os corpos. As coisas ndo so nem sensiveis em Si. mesmas (nfo so em si mesmas fendmenos, como pensa a fenomenologia) nem se tornam sensiveis por causa dos érgios hymanos ou animais, Elas se constituem como imagens (como fendmenos) fora de sie fora dos sujeitos cognoscentes, nos espa- 08 supranumerdrios dos meios, 36 Emanurte Cocera Em um belissimo texto juvenil, Merleau-Ponty havia reco nhecido a necessidade de “se colocar num um ‘ha {Jy a prévio [.] no solo do mundo sensivel”. Essa base primordial, esse lugar ancestral do sensivel (0 solo do seastvel), coincide, para ele e para toda tradicio fenomenolégica, com “nosso corpo [..] esse corpo atual que chamo meu, a sentinela que se posta silenciosamente sob minhas palavras e sob meus atos”, Se a fenomenologia pode chegar afirmago do primado da percepgao sobre a consciéncia, ela ainda nao parece ser capaz de tomar o ser do sensivel indepen: dentemente do ser de um sujeito, de uma alma que o percebe. “A percepeao” ~ confessa mais adiante Merleau-Ponty — “nao existe senao na medida em que alguém possa perceber”. E como dizet| que toda imagem 36 existe na medida em que hé uma alma p trés dela, que a percebe ou que, através dela, esté no ato de imagi- nar. Ha sensivel apenas porque hé viventes no universo (homem ou animal, aqui a distinggo nao tem nenhuma importincia): a condigao de possibilidade da percepgio (¢, conseqiientemente, da imagem) é, de fato, a existéncia de um sujeito, Ora, se é ver. dade que as coisas se tornam propriamente percebidas fora dos. objetos, elas ndo aguardam, porém, um sujeito para constituir-se_ como perceptos, como imagens, E, vice-versa, é a existéncia do sensivel que torna possivel a sensagio, € no 0 contrério: é porque | © visivel existe que a visto é possivel, e € porque a miisica existe que a audigZo € possivel. Nas palavras do maior dos comentado- res de Aristoteles, visio est posterius visibili, a visio 6 posterior a) existéncia do vistvel enquanto tal. Parafraseando Merleau-Ponty, poder-se-ia falar de um primado do sensivel sobre a sensagao ¢ do percepto sobre a percepgdo. No entanto, nifo se trata de uma simples inversao dialética, Nao somos nés € nem mesmo nossos 6rgos que transformam o mundo em algo passivel de se fazer expetiéncia. Nao € 0 olho que abve o mundo: a luz existe antes do olho e no no seu fundo, o sensivel existe antes e indiferentemente A Vina Sensfvat 9 da existéncia de todo érgio perceptivo. Ela pertence ao vivente enquanto capaz de sensibilidade. Eo sensivel que abriu caminko para a existéncia da vida. A existéncia dos seres vivos superiores niio coincide simplesmente com a existéncia de drgdos e de corpos “organizados”: ela chega lé onde chega o sensivel ‘Nao hé nenhuma fenomenologia: existe apenas uma fenome- notéenica. O fendmeno é uma modalidade de ser particular que existe entre 0 sujeito ¢ 0 objeto: no meio, Apenas nos meios as coisas se tornam phainomena. Apenas nos meios © mundo se faz cognoscivel. O mundo nao € fenémeno por si mesmo: tarna-se phainomenon @ & phainomenon (aparéncia) em um lugar diferente daquele onde existe, gracas a uma matéria diferente daquela que 0 faz viver, Todo conhecimento, toda experiéncia, é um contato (continmuatia) com esse espago intermediécio, é 0 resultado de uma contigtidade medial. O sensivel (a existéncia fenoménica do mundo) é a vida sobrenatural das coisas ~ a vida das coisas além da sua natureza, para além da sua existéncia fisica ~ ¢, simulta- neamente, a sua existéncia infra-cultural e infra-psiquica, O meio éum fragmento de mundo que permite as formas prolongarem Sua vida para além de sua natureza e de sua existéncia material e corpérea. Esse espaco suplementar e receptivo que nao se baseia sobre uma natureza, mas sim sobre uma poténcia imaterial, ainda nifo coincide, no entanto, com o puramente espiritual ou