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JUN/JUL/AGO - 2010 - Nº 51 1

Índice Expediente
POLÍTICA 5 JUSTIÇA 9
Think Tank - A Revista da Livre-Iniciativa
Ano XIV - no 51 - Jun/Jul/Ago - 2010

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Arthur Chagas Diniz
Elcio Anibal de Lucca
Alencar Burti
Paulo de Barros Stewart
NEOLIBERALISMO REPENSANDO A JUSTIÇA DO TRABALHO Jorge Gerdau Johannpeter
Jorge Wilson Simeira Jacob
Og Leme Ney Prado José Humberto Pires de Araújo
Raul Leite Luna
Ricardo Yazbek

14 15
Roberto Konder Bornhausen
ESPECIAL MATÉRIA DE CAPA Romeu Chap Chap

CONSELHO EDITORIAL
Arthur Chagas Diniz - presidente
Alberto Oliva
Aloísio Teixeira Garcia
Antônio Carlos Porto Gonçalves
Bruno Medeiros
Cândido José Mendes Prunes
Jorge Wilson Simeira Jacob
José Luiz Carvalho
Luiz Alberto Machado
O BOM, O MAU E O FEIO O IRÃ NA POLÍTICA EXTERNA DO BRASIL Nelson Lehmann da Silva
Uma visão liberal do fato Octavio Amorim Neto
Eiiti Sato Roberto Fendt
Rodrigo Constantino
William Ling

DESTAQUE 19 ESTADO 22 Og Francisco Leme e


Ubiratan Borges de Macedo
(in memoriam)
DIRETOR / EDITOR
Arthur Chagas Diniz
JORNALISTA RESPONSÁVEL
Ligia Filgueiras
RG nº 16158 DRT - Rio, RJ

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BELO MONTE É A NOVA ESTATAL O USO DE MEDIDAS TRANSVERSAIS... Tel: (21) 2539-1115 - r. 221
Adriano Pires Paulo Uebel
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Nesta Edição
26
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SÃO PAULO
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BANCO DE IDÉIAS é uma publicação do Instituto Liberal. É permitida a
reprodução de seu conteúdo editorial, desde que mencionada a fonte.
Leitores
Editorial
Sua opinião é da maior impor-
tância para nós. Escreva para
processo político (em qualquer importante de geração hidrelétrica
Banco de Idéias. O de suas formas) é muitíssimo do planeta. Apesar disso, a desis-
menos competente do que o mer- tência de investidores previstos é
Prezado editor, cado para administrar o problema mais do que evidente. Quais as ra-
econômico da escassez. O socia- zões determinantes desse fracasso
Tenho acompanhado, com lismo (ensina Og Leme) não fun- marcado pelo desinteresse no leilão
grande interesse, a apuração das ciona, exceto no céu, onde é dis- da usina? Por que Lula quer fazer a
denúncias de uma eventual pensável, e no inferno, onde sempre obra a qualquer custo?
associação entre o Secretário existiu. A terceira via é o melhor A opinião pública critica a ine-
Nacional de Justiça e bandidos caminho para o terceiro mundo. ficiência do Estado brasileiro, mar-
associados ao tráfico de drogas. Achamos importante republicar o cada pela baixa eficácia e pelo
As denúncias vêm acompa- artigo do Prof. Og Leme, dada a mau uso do dinheiro e, especial-
nhadas de gravações de con- pobreza que tem cercado o debate mente, pelo seu desvio. O autor da
versas entre o secretário e Paulo político em nosso país. O neoli- matéria, o advogado Paulo Uebel,
Li, o contrabandista preso. As in- beralismo, com que os inimigos da diretor executivo do Instituto
vestigações estão sendo condu- liberdade tentam, em vão, tisnar Millenium, parte do princípio de
zidas pela Polícia Federal e são os detratores do liberalismo, é o que é extremamente difícil realizar
autorizadas pela Justiça. O Sr. tema do artigo. as grandes reformas como a
Tuma Jr. se recusa a renunciar ao O jurista Ney Prado, presidente trabalhista, a tributária, a política,
cargo, apesar da pressão do da Academia Internacional de Di- a do judiciário e a da previdência.
Ministro da Justiça e, até mesmo, reito e Economia, faz uma des- Não há dúvida nenhuma da im-
de manifestações do presidente crição crítica do atual sistema portância de todas elas, mas não
Lula, que é o responsável pela sua trabalhista brasileiro, cuja carac- há interesse em discutir e aprovar
nomeação. Como entendem o terística central está na exagerada mudanças que afetam os “vested
episódio? confiança na capacidade do Es- interests” de poderosos grupos de
tado de legislar, compor interesses pressão. Paulo Uebel acredita que
Laffite Ramos Jr. e diminuir os conflitos nas relações seria mais produtivo realizar mu-
São Paulo – SP de trabalho. Por que, questiona danças significativas, que terão um
Prado, não obstante o elevado nível efeito transversal importante.
Prezado leitor, ético e técnico, a nossa legislação O encarte que acompanha a
de trabalho não responde aos inte- edição tem como autor o jornalista
Sua perplexidade em relação resses da sociedade? Gilberto Paim. Ele avalia os riscos
ao caso é semelhante à de todos Eiiti Sato, professor de Relações da associação entre movimentos
os cidadãos brasileiros. Nem o Internacionais da Universidade de “sociais”, sustentados pelo go-
Ministro da Justiça nem o presi- Brasília, procura examinar as ra- verno, e outros mais violentos, como
dente Lula podem alegar não ser zões que têm levado a diplomacia as FARC – Forças Armadas Revo-
responsáveis, pois quem nomeia brasileira a entrar na contramão lucionárias da Colômbia, e o PCC,
qualquer ocupante de cargo com referência ao desenvolvimento organização criminosa cuja cabeça
público transfere a autoridade, nuclear do Irã. Entre as diferentes está nos presídios paulistas. Gilberto
mas não a responsabilidade. A hipóteses que justificariam a soli- Paim oferece uma visão tão de-
razão por que Lula não obriga dariedade do Brasil com relação talhada quanto ameaçadora. Em-
Tuma Jr. a se demitir ou não o aos iranianos, examinam-se as bora o Movimento dos Sem Terra
demite pode ser explicada de questões de um eventual interesse não tenha assumido o formato de
várias formas: gratidão em re- do Brasil no comércio exterior e/ou pessoa jurídica, é suportado por
lação ao pai, o Senador Romeu no fornecimento de bens essenciais verbas públicas através de ONGs,
Tuma? Receio de que o Senador no futuro. Ora, o único produto de o que não permite uma avaliação
transfira para o candidato Serra relevância estratégica seria o pe- precisa de seu potencial financeiro.
informações de que Tuma Jr. tróleo, bem que deixou, há tempos, A República Sindical, título
disponha? de ser fator relevante como con- da matéria de Rodrigo Cons-
Há muito mais especulações, dicionante externo para o Brasil. tantino, na seção Livros, suma-
mas achamos que quase todas O diretor do Centro Brasileiro de riza o trabalho de Maria Celina
caem no âmbito das apontadas Infraestrutura, Adriano Pires, exa- D´Araújo que transformou sua pes-
acima. mina a instalação da Usina de Belo quisa pioneira num livro que mostra
O Editor Monte, que tem despertado um evidências assustadoras do apare-
interesse generalizado em cons- lhamento do Estado por sindica-
Envie as suas mensagens para trutores, fornecedores, seguradoras listas e petistas.
a rua Rua Maria Eugênia, 167 - e financiadores de todo mundo – Encerrando esta edição, NOTAS
Humaitá - Rio de Janeiro - RJ - especialmente porque se situa na examina a proposta do PL 5938,
22261-080, ou ilrj@gbl.com.br. região Amazônica e é alardeado para um novo marco regulador
como o terceiro projeto mais de petróleo.

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Política

Neoliberalismo
Og Leme
Economista, com Mestrado pela Universidade de Chicago

do intercâmbio internacional que há razões conceituais, empíricas


“The man who prefers his country before gera a globalização e conduz à
any other duty shows the same spirit as e, entre essas últimas, uma impor-
the man who surrenders every right to paz e à riqueza, e não o fecha- tantíssima lição da história.
the state. They both deny that right is mento das fronteiras comerciais. O ideário liberal enriqueceu-se
superior to authority.” Essa pessoas, viúvas e órfãos do enormemente durante o século XX,
Lord Acton socialismo/comunismo, incon- exatamente quando foi sendo pro-
formadas com as lições da histó- gressivamente substituído pelas
onforme tratarei de argu- ria, empenham-se agora em ne- várias formas de estatismo e in-
C mentar logo abaixo, a meu gar os méritos da economia de tervencionismo que ainda con-
ver faz sentido falar-se em neo- mercado e denegrir o liberalismo. tinuam muito frescas em nossa
liberalismo. Mas não é no sentido Na sua esmagadora maioria não memória: nazismo, fascismo,
em que uso o vocábulo que ele se têm ideia do que seja o liberalis- socialismo, comunismo e suas
tornou popular. Sua popularização mo clássico; logo, como podem versões “diet”, isto é, o Estado
é fruto da campanha difamatória falar com um mínimo de sentido beneficente, o Estado regulamen-
movida internacionalmente pelos sobre a volta do liberalismo clás- tador, o “justicialismo” de Perón,
inimigos da liberdade contra a evi- sico nas vestes de um suposto neo- o “Estado novo” de Vargas, etc.
dência histórica cada vez mais liberalismo? Isso não surpreende, pois é sabi-
clara de que é a economia de mer- Independentemente do que do que o esforço de sobrevivên-
cado, e não o arbítrio das autori- esses irresponsáveis possam pen- cia revigora, inspira, convida à
dades públicas, que leva à pros- sar, creio que faz sentido falar-se introspecção e à crítica. Foi exa-
peridade; de que é liberalização em um neoliberalismo. Para tanto, tamente nessas circunstâncias

