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1) O documento discute o conceito de multinaturalismo desenvolvido por Viveiros de Castro como uma reformulação do perspectivismo que desafia conceitos ocidentais como o relativismo cultural e o multiculturalismo.
2) O multinaturalismo propõe que a natureza varia de acordo com as perspectivas culturais, ao contrário do multiculturalismo que supõe uma natureza única.
3) Para os povos indígenas estudados por Viveiros de Castro, todos os seres vêem o mundo da mesma forma com categorias humanas, mas o que é v
Originalbeschreibung:
pequena dobras sobre o conceito de multinaturalismo, do viveiros de castro
1) O documento discute o conceito de multinaturalismo desenvolvido por Viveiros de Castro como uma reformulação do perspectivismo que desafia conceitos ocidentais como o relativismo cultural e o multiculturalismo.
2) O multinaturalismo propõe que a natureza varia de acordo com as perspectivas culturais, ao contrário do multiculturalismo que supõe uma natureza única.
3) Para os povos indígenas estudados por Viveiros de Castro, todos os seres vêem o mundo da mesma forma com categorias humanas, mas o que é v
1) O documento discute o conceito de multinaturalismo desenvolvido por Viveiros de Castro como uma reformulação do perspectivismo que desafia conceitos ocidentais como o relativismo cultural e o multiculturalismo.
2) O multinaturalismo propõe que a natureza varia de acordo com as perspectivas culturais, ao contrário do multiculturalismo que supõe uma natureza única.
3) Para os povos indígenas estudados por Viveiros de Castro, todos os seres vêem o mundo da mesma forma com categorias humanas, mas o que é v
No mapa conceitual construdo por Viveiros de Castro, o multinaturalismo
parece se situar num movimento de reorganizao e reformulao do perspectivismo, na medida em que tira todas as consequncias deste para elaborar uma noo que se porta frontalmente em um confronto declarado a outros grandes conceitos que fundamentam a filosofia ocidental. Trata-se do perspectivismo tomando uma espcie de conscincia mais consistente de que elementos e lugares ele afeta, do que ele coloca em questo; nas palavras do prprio antroplogo brasileiro, a relao consiste em [...] passar da noo ainda semiepistemolgica de perspectivismo noo propriamente ontolgica de multinaturalismo. (Viveiros de Castro, 2015, p. 62).
Em primeiro lugar, talvez se possa dizer: o perspectivismo se interpe ao
relativismo na mesma medida em que o multinaturalismo se arma como um desmonte do multiculturalismo, este tambm um resultado da teoria relativista, que tomou forma no campo das polticas culturais e relaes tnicas. O modo pelo qual esse confronto se constri descrito de modo pontual por Viveiros de Castro:
O relativismo cultural, um multiculturalismo, supe uma
diversidade de representaes subjetivas e parciais, incidentes sobre uma natureza externa, una e total, indiferente representao. Os amerndios propem o oposto: de um lado, uma unidade representativa puramente pronominal humano quem ocupa vicariamente a posio de sujeito cosmolgico; todo existente pode ser pensado como pensante (isto existe, logo isto pensa), isto , como ativado ou agenciado por um ponto de vista ; do outro lado, uma radical diversidade real ou objetiva. (Viveiros de Castro, 2015, p. 65)
Trata-se, em todas as instncias, de conjugar o mltiplo: exerccio paulatino de
deslocar, revirar e torcer os fundamentos etnocntricos os mais variveis e invisveis a um olhar que no se perceba por fora; exerccio este que comea (nos termos especficos da proposta multinaturalista) a se formular a partir da contaminao de Lvi- Strauss pelos universos amerndios (porque, como diz Zourabichvili ao ler Deleuze, uma divergncia, condio intrnseca operao comparativa da investigao antropolgica, no surge jamais sem contaminao recproca dos pontos de vistas (Viveiros de Castro, 2015, p. 120), sua radicalizao nos trabalhos de Deleuze e Guattari, at por fim ganhar um corpus conceitual efetivo com os cuidadosos estudos desenvolvidos por Viveiros de Castro.