com o psiquico: 0 psiquico é a forma absoluta do medial, mas o medial (0 imagético) pode existir aquém do psiquico. Nesse sentido, as imagens ndo tém nada de antropolégico ou cultural, assim como também nao tém nada de meramente natural. O sensivel esté além de toda oposigo entre natureza e cultura, entre vida e hist6ria, assim como 0 meio estd aquém de toda va dialética entre sujeito ¢ objeto. ‘Todo meio abre um espaco suplementar que excede a natureza dos corpos (sai dela) e se prolonga em um intervalo que resiste a interiorizagao da cultura, Supra-material e pré-cultural, 38 Emanurte Cocota ‘o mundo das imagens (0 mundo sensivel) 6 0 lugar onde naturezs cultura, vida ¢ histéria, exilam-se em um terceiro espago. Os meios impedem o mundo de se fechar em sua natureza e em sua verdade, pluralizando suas formas, fazendo-o existir além de sie multiplicando sua vida aquém de sua auto-consciéncia I ‘Vivemos sob a perpétua influéncia do senstvel: cheiros, cores, sen: sagdes olfativas, msicas, Nossa existéncia ~ dormindo e era vigils ~ € um mergulho ininterrupto no sensivel, Sao os sensiveis — 2 imagens das quais nao deixamos de nos natrir e que ndo param de alimentar nossa experiéneia diurna ou onirica ~ que definem 8 realidade ¢ o sentido de todo nosso movimento, So eles que dao realidade aos nossos pensamentos, sio eles que dao corpo aos nnossos desejos. Nao convém medir os limites da vida animal pelos confins de seu corpo anatémico, A vide animal - ou seja, a vidi. modelada ¢ esculpida sobre e pelo sensivel - chega onde chegam as imagens. Um mundo em que ndo houvesse mais cheiros, sons isica, cores, um mundo em que as coisas ¢ as formas ndo fos Sem mais capazes de viver fora de si para chegar aos viventes, pat viver ~ intencionalmente -— dentro deles ¢ para influenciar cada movimento seu, seria um mundo privado de consisténcia unité ria, Sem imagens, sem sensfveis, todas as coises existiriam apenas em si mesmas, toda forma de influéncia seria impossivel, o uni. vetso seria uma massa de pedras cuja tinica relagio reciproca seris aquela determinada por uma forga exterior —fosse cla a gravidade outuma agio centrifuga. Se o mundo conspira pata algo de unité- tio, é somente gragas 2s imagens. AVipa Sevsiver 39) Os meios ~ enquanto condigio de possibilidade da existéncia do sensivel ~ s80 0 verdadeiro tecido conectivo do mundo. Sé0 eles que produzem a continuidade entre sujeito e objeto, e que permitem a comunicagdo entre as duas esferas do subjetivo e do objetivo, do psiquico e do “natural”. Sujeito e objeto nfo tém comunicacio imediata: colocados um em cantato com o outro sem ainteracao de um meio, nenhum deles seria capaz de agit sobre o outro. Eles podem entrar em um contato proficuo, agir um sobre © outro, influenciar-se reciprocamente apenas gracas ao meio. E itagas 20 meio que o objeto gera uma percepedo no sujeito (pene- tra no sujeito, vive intencionalmente nele). E é gracas a0 meio que o sujeito pode ver, perecber e, dessa maneira, interagir com o objeto, Os meios so aquilo que produz a relagio de continuidade entre espirito ¢ realidade, entre mundo e psiquismo, Um mundo privado de meios seria um mundo em que os objetos estariam condenados a permanecer em si mesmos, incapazes de produzir a-ménima influéncia sobre os viventes, ao passo que os viventes levariam uma vida inteitamente acésmica, fechados na prépria psique, ineapazes de serem afetados ou tocados pelas coisas, inca- pazes de hospedar dentro de si todo aquele esplendor ¢ aquela vida menor produzida pelas formas intencionais, pelas imagens do mundo, As imagens — a realidade do sensivel - tornam possfvel essa relagZo que é ao mesmo tempo imaterial e infra-racional: a possibilidade de ser afetado por algo sem ser fisicamente tocado por-ele. Assim, 0s meios produzem no cosmo um continazm em cxjo