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POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Capital social e discurso democrático


na América do Sul

Rafael Duarte Villa

Introdução sociedade facilitando as ações coordenadas” (1977,


p. 177). No Brasil, o conceito de capital social tem
Será possível falar em capital social em políti- orientado um bom número de trabalhos entre os
ca externa? É bem conhecido que as pesquisas que quais pode-se destacar os de Baquero (2003),
agregaram evidências empíricas à idéia de capital Boschi (1999) e Reis (2003).
social tratavam de temas de política nacional ou, no O trabalho de Locke (2001) classifica duas
máximo, de política comparada (Almond e Verba, linhas de literatura sobre a geração de confiança
1989; Putnam 1993, 1997; Locke, 2001; Fukuyama, entre atores: uma de natureza sociológica e outra
1995). Esses trabalhos têm ressaltado as condições ligada às análises racionalistas econômicas. No
primeiro caso, destacam-se o trabalho de Putnam
nas quais é possível gerar capital social positivo e
(1993), que explica a maior eficiência institucional
valores cívicos, além de enfatizar o estudo do pro-
no Norte e no Centro em comparação com o Sul da
cesso pelo qual é possível transformar o capital
Itália, considerando o estoque de capital social
social em capital político, ou seja, institucionalizar o
expresso em comprometimento cívico e tradições
capital social. Nessa linha, Putnam tem definido o
cívicas mais bem desenvolvidas. O segundo grupo
capital social da seguinte forma: “características da
é composto por teóricos como North (1990),
organização social como confiança, normas e siste- Gibbsons (2001) e Hardin (2001), que têm como
mas que contribuem para aumentar a eficiência da fonte principal o famoso trabalho de Robert
Axelrod (1984), The evolution of cooperation,
Artigo recebido em junho/2005 cujas premissas básicas são: a confiança tem por
Aprovado em dezembro/2005 base o auto-interesse de longo prazo, ou “interes-