O problema invisvel (porque sempre pressuposto) central que o confronto
entre multinaturalismo e multiculturalismo pe baila, alis, sequer possui nome definido na filosofia ocidental, embora exista em estado latente nas bordas vocabulares da lngua: se trata, aqui, simplesmente, de mononaturalismo, como o vem a chamar Viveiros de Castro, na esteira de outros antroplogos modernos, como Bruno Latour (Viveiros de Castro, 2015, p. 71). Na citao acima, essa noo se entrev de modo evidente na descrio que o autor faz de multiculturalismo, viso de mundo possvel somente no interior de um pensamento que s capaz de conceber Natureza com n maisculo, ncleo duro e uno sobre o qual atua a conscincia humana (Viveiros de Castro, 2015, p. 69). Nesse sentido, o multinaturalismo se projeta como provocao a esse pressuposto de filiao eminentemente eurocntrico, propondo, em composio ao perspectivismo amerndio, uma radical diversidade real ou objetiva. a prpria dicotomia natureza/cultura (assim como objeto/sujeito) que se desmonta aqui: onde o multiculturalismo visualiza uma variedade de culturas, isto , uma variedade de vises que partem de uma mesma natureza, igual e invarivel para todos os corpos (por se inscrever numa ideia de verdade onde a multiplicidade s cabe como variao subjetiva), o multinaturalismo inverte os termos e as funes, e essas categorias surgem numa outra dinmica: os diversos fenmenos e manifestaes da natureza nunca so as mesmas coisas para espcies distintas, eles nunca significam, nunca integram os sistemas de significao de cada grupo da mesma forma (e com a mesma fora, para restituir um termo tambm utilizado pelo antroplogo brasileiro), porque no so as mesmas coisas ([...] o fato de diferentes tipos de seres verem as mesmas coisas diferentemente meramente uma consequncia do fato de que diferentes tipos de seres veem coisas diferentes da mesma maneira. Pois o que conta como "as mesmas coisas"? Mesmas em relao a quem, a que espcie, a que maneira? (Viveiros de Castro, 2015, p. 65). O que iguala, ou existe como trao comum a todo ser capaz de ocupar um ponto de vista, a alma, mas alma como termo que remete ao conceito particular de humanidade existente nas cosmologias amerndias. Nesse sentido, as referncias so mltiplas, mas h um mesmo fundo de humanidade que move cada corpo a apreender e representar o mundo. Nas palavras do autor:
A teoria perspectivista est de fato supondo uma pluralidade
de representaes sobre o mesmo mundo [...]? Basta considerar o que dizem as etnografias para perceber que o exato inverso que se passa: todos os seres veem (representam) o mundo da mesma maneira o que muda o mundo que eles veem. Os animais utilizam as mesmas categorias e valores que os humanos: seus mundos giram em torno da caa e da pesca, da cozinha e das bebidas fermentadas, das primas cruzadas e da guerra, dos ritos de iniciao, dos xams, chefes, espritos etc. Se a Lua, as cobras e os jaguares veem os humanos como tapires ou queixadas, porque, como ns, esses perigosos predadores comem tapires e queixadas, comida prpria de humanos. S poderia ser assim, pois, sendo humanos entre si mesmos, em seu departamento, os no-humanos veem as coisas como os humanos as veem isto , como ns humanos as vemos em nosso departamento. Mas as coisas que eles veem, quando veem como ns vemos, so outras: o que para ns sangue, para os jaguares cerveja; o que para as almas dos mortos um cadver podre, para ns mandioca fermentando; o que vemos como um barreiro lamacento, para os tapires uma grande casa cerimonial, e assim por diante. (Viveiros de Castro, 2015, p. 64)
E, imprescindvel para retocar os contornos do conceito e evitar sua
simplificao, ele se dobra sobre as contradies possveis a sua prpria formulao, reelaborando o que se est a propor: O multinaturalismo no supe uma coisa-em-si parcialmente apreendida pelas categorias do entendimento prprias de cada espcie; no se imagine ento que os ndios imaginam que existe um "algo = x", algo que, por exemplo os humanos veem como sangue e os jaguares como cerveja. O que existe na multinatureza no so entidades autoidenticas diferentemente percebidas, mas multiplicidades imediatamente relacionais do tipo sangue/cerveja. S existe o limite entre o sangue e a cerveja, a rigor; a borda por onde essas duas substancias "afins" comunicam e divergem. No h, enfim, um x que seja sangue para uma espcie e cerveja para outra; h, desde o inicio, um sangue/cerveja que uma das singularidades ou afeces caractersticas da multiplicidade humano/jaguar. A semelhana afirmada entre humanos e jaguares ao fazer com que ambos bebam "cerveja" no est l seno para que melhor se perceba o que faz a diferena entre humanos e jaguares. "Estamos em uma lngua ou em outra no h mais supralngua [arrire-langue] como no h supramundo [arrire-monde]" (Jullien 2008: 135). Efetivamente, estamos no sangue ou na cerveja, ningum bebe a bebida-em-si; mas no mundo indgena, toda cerveja tem um travo de sangue, e vice- versa. (Viveiros de Castro, 2015, p. 66-67)
Ningum bebe a bebida-em-si, a ideia assombrosa. No existe uma verdade
em si para alm dos sistemas culturais que a significam; existe, ao contrrio, esse mesmo modo de se dirigir a isso que , desde o incio e ininterruptamente, em sua imanncia, j multiplicidade (sangue/cerveja a diferena entre um e outro existe infinitamente como virtualidade, e se atualiza para os corpos). A natureza varia na medida mesma das culturas que a percebem; ou mais exatamente, a cultura varia na medida das multiplicidades da prpria natureza. Como Viveiros de Castro diz, por fim, num dos seus ltimos esforos de refinar ainda mais o conceito (movimento que, por assim dizer, domina a operao de seu texto), o multinaturalismo no se trata de uma forma de afirmar simplesmente uma variedade de naturezas, mas a naturalidade da variao, a variao como natureza. (Viveiros de Castro, 2015, p. 69)