seio viventes ¢ ambiente se tornam fisiologicamente inseparé- veis: sem eles, a natureza seria ineapaz de gerar espirito ¢ cultura, ¢ aracionalidade nao teria nenhum acesso & objetividade. No plano cosmolégico, eles representam aquilo que, no plano psicoldgico, era 0 esquematismo para Kant, O sensivel tem este papel nesse ‘mundo: gracas a imagens, a matéria nunca est inerte, mas sim malefvel echeia de forma, eo espirito nunca ¢ pura interioridade, mas sim técnica ¢ vida mundane, As imagens tém uma fungdo cosmoligica ¢ nfo meramente gnoseolégica ou fisica, Elas so 0 verdadeiro transformador césmico que permite a espiritualizacdo do corpéreo (ou a sua animagaa) € a incorporacéo do espirito. Jus- tamente por isso, é apenas nas imagens que o mundo chega a uma forma de unidade que nao ¢ meramente fisica, ou seja, produzida através do mero contato fisico dos seus componentes ou da sua mistura, nem meramente espiritual ¢ colocada fora do mundo, como pensava o neoplatonismo grego. A unidade do mundo nao é nem fisica nem espiritual ou metafisica, mas sim medial, A relacio gue amarra todas as coisas na unidade do mesmo cosmo nao € nem © processo de transformago fisica que conduz & homogeneidade de uma dnica matéria, nem a simples compreensio espiritual que transcende a multiplicidade das formas na unidade do sujeito que as pensa, Se as coisas conspiram até formar um mesmo mundo, se clas estabelecem uma densa rede de relagdes no apenas fisicas ‘ou espirituais, € porque através das imagens cada uma exercita influéncia sobre as outras, Na realidade, todo meio se relaciona, no tocante ao resto do mundo, nfo apenas como aquilo que recebe o sensivel, mas tam- bém coma aquilo que écapaz de transmiti-lo. Se é capaz de receber ‘© mundo, devolve aquilo que recebe sob a forma de sensivel. Na imagem, no sensfvel, a realidade esta em um estado nao-objetivo € pré-psicolégico, mesmo que psicogénico. Todo meio trans- forma, entio, a realidade em algo infinitamente apropridvel salva substantia ac veritate rerum, ANTROPOLOGIA DO SENS{VEL i ‘ 2 Os viventes ndo se limitam a receber o sensivel, porque também co produzem. Nisso o homem supera todos os outros anitnais: fala, mite odores, desenha, esquematiza. A vida animal nao tende de maneira meramente passiva para o sensivel: nutre-se de imagens ¢ sobrevive gracas a clas, mas em quase todas as suas operagies ela restitui o sensivel 0 mundo, A vida dos viventes se materializa em uum sensivel imediatamente encarnado no préprio corpo (que, por assim dizer, torna-se o meio de existéncia desse senstvel ~ é 0 que acontece com as peles dos animais ou com as roupas dos homens) ou entéo dé lugar a imagens autOnomas, nas mais diversas formas, completamente independentes do corpo anatémico. Também assim para o homem, com um maior grau de complexidade. Grande parte das operagées arquivadas pelos antropélogos sob a rubrica de atividades espirituais ou culturais nfo s6 tomam o sensivel como objeto, como também nao tém outra consisténcia senio a de uma forma precisa de existé: do sensivel. A arte figurativa, a literatura, a mésica, mas também grande parte das ceriménias politicas e a totalidade das liturgies religiosas consistem, antes de tudo, em atividades de producio de reenactment sent 4 formas sensiveis. Todos os nossos costumes, 05 nossos hébitos, se Ewanvete Coccia, encarnm em um sensivel desencarnado de nosso corpo anatd- mico; qualquer objeto técnico é uma incorporacso sensivel, uma "A tarefa de uma estesiologia do corpo vive é conkecer 08 modos especffeos de encarnagdo de nosso réprio corpo, uma coneretisagdo efetivamente particular que tem um significado, de um lads, elementar, de outra,cultivads, [..] pela incorpo ragdo no reeitar e dangar & exibigae que vela e desvela por raupas e orna- ‘mentos, pelos hébitos alimentares até ds téenicas de