RBCS Vol. 21 nº. 61 junho/2006


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se encapsulado”, como denomina Hardin, e a expec- bém do que se denomina ‘sombra do futuro’”
tativa positiva que decorre do cálculo de custos e (1993a, pp. 194-195), quer dizer, da incerteza. O
benefícios entre atores maximizadores de utilidade. dilema pelo qual os atores, nas suas relações
Nessa linha claramente racionalista, pequenos gru- estratégicas de cooperação, fazem a opção ou
pos de atores consideram vantajoso o estabeleci- não por esta é compreendido por Axelrod num
mento de relações cooperativas se as interações jogo seqüencial chamado de reciprocidade espe-
cooperativas forem repetidas entre os atores e se cífica.1 A estratégia de reciprocidade específica
a informação a respeito do comportamento pas- usa a tática do “olho por olho”. Isso significa que
sado dos atores for completa. a um movimento cooperativo de um jogador A
Para Locke, ambas as correntes apresentam seguirá, em contrapartida, uma jogada cooperati-
três falhas básicas: 1) são estáticas, “porque assu- va por parte de um jogador B; a deserção de A
mem que padrões de associativismo e/ou de capi- será seguida pela deserção de B. No entanto, a
tal social – vistos por alguns como os pré-requisi- deserção pode criar incentivos para que outros
tos da confiança, fixos no tempo e no espaço” atores se sintam prejudicados, o que origina uma
(2001, p. 256); 2) a maior parte da literatura é pressão a favor da cooperação. Para Keohane,
mecanicista “por tratar os pré-requisitos da con-
fiança – sejam eles institucionais ou sociológicos – [...] a virtude adicional à reciprocidade específica
como variáveis homogêneas binárias [...] ou as pode criar incentivos para que interesses, que de
sociedades possuem as instituições ‘certas’ ou não outra maneira seriam passivos dentro de seus paí-
ses, se oponham a uma ação unilateral por parte
as possuem. Ou elas possuem um estoque sufi-
de seus próprios governos. Em 1984, por exemplo,
ciente de capital social ou uma quantidade insufi-
os granjeiros norte-americanos opuseram-se às
ciente dele” (Idem, p. 257); e 3) a literatura é cotas de aço se antecipando a represálias [exter-
“majoritariamente pessimista quanto às possibili- nas] contra suas exportações agrícolas (1993a, pp.
dades de se criar confiança no contexto onde as 197-198).
condições favoráveis e/ou pré-requisitos de que
eles supostamente dependem não estão dados” O autor, no entanto, não sugere que auto-
(Idem, p. 156). Pensando em um contexto domés- interesse e percepções de interesses comuns
tico, Richard Locke explora a questão da possibi- sejam incompatíveis. Como parte da literatura ins-
lidade de se criar confiança e de como fazê-lo titucionalista tem mostrado, ambas as motivações
(Idem, p. 25). são compatíveis, e o problema apresenta-se nas
Mas será possível pensar em termos de “capi- características conformadoras da anarquia interna-
tal social” e “geração de confiança” ao considerar cional, assim como nas restrições que esta impõe
ações coletivas que envolvem política externa entre para a cooperação (Balwin, 1993).
Estados? Caso afirmativo, como fazê-lo? Entende- Uma segunda perspectiva no âmbito da teoria
mos que, ao discutir temas como a “cooperação” e das relações internacionais próxima da categoria de
a “confiança” entre atores estatais em política inter- capital social tem sido desenvolvida pelo pensa-
nacional, embora não exista uma referência explí- mento pós-positivista da escola construtivista, espe-
cita, as teorias das relações internacionais apresen- cialmente nos trabalhos de Alexander Wendt (1992,
tam elementos de aproximação com a teoria do 1995). Para esse autor, as identidades, positivas ou
capital social. negativas, e/ou os interesses dos atores estatais são
A corrente neo-institcionalista, também uma construção, e, “se repetidas com freqüência,
baseada no trabalho de Axelrod (1984), tem na essas operações recíprocas” geram conceitos relati-
teoria da reciprocidade de Robert Keohane um de vamente estáveis de ajuda – “é essa interação recí-
seus principais expoentes. Segundo Keohane, proca que define nossas identidades e interesses”
que partiu da mesma lógica do auto-interesse (1992, p. 405). Contudo, tais identidades não são
como motivação primária para a cooperação estáticas, já que podem ser construídas e descons-
entre atores, Axelrod “demonstra que a racionali- truídas em novos movimentos interativos.
dade da cooperação depende não só dos ganhos No campo das correntes construtivistas, a “con-
imediatos esperados pelos jogadores, mas tam- fiança” é a base para a criação do que elas denomi-
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nam “comunidades pluralistas de segurança”, con- mento de ações individuais em ações coleti-
ceito inspirado nos trabalhos de Karl Deutsch e vas que geram redes de confiança recíproca,