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Política

que se fez ouvir o brado de Hayek, costumes que emanam, obvia- ordens ou comandos que vão de
de 1944, em seu revolucionário mente, da ação humana, mas cima para baixo. Trata-se de uma
livro O Caminho da Servidão, não da ação humana deliberada. sociedade na qual os participan-
hoje um clássico da moderna lite- Alertou-nos, nesse contexto, para tes estão a seu serviço, ao con-
ratura liberal. os abusos do racionalismo e de trário da Kosmos, onde ela está a
Hayek, que sempre se compor- seus filhos, o holismo-animista e serviço dos interesses de seus
tou como scholar impecável, a engenharia-social (construti- membros.
adotou a linha panfletária, que vismo). O fracasso do socialismo A esses dois tipos extremos de
caracteriza seu Caminho da Ser- real provou que ele tinha razão. organização, Hayek contrapõe
vidão, para produzir um choque Hayek mostrou-nos a impor- dois tipos de normas de conduta;
em seus coetâneos que os tirasse tância que tem, no processo civi- as que surgem espontânea e ano-
da modorra do conformismo e os lizatório, a dispersão do estoque nimamente (linguagem, tradições)
levasse a uma tomada de cons- de conhecimento, um conheci- e se aplicam a todos sem exce-
ciência do que estava ocorrendo mento que escapa ao domínio ção; e as que são deliberada-
e os estimulasse a recuperar para total por um só indivíduo. E extrai mente criadas para situações es-
a liberdade o terreno que já lhe daí o corolário de que o progresso pecíficas e determinadas pessoas,
haviam roubado. depende da possibilidade desse na realidade, são ordens ou ins-
No cenário da história do conhecimento ser usado por truções. As primeiras correspon-
século XX, O Caminho da Servi- todos, a cada instante, diante da dem às nomoi (plural de nomos)
dão tem assegurado o seu lugar cambiante realidade. Para que gregas e as segundas se referem
de destaque. Mas o livro serviu esse uso geral se concretize, é in- as theseim (plural de thesis).
não apenas para mobilizar o apa- dispensável a prevalência da liber- Hayek vincula kosmos a no-
rentemente anestesiado espírito dade e da iniciativa individuais, mos, taxis a thesis, extraindo daí
liberal dos anos 40. Serviu espe- para usar o conhecimento ade- importantes corolários organi-
cialmente para levar o próprio quado às circunstâncias e em zacionais. Um deles nos ensina
Hayek à luta. E de fato o levou. O harmonia com os propósitos de que quando se fala no Estado de
livro parece ter significado para cada um. É oportuno mencionar direito enquanto “império da lei”,
Hayek uma espécie de agenda que posteriormente outros auto- a lei que o liberal tem em mente
para seu trabalho intelectual fu- res liberais relacionaram esse tipo
turo. E desse trabalho de quase de situação com a eficácia dos
meio século brotou a extraordi- direitos de propriedade.
nária contribuição de Hayek ao Não pretendo aqui resumir a
pensamento liberal do século XX. enorme contribuição de Hayek ao
Foi nessa época que ele se inte- liberalismo moderno. Satisfaz-me
grou ao “Committee on Social mencionar algumas das suas ilu-
Thought”, da Universidade de minadas visões. E quero destacar
Chicago. Seus contatos diários a verdadeira exumação que ele
com liberais daquela Universidade faz de quatro conceitos do classi-
certamente o ajudaram na or- cismo grego, de Kosmos e Taxis,
ganização e no desenvolvimento de Nomos e Thesis, bem como Friedrich Hayek,
de seu pensamento. Sua produ- das relações funcionais que há autor do clássico
O Caminho da
ção literária a partir de então foi entre eles. Servidão
enorme, mas quatro livros mere- Kosmos representa a sociedade
cem destaque: Os Fundamentos aberta espontânea, e complexa,
da Liberdade (editado no Brasil onde as ordens ou instruções
pela Visão e a Universidade de partem de baixo para cima, repre-
Brasília), Direito, Legislação e Li- senta uma organização sem pro-
berdade (idem), Studies in Philo- pósitos próprios, isto é, cuja fina-
sophy, Politcs, Economics and the lidade é propiciar um ambiente em
History of Ideas (The University of que possam manifestar-se os
Chicago Press) e New Studies in interesses e propósitos particula-
Philosophy, Politics, Economics res, num ambiente de segurança
and the History of Ideas (The e paz.
Univesity of Chicago Press). Taxis representa a so-
Hayek nos alertou para a im- ciedade fechada, cujo fun-
portância das instituições, usos e cionamento depende de

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Política

Milton Friedman, George Stigler, Douglass North e Ronald Coase marcaram presença digna do Nobel que receberam.

é a nomos, e não a thesis. A partir nífico livro Freedom and the Law, pital humano no processo do de-
dessa ideia, Hayek elabora as di- nos mostrou que a liberdade senvolvimento.
ferenças de importância radical convive melhor com o direito con- Deixarei de mencionar vários
que há entre o direito e a le- suetudinário do que com o posi- autores que ajudaram, no século
gislação, tema principal de seu li- tivismo jurídico. O italiano Nor- XX, a ampliar o conceito de libe-
vro Direito, Legislação e Liberda- berto Bobbio tornou claras as re- ralismo e esclarecer as relações
de, em três volumes. lações dialéticas entre democra- entre política, economia e direito.
Com o objetivo de trazer o cia e liberalismo em seu clássico Passo a escrever sobre o enrique-
leitor ao fio da meada, lembro-me Liberalismo e Democracia. Ei- cimento empírico que nos trouxe
de que estou tratando de relatar nandi nos mostrou que a liberda- a história dos últimos 100 anos,
algumas contribuições intelec- de política depende da liberdade e que nos autoriza a reconhecer
tuais do século XX que ampliaram econômica. que a prosperidade depende da
e aprofundaram a visão do libe- A contribuição definitiva de liberdade econômica e que esta,
ralismo clássico dos séculos XVIII Hayek e Mises ao problema da por sua vez, depende da existên-
e XIX. Não estou preocupado em impossibilidade do cálculo econô- cia de instituições que a garantam,
sequência temporal ou grau es- mico num regime de planeja- bem como aos direitos de pro-
pecífico de importância. Quero mento central demonstrou de fato priedade. Os leitores interessados
apenas mostrar que houve con- a inviabilidade do planejamento nessa relação entre liberdade eco-
tribuições ao liberalismo, no sé- econômico. nômica, prosperidade e certas ins-
culo XX, que justificam falar-se Friedman, Stigler, Douglass tituições poderão ler com proveito
num neoliberalismo. North, Ronald Coase, etc., mar- o livro de G. W. Scully: Cons-
James Buchanan e seus cole- caram presença digna do Nobel titutional Environments and Eco-
gas de atividades que concebe- que receberam por mostrarem as nomic Growth, Princeton Univer-
ram a Escola das Escolhas Públi- relações entre liberdade econômi- sity Press, 1992. Fontes igualmen-
cas (Public Choice) ajudaram-nos ca e liberdade política, entre liber- te importantes de informações são
a religar economia e política, es- dade econômica e prosperidade, os relatórios anuais do Fraser
clarecendo-nos a respeito de vá- a importância das instituições ga- Institute (Vancouver, Canadá),
rias relações entre ambas. Escla- rantidoras da liberdade econômi- Economic Freedom of the World,
recendo-nos sobretudo sobre o ca e os direitos de propriedade. e da Heritage Foundation (Wa-
vínculo da democracia com a eco- Stigler lançou luz sobre o proble- shington, DC), Index of Economic
nomia de mercado, e as possibili- ma da regulamentação, e Ronald Freedom.
dades do exercício de primeira com- Coase abriu o caminho para o Essa rica evidência empírica
prometer a eficácia de segunda. equacionamento adequado das comprova de maneira expressiva
Bruno Leoni, o professor ita- externalidades. Schultz e Becker a notável intuição do escocês
liano de direito, que em seu mag- destacaram a importância do ca- Adam Smith de que a riqueza das

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Política

nações dependia da liberdade blema econômico da escassez. nismo, o fascismo e o nazismo),


econômica exercida por agentes Aprendemos também que o socia- a falência do Estado beneme-
particulares numa economia de lismo não funciona (exceto no céu, rente e a contundente evidência
mercado e numa ordem social onde é dispensável e no inferno, histórica da relação entre liberda-
com discretíssima presença onde sempre existiu), e que a de econômica (e suas instituições)
estatal (Adam Smith, A Riqueza e prosperidade criaram ambiente
das Nações, 1776). político favorável às ideias de
Durante todo o século XX os privatização, desregulamentação
países experimentaram todos os e a abertura comercial. Essas
tipos possíveis de intervenção, e ideias inspiraram as reformas do
a história desses 100 anos se Brasil (na gestão do Marechal
encarregou de mostrar-nos o fra- Castello Branco), no Chile do Ge-
casso de todos eles: regulamen- neral Pinochet, na Inglaterra da
tações, estatizações, planeja- Senhora Tatcher, nos Estados
mento central, os vários tipos de Unidos do Presidente Reagan,
beneficência, a previdência na revolução institucional da
social, a socialização da medi- Nova Zelândia de 1986, etc.
cina, os programas visando à Suponho que foi exatamente
erradicação da pobreza, o pro- essa onda liberalizante, particular-
tecionismo industrial, as leis mente no setor externo de várias
trabalhistas inspiradas na Carta economias, que inspirou as viú-
del Lavoro, de Mussolini, etc. Tal- vas do socialismo a encontrarem
vez o programa de combate à os xingamentos que substituem a
pobreza, do Presidente Johnson, sua carência de argumentos ra-
dos EUA, seja uma sugestiva li- cionais para atacar qualquer

“umSim,neoliberalismo,
ção da indigência dos processos movimento político que privilegie
políticos como pretensos substi- creio que há a autonomia individual ou restrin-
tutos das forças espontâneas e ja os poderes públicos. Os xin-
impessoais do mercado. Trinta gamentos encontrados foram exa-
anos após a sua inauguração, coerente com tamente neoliberalismo e globa-
esse programa havia gasto mais as ideias do libera- lização. Em suma, para a esquer-
de 6 trilhões de dólares, sem con- da festiva, a nossa e a de fora,
seguir diminuir o índice de pobre- lismo clássico do neoliberalismo é tudo que se re-
za nos Estados Unidos. A previ- século XIX, enri- lacione a mais liberdade pessoal
dência social pública é um fra- quecido e ampliado e menos governo. Nesse ponto
casso universal: nos Estados Uni- está certa, mas falha sistematica-
dos, Alemanha, França, Brasil, do ponto de vista mente quando tenta na prática
etc. Contrasta com esse fracasso conceitual e identificar quando impera o mer-
o sucesso extraordinário da pri- cado ou o governo.
vatização da previdência social enormemente O Prêmio Nobel James Bu-
no Chile, em 1980. A socializa- fortalecido com as chanan sintetizou o nosso mo-
ção da medicina também é vexa-
me mundial no Canadá, na In-
glaterra, na Suécia e onde quer
lições da história.
Og Leme
” mento histórico com precisão e
amarga ironia: “O socialismo
morreu, mas seu espírito continua
que se tenha implantado. A pri- (04.08.1922 - 06.01.2004) vivo”. E continua mesmo, nos mo-
vatização de empresas antes es- vimentos “verdes”, na “ação afir-
tatizadas mostra também um re- mativa”, no neoprotecionismo, na
sultado extremamente favorá- maior parte das ONG’s.
vel em todo o mundo. “terceira via” é o melhor cami- Sim, creio que há um neoli-
Mas esta é a grande lição a nho para o Terceiro Mundo, con- beralismo, coerente com as ideias
ser extraída da história do século forme a advertência de Vaclav do liberalismo clássico do século
XX: o processo político (em qual- Klaus. XIX, enriquecido e ampliado do
quer de suas formas) é muitíssi- O enriquecimento do conceito ponto de vista conceitual e enor-
mo menos competente do que o de liberalismo, o fracasso do socia- memente fortalecido com as li-
mercado para administrar o pro- lismo real (e seus irmãos, o comu- ções da história.