concentragda pelo autocontrole @ @ desincarporagao, pelo jogo mais simples ao esporte mats especializado, 0 tema tem uma vaste gama de variagées & fornece Aiferentes vertentes de a ‘condutor & dado pelo o tivado pelo papel insul ‘modatidade senstvelrequerida paraa sua incorporagdo, Assim, a partir da ‘modalidade de incorporegio, tenta- se identifcar desde as les que regem até os modos de aparigao do mundo cireundante. Omundo circundante se adopta as nossas particulares mode: lidades comportamentais som, toda- vig, deixar de ladocerta abertura pelo ‘qual elas romper todo esquema de ago animal, ¢ ndo sao mensurdveis segundo osimples principio bialégico de relatividade dos sentidoe da agao, im como ndo se reduzem a contri- ara o sustento do organismo, eolocande-o em questéa sab cada aspecto” "de vontade, sub- espiritualidade. O homem, no mais e acima de tudo, no faz sendo sensificar 0 espitito, sensificar sua racionalidade. Nao somes homens porque somos capazes de abstrair, de depreen- der racionalidade do empitico, de sublimar a experigncia, Escrever, falar © até mesmo pensar signi- ficam, sobretudo, moverse no sentido contrério: encontrar 2 imagem certa, 0 sentido certo que permite tanto tornar real aquilo que se pensa e se experi- menta quanto encontrar aquilo que possibilita a libertacdo disso tudo. Viver significa, antes de mais nada, dar sentido, sensficaro racional, teansformar 0 ps{quico em imagem exterior, dat corpo © experiéncia ao espiritual. Cad: uum dos gestos com os quais a exis- téncia animal se articula emite sensivel, O espirito ou a “cultura” de um povo pode se produzir somente nessa atividade de emissao de sensivel. O esquecimento dessa evidencia se deve especialmente ao grande mal-entendido que pesa sobre a linguagem. Esquece-se que a linguagem é, antes AVina Sensiver, a de tudo, uma das formas de existéncia do sensivel. Se falamos é porque somos especialmente sensiveis as imagens. Nao existe linguagem sem imagem; ela é uma forma de sensibilidade supe- tor. Poder-se-ia compreender a linguagem como um arqui-meio, © espaco de medialidade absoluta onde as formas podem existir ‘como imagens em completa autonomia em relacdo tanto aos sujei- tos falantes quanto aos objetos dos quais representam a forma e a seielhanga. De nada vale pensar em espagos sem palavras para ‘experimentar a presenca do sensivel nas produgGes espirituais humanes, A vida “espiritual” humana, as atividades “culturais’ nao sur- ‘gem a partir de uma relagio dos sujeitos consigo mesmos, nem a partir da fricego imediata entre espitito e natuteza, alma e corpo. Nessas emiss6es, a “vida espiritual” e interior, avontade dos individuos, assim como a das coletividades, toma corpo e existéncia em algo sensivel, capaz, portanto, de se colocar para além dos sujeitos que a produziram, para além do cir- cuito fechado da interioridade € do psiquismo, sem que por isso se faga coisa, realidade, objeto mundano, A proprie- dade do sensivel — ou seja, de tudo aquilo que habita ¢ vive no espaco medial ~é a simulta- "Gostaria de recordar s6-de passagem que escrever, desenhar, esgtuematicay representar graficamente ¢ operagies ccongéneres permeian um eminente problema tocado por Kant no eapleulo sobre 0 esquematismo transcenden- tal da Critica da razio pura. At, com 0 objetivo de indagar a possibilidade de descrigdo exata da natireza, 0 esquema aparece como elemento intermedidrio de tigagdo ao qual se deve a aplical dade das categorias @ intuigao ser « precisamente come representagdo de um método que torna posstvel a forma- ‘to origindria das imagens. A imagi- ‘nage ndo se pedem outros métodos de mediagdo, condensagéo, concretizagdo semelhantes & esquematizagao porém dediferente tipo? Endo isso que de fato ‘acontece quando se realizam idéias no sentido artistico ou pritico-politica?” nea autonomia