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Este artigo discute a (re)tradução do livro "Os gêneros do discurso" de Mikhail Bakhtin para o português brasileiro pelo tradutor Paulo Bezerra. A nova edição de 2016 contém duas traduções anteriores de Bezerra além de dois textos inéditos de Bakhtin. O artigo elogia o rigor acadêmico de Bezerra e a importância de se ter acesso aos novos escritos de Bakhtin, que aprofundam sua teoria do discurso.
Este artigo discute a (re)tradução do livro "Os gêneros do discurso" de Mikhail Bakhtin para o português brasileiro pelo tradutor Paulo Bezerra. A nova edição de 2016 contém duas traduções anteriores de Bezerra além de dois textos inéditos de Bakhtin. O artigo elogia o rigor acadêmico de Bezerra e a importância de se ter acesso aos novos escritos de Bakhtin, que aprofundam sua teoria do discurso.
Este artigo discute a (re)tradução do livro "Os gêneros do discurso" de Mikhail Bakhtin para o português brasileiro pelo tradutor Paulo Bezerra. A nova edição de 2016 contém duas traduções anteriores de Bezerra além de dois textos inéditos de Bakhtin. O artigo elogia o rigor acadêmico de Bezerra e a importância de se ter acesso aos novos escritos de Bakhtin, que aprofundam sua teoria do discurso.
BAKHTIN, Mikhail. Os gneros do discurso. Paulo Bezerra
(Organizao, Traduo, Posfcio e Notas); Notas da edio russa: Seguei Botcharov. So Paulo: Editora 34, 2016. 164p.
Beth Brait
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC/SP, So Paulo, Brasil; CNPq-PQ n.
303643/2014-5; bbrait@uol.com.br
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Por que determinados textos, literrios ou no, comportam mais de uma boa traduo, dentro de uma lngua, sem que a ordem de aparecimento desqualifique a anterior? E se pensarmos num mesmo tradutor, o que justificaria a (re)traduo? Evidente que as respostas so muitas e vo depender, necessariamente, da maneira como se considera a passagem de um texto de uma lngua a outra. Se, por exemplo, compreendermos a traduo como uma relao singular, estabelecida entre um texto de partida e um contexto de chegada, implicando modos de ler/reler uma obra e seu autor, ser possvel considerar no somente as idiossincrasias do tradutor criterioso que se volta mais de uma vez para um mesmo texto, e que com sua lupa persegue as mincias estilstico-significativas do dilogo a estabelecido entre duas lnguas, duas conscincias produtivas e em tenso, mas tambm, a possibilidade de reconhecer singularidades do tempo-espao em que as tradues e (re)tradues acontecem. O novo contexto de recepo envolve, ao mesmo tempo, uma tradio temporal e espacial de estudos a respeito do autor/obra/traduo e a possiblidade de conferir ao novo trabalho do tradutor, ao texto de origem e (re)traduo um estatuto diferenciado das manifestaes anteriores. Assim deve ser compreendido Mikhail Bakhtin: os gneros do discurso, livro que chegou ao leitor em 2016, representando ganhos e significados especiais para os estudos bakhtinianos no Brasil. O crtico, ensasta, professor e pesquisador Paulo Bezerra, reconhecido por suas importantes tradues literrias e por ser um dos responsveis pela existncia de Mikhail Bakhtin em lngua portuguesa, retoma dois textos por ele traduzidos diretamente do russo e publicados em 2003 na coletnea Esttica da criao verbal - Os gneros do discurso e O problema do texto na lingustica e nas outras cincias humanas: uma experincia de anlise filosfica, este ltimo renomeado como O texto na lingustica, na filologia e em outras cincias humanas: um experimento de anlise filosfica e a eles acrescenta dois inditos Dilogo I. A questo do discurso dialgico e Dilogo II, publicados pela primeira vez na Rssia em 1997. Sem dvida, esse evento tradutrio, que interliga verses pontualmente modificadas de dois textos que, juntamente com outros do pensador russo, so centrais para a compreenso dos conceitos de gnero discursivo, enunciado, texto, cadeia comunicativa, cadeia da comunicao discursiva, campos da comunicao cultural,