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Justiça

Repensando a Justiça do Trabalho


Ney Prado
Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia

INTRODUÇÃO disciplinarmente restrita e geogra- que predominam slogans do tipo


ficamente limitada. “como é possível extinguir uma
objetivo temático deste ar- Tendenciosa por partir da pre- justiça que pertence aos pobres”;
O tigo está centrado na descri- missa de que a onda de mudan- disciplinarmente restrita por-
ção crítica do atual modelo judi- cismo ou mesmo extinção da Jus- que mesmo os que dispõem de
cial trabalhista brasileiro, cuja tiça do Trabalho faz parte de um conhecimento especializado mui-
característica central está na exa- movimento de natureza neo- tas vezes não se beneficiam da
gerada confiança na capacidade liberal, arquitetado pelo chama- visão multidisciplinar dos proble-
do Estado de legislar, compor do Consenso de Washington; mas, o que os impede de consi-
interesses e dirimir conflitos nas dogmática por possuir crença derar adequadamente as implica-
relações de trabalho. quase religiosa na superioridade ções políticas, econômicas e
Mas, antes de adentrar o mé- do Estado sobre a sociedade, sociais que envolvem esse tipo de
rito, há que se advertir quanto aos como a única entidade ética, isen- conflito de interesses. Por último,
inúmeros desafios a superar na ta e capaz de equacionar e diri- geograficamente limitada, por-
abordagem do tema. mir os conflitos entre capital e tra- que tende a se circunscrever ape-
O primeiro deles consiste em balho; superficial porque o nas à experiência nacional, ligada
conseguir superar a leitura tradi- conhecimento do tema se dá, à própria vivência local ou
cional impregnada, quase sem- como regra, em nível empírico, regional do modelo vigente,
pre, por uma orientação tenden- com base em argumentos quase com desconhecimento da célere
ciosa, dogmática, superficial, sempre de cunho emocional em evolução de modelos judicantes

JUN
UN/JUL
UL/AGO
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9
Justiça

trabalhistas em outros países, de representação coletiva e que solução jurisdicionada, produzida


bem assim das lições da doutrina atuam, em consequência, em re- em conformidade com o direito
estrangeira. presentação de toda a categoria objetivo. Esse conceito abrange
que congregam. tanto as decisões prolatadas em
O HISTÓRICO CONFLITO conflitos jurídicos quanto em
CAPITAL - TRABALHO COMO SOLUCIONAR conflitos econômicos. A diferença
OS CONFLITOS é que, nos conflitos jurídicos, o
No mundo do trabalho, ten- órgão judicante atua com poder
sões e conflitos (latentes ou mani- Um conflito social pode ser vinculado à lei, enquanto nos con-
festos, organizados ou inorga- enfrentado basicamente de três flitos econômicos o órgão judi-
nizados) têm sido um dado cons- maneiras: pela supressão (com cante atua com poder discricio-
tante ao longo da história da hu- utilização da força coercitiva, nário mas, nem por isso, praeter
manidade, independentemente de legem.
serem desejados ou explicitados No Brasil vigora o modelo pre-

“trabalhista
pelas partes envolvidas. ponderantemente judicial.
Segundo a finalidade pre- A Legislação No modelo extrajudicial as
tendida, os conflitos do trabalho no próprias partes, espontânea e au-
são classificados em jurídicos ou tonomamente, acordam a res-
econômicos. Nos conflitos jurí- Brasil, produzida peito da fórmula de solução, com
dicos o que se pretende é a inter- em grande parte ou sem a participação dos sindi-
pretação ou a aplicação da norma catos, utilizando-se da con-
jurídica existente. Nos conflitos por Vargas, do ciliação, da mediação e da ar-
econômicos o que se aspira é a ponto de vista bitragem. Pela conciliação
edição de uma norma jurídica absoluto e, por estabelece-se um negócio jurídi-
capaz de modificar as condições co extintivo dos conflitos, com ou
de trabalho existentes. isso, eminente- sem assistência de terceiro, cons-
Essa distinção conduz a outra mente formal, truindo-se na mais recomendável
classificação, segundo a nature- solução conflitual. Pela media-
za do direito subjetivo deduzido: gerou durante ção estabelece-se um negócio ju-
individuais ou coletivos
coletivos. Nos muito tempo o rídico pelo qual um terceiro, es-
conflitos individuais deduz-se uma ufanismo até certo colhido pela parte, conduz a rea-


pretensão a uma prestação con- lização do acordo. Pela arbitra-
creta (uti singuli), ainda que refe- ponto justificável. gem estabelece-se um negócio
rida a vários indivíduos (prestações jurídico em que as partes delegam
plúrimas). Nos conflitos coletivos a terceiro, por elas escolhido, a
deduz-se uma pretensão abstrata como fazem os regimes autoritá- solução do conflito. É a forma
(uti universi), abrangente de uma rios e totalitários); pela resolução adotada preponderantemente
categoria ou grupo de trabalha- (pela tentativa de eliminação das nos Estados Unidos.
dores. causas que lhe deram origem); Na forma mista de composi-
O dissídio individual é um con- pela institucionalização (pela ção as soluções são resolvidas
flito jurídico típico. Os sujeitos pro- definição de normas e regras extrajudicialmente por comissões
cessuais são pessoas individual- aceitas pelas partes que se con- partidárias. Somente em não sen-
mente consideradas, em geral trapõem, como ocorre nos re- do possível a solução privada é
diretamente, presentes e represen- gimes abertos). que se recorre ao Judiciário. É a
tados por exceção, conformando, Uma vez suscitado, o conflito forma adotada no Japão.
assim, o processo individual do deve ser composto. Esta é uma
trabalho. regra metajurídica, de vez que o A CAUSA MAIOR DA CRISE
Por sua vez, o dissídio coletivo, próprio tecido social sofre com a DA JUSTIÇA DO TRABALHO
ou processo trabalhista cole- permanência de conflitos insolu-
tivo, é um conflito que se estabe- cionados. As soluções para os A Legislação trabalhista no
lece sobre regras aplicáveis em conflitos podem vir do Estado, de Brasil, produzida em grande parte
abstrato. Não há, portanto, cre- fora do Estado ou juntamente com por Vargas, do ponto de vista
dor nem devedor, mas uma pre- o Estado. Portanto, três são as for- absoluto e, por isso, eminente-
tensão de alterar as próprias mas de composição: a judicial, a mente formal, gerou durante
regras vigentes diante de fatos extrajudicial e a mista. muito tempo o ufanismo até
supervenientes à sua fixação. Os A primeira solução se dá pela certo ponto justificável. Ninguém
sujeitos processuais são entidades imposição, pelo Estado, de uma denega a existência de uma

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Justiça

sistemática bem construída, insti-


tutos definidos, uma processua-
lística simples e um sistema judi-
ciário aparelhado para aplicá-la.
Enfim, aí estão todos os elemen-
tos necessários à instituição de
uma proteção ao trabalho avan-
çada e modelar.
Se isso é verdade, então o que
está faltando? Por que, não obs-
tante o seu alto nível ético e téc-
nico, a nossa legislação do traba-
lho vem sendo descumprida na
maioria das relações laborais que
se travam no País? Por que vem
sendo objeto de constantes críti-
cas por parte de quase todos os
setores da sociedade brasileira?
A razão é simples: o atual mo-
delo intervencionista envelheceu,
e não só em razão do decurso do
tempo, mas, sobretudo, como
consequência do agravamento
de intrínsecos vícios, muitos deles
contemporâneos de sua criação:
vícios de origem, de forma e
de matéria, de um modelo tipi-
camente interventivo, que o foi e
ainda o é.
Quanto à origem, a CLT, tanto O modelo intervencionista da CLT revela-se extremamente inflexível.
quanto a Constituição de 1937,
se ressentem assim da ilegitimi- um instrumento de atraso social, estatal instituiu-se, entre nós, um
dade dos regimes impostos: não implantando a mentalidade de sistema pesado e inflexível que,
nasceram do consenso democrá- confronto e, mais enganosa dentro da velha tradição patri-
tico; ignoraram os trabalhadores, ainda, a figura do Estado con- monialista e juridicamente for-
enquanto destinatários de suas ciliador. malista, passou a ser de predo-
normas e senhores de seu próprio Sob o aspecto formal, o mo- mínio da legislação social sobre o
destino. delo interventivo trabalhista em contrato e do aparato da Justiça
Mas, além de ilegítimo, ou ate vigor é detalhista, inflexível e Trabalhista sobre a negociação
mesmo por sê-lo, o modelo é contraditório. Uma lei com mi- entre as partes”. Ou como bem
inautêntico..Transplantou vivên- lhares de artigos, subdivididos em sintetiza José Pastore: “Temos
cias, conceitos e institutos da Car- incontáveis parágrafos, incisos e muita lei e pouco contrato; muito
ta Del Lavoro, um paradigma con- alíneas, alterados por mais de cem julgamento e pouco entendi-
trovertido mesmo na sua época de leis posteriores, tem contra si o seu mento”.
maior prestígio, em que era apre- próprio tamanho; marca do Es- Na sua versão original reve-
goado como a grande realização tado onipresente e onisciente, que lou-se um documento sistemáti-
do fascismo. Foi oferecido como tudo busca prever e regular, por co, lógico na forma e coerente
panacéia social no bojo de um desconfiar da própria sociedade. com a conjuntura e o regime
regime autocrático e preocupado O detalhismo passa do nível re- autoritário vigente na época.
com o culto à personalidade do gulamentador e torna-se o pa- No entanto, passou a apresen-
ditador. Finalmente, baseia-se na raíso dos despachantes e dos le- tar, no decorrer do tempo, sérias
premissa do inevitável confronto guleios, que se tornam parasitas e incontornáveis contradições
entre trabalhador e empresário, e saprófitos de seus defeitos. em muitos de seus dispositivos,
como se ambos fossem inimigos Além de detalhista, o modelo em razão do surgimento de
inconciliáveis que necessitam, res- intervencionista da CLT revela-se novos preceitos constitucionais,
pectivamente, de tutela e de polí- extremamente inflexível. Por for- leis ordinárias, regulamentos e
cia. Esse preconceito fez da CLT ça do excessivo intervencionismo portarias.