em relagdo ao sujeito ¢ ao objeto. A capacidade dos viventes (em maneitas e medidas diversas na realidade de todas as formas de vida animal) de produzir sensivel, de transformar 0 46 EwANueLe Cocca ptéprio psiquismo em imagens ("esquematizar, desenhar, repre sentat”, como também cantar, falar ou simplesmente aparecer ou comunicat), tornou-se possivel através do espaco medial, Sao atos que pressupdem esse espaco ¢ agem nele. Se fossem fatos pura- mente psicologicos, se fossem simples express6es do psiquismo no sairiam dali e no se teria nenhum trago deles. Se se incorpo- ram no sensivel é porque também eles existem nao imediatamente como coisas (ainda que certamente possam dar forma a coisas), mas antes de mais nada, nos intervals entre viventes ¢ coisas. O espaco onde o espitito se objetiva nao é imediatamente o mundo, mas 0 espaco medial, Se o sensivel serve aos viventes para poder apreender e tomar consciéneia dos corpos naturais ¢ do mundo {que 0s citeunda, é somente através do sensivel - e nunca direta~ mente, nunca imediatamente ~ que o vivente age sobre as-coisas, consttéi a partir do mundo circundante um ambiente especifico, interage com cle, influencia os objetos ¢ os outros viventes fora de si, Se o proprio corpo animal ja est modelado pelo sensivel, voltado para o sensivel, esculpido pelo sensivel (as suas abertu- ras, 0s seus vazios, servem acima de tudo para permitir ao sensivel. penettar nele, as suas formas permitem ao sensivel agir sobre ele rho modo mais econdmico possivel), também é verdade que toda vida animal esculpe e modela o mundo circundante, ou seja, pode exercer uma certa influéncia sobre ele somente pelo sensivel que € capaz de produzir através do seu corpo. No vivente, tudo se destina a produzir sensivel: da pele ao cérebro, das mios & boca, da possibilidade de executar gestos que pocem ser vistos & capa cidade de emitir sons ou odores que permitem a modificagao do mundo, AVipa Senstves a 3 O erro estd em ainda se considerar a realizacdo do espirito nos termos de uma produgio (trabalho) ou de mera emanagio taute- gorica de humanidade, de substancia social objetivada em direito, instituigdes, costumes ou eticidade (0 abjektiver Geist hegeliano) Na realidade, a verdadeire vita activa, a vida superior de cada animal, nao esté nem na ago, nem na produgio, mas na invis! vel relagdo com os meios. Nao temos ligagdo imediata com as coisas nem com nés mesmos, mas sim com o espago onde tudo nds mesmos e as coisas ~ tem a consisténcia de uma imagem. Como ¢ apenas através de um espelho que podemos nos tornar experiéncia para nés mesmos, também é apenas nos meios que a nossa existéncia espiritual consegue se prolongar para fora de nds, Apenas através do sensivel — através das imagens ~ penetramos nas coisas ¢ nos outros, podemos viver neles, exercer influéncia sobre o mundo e sobre o resto dos viventes. E produzindo sen- sfvel que produzimos efeitos sobre a realidade enquanto viventes (endo enquanto simples objetos ou causas naturais), é através da nossa aparéncia (ou seja, através do sensivel que emitimos ativa ou inconscientemente) que provocamos impressio a quem esté 20 nosso redor. Nesse sentido, a relagio do vivente como mundo no € nem puramente ontoldgica e nem meramente poética: ou seja, nao pode ser declinada nem no verbo ser e nem no verbo fazer. O vivente nfo esc no mundo tal qual uma pedra existe e também no se limita a ter com ele relagdes de ago e paixao diretas: enquanto vivente, ele se relaciona com as coisas através da medialidade, através do sensivel que 6 capaz de produzir. ‘Também a atividade mais espiritual que a antropologia cos~ tuma reconhecer ao homem, a palavra, consiste nessa relagao com osenstvel: a palavra no é um modo de fazer nem um modo de ser, 48. Emanuste Coccta nfio comporta uma relagio imediata com as