outros (1957). O construtivismo tem definido as co- tendo um impacto não só na comunidade do
munidades de segurança como “uma região transna- agente, mas também para além das fronteiras
cional composta de estados soberanos, em que as da comunidade, posto que essas redes per-
sociedades mantêm expectativas cofiáveis de mu- mitem a construção de virtudes cívicas ou de
dança pacífica” (Adler e Barnet, 1998a, p. 30). É inte- uma cultura cívica.
ressante ressaltar que uma “comunidade de seguran-
ça” apresenta quatro características básicas que Finalmente, uma terceira perspectiva próxi-
também são parte do núcleo do conceito de “capital ma à teoria do capital social tem sido pensada
social”: como uma saída de meio termo entre as análises
positivistas (como as realistas) e as construtivistas.
1. Os atores compartem valores, identidades e Nessa categoria destaca-se o trabalho organizado
significados. por Goldstein e Keohane, Ideas and foreign poli-
2. A reciprocidade específica, uma característi- cy (1993), obra em que se pretende uma aproxi-
ca que implica algum grau de interesse de mação entre a conduta externa, movida pelas ou
longo prazo, assim como a geração de um relativa às idéias, e aquela movida por interesses
senso de responsabilidade e obrigação em e poder.2 Os autores, fazendo uma autocrítica em
comum – em outras palavras, valores, iden- nome do racionalismo, sobretudo do instituciona-
tidades e significados chegam a ser uma lismo neoliberal e do neo-realismo, reconhecem
“condição” de segurança nacional ou inter- as limitações das perspectivas teóricas racionalis-
nacional (Idem, 1998b). tas sobre o impacto das idéias nas políticas gover-
3. A construção de confiança mútua entre esta- namentais. Ao enfocar, principalmente, as variações
dos de uma região. Tal confiança alimenta dos constrangimentos exógenos (capacidades de
expectativas de solução de conflitos que poder) das unidades políticas, ponto comum a am-
descartam os recursos de poder baseados na bas às escolas, tanto o neo-realismo como o neoli-
força (ou do tipo power-based) – as frontei- beralismo cometem uma dupla falta – por um lado,
ras dessa região não coincidem necessaria- assumir que as preferências e as crenças são dadas
mente com as fronteiras geográficas, uma vez ou que podem ser remetidas à caixa preta do inte-
que a criação de valores, identidades e signi- resse nacional, por outro, relegar as idéias e as
ficados comuns leva à noção de regiões cog- crenças à qualidade de epifenômeno ou a um pa-
nitivas, ou seja, “o reconhecimento de que as pel periférico, em função do interesse dos atores.
comunidades se desenvolvem em torno de No campo dos trabalhos empíricos que tes-
redes, interações e encontros face a face, que tam, na arena internacional, a geração de capital
não dependem de habitar o mesmo espaço social, um dos pensadores mais marcantes do
geográfico, reconceitualiza a idéia comum de mainstream norte-americano das relações inter-
região” (Idem). Um exemplo notável de fron- nacionais, John Ikenberry (2002), tem trabalhado
teiras cognitivas é a aliança ocidental da com um argumento bem próximo dos estudos
Otan, como defendem autores como John seminais de Almond e Verba (1989) – os quais
Gerard Ruggie (1998). apontam que uma das fontes da perdurabilidade
4. As comunidades de segurança mesmo que da hegemonia norte-americana teria ligação com
baseadas na confiança entre parceiros esta- o fato de os Estados Unidos terem gerado, duran-
tais numa determinada região geografica- te os anos do pós-Guerra Fria, uma cultura cívica
mente contígua ou cognitiva não são incom- transnacional baseada em duas fontes. A primeira
patíveis com a realização do auto-interesse reside no fato de que seu poder tem sido mais
dos atores. Em outras palavras, o conceito aceitável para o restante do mundo porque seu
de comunidade de segurança opera na mes- projeto é congruente com as forças mais profun-
ma lógica descrita por Putnam (1993) para o das da modernização. A sincronia entre o estabe-
capital social, ou seja, a partir do envolvi- lecimento dos Estados Unidos como uma super-
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potência liberal e global e os imperativos mais definir tal ordem: (1) identidades e valores em
amplos da modernização no mundo criaram um comum; (2) política e economia em base transna-
vínculo funcional entre este país e o restante do cional e interdependência cultural; e (3) gover-
mundo. A promoção do fordismo, da força de tra- nança institucionalizada.
balho educada, de fluxos de informação e tecno- Não pretendemos fazer uma opção exclusiva
logia e de progressivos e mais especializados siste- por nenhuma destas três perspectivas – neo-insti-
mas sociais e industriais de organização são tucionalismo de Keohane; construtivismo; e idéias