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cadeia histrica da cultura, deixa os estudiosos entusiasmados por ao menos duas razes. Pela esttica das tradues de Paulo Bezerra, produto do reconhecido rigor acadmico-cientfico, pautado na tica da pesquisa, sempre atento ao estado da arte de suas tradues e ao estado atual do conhecimento dos escritos do autor de Problemas da potica de Dostoivski, notadamente na Rssia, onde vai buscar e conferir fontes. E pela chegada de dois novos escritos, voltados para dilogo, outra grandeza essencial na reflexo terico-filosfica bakhtiniana que, como afirma Bezerra, mesmo sendo textos preparatrios de Os gneros do discurso, discutem questes congneres no contempladas nessa obra e trazem rascunhos de projetos tericos que o mestre pretendia desenvolver, revelando sua permanente preocupao com o aprofundamento e uma maior abrangncia de sua teoria do discurso em vrios campos das humanidades (p.151). Portanto, o gesto que implica (re)traduo acrescida de traduo de inditos acontece a partir de um retorno do tradutor-pesquisador s fontes russas, a consideradas a edio de Esttica da criao verbal (Moscou, Iskusstvo,1979, organizao e notas de Serguei Botcharov) e o tomo 5 das Obras reunidas de M. M. Bakhtin, (Moscou, 1997, volume organizado por Botcharov e Liudmila Gogotichvli). A consequncia imediata, altamente positiva para o leitor brasileiro e para o conhecimento do pensamento bakhtiniano, uma deciso editorial que repensa a natureza dos textos reunidos em Esttica da criao verbal, obra publicada na Rssia aps a morte do autor. Bastante conhecida no Brasil, essa coletnea, que teve uma primeira traduo feita a partir da edio francesa (Maria Ermantina Galvo G. Pereira, 1992), tem desde 2003 traduo feita por Paulo Bezerra, diretamente do russo. E nela que se encontram os textos Os gneros do discurso, O problema do texto na lingustica, na filologia e em outras cincias humanas: uma experincia de anlise filosfica, assim como diversos outros trabalhos produzidos em diferentes momentos por Mikhail Bakhtin. Como afirma Paulo Bezerra, no um livro tematicamente uniforme; so trs livros em um, todos diferentes entre si pelos objetos de anlise e reflexo, alm de dois textos sobre Dostoivski e outros quatro sobre diferentes temas de cincias humanas (p.151). Ou seja, trata-se de um conjunto que, de fato, poderia, por um critrio de relao e coerncia entre obras, ser desmembrado e, com isso, oferecer ao leitor de hoje um panorama mais esclarecedor da maneira como alguns constructos do pensamento
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bakhtiniano foram aparecendo, sendo trabalhados e retrabalhados, evidenciando seu papel, funo e participao na edificao da arquitetnica que rege e abriga o conjunto desse forte pensamento sobre linguagem. E justamente essa perspectiva que, considerando a possibilidade de agrupamentos coerentes dos trabalhos presentes em Esttica da criao verbal, apresenta Os gneros do discurso como o primeiro de quatro volumes previstos. Nesse sentido, o leitor se pergunta: E qual a coerncia temtica que d conta, nesse primeiro volume, dos dois trabalhos conhecidos somados aos dois inditos?. Os estudiosos interessados em alguns dos fios condutores do pensamento bakhtiniano tm procurado estabelecer, dentre outras coisas, a relao existente entre os conceitos de enunciado (por vezes enunciado concreto ou mesmo enunciao em algumas tradues), texto, discurso, gnero do discurso, cadeia da comunicao discursiva, campos ou esferas da comunicao cultural, sem dvida pilares da construo reflexiva bakhtiniana, voltada para a linguagem nas artes e nas cincias humanas e, especialmente, a maneira como esses elementos constituem unidades e elos para a compreenso do processo vivo da comunicao humana, das cadeias discursivas. Essa busca leva, necessariamente, aos dois trabalhos produzidos por Mikhail Bakhtin nas dcadas de 50 e incio de 60, do sculo passado, aproximados de forma muito pertinente nesse volume: Os gneros do discurso (1952 - 53) e O texto na lingustica, na filologia e em outras cincias humanas: um experimento de anlise filosfica (1959-61). Neles, os conceitos mencionados so apresentados, tematizados, discutidos e inseridos na construo de uma perspectiva dialgica de concepo e abordagem da linguagem, bem como interligados numa interdependncia que evoca outros escritos de Bakhtin, caso de O discurso no romance (texto iniciado em 1929 e concludo entre 1934 e 1936, publicado pela primeira vez na Unio Sovitica em 1972). A tentativa constante de compreenso do significado desses constructos fundamentais para a perspectiva dialgica da linguagem, caso de gnero do discurso, enunciado, texto fica facilitada pela organizao desse primeiro volume do desmembramento de Esttica da criao verbal, justamente pela forma como discurso, gnero e enunciado se articulam em relao a texto e vice-versa. Em Os gneros do discurso encontra-se um momento da concepo bakhtiniana de linguagem que sistematiza a importncia da noo gnero para a