JUN/JUL/AGO - 2010 - Nº 51 11
Justiça

É, todavia, no conteúdo onde recessivo, por inibir o desenvolvi- se em uma das matérias priori-
se localizam os mais sérios vícios mento; é, por fim, retrógrado, por tárias da agenda juspolítica na-
do modelo intervencionista em vi- estar na contramão da História. cional. Vem ocupando a atenção
gor. Fruto de uma época em que Nada mais demonstrativo do de doutrinadores, operadores do
se buscava retirar as grandes ver- peso desses vícios que os custos direito, sindicalistas, empresários
dades da vida social dos gabine- econômicos e sociais que decor- e políticos de todos os partidos e
tes, o modelo da CLT está funda- ram de manter o modelo interven- diferentes matizes ideológicas.
do em premissas idealizadas e vol- cionista atual. É bem verdade que Parece haver um consenso de
tado a finalidades ideologizadas; toda instituição tem seus custos que a Justiça do Trabalho, tal qual
não considerou a própria evolu- para a sociedade. O problema se apresenta hoje, tornou-se in-
ção das circunstâncias circun- está em saber se compensam capaz de atender de forma apro-
jacentes à relação entre o capital ante os benefícios que produzem. priada à crescente demanda de
e o trabalho. Foi um modelo fe- Portanto é uma questão de rela- feitos que lhe são endereçados.
chado em si mesmo, nas próprias ção custo-benefício. Dentre os Divergências surgem, no entanto,
ideias. custos institucionais mais pon- quando se coloca em discussão
Por outro lado, é corpora- deráveis nas relações econômicas, as causas dessa disfunciona-
tivista, como não podia deixar de hoje fundamentais para definir in- lidade e o tipo de medidas corre-
ser, dada sua origem fascista, fun- vestimentos e fluxo de capitais e, tivas que devem ser adotadas para
dado na presunção da definição por isso, decisivos para o desen- o seu aprimoramento. Inúmeras
quase estanque de profissões, já volvimento de um País, estão os concepções e diversas sugestões
obsoleta quando surgiu. custos com os encargos traba- têm sido apresentadas para ge-
Ademais, o modelo está im- lhistas e os encargos sociais rar a adequação da Justiça do Tra-
pregnado de idéias socializantes, assumidos pelas partes.. balho às necessidades contempo-
repetindo os mesmos erros da Mas, ao lado dos custos priva- râneas. Daí o leque, bastante ex-
busca-outrance da igualdade dos, assomam os custos públi- pressivo, de tendências regis-
através do Estado. E por confiar cos impostos pela regulação, pela tradas.
demasiadamente nas intenções e fiscalização, pelo cumprimento Dentre as correntes mais ex-
na ação do Estado, o modelo ad- das normas e pelo aparato judi- pressivas podemos classificar três
quire um feitio tipicamente esta- cial incumbido da solução dos delas: a conservadora, a radi-
tizante. Daí o intervencionismo conflitos. cal e a reformista. A primeira de-
em todos os planos e através de Um modelo intervencionista, fende a preservação da Justiça do
todas suas instituições. O Estado assim como o nosso, chega a ser Trabalho basicamente como está,
dirige a relação capital-trabalho mais oneroso no campo das rela- em termos de organização, com-
e impõe suas soluções. Mas ções de trabalho que no próprio posição e competência; a segun-
como essas soluções são pater- campo da tributação, afetando da sustenta a necessidade de se
nalistas e assistencialistas, o direta ou indiretamente as próprias extinguir a Justiça do Trabalho,
Estado se vê na obrigação de tu- categorias envolvidas: o traba- integrando-a na Justiça Federal;
telar e de amparar os trabalha- lhador, que vê escassear as opor- a terceira corrente entende que se
dores como se todos fossem in- tunidades de emprego e de pro- deve manter a Justiça do Traba-
capazes, imbeles ou imbecis. O gressão; o empregador, que não lho, desde que passe por uma pro-
protecionismo exagerado acaba se estimula para investir; o con- funda reforma.
desestimulando, debilitando e sumidor, que deixa de benefi- A tese mais provável é a da re-
emasculando a vontade do traba- ciar-se pela falta de competição; forma da Justiça do Trabalho, pe-
lhador. a empresa, que não se aperfei- los seguintes argumentos básicos:
Acrescentem-se a isso outros çoa para competir; o sindicato, § As verdadeiras causas da
vícios que impregnam o modelo. que perde espaço para reivindicar; deficiência da Justiça do Trabalho
É disfuncional, pois induz novos a sociedade, que não se desen- são exógenas, estão situadas nos
e desnecessários conflitos; é in- volve, e o Estado, que perde re- vícios de origem, forma e conteúdo
justo contra quem está fora de ceita para investir nas suas ativi- da CLT e das abundantes legislações
seu círculo de proteção, como os dades próprias. que disciplinam a matéria.
trabalhadores informais, hoje tal- É evidente que a Justiça do Tra-
vez em maior número que os for- O DEBATE SOBRE O FUTURO balho tem de mudar. Mas o gros-
mais, e, por certo, contra os pe- DA JUSTIÇA DO TRABALHO so das mudanças tem de ser feito
quenos empresários, que não po- na legislação.
dem satisfazer todas as exigên- O debate sobre o futuro da De fato, enquanto a nossa le-
cias sem grande sacrifício; é Justiça do Trabalho transformou- gislação vigente for inautêntica,

JUN/JUL/AGO - 2010 - Nº 51 12
Justiça

preconceituosa, detalhista, infle- § o grau necessário de inter- tárias como técnicas alternativas
xível, contraditória, corporativista, venção da Justiça do Trabalho; de solução de conflitos; criando
paternalista e onerosa continua- § o momento em que a in- órgãos extrajudiciais de solução
remos a assistir ao progressivo tervenção deve se dar; de conflitos no âmbito da empre-
aumento no número de proces- § os tipos de conflitos que de- sa ou intersindicais, tais como
sos sob a apreciação da Justiça vem sofrer a intervenção; comissões paritárias de concilia-
do Trabalho, em que pesem os es- § e os meios necessários que ção; conselhos de empresa; co-
forços e a dedicação dos juízes. devem ser utilizados para diminuir missões intersindicais; enxugando
O fato de haver 3 milhões de pro- a intervenção. a estrutura organizacional e bu-
cessos à espera de julgamento Portanto, quatro são as gran- rocrática da Justiça do Trabalho,
não se deve atribuir aos magis- des indagações: o quanto, o com a criação do juizado de pe-
trados. Não são eles que fabricam quenas causas trabalhistas; sim-
processos. A Justiça do trabalho plificando as normas que regulam
constitui a ponta final da relação o seu funcionamento; mudando
trabalhista.
O outro argumento está fun-
dado na cultura do dissídio, tra-
“seriaO desejável
adotar para
a mentalidade meramente lega-
lista dos juízes e dos operadores
do direito; e, por último, acaban-
ço manifestamente negativo de o Brasil um modelo do com a “indústria” dos pro-
nossa formação. de solução de cessos.
Acredito que os problemas da
Justiça do Trabalho e das relações conflitos individuais CONCLUSÃO
de trabalho no Brasil não podem e coletivos
ser resolvidos sob o ponto de vis- A verdade é que o modelo
ta exclusivamente normativo. O totalmente privado, atual não pode mais vingar. Tor-
caminho mais adequado altera a ou seja, sem na-se, portanto, imperioso repen-
legislação ,e, simultaneamente, a qualquer ingerência sar o nosso sistema judicante
mentalidade que sustenta nosso intervencionista, adequando-o às
sistema de relações de trabalho. da Justiça do novas tendências mundiais e à
Em suma, a estrutura norma- Trabalho, ou nova ordem política e econômi-
tiva deve ser consentânea com ca existente no Brasil. Um mode-
novas condutas dos atores, em- de qualquer lo de solução que não ignore as
pregado e empregador, e também outro poder da demandas pela desregulamen-
do governo e de todas as esferas
estatais.
República.
” tação, flexibilização e descen-
tralização.
Há certo consenso de que é
PROPOSTAS PARA UMA chegada a hora de desmono-
EVENTUAL REFORMA quando, o onde e o como inter- polizar a jurisdição estatal, rever-
vir. A reforma aqui proposta res- tendo a cultura nacional resisten-
O desejável seria adotar para ponde a essas indagações da te a soluções alternativas e resga-
o Brasil um modelo de solução de seguinte forma: tando antigos meios de composi-
conflitos individuais e coletivos Quanto? O mínimo de inter- ção de litígios, anteriores à cria-
totalmente privado, ou seja, sem venção indispensável. O princípio ção da Justiça pública – como a
qualquer ingerência da Justiça do nuclear que preside a proposta é conciliação, a mediação e a arbi-
Trabalho ou de qualquer outro o da prevalência da solução tragem. Esses expedientes podem
poder da República. Mas, em não extrajudicial sobre a confrontação ser importantes vias de acesso à
sendo possível eliminar, totalmen- judicial justiça para as sociedades nas
te, a presença do Estado na solu- Quando? Apenas em caso de quais os conflitos de massa já não
ção dos conflitos trabalhistas e impasse nas negociações diretas podem ser atendidos pela justiça
partindo-se do princípio de que é ou na hipótese de ser solicitada formal.
pouco provável que a Justiça do consensualmente pelas partes Corporativista e intervencio-
Trabalho venha a ser extinta, o envolvidas no conflito; nista como é, tornando-se obso-
grande desafio que se nos apre- Onde? Apenas nos dissídios leta e anacrônica, a Justiça do
senta na configuração de uma de natureza jurídica; Trabalho passou a ser uma
profunda reforma nesse ramo es- Como? Das seguintes for- ameaça ao desenvolvimento de-
pecializado do Judiciário é identi- mas: estimulando a conciliação, mocrático, econômico e social
ficar: mediação e arbitragem volun- do País.