congruentes entre o modelo oferecido pelos norte- somadas a interesses –, mas aproveitar alguns ele-
americanos e as demandas modernizantes tanto de mentos que parecem eficientes para compreender
aliados, como não-aliados. A segunda fonte diz e explicar os fatos analisados. O objetivo é inves-
respeito à existência de um modelo de identidade tigar os efeitos das idéias democráticas e da demo-
política norte-americana baseado num nacionalis- cratização na formação de confiança entre países
mo cívico e multiculturalista, o que parece ser de sul-americanos e o Brasil e como essas idéias
grande importância. Com efeito, os Estados Unidos influenciaram a geração de movimentos coopera-
praticariam um nacionalismo cívico e não um tivos recíprocos e de imagens positivas do poder
nacionalismo étnico. de vizinhos sul-americanos sobre a política exter-
Numa sociedade multicultural a identidade na brasileira. Sustentamos o argumento de que o
do grupo é subordinada a regras de direitos e a discurso democrático foi condição primária para a
um credo de obrigações políticas; em outras pala- criação de confiança – a despeito do estoque de
vras, raça, religião, língua ou etnicidade não são capital social negativo acumulado nos governos
relevantes para definir os direitos do cidadão nem militares que precederam à redemocratização bra-
para definir sua inclusão no sistema político nor- sileira e apesar do “interesse encapsulado” implí-
te-americano. Assim, tal sistema rejeita a noção de cito nas metas de política externa. Para investigar
cidadania ligada à idéia de que direitos e partici- o efeito das idéias democráticas e da democratiza-
pação sejam vinculados à etnicidade. Isso suscita ção como meio da política externa brasileira de
duas implicações importantes: 1) o modelo de criar confiança com vizinhos sul-americanos aten-
nacionalismo cívico estimula a projeção dos Esta- taremos para cinco categorias: (1) identidades
dos Unidos como projeto de sociedade a ser compartilhadas; (2) auto-interesse ou interesses
almejado, inclusive como modelo de organização encapsulados; (3) idéias compartilhadas; (4) histó-
no mundo pós-Estados; 2) tal modelo tende a criar rico de reciprocidade específica positiva; e (5) ins-
uma fonte de identidade e cooperação com outros titucionalização de normas de autogovernança,
Estados ocidentais, uma vez que no senso comum como confiança, transparência e monitoramento.
haveria um favorecimento à coesão e à coopera- Este estudo é dividido em quatro partes: na
ção. Como o nacionalismo cívico está enraizado primeira seção mapeamos as condições que per-
em ideais democráticos e regras de direito com- mitiram a formação das preferências pela agenda
partilhadas, ele fornece uma importante via de democrática como um meio de política externa;
hegemonia branda. O caráter multicultural da iden- na segunda, estudamos as interações seqüenciais
tidade política norte-americana tende a reforçar o entre o Brasil e a Venezuela e o impacto de idéias
internacionalismo, isto é, uma visão liberal cosmo- democráticas e dos interesses como instrumentos
polita e pluralista, o que se traduziria na criação de de política externa para gerar capital social e con-
uma identidade que tende a apoiar o instrumental fiança; na terceira, repetimos o mesmo procedi-
na construção do multilateralismo internacional em mento para testar como é possível gerar capital
bases mais pluralistas. social e confiança em matéria de segurança e desar-
A visão de Ikenberry está muito próxima da mamento, tomando como base analítica o histórico
de Thomas Risse(2002), segundo a qual existe de reciprocidades entre o Brasil e a Argentina nos
uma comunidade de segurança ocidental liberal últimos trinta anos; finalmente, fazemos um balan-
comandada pelos Estados Unidos – base da ço mostrando algumas limitações para a política
ordem estável contemporânea e da unipolariada- externa brasileira na geração de capital social posi-
de norte-americana. Três características poderiam tivo na América do Sul.
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A formação da preferência Como reconhece um agente formulador da


pela agenda democrática política externa brasileira, ao se enfraquecer esse
sistema de polaridades definidas, algumas idéias
No Brasil ainda são muito escassos trabalhos passaram a ser um instrumento para esclarecer
na área de política internacional que mapeiem novas escolhas num contexto incerto e duplo “de
relações causais entre conduta externa dos estados riscos e possibilidades” (Amorim, 1994a). Em outras
e democracia como ferramenta de política externa. palavras, idéias surgiam como uma resposta da
De acordo com a bibliografia existente (cf. Soares política externa brasileira às mudanças nas condi-
de Lima, 2000; Santiso, 2002; Villa, 2003; Câmara, ções sistêmicas. Na perspectiva epistemológica, a
