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Igreja da Glória, um monumento maior do Brasil

Maria Eduarda Marques


Historiadora da Arte e Consultora da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva

A Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, situada sobre um promontório


ao sul do núcleo urbano inicial, desde sua construção em 1739 passou a
exercer úma vocação ímpar, figurando de forma singular no panorama da
paisagem urbana carioca. A originalidade de sua arquitetura e a posição
privilegiada sobre as águas da Guanabara conferiram-lhe um aspecto
pitoresco, tornando-se um dos monumentos mais registrados por artistas
brasileiros e estrangeiros a partir da segunda metade do século XVIII. Ainda
hoje, a Glória do Outeiro remanesce como uma referência importante da
cidade do Rio de Janeiro, um exemplo de harmonia entre a obra construída
pelo homem e a exuberância da natureza.

Para além de permanecer como um marco na topografia do Rio de Janeiro, a


igreja da Glória concentra uma parte significativa da memória da cidade. O
sítio em que foi erguido o templo setecentista foi palco das lutas entre
franceses e portugueses, onde foi mortalmente ferido Estácio de Sá, fundador
da cidade. O culto a Nossa Senhora da Glória remonta ao século XVII e teve
origem humilde, quando um certo António Caminha, natural de Aveiro, hábil
escultor e santeiro, ergueu, no então chamado morro do Leripe, uma tosca
ermida para abrigara imagem de Nossa Senhora da Glória esculpida por ele. Ali
formou-se um círculo de devotos. Oiz a lenda que Caminha ofereceu a imagem
ao rei O. João V, tendo o navio naufragado e a figura da virgem aparecido nas
costas de uma praia ao sul de Portugal. Em 1699, Cláudio Gurgel do Amara!
doou as terras do outeiro, que eram de sua propriedade, à Irmandade, para
que fosse edificada umaermida permanente
ao culto da virgem. Com o passar do tempo, o núcleo urbano da cidade se
expandiu nessa direção e a igreja ali erguida passou a ser frequentada pela
"gente de bem" da cidade. A partir da transferência da corte, os membros da
família real costumavam ir a missas e realizar suas cerimónias religiosas na
Glória. A partir do primeiro reinado, os ofícios religiosos passaram a ostentar
grande pompa. As festas da Glória sedistinguiam pelo seu caráter aristocrático.
Mais tarde, durante o segundo reinado, O. Pedro II e a imperatriz O. Teresa
Cristina foram inscritos na Irmandade e eram assíduos às festas da padroeira
celebradas no dia 15 de agosto.

O edifício que admiramos hoje teve início em 1714 e é atribuído ao risco do


tenente-coronel José Cardoso Ramalho, que combinou signos arquitetânicos do
passado luso às inovações da primeira metade do século XVIII. A planta, em
forma octogonal, é uma gema rara da arquitetura religiosa brasileira. A Igreja
de Nossa Senhora da Glória do Outeiro é única no Rio de Janeiro na utilização
não disfarçada da pedra de cantaria na composição do espaço interno, em
suave contraste com a delicadeza da talha rococó, que recobre os altares
laterais, o altar-mor e a base do coro alto. A cantaria não serve apenas à
fachada, mas à marcação das principais linhas, modenaturas, pilastras e
arremates internos, conferindo uma certa leveza à rigidez volumétrica da
arquitetura.
Assim como a presença da cantaria no interior, os painéis de azulejos que
recobrem a nave, o altar, a sacristia e o coro alto formam um elemento
determinante na estrutura espacial da igreja. O conjunto de painéis figurativos
em azul e branco emprestam luz e leveza ao volume construído, gerando um
fator de oposição ao sentido de verticalidade, trazendo o olhar ao campo
imediato da visão humana.

Raros nas igrejas cariocas, os azulejos da Igreja da Glória do Outeiro formam o


conjunto mais importante existente no Rio de Janeiro e um dos mais
destacados do Brasil. Atribuídos ao mestre ceramista Valentim de Almeida,
expoente do período do barroco da "grande produção joanina", os azulejos da
nave representam, provavelmente, cenas bíblicas do Cântico dos Cânticos. Na
sacristia, predominam cenas de caça. Ao lado do risco arquitetânico, os painéis
azulejares, apresentando extraordinária harmonia compositiva, conferem à
Igreja da Glória do Outeiro uma grande relevância no contexto do patrimânio
histórico e artístico brasileiro.