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Especial
Uma visão liberal do fato

ão há risco maior para um em servido mal ao país, o ato mais feio do último trimestre
N País do que ter a imprensa T presidente Lula, ao O coube, sem dúvida, a Dilma
“armada” e submissa. A pressão menosprezar suas infrações Rousseff. Esse ato foi o de incluir,
com a entrada de vários presidentes relativamente à propaganda ilegal entre fotografias que ilustravam sua
bolivarianos em cena é cada vez que produziu em suas diferentes vida, uma com a atriz Norma Bengell
mais tangível. Não se pode esquecer aparições em inaugurações ou na passeata dos 100 mil do Rio de
igualmente do México, onde a pseudo-inaugurações de obras. Janeiro, insinuando a participação
imprensa é ameaçada A propaganda ostensiva que faz de dela em um evento marcante e
permanentemente pelos cartéis de seu “poste” Dilma Rousseff foi afinal pacífico. Dilma Rousseff optou pela
drogas. O Ministro do Supremo julgada e castigada. Ironicamente, ação armada, tendo pertencido,
em um de seus comícios posteriores entre outros, ao grupo Palmares.
Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito,
alegou que não tinha dinheiro para O “poste” de Lula, que já se equivocou
afirmou em alto e bom som que a
pagar as multas (R$ 10 e 5 mil reconhecidamente pelo menos duas
liberdades de expressão e de
reais, respectivamente). Em tom de vezes – uma negando encontro com a
imprensa têm precedência sobre
deboche o auditório assumiu que ex-superintendente da Receita Federal,
outros direitos, inclusive os ligados à Lina Maria Vieira, e a outra quando
pagaria. São afrontosos atos dessa
privacidade e à honra. O Ministro ampliou sua biografia universitária no
natureza repetidas vezes realizados
disse em suas declarações que as pelo primeiro mandatário. As âmbito do Curriculum Lattes, comete
decisões censórias efetuadas em dificuldades que Lula enfrenta em um terceiro pecado capital em matéria
instâncias anteriores tendem à relação às normas de conduta de informação. Dilma é uma ex-
ser um fenômeno passageiro. não são exclusivamente no campo guerrilheira marxista, que lutava para
O Ministro fazia menção a eleitoral. Diferentes obras do PAC, implantar o socialismo real no país e
censura prévia que um juiz de relatadas como suspeitas pelo TCU, não precisava fazer agregações a seu
Brasília impusera ao jornal O Estado foram incorporadas ao Orçamento currículo nem incluir-se em passeatas
de S. Paulo com relação a possíveis Geral da União. Ainda que o TCU já que sua opção foi a luta armada.
ilegalidades ou infrações cometidas atue como órgão fiscalizador e de Mas é muito feio que uma candidata à
pela empresa da família Sarney, em recomendação, o desprezo com presidência da República se desvie da
destaque o morgado Fernando. que Lula tratou as sugestões do verdade com tanta frequência e de
O jornalista Carl Bernstein, órgão é característico de um maneira tão evidente, o que nos leva
famoso por suas reportagens déspota que não respeita regras. como eleitores, a concluir que suas
sobre o caso Watergate, reforçou Frisa-se que sua atitude em relação eventuais promessas de realizar ou
as responsabilidades da imprensa, ao Congresso reflete sempre a compromissos de não tolerar, não
lembrando que a ela cabe muito convicção de que já está pagando passam de mentiras adicionais tão
mais do que fazer dinheiro ou em espécie a aprovação de seus descartáveis quanto as que vem
entreter pessoas. atos legislativos. produzindo ao longo de sua
campanha.

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Matéria de Capa

O Irã na política externa do Brasil


Eiiti Sato
Professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília

governo brasileiro parece es- interesses do Brasil tanto quanto postura? Além do Irã, não exis-
O tar devendo explicações mais o de países como Uruguai, Argen- tem outras prioridades a serem
convincentes à nação em relação tina ou México. No entanto, dife- objeto de atenção na diplomacia
aos movimentos da diplomacia rentemente do governo brasileiro, brasileira? Neste breve artigo são
brasileira quanto à política de de- a postura do governo desses e de discutidas duas ordens de argu-
senvolvimento nuclear do Irã. As outras dezenas de países tem sido mentos que aparecem nas mani-
notícias e as manifestações oficiais a de simplesmente acompanhar a festações oficiais e que merece-
em relação ao Irã têm suscitado questão e participar discretamen- riam mais esclarecimentos.
muitos questionamentos por te dos debates e das decisões nos
parte da opinião pública. A ques- foros internacionais. Nesse senti- AS RELAÇÕES COMERCIAIS
tão mais geral a ser respon- do, quais são as razões que justi- COM O IRÃ
dida é por que – e de que modo – ficam tanto empenho para, ainda
a política nuclear do governo Ah- que condicionalmente, aliar-se ao Entre as justificativas para o
madinejad afeta os interesses bra- governo Ahmadinejad quando apoio à política de desenvolvimen-
sileiros? Aparentemente, o suces- nenhuma grande potência ou to nuclear do governo Ahmadi-
so ou o fracasso do programa nu- países como Argentina, África do nejad argumenta-se que o Brasil
clear do Irã poderá afetar os Sul ou Índia assumem semelhante deve dar atenção aos mercados

JUN/JUL/AGO - 2010 - Nº 51 15
Matéria de Capa

do Oriente Médio, e que o Irã po- países da Ásia são formidá- vez que o Brasil importava 90%
deria ser um importante parceiro veis concorrentes para a grande do petróleo que consumia e a
nesse quadro. Esse argumento, no maioria dos produtos brasileiros.1 maior parte do petróleo importa-
entanto, mistura um projeto de Neste início de 2010 o Irã é ape- do vinha do Oriente Médio. Há
natureza eminentemente estraté- nas o 26º destino das exporta- mais de uma década o Brasil é
gica com possíveis interesses co- ções brasileiras. Comparado com autossuficiente em matéria de pe-
merciais. Isto é, pressupõe que o países vizinhos no continente sul- tróleo, e se as expectativas de ex-
Brasil, ao apoiar o governo do Irã americano, por exemplo, o Irã im- ploração do pré-sal vierem a se
em sua política de desenvolvi- porta do Brasil apenas um pouco concretizar o Brasil se tornará
mento de capacitação nuclear es- mais do que o Uruguai, cuja po- exportador dessa commodity, que
tratégica, poderia em troca vir a pulação é aproximadamente responde por quase 90% das ex-
gozar de facilidades comerciais. vinte vezes menor.2 portações do Irã. Outros produ-
Todavia, essa possibilidade parece tos da pauta de exportação do Irã
bastante remota, uma vez que são tapetes persas, castanhas, fru-

“doO único
a lógica do comércio e a lógica tas e peles. Esse quadro explica
da inserção internacional no pla- produto porque o superávit comercial bra-
no estratégico são orientadas por Oriente Médio sileiro em relação ao Irã é enor-
forças muito distintas. Talvez a ex- de relevância me e tem muito pouco potencial
portação de armas pudesse se be- para se reduzir, constituindo,
neficiar desse tipo de jogo, mas a estratégica para assim, um forte entrave à expan-
opinião pública brasileira predo- a economia brasi- são das trocas comerciais entre os
minante sempre condenou essa dois países.3
prática, e um apoio dado dessa leira seria o Nesse quadro, o argumento do
forma, com esse propósito, seria petróleo, um bem valor estratégico da presença bra-
uma iniciativa demasiadamente que há tempos sileira nos mercados do Oriente
grosseira para os padrões do Médio, particularmente no Irã,
Itamaraty. deixou de ser um não se sustenta. Obviamente, a
Com efeito, no comércio regu- fator relevante ampliação dos mercados pode
lar há condicionantes econômi- ser um objetivo permanente, e sem-
cas que muito dificilmente pode- como condicio- pre é possível identificar oportu-
riam ser superadas apenas por de- nante externo nidades para se promover o co-
cisões na esfera estratégica. A pri-
meira delas é o fato de que o Ori-
ente Médio como um todo repre-
para o Brasil.
” mércio e ampliar a participação
nos mercados globais e regionais.
A questão que se coloca é o cus-
senta apenas 1/7 do valor das ex- to dessas iniciativas, isto é, até
portações brasileiras para a Ar- Pode-se argumentar que o Irã que ponto vale a pena investir em
gentina. Obviamente, essa cifra e o Oriente Médio em geral po- certos mercados? Qual o poten-
poderia indicar a existência de um deriam ser de interesse estratégi- cial efetivo de ganhos? Quais os
grande potencial de mercado a co para o Brasil como fornecedor custos das iniciativas quando
ser explorado, mas é preciso con- de bens essenciais no futuro. Essa comparados com investimentos
siderar alguns aspectos que limi- possibilidade, no entanto, parece em outros mercados mais prós-
tam muito essa possibilidade. O ainda mais remota. O único pro- peros e mais próximos?
primeiro deles é o fato de que o duto do Oriente Médio de rele-
Oriente Médio é um mercado re- vância estratégica para a econo- O BRASIL COMO MEDIADOR
lativamente pequeno, absorvendo mia brasileira seria o petróleo, um NO ORIENTE MÉDIO
não mais do que 3,6% do total bem que há tempos deixou de ser
das importações mundiais e que, um fator relevante como condicio- A forma como a diplomacia
apesar de pequeno, a concorrên- nante externo para o Brasil. Quan- brasileira se ofereceu como me-
cia nesse mercado é literalmente do houve a crise do petróleo, diadora de um dos conflitos mais
global; e a União Européia e, mais desencadeada em 1973, esse antigos e mais complicados nas
recentemente, a China e outros entendimento fazia sentido, uma relações internacionais sugere

1
Enquanto as exportações brasileiras para o Irã mal chegam a US$ 1,0 bilhão, a União Européia no ano de 2008 exportou US$ 21 bilhões (http://www.wto.org)
2
Esses dados referentes a exportações brasileiras estão disponíveis na página do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (mdic.gov.br), que
atualiza mensalmente o movimento de comércio exterior do País.
3
Dados do MDIC mostram que em março/2010 o Brasil exportou para o Irã US$ 129 milhões em mercadorias e importou apenas US$ 32 milhões (dados disponíveis
no portal do MDIC).