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compreenso da lngua em movimento, plena de vida e de mobilidade, flagrada no diz- que-diz do burburinho da vida e da cultura, da vida na cultura, quer artstica ou cientfica, do enunciado como unidade dialgica de tenso entre um/outro, entre ao menos duas conscincias, entre identidades/alteridades, entre a lngua/unidade, preservada a duras penas pelas foras centrpetas, e a lngua/plural, multifacetada, plenamente realizada pelas foras centrfugas provocadoras do plurilinguismo. E precisamente por essa dualidade unidade/unicidade - que em Os gneros do discurso encontra-se a importante discusso sobre as realidades representadas pela orao, enquanto unidade/modelo do conjunto de possiblidades de um sistema, e o enunciado, oral ou escrito, proferido de forma concreta e nica, por integrantes das diferentes esferas da atividade humana. Se gnero do discurso um tema que acompanha o pensador russo ao longo de toda a sua vida, podendo essa presena ser vivenciada em Problemas da potica de Dostoivski e em O discurso no romance, por exemplo, a concepo de texto como unidade semitico ideolgica tambm se reitera ao longo do conjunto da obra, ganhando discusso especfica em O texto na lingustica, na filologia e em outras cincias humanas: um experimento de anlise filosfica, no qual se pode ler: [...] por trs de cada texto est o sistema da linguagem. [...]. Concomitantemente, porm, cada texto (como enunciado) algo individual, nico e singular, e nisso reside todo o seu sentido [...]. Esse segundo elemento (polo) inerente ao prprio texto, mas s se revela numa situao e na cadeia dos textos (na comunicao discursiva de dado campo) (p.74-75). O trecho em destaque indica duas dimenses implicadas, como tambm se pode observar em Os gneros do discurso, que so evocadas como condio de existncia de um texto: a materialidade sgnica ou dimenso semitica, que o constitui e o faz participante de um sistema; a singularidade que lhe conferida a partir de sua participao ativa e efetiva na cadeia da comunicao discursiva da vida em sociedade. Essa combinatria constitutiva de elementos dados (sistema) e elementos criados (linguagem em uso) possibilita a um texto ser reconhecido como pertencente a um sistema (lingustico, pictrico, musical, etc.), e, ao mesmo tempo, como portador de valores, de posies que garantem a produo de sentidos, sempre em confronto com
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outras posies e valores presentes numa sociedade, numa cultura. De acordo com Bakhtin, Onde no h texto no h objeto de pesquisa e pensamento (p.71). Os dois inditos, por sua vez, tem um sabor muito especial. O ttulo evoca uma das peas-chave da teoria bakhtiniana, que o dilogo, concebido como constitutivo da linguagem humana e no apenas como estrutura de conversa. Escritos antes da verso definitiva de Os gneros do discurso, Dilogo I (1950) e Dilogo II (1952), publicados em 1997 no volume 5 das Obras de Bakhtin (Editora Rsskie Slovar), certamente surpreendem, conforme afirma Bezerra:
primeira vista so rascunhos do que viria a ser o texto final de Os
gneros do discurso, porm, uma leitura atenta mostra que Bakhtin vai alm do livro projetado. [...] Em toda a concepo bakhtiniana a linguagem humana vista sob um prisma dialgico, mas nesses dilogos atribui-se prpria lngua uma natureza dialgica, o que, a meu ver, uma novidade na teoria lingustica de Bakhtin (p.111).
A esse coerente conjunto, Paulo Bezerra ainda acrescenta um posfcio, a bem da
verdade um substancioso ensaio de quase vinte pginas, sugestivamente intitulado No limiar de vrias cincias, por meio do qual caracteriza a coerncia do quarteto, enquanto composio terica interligada por uma das unidades temticas prpria do pensamento bakhtiniano, relacionando-a com outros trabalhos do autor, discutindo a importncia desse conjunto e auxiliando, neste momento dos estudos bakhtinianos, a compreenso dos complexos meandros de Os gneros do discurso, trabalho nem sempre pensado em suas reais especificidades, em consonncia com outros trabalhos de Mikhail Bakhtin. E a a (re)traduo se justifica, ganhando corpo e lugar na cultura brasileira.
Recebido em 20/09/2016 Aprovado em 07/04/2017
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