Intervenção de conservação e restauro

A Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva, de Lisboa, iniciou as suas


actividgdes na Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro com a avaliação
profunda do estado de conservação do conjunto azulejar da igreja num total de
aproximadamente oito mil azulejos, distribuídos em sessenta e dois painéis:
dezoito na nave, seis no altar-mor,vinte na sacristia e dezoito no coro alto.

Diagnóstico Inicial (maio de 2000 a agosto de 2001)

Diagnóstico realizado através de:

 Recolha de material (argamassas de juntas e de assentamentos);


 Realização de análises (condutivimetria, espectrofotometria e raios x) a
 fim de detectar as diferentes patologias existentes.
 Estudo de vidrados;
 Estudo de pigmentos inorgânicos (pintura).

Causas da Degradação

 Falta de espaçamento de juntas entre os azulejos quando da colocação dos


 painéis nas paredes, não permitindo assim a "respiração" adequada das
 argamassas;
 Dilatação/contracção dos corpos cerâmicos ao longo dos tempos;
 Precária qualidade dos materiais da época, nomeadamente a cal e as
areias,
 por vezes de proveniência duvidosa;
 Infiltrações: pela cobertura e por capilaridade ascendente;
 Proximidade do mar;
 Cimento: utilizado como argamassa de assentamento e até de
preenchimento
 de pequenas falhas e de espaçamento de'juntas;
 Alta concentração de sais.

Estado de Conservação

À excepção do coro alto, o estado precário em que se encontravam os painéis


de
azulejos da nave, altar-mor e da sacristia, onde havia uma maior cristalização
de sais no corpo cerâmico, veio acentuar algumas das patologias abaixo
descritas:

 Sujidades orgânicas e inorgânicas (cerca de 48%);


 Lacunas -(faltavam, não pertenciam ao painel e/ou encontravam-se muito
 deteriorados (cerca de 645 azulejos);
 Fissuras (cerca de 15%);
 Fractura simples (cerca de 560 azulejos);
 Fracturas múltiplas (cerca de 80 azulejos);
 Destacamento de vidrado (cerca de 1.420 azulejos);
 Biscoitos degradados;
 Azulejos trocados (cerca de 6%).

Antes, durante e após o tratamento realizado efectuou-se o registro gráfico e


fotográfico exaustivo.

Intervenção (fevereiro de 2002 a maio de 2003)

A intervenção foi desenvolvida por uma equipa multidisciplinar, oriunda de


Portugal e de diversos estados do Brasil (Bahia, Pernambuco, Maranhão, Rio de
Janeiro), e composta de uma engenheira química (responsável técnica pela
intervenção e coordenadora do grupo de executantes), 2 historiadores da arte,
4 técnicos de conservação e restauro, 5 artífices qualificados e 4 estagiários.

Foram utilizados materiais e técnicas conforme os originais.

A metodologia seguida consistiu em:

 Abertura de juntas;
 Recolha de amostras para análises físicas e químicas;
 Consolidações pontuais;
 Remoção de azulejos (nos casos necessários);
 Limpeza de argamassas e de sujidades;
 Colagens;
 Desparasitação;
 Dessallnização (pela utilização de bentonite -argila liquida; chumaços de
 algodão embebidos em água destilada; imersão em água destilada morna,
 em decantação continua);
 Tratamento do suporte;
 Manufactura de quatrocentas e dezassete peças:

Os azulejos que se encontravam com perdas de mais de 70% da


superfície vitrifícada e os que apresentavam o corpo cerâmico em estado
de degradação por laminação devido à cristalinização de sais no seu
interior foram substituídos por réplicas, sempre que se dispôs de
informação para tal;

As áreas incompletas foram objecto de estudos de reconstituição, o que


ocorreu em dois importantes painéis da nave, onde foram reconstituídas oito
linhas faltantes.

 Colocação de azulejos removidos e réplicas;


 Fechamento de juntas;
 Preenchimentos;
 Pintura de integração;
 Consolidações.

Considerações Finais

Para além de uma acção de conservação, o conjunto azulejar da Igreja de


Nossa Senhora da Glória do Outeiro passou por uma real intervenção de
restauro, na qual se pretendeu controlar e tanto quanto possível eliminar as
causas de degradação evolutiva dos painéis e repor algumas lacunas. Contudo,
considerando o clima tropical e as amplitudes térmicas e umidade rejativa do
ar muito acentuadas, os azulejos sempre carecerão de uma manutenção
cuidadosa para que as patologias encontradas não voltem a afectar este
importante património.

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