JUN/JUL/AGO - 2010 - Nº 51 16
Matéria de Capa

uma primeira ordem de questio- do governo têm assumido de for- A pesquisa revelou que entre
namento. Uma vez que não hou- ma deliberada um caráter osten- 18 prioridades sugeridas pelos
ve qualquer apelo da comunida- sivo e eminentemente controver- entrevistadores a demanda por
de internacional, que não é pos- tido. Em princípio, qualquer polí- um assento permanente no Con-
sível identificar qualquer interes- tica governamental é controver- selho de Segurança da ONU re-
se relevante para o País e que tida e nem sempre a ação gover- cebeu a indicação de somente
não houve evento ou fato que namental é adequadamente com- 18% dos entrevistados, tendo su-
“empurrasse” o Brasil para o pro- preendida pela opinião pública. perado apenas duas prioridades:
blema do Oriente Médio, será que Em certos casos há informações “controlar e reduzir a imigração
o governo brasileiro considera reservadas, e até mesmo espe- ilegal para o País” (13%) e “forta-
que a diplomacia pode ser prati- cialistas dedicados ao trabalho de lecer a CPLP – Comunidade de
cada independentemente dos in- acompanhar e analisar o cenário Países de Língua Portuguesa”
teresses da sociedade e dos re- da política podem ter dificuldades (12%).5 No caso apontado pela
cursos econômicos e estratégicos em compreender a situação. No pesquisa, fica evidente a baixa
da nação? Será que o governo entanto, há outros casos em que aderência a uma das prioridades
brasileiro considera que a diploma- há indícios claros de que a políti- que o governo brasileiro vem
cia de outras nações envolvidas ca governamental se afasta subs- perseguindo de forma bastante
com a difícil questão do Oriente tantivamente – em certos casos ostensiva em relação às percep-
Médio não tem capacidade e até perigosamente – do entendi- ções correntes da sociedade. Ape-
talento suficientes, requerendo mento predominante na socie- sar de tudo, neste caso é possí-
assim a participação brasileira? dade a respeito de certas ma- vel entender que eventuais custos
Nas democracias modernas a térias. Um exemplo ilustrativo ou benefícios decorrentes da im-
formulação de políticas – inclusi- dessa relação é o de uma pes- plementação dessa prioridade
ve da política externa – não é vista quisa recente feita entre autorida- não são tão claros. No caso das
como um exercício levado a des governamentais, diplomatas, iniciativas recentes em relação ao
efeito de maneira reservada, res- parlamentares, jornalistas e pes- programa nuclear do Irã, no
trita aos gabinetes dos gover- quisadores.4 entanto, é possível concluir que,
nantes. Isso não quer dizer que a
formulação de políticas deva ser
um processo plebiscitário, mas
significa que a formulação de po-
líticas deve ser conduzida como
um processo dinâmico no qual
governantes prestam contas à na-
ção por meio de mecanismos
institucionais e ouvem os gover-
nados por meio dos canais pelos
quais a opinião pública se mani-
festa (pesquisas de opinião, im-
prensa, audiências públicas, opi-
nião de especialistas, etc.). Na
essência, pode-se dizer que essa
relação complexa e sutil constitui
verdadeiramente a pedra de
toque da democracia moderna.
Nos anos recentes a política
externa brasileira tem sido objeto
de controvérsias e debates por-
que, diferentemente da longa tra-
dição da diplomacia brasileira de
ação competente e firme – mas
sempre discreta –, as iniciativas As manifestações públicas fazem parte da democracia moderna em todo o mundo.

4
SOUZA, AMAURY DE, A Agenda Internacional do Brasil: a Política Externa Brasileira de FHC a Lula. Editora Campus/Elsevier, Rio de Janeiro, 2009.

JUN/JUL/AGO - 2010 - Nº 51 17
Matéria de Capa

além da reprovação generaliza- ambiente cooperativo entre as na- cial brasileiro e para o monito-
da tanto nas manifestações da ções do Cone Sul, e do continente ramento do clima e da vigilância
imprensa quanto de especialistas, sul-americano em geral, contri- nas regiões amazônicas.
a iniciativa apresenta dimensões buindo para que iniciativas de inte- O governo brasileiro, ao se co-
mais preocupantes para os inte- gração frutificassem na região. locar ao lado do Irã, atrai para si
resses da nação ao pôr em risco Num plano mais geral, essa a mesma desconfiança que recai
a própria credibilidade do País postura ajudou a consolidar a sobre aquele país. A conclusão é
como nação pacífica. credibilidade do Brasil como um inevitável: se o governo brasileiro
A disseminação da capaci- Estado confiável e de vocação pa- não vê problema na política de
tação em energia nuclear tem se cífica. Essa credibilidade constitui desenvolvimento nuclear do Irã,
constituído num dos temas mais um capital importante para mui- que está sob suspeição interna-
sensíveis desde o fim da segunda tas das prioridades do País tanto cional, é possível que o programa
guerra mundial. O Brasil e a na- na área econômica quanto estra- nuclear brasileiro esteja sendo de-
ção brasileira consagraram na tégica. Com efeito, na década de senvolvido em bases semelhantes
Constituição de 1988 o princípio 1970 as dificuldades geradas pelo e deve, igualmente, ser visto com
de que a energia atômica deveria processo de negociação que resul- suspeição. Dessa forma, uma cre-
ser destinada exclusivamente para tou no Acordo Nuclear com a Ale- dibilidade internacional construída
fins pacíficos. Esse entendimento manha extrapolaram os limites da ao longo de décadas, por suces-
deu sustentação às iniciativas de questão nuclear. Embora o Brasil sivos governos, fica comprome-
cooperação com a Argentina e à não fosse alvo de sanções interna- tida. O comprometimento dessa
adesão do País aos tratados vol- cionais específicas, várias dificul- credibilidade, obviamente, não
tados para a não proliferação de dades surgiram na esfera do co- constitui problema se o programa
armas nucleares. Entre os benefí- mércio de produtos considerados nuclear brasileiro não for essen-
cios dessa postura, mantida por sensíveis, entre eles a aquisição de cialmente para fins pacíficos. Será
sucessivos governos brasileiros, vetor capaz de aumentar a capa- que nessa esfera o governo desen-
pode ser destacado o fato de que cidade dos computadores do INPE volve algum plano que prefere não
favoreceu a construção de um utilizados para o programa espa- tornar público?

JUN/JUL/AGO - 2010 - Nº 51 18
Destaque

Belo Monte é a
nova Estatal
Adriano Pires
Diretor do Centro Brasileiro de
Infraestrutura (CBIE)

unca antes na história deste


N País um projeto de interesse da
nossa sociedade foi motivo para gerar
tanta inspiração para a desordem ló-
gica de sua implantação quanto o pro-
grama da hidrelétrica de Belo Monte.
Estudado há mais de trinta anos, veio
a ser inscrito no PAC para tornar-se a
sua “jóia da coroa” no âmbito do Se-
tor Elétrico. Tanta inspiração despertou
até no cineasta canadense Cameron,
o gênio do “AVATAR”, que prima pela
visão holística, a disposição de ir pes-
soalmente ao Xingu para conhecê-lo.
Além de cineastas, o projeto desper-
tou interesse de construtoras, fornece-
dores, seguradoras e do sistema finan-
ceiro em todo o mundo porque se si-
tua na região Amazônica, está nas
manchetes há 30 anos e é alardeado
como o terceiro mais importante pro-
jeto de geração hidrelétrica no mundo
(11.600 MW de capacidade instala-
da), com escavações que ultrapassam
aquelas realizadas no Canal de Pana-
má, que deslocará para a região ama-
zônica populações que beirariam os
100 mil trabalhadores e agregados,
que tem o projeto ambiental mais
arrojado, implicando compensações
dessa natureza que ultrapassam os
10% do investimento programado, etc.
Agora o que de fato não está sendo
levado em conta, e aí talvez resida a
razão da desistência de interessados
experientes, que estudaram profunda-
mente a sua execução e sua viabilidade
financeira, depois de ter participado
Ativistas do GreenPeace em todo o estudo e ativamente da
protestam no dia do solução de engenharia, é que apesar
Leilão de Belo Monte da capacidade instalada de 11.600
MW os investidores somente poderão
comercializar 4.400 MW médios du-
rante cada ano, e a sua construção

JUN/J/JULUL/A
JUN /AGO
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demandará uma logística especial garantia de fiel cumprimento do sua participação. Seguramente a
e única. contrato será de R$ 1,045 bilhão. tarifa calibrada como referência
Registre-se que a Eletrobras Além disso, a rejeição ao em- de R$ 83,00/ MWh não permite
menciona que as vazões do preendimento, com objetivos sin- a receita para fazer frente aos cus-
Xingu, no trecho onde será cons- ceros ou não, de ambientalistas e tos aludidos e às taxas de retorno
truída a usina, têm uma média de populações locais que se acham para um empreendimento de alto
19.816 metros cúbicos de água agredidas deverá causar obstru- risco, incluindo os geológicos, que
por segundo nos meses de abril ções ao bom curso da sua im- somente serão amealhadas após
a setembro. A partir daí, o fluxo plantação, com custos adicionais 12 a 15 anos do início da opera-
cai para 1.065 metros cúbicos imprevisíveis e possivelmente mul- ção da hidrelétrica.
por segundo – uma redução de tas pelo atraso do cronograma de Passado o leilão de Belo Monte,
94%. O fator de capacidade de geração e, o que é pior, a compra vemos o refluxo causado pela
Belo Monte é de aproximada- de energia ao Preço de Mercado “onda” de voluntarismo e autori-
mente 0,44, inferior à média das tarismo impresso ao processo
hidrelétricas existentes hoje, entre para lhe dar aparência de uma

“conseguir
0,50 e 0,60. disputa entre privados, e a cada
No período seco da bacia Se o governo dia verificamos quanta coisa foi
do rio serão gerados cerca de eleger desconsiderada e quantos ajustes
2.800 MW médios, significando seu candidato foram feitos de última hora, os quais
dizer que durante este período os terão que ser rearranjados para
investidores estarão tendo que à Presidência que a construção desse empreen-
comprar de outras geradoras do da República, dimento não venha sofrer solução
sistema 1.600 MW médios, para de continuidade ao longo de sua
atender seus compromissos nos seguramente o implantação não por ação dos
contratos de venda de energia. contribuinte e os ambientalistas, mas tão-somente
Um custo adicional àqueles ne- acionistas da pelo improviso.
cessários ao investimento. É certo Se o governo conseguir eleger
que a compra se fará pelo preço Eletrobras terão seu candidato à Presidência da
do MRE (Mecanismo de Realo- que pagar a República, seguramente o contri-
cação de Energia). buinte e os acionistas da Eletro-
Contrario senso, quando o rio conta que os bras terão que pagar a conta que
estiver no período de cheias a hi- consumidores os consumidores não pagarão,
drelétrica estará operando com
todas as suas máquinas gerando
e entregando ao sistema quase o
não pagarão.
” quer os cativos ou os livres, ou
mesmo os autoprodutores, sob a
forma de tributos. Aliás, como a
mesmo montante de MW médios conta vai para o contribuinte, será
que estará autorizada a comer- de Curto Prazo, cuja referência melhor oferecer a este último um
cializar, recebendo pelo mesmo seria impossível de antecipar, mas “regalo” maior que, pelo menos,
MRE uma receita que não im- que os especialistas no tema in- lhe permita aumentar o número
pactará no equilíbrio econômico- dicam que deverá ser da ordem de empregos. Se a oposição for a
financeiro do projeto. de R$ 120,00 /MWh, significan- vencedora começa sua gestão no
Esta lógica da geração define do para o investidor um prejuízo setor elétrico com a difícil tarefa
receitas que deverão ser propi- de mais de 40% em relação ao de dar uma solução que não ve-
ciadas pela energia gerada para valor que estará recebendo dos nha a ser gravosa para aqueles
fazer frente aos investimentos contratos com que vier a se com- que nem energia elétrica conso-
com custos ambientais, constru- prometer com as distribuidoras e mem, mas pagam tributos.
ção de barragens e canais, má- consumidores livres. Pelo que vem sendo revelado,
quinas, pessoal, seguros, custos Se considerarmos que a tudo leva a crer que na última
financeiros dos empréstimos, ope- Eletrobras, através de uma das hora o consórcio com maior pre-
ração da usina quando pronta, suas empresas, ficou com 49% do sença privada percebeu que, por
transmissão da energia produzi- empreendimento e que cerca de não ter obtido as benesses su-
da até o ponto de conexão e re- 10% da energia serão destinados ficientes para alcançar uma taxa
sultados aos seus acionistas. So- a consumidores livres, restará aos de retorno bancável, não poderia
mente para dar uma dimensão investidores não consumidores oferecer um lance muito abaixo da
da envergadura dos compromissos 50% para estabelecer a viabili- tarifa-teto. Mas, pouco a pouco vem
do empreendedor, citamos que a dade econômico-financeira da sendo revelado que foi montado

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como já mencionou uma autori-


dade do governo no evento da
metodologia de ajuste tarifário,
esse incremento nem vai ser per-
cebido pelos mais de 30 milhões
de consumidores, pois significam
menos de R$1,00 em suas con-
tas mensais.
A despeito de tudo o que ocor-
reu para viabilizar o leilão, cabe
considerar que as condições para
a construção da hidrelétrica nun-
ca deveriam ser tais que viessem
a obrigar o próximo governo a
arcar com custos desse montan-
te dentro do orçamento da União,
mesmo que seja via capitalização
da líder do consórcio no bojo da
Já em 1989 os povos indígenas faziam oposição à construção de Belo Monte. reestruturação da sua holding,
Na foto, José Antonio Muniz Lopes (hoje presidente da Eletrobras).
ora em curso.
Pelo que se analisa no processo
um consórcio de forma intem- o consumo dessa quantidade de há competência, sim, em fazer
pestiva, a qualquer custo e lide- energia. prevalecer o voluntarismo, mas
rado pela estatal que havia se Passado o leilão, o objetivo se- não há transparência nas ações,
rebelado contra a perda de man- ria substituí-las por empresas, es- ainda que os fins justificassem os
do, definida pela reestruturação tas sim, de fato autoprodutoras meios, retórica implícita nas ati-
do seu acionista majoritário, para que aceitariam entrar no consór- tudes governamentais.
oferecer uma proposta vencedo- cio mediante uma tarifa bem ne- Restam duas perguntas. A pri-
ra independente de retorno mes- gociada para melhorar um pou- meira, até que ponto o governo
mo social. O importante foi con- co o retorno menor que 3%, queria na verdade estatizar Belo
firmar a assertiva reverberada por ficando ainda por vender os 10% Monte? Estudos vazados na im-
alguns membros do governo de restantes da energia produzida prensa, feitos pelas estatais
que haveria um deságio de até que podem ser destinados ao Furnas e Eletrosul, indicam de for-
8%, afirmativa que tinha o objeti- mercado livre. Com o artifício ma indiscutível que nos termos
vo de comprovar o acerto do pre- poder-se-ia então confirmar o propostos não haveria uma taxa
ço de referência para a energia deságio anunciado pelo governo. de retorno maior que 3% a.a. e
no leilão e para o montante defi- De toda maneira, o que se que o volume de investimentos
nido parra o investimento. pode afirmar é que à tarifa ven- necessário para executar a obra
Chegou-se até a praticar um cedora deverão ser somados os seria de R$ 28,5 bilhões, e não
inteligente artifício – não proibido custos alocados ao contribuinte os R$ 19 bilhões indicados pelas
pelo edital – ao atribuir a duas pela concessão das benesses autoridades. Além disso, apon-
empresas do consórcio vencedor ofertadas pelo governo, que po- tam outras sérias e previsíveis in-
a figura de autoprodutoras para dem ser calculados e seriam da terrogações quanto ao financia-
que pudessem, de acordo com o ordem de R$ 22/MWh. Assim, os mento da obra e aos custos
definido nas condições do edital, consumidores que também são ambientais. A segunda pergunta,
destinar 20% da energia a ser contribuintes estarão pagando porque o presidente Lula insiste
produzida para a venda posterior pela energia a ser produzida R$ em fazer a obra de qualquer ma-
a um preço maior que aquele 100/MWh, e não o alardeado neira, diante de tanta oposição
oferecido no leilão. O artifício valor definido pelo leilão. de toda a sociedade? A resposta
aparentemente funcionou, apesar Além disso, a tarifa subsidia- é que o presidente deve estar con-
da dificuldade de comprovação da pelos contribuintes dará um vencido de que sua candidata
da condição de autoprodutores, sinal econômico equivocado para não será eleita e, assim, a oposi-
pois as referidas empresas inscri- os desavisados consumidores, ção começará sua gestão no se-
tas como tal teriam que consu- provocando uma perda de efi- tor elétrico com a difícil tarefa
mir mais de 900 MWmédios, e ciência no consumo da energia de dar uma solução a essa heran-
elas não terão como comprovar elétrica. E, diga-se de passagem, ça maldita.

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O uso de medidas transversais


Uma proposta de agenda
Paulo Uebel
Advogado, especialista em Direito Tributário e Diretor Executivo do Instituto Millenium

á anos que a opinião públi- potenciais remédios para esses plementadas, podem ter um efeito
H ca critica a ineficiência do problemas. transversal muito positivo em
Estado brasileiro mostrando cla- Atualmente é difícil haver dú- todos os três poderes (Executivo,
ros problemas de eficácia, de des- vidas quanto à importância des- Legislativo e Judiciário), bem como
vio de finalidade e de mau uso dos sas reformas. Na maioria das nos três entes federativos (União,
recursos, sem falar nos inúmeros vezes o que há é a falta de moti- Estados e Municípios). São solu-
desvios. O Estado brasileiro tem vação de determinados grupos de ções baseadas em princípios e
diversos problemas financeiros, interesse em discutir e aprovar as valores, portanto podem ser apli-
gerenciais, políticos, sociais e mo- referidas reformas em razão do cadas indefinidamente.
rais, todos da maior importância. receio que esses grupos têm de Evidentemente, ao contrário
Entretanto, quando surge o deba- perderem poder, privilégios ou re- do que muitas pessoas alegam, o
te sobre quais soluções deveriam cursos. problema do Estado brasileiro não
ser implementadas inevitavel- O tema das grandes reformas está na quantidade de recursos
mente as grandes reformas traba- está tão latente e explorado que que arrecada, os quais vêm au-
lhista, tributária, política, do judi- neste artigo não será abordado. mentando significativamente, mas
ciário e da previdência são cita- O objetivo principal deste artigo nas regras que são criadas, nos
das como únicos exemplos de é trazer novas ideias que, se im- incentivos que foram concebidos,

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nos tratamentos que são dados, desconhece todas as regras que metas, sem bônus, sem punições
nos controles que foram imple- existem, e o próprio poder públi- e sem distinções pela qualidade do
mentados e nas prestações de co não consegue fazer valer a le- trabalho e pelos resultados alcan-
contas que são realizadas. gislação legal e infralegal vigente. çados.
Portanto, é fundamental limi- Nesse contexto existe uma
DAS REGRAS tar o poder dos agentes públicos relativização do mérito, o qual é
para criar novas regras, obriga- substituído por critérios como an-
No Brasil, ao contrário de mui- ções e procedimentos. Enquanto tiguidade ou formação acadêmi-
tos países desenvolvidos, a cria- isso não for feito, o Brasil conti- ca, para não falar no critério de
ção de leis, decretos, portarias, nuará sendo um emaranhado de filiação partidária, muitas vezes
instruções normativas, regula- dispositivos normativos. ilegalmente utilizado. Esse ambi-
mentos, resoluções, circulares e ente com incentivos equivocados
medidas provisórias beira a distancia o poder público do ci-

“ Nocontrário
irracionalidade. Os membros dos dadão pagador de impostos, o
poderes constituídos, dentro de Brasil, ao qual deveria receber a contra-
suas respectivas áreas de compe- de partida pelo que pagou. Isso re-
tência, podem criar regras sem sulta, consequentemente, no per-
praticamente qualquer limite. muitos países manente descontentamento da
Podem, inclusive, criar uma regra desenvolvidos, população brasileira com os ser-
sabidamente inconstitucional, viços públicos. Para ilustrar esse
desde que não expressem isso
a criação de ponto, vale citar o dado de que
oficialmente/publicamente e que leis, decretos, 52% da população brasileira
obedeçam a algumas formali- portarias, instru- avaliam a educação pública como
dades legais. Isso é um problema sendo de regular a péssima (Fonte:
transversal, que não está restrito ções normativas, Instituto Millenium/Instituto Aná-
ao Poder Executivo. regulamentos, lise, 2009). A saúde pública ainda
Essa prática, inclusive, gerou resoluções, recebe avaliação pior, já que 72%
a figura da “inconstitucionalidade da população consideraram-na
útil”, muito conhecida no meio circulares e como de regular a péssima (Fonte:
tributário, que ocorre quando medidas provi- Instituto Millenium/Instituto Aná-
uma regra sabidamente incons- lise, 2009).
sórias beira a

titucional é criada apenas para Se não mudarmos os incentivos
gerar um benefício de caixa tem- irracionalidade. e se não implementarmos o méri-
porário, enquanto a lei não for to como ferramenta transversal de
julgada inconstitucional ou en- transformação, o governo conti-
quanto não for revogada pelo nuará sendo muito ineficiente.
próprio proponente (para não DOS INCENTIVOS
gerar um precedente contrário). DOS TRATAMENTOS
A ideia de que apenas um nú- Infelizmente, esse não é o úni-
mero irrisório de pessoas irá ques- co problema transversal do atual Um dos pilares de qualquer sis-
tionar a constitucionalidade da modelo. O poder público não tema democrático é a igualdade
regra e que, desse número, ape- pode prosperar e alcançar a ale- perante a lei. A idéia de dar trata-
nas uma parte irá ser vitoriosa gada eficiência sem um mecanis- mento privilegiado a algumas pes-
acaba sendo um grande estímulo mo adequado de incentivos. Na soas em detrimento de outras já
para a referida prática. verdade, é difícil falar de incenti- foi empiricamente comprovado
Esta facilidade de criar regras vos no poder público. No início, como péssimo para o bom fun-
sem qualquer limite, responsabi- aliás, existe um grande incentivo cionamento dos governos. Com
lidade ou compromisso com os para se ingressar na carreira pú- a possibilidade de haver desigual-
resultados que serviram de justifi- blica, já que a estabilidade e o dade perante a lei os grupos de
cativa para legitimar a criação salário inicial, na maioria das ve- interesse buscam, de maneiras le-
desses novos dispositivos gera zes superior ao pago pela inicia- gais e ilegais, conquistar o bene-
um ambiente institucional instá- tiva privada, são um grande con- fício que lhes interessa. Isso gera
vel, oneroso e desmoralizado, que vite. Ocorre que, uma vez dentro um círculo vicioso interminável,
atrapalha o crescimento e o de- do poder público, todos, em regra, sem falar na brutal corrupção.
senvolvimento do país. O cidadão são tratados igualmente, sem Hoje, no Brasil, essa prática, infe-

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lizmente, é permanente. O próprio bilidade, para que as pessoas não dem ter conflito de interesses ou
governo estimula, criando benefí- precisem buscar meios ilícitos para falta de independência para de-
cios pontuais para determinados atender sua urgência. Novamen- nunciar eventuais irregularida-
setores que ele elege como prio- te, isso deve ser feito de forma des; (2) deve haver transparência
ritários. pública e transparente, para que total no poder público para que
Dessa forma é necessário que, todos os cidadãos possam ter a os cidadãos comuns possam co-
em todos os poderes e em todos opção de obter um documento laborar nesse controle; e (3)
os entes da federação, o trata- em menos tempo se pagarem um quando as irregularidades forem
mento seja idêntico para todos os valor adicional. constatadas, a punição deve ser
cidadãos. Para tanto, não só as Por essas razões as leis e as regularmente aplicada.
leis e regras devem ser gerais, im- regras devem ser impessoais, ge- Ocorre que, na prática, esses
pessoais e abstratas, mas a exe- rais e abstratas, sendo que todos três elementos muitas vezes não
cução das atividades diárias do os cidadãos devem ser tratados estão presentes. Os Tribunais de
governo não deve ser influencia- com igualdade perante a lei. Contas, seja da União ou dos
da por relações políticas, partidá- Estados, em sua maioria estão
rias ou por conexões obscuras. DOS CONTROLES cheios de indicações políticas. É
Isso não significa, entretanto, evidente que uma indicação ba-
que o setor público não possa ter Outro ponto que prejudica o seada no critério de afinidade
um mecanismo de “preços” para bom desempenho da esfera pú- política possui, por si só, um con-
identificar questões mais urgentes blica é a inexistência de controles flito de interesses insuperável. O
e impedir que a necessidade pre- eficazes que impeçam o poder indicado, que deveria ajudar a fis-
mente de determinada pessoa público e seus agentes de agirem calizar a pessoa que o indicou, já
seja sanada somente por meio do com abuso de poder, de se des- fica com a sua independência
pagamento de “propinas”. Ou viarem da finalidade legalmente comprometida, sem falar na dis-
seja, o governo deve prever que a proposta ou de se locupletarem ili- cutível capacidade técnica dessa
urgência para obter um documen- citamente. Para que esses contro- pessoa para esse fim.
to pode ser diferente entre as pes- les sejam eficazes, três requisitos No caso da transparência a
soas. Dessa forma, deve incorpo- são necessários: (1) as pessoas situação é a mesma. Em pratica-
rar no valor das taxas essa possi- que exercem o controle não po- mente nenhum dos poderes e

Em praticamente nenhum dos poderes e entes federativos existem informações claras, simples e diretas que permitam
que o cidadão comum realize uma ampla fiscalização.

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entes federativos existem infor- falta grave o exercício inadequa-


mações claras, simples e diretas do da função, seja por falta de
que permitam que o cidadão
comum realize uma ampla fisca-
compromisso ou acuidade, não
gera maiores problemas. O indi- A Suécia depois
lização dos agentes públicos.
O argumento de que os dados e
as decisões são estratégicos é lar-
víduo não é monitorado e o seu
desempenho individual não é
mensurado. A prestação de con-
do modelo sueco
gamente utilizado, escondendo, tas, quando existe, é genérica e de Mauricio Rojas
muitas vezes, a verdadeira razão muito superficial.
para impedir que o grande pú- Assim, ao contrário do Brasil,
blico tenha acesso àquelas infor- onde basta não cometer uma fal-
mações. A complexidade do sis- ta grave para permanecer no ser-
tema e a falta de transparência viço público, nos países desenvol-
fazem com que os controles exis- vidos o servidor público deve com-
tentes, na sua grande maioria, provar que está exercendo sua
sejam limitados e questionáveis. função de forma devida e eficaz,
A criação de uma lei que garanta sob pena de ser responsabilizado
acesso público às informações pelo exercício inadequado da fun-
governamentais pode ser um ção. A existência de accountability
avanço importante para imple- cria um ambiente no qual todos
mentar essa mudança de forma estão, de fato, preocupados em R$ 15,00
transversal. exercer suas respectivas funções
Como demonstrado, os entes corretamente.
públicos devem ter controles cla- Pelo exposto, o Brasil deve
ros, objetivos e impessoais, sem adotar mecanismos de accoun-
conflitos de interesses ou interfe- tability, nos quais todas as pes- Esse livro mostra o que
rências políticas. Ademais, deve soas que trabalham no poder aconteceu com o modelo de
haver transparência para que a público tenham responsabilidade welfare state implantado
própria sociedade possa colabo- individual pela sua função e pelos
rar na importante tarefa de fis- resultados gerados. naquele país. Originalmente
calizar os poderes constituídos. socialista, Rojas assistiu à
CONCLUSÃO debacle do famoso modelo sueco
DAS PRESTAÇÕES
DE CONTAS Por todas as razões levantadas, da economia do bem-estar e às
enquanto as grandes reformas alterações que se sucederam,
Nos Estados Unidos existe um não forem realizadas o Brasil
termo muito utilizado na ativida- pode fazer mudanças significati- desmascarando a derradeira
de pública. O termo accoun- vas em nível institucional que te- utopia da esquerda no mundo.
tability significa que um agente rão um efeito transversal impor-
público pode ser pessoalmente tante. Essas melhorias institucio-
responsabilizado pelas suas ati- nais são baseadas em princípios Esta e mais 80 obras
vidades, caso não cumpra com e valores como poder limitado, estão à venda no
os objetivos de sua função. A meritocracia, igualdade perante a Instituto Liberal
existência de accountability em lei, accountability, impessoalidade
todas as esferas governamentais e transparência.
cria um mecanismo institucional Infelizmente, parece que mais
que monitora e responsabiliza, uma vez se enfrentará o proble-
individualmente, o cumprimento ma de ausência de vontade polí-
daquela atividade. tica, pois essas mudanças dificul-
No Brasil, infelizmente, a tariam bastante a vida daqueles
responsabilização individual de que querem utilizar o Estado in-
cada servidor público é pratica- devidamente para benefício pes- Peça pelo site:
mente impossível. Com exceção soal, seja para manter poder, pri- www.institutoliberal.org.br
dos casos de irregularidade ou vilégios ou recursos.

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Livros

A República Sindical
Resenha do livro A Elite Dirigente do Governo Lula, de Maria Celina Soares D'Araújo - Ed. FGV - RJ, 2010

urante o governo Lula o do que aquela apresentada pela


D Estado foi tomado pelos sin- população de trabalhadores em
dicalistas. Aquilo que já era bas- geral, em torno de 18%. Esses
tante intuitivo agora está registra- dados levantam claramente o ris-
do com dados empíricos. Eis a co de captura dos representan-
relevância da pesquisa pioneira tes sindicais pelas esferas estatais,
realizada por Maria Celina uma simbiose que prejudica o
D’Araújo, da FGV, que se trans- exercício independente de cada
formou no livro A Elite Dirigente função. Como coloca a autora,
do Governo Lula. Sem critérios “apesar de um discurso moder-
bem definidos, com falta de trans- nizador, houve o fortalecimento da
parência nos processos de sele- unicidade sindical, das centrais
ção, o governo aponta milhares sindicais e da estrutura sindical
de cargos. E o resultado foi o apa- corporativa criada nos anos
relhamento da máquina estatal 1930 por Getúlio Vargas”.
pelos sindicalistas. O sindicalismo da CUT e do
Os interesses partidários aca- PT se apossou do poder de Esta-
bam prevalecendo na hora de do. Isso explica porque a tão
nomear os ocupantes dos cargos necessária reforma trabalhista
no Estado. Os membros do setor nunca saiu do papel durante o
público com fortes vínculos com A pesquisa se concentrou nessas governo Lula. Ao contrário das
movimentos sociais, partidos, pessoas para saber quem repre- recomendações básicas, de
terceiro setor, academia e, em senta a verdadeira elite do go- garantir liberdade e autonomia
especial, com sindicatos acabam verno. sindical, acabar com o imposto
favorecidos. Como constata a Um dado que chama a aten- sindical e oferecer maior espaço
autora, “não se trata, portanto, ção é a quantidade de gente para as negociações coletivas, o
de funcionários desinteressados, filiada ao PT nesses cargos mais que se viu foi apenas a manuten-
mas de um conjunto de cidadãos importantes: dos que apresentam ção do imposto sindical, concen-
com níveis de participação e de filiação partidária, aproximada- trado nas centrais sindicais. A
inserção política e social muito mente 80% são filiados ao parti- autora lamenta que “o modelo
acima dos que são praticados pela do. Compreende-se que cargos sindical e de relações industriais
média da sociedade brasileira”. de confiança sejam destinados concebido na era Vargas perma-
No governo Lula, a função de aos indivíduos mais próximos do neceu praticamente intocado”.
selecionar os milhares de cargos presidente e do ministro. Mas O estudo mostra como os
foi concentrada na Casa Civil, sob como fica a questão da capa- bilionários fundos de pensão fo-
o comando do então ministro citação técnica quando uma ram também bastante politizados
José Dirceu. Enquanto no gover- maioria tão expressiva é reserva- no governo Lula. Em suma, as oli-
no Obama existem cerca de nove da apenas aos membros do par- garquias sindicais, que concen-
mil dirigentes desse tipo, sendo tido do presidente? Será que isso tram privilégios para alguns gru-
que 600 precisam da aprovação não limita absurdamente a chance pos organizados, chegaram ao
do Senado, no Brasil existem mais de se encontrar pessoas realmente poder e transformaram o Brasil
de 80 mil cargos de confiança, à altura de exercer funções admi- numa verdadeira República Sin-
sendo que quase 21 mil perten- nistrativas no Estado? dical, para a infelicidade de todos
cem aos cargos de Direção e Asses- Os vínculos associativos tam- aqueles que pagam a conta des-
soramento Superiores (DAS) e aos bém demonstram alto grau de ses privilégios.
cargos de Natureza Especial engajamento de grande parte dos
(NES). A quantidade de cargos indicados. Mais de 40% da amos-
nos níveis mais altos de hierarquia, tra analisada têm filiação sindical por Rodrigo Constantino
DAS-5, DAS-6 e NES aumentou e envolvimento com movimentos Economista e escritor
quase 50% desde o governo FHC. sociais, uma parcela bem maior

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