coisas nem o simples ditigit-se asi mesma. Ela é a relacdo com um meio especial que faz existir 0 sensivel. O mal-entendido que a antropologia moderna defendeu, difandiu e sustentou, também a impediu de reconhecer a verdadeira natureza dessa atividade, superior 4 produgio e ao trabalho e inferior & acdo politica ou a étice. ‘A vida superior nio é definida pelo trabalho, pela ago ou pela comunicagio. O vivente no é aquele que opera sobre as coisas, uma ver que qualquer objeto natural pode agir imediatamente sobre as coisas. Em primeiro lugar, a vida animal nfo é nem tra: balho nem acdo, mas sensacdo. Aquilo que caracteriza 0 vivente hnumano ~ e todos os animais, mesmo que de maneira diferente ~ 6, entao, a capacidade de produzir imagens de coisas: nao uma praxis nem uma poiesis, sendo uma esfera intermedidria de relagao e pro- dugao de sensfvel. Nao se trata da faculdade de encarnar as formas em objetos, mas sim daquela de fazé-las viver momentaneamente fora das coisas ¢ fora dos sujeitos. Os projetos, os desenhos, a musica: grande parte das atividades espirituais humanas vivem, acima de tudo, dessa capacidade de fazer estacionar as formas nos meios antes que elas entrem novamente no mundo das coisas. Nao é apenas o pensar, a capacidade de ter uma idéia capaz de mover © proprio corpo que define a vida humana, mas também a forca de liberar essa idéia, de fazé-la ter uma vida pr6pria, a habilidade de carregé-la em um meio. Do mesmo modo, aquilo que distin- gue um animal de uma planta ou de um objeto inanimado nao é a capacidade de causar efeitos, de agir imediatamente sobre as coi- sas, mas a faculdade de produzir senstvel ‘A ligagdo de todo animal com o mundo ~ a sua continnatio em relagio a ele - torna-se possivel somente a partir dos meios que 0 circundam. Os meios veiculam as formas do objeto 20 sujeito, como também tornam possivel o movimento em sentido inverso, petmitindo a transmisstio das formas do sujeito aos objetos. E AVipa Sensiver 49 aragas 20s meios que as formas intencionais passam de uma alma a outra.E € somente gracas aos meios que uma série de corpos ina. nimaclos podem ser influenciados, acionadbs, esteuturados pelos viventes, podem tornar-se capazes de carregar tragos da exletén, cia de vida ao seu redor, ou seja,eransformar-se er mando da vida Se © espirito existe e nao se limita a ser uma forga imanente aos individuos, se ele se toma realidade mundane, capar de existir préina dos indviduos assim como existe proximo das coisas que modela, se ee é capaz de sobreviver tanto aos primeiros quanto as segundas, € somente gracas aos meios. O “espirito” subsiste ¢ sobrevive somente gracas 40s meios, que o sustentam vivo ¢ transformain em algo sensfve. Eles tomam de assalto a sua exis, téncia puramente psiquica e interior (e, desse modo, individual, privada, nfo patticipavel), comando-o infinitamente partiips. vel, dando-Ihe a coneretude que, se nfo 6 aquela da ois, é aqucla dle uma imagem das coisas. E um erto fazer do home e da vida ‘out court aguilo queespiricualizao objetual, Também évida aquilo que reifica o espfrito, que o objetifica eo aliens. E o sensivel nao € apenas o lugar da abstragdo da matéria, mas sim o da reifiea 0 (Verdinglicbung), da alienagao, da sensificacéo do espitito e do subjetivo. Onde existe vida sensivel, objetae sujeito se tomnam os pélos de um movimento de duplo sentido, Os meiostransformann a coisas em espirito ao meso tempo em que perinitem a ele aproximar-se das coisas, assumir uma existéncia mundana. Antes e acima de tudo, o espiito dos viventes existe fara dees hos meias onde eles o transformaram em sensivel. Espititualmente, ohomem e todos os animais nao vivem mais dentro de sienos seus corpos do que fora desi, nfo ainda nas coisas, senio nos meios que hospedam os sensiveis e as intengdes “interiores?. E para os meios e no exatamente para 0s corpos dos viventes que os historiadores e arquedlogos se voltam na tentativa de captaro espitito (sobre, vente) daqueles que foram sepultados ha rauito tempo, 50 Emanvete Cocca Vivente, nesse sentido, nao € apenas aquele que sabe carregar as coisas do mundo dentro de si, aquele que sabe transformar a forma dos objetos em intengdes, imagens psiquicas, objetos imanentes ¢ “pessoais’, mas, sobretudo, aquele que capaz de dar existe sensivel aquilo que habita dentro de si. E vida 6, asia de tudo, sensificagdo do espirito, uma transformagio medial daquilo aque existe na alma, através da qual nunca se deixa de sobreviver a si mesmo. Os meios so a perpétua ressurrei¢do nao-psicoldgica e no objetiva das coisas e dos sujeitos, Eles abrem as portas de um outro mundo, perfeitamente contempordineo ao nosso, nfo exten- sivo, nao verdadeiramente “objetivo” nem puramente psicolégico. 14 Nao € preciso pensar o meio como um espaco puramente cogni- tivo ou noiético, Toda imagem ¢ o ser do conhecimento on ato fora do sujeito: la é uma espécic de inconsciente objetivo, ma forina de inconsciente em duplo sentido porque nio conhece outra que cla prdpria nem conhece a si mesma do & conscién cia de algo nem consciéncia de si mesma. Ainda assim, permanece enquanto forma de conhecimento, porque representa a possibi- lidade de todo conhecimente psfquico e encarna em sio pr6prio ser do conhecimento. Uma imagem nao é uma. percepgao em ato, neem 0 objeto pereebido, mas sim a forma do objeto cngeanto pra perceptbilidade e percepgio em poténcia, capaz ainda de se estabelecer fora da alma. E objetiva porque ndo representa un modo do sujeito, F uma sensagio em ato no exterior do érgo de percepgio, No entanto, permanece como poténcia ativa de toda percepcio subjetiva. AVipa Sensfver 31 Asimagens ndo tém nada de psicolégico porque existem, antes de tudo, fora dends, de nossa consciéncia, nos céus,no as, na super. ficie dos espelhos, e somente depois entram na vida humana, No fando de nossas almas, em todo ato psiquico, hd algo que se gerou fora de nés ¢ que ngo tem a mesma natureza de nossas almas, mas que, mesmo assim, 6 capaz de informar e dar forma a todo ato intencional, da vontade ao desejo, da inteligéncia as paixses, No fundo de todo ato psiquico, hé algo que ndo tem consisténcia ps. uica ou subjetiva nem consisténcia objetiva. Nesse reino intermedirio, nesse inconsciente objetivo ou consciéncia apsiquica, parece abrir-se para as formas uma vida suplementar, situada para além das coisas e que, no entanto, se ‘mantém como que diante das almas, diante dos sujeitos. Um meio 6 precisamente, esse mundo suplementar que vem depois da natureza das coisas e dos objetos, permanccendo, porém, anterior 2 toda alma, a todo psiquismo, quase como se parasse na soleira da hist6ria e da cultura depois de ter saido do reino natural, A existéncia do sensivel, a vida das imagens, excede a natureza © a identidade de uma coisa, porque representa o éxodo das formas de sua existéncia material, sem dar, por outro lado, necessariamente acesso a histéria. A existéncia medial (20 meio) da imagem & uma forma de sobrevivéncia que no implica a morte nem uma forma propria de verdade, uma vez que ainda ndo faz parte da mente, da consciéncia dos viventes, do seu colocar-se em jogo, das suse promessas, Mesmo assim, esse espago supranumerétio permanece como a condigio de possibilidade de todo conhecimento, em todas as formas. A psicologia parece encontrar aqui a sua detrocacla, Nao se trata de negar que a imagem entra em toda experiéncia psico- Logica, porque pode existir in anima, dentro dela. Penetrando lhe, Porém, introduz um elemento estranho, abre um espago n&o psi colégico, nao subjetivo nem objetivo que constitui a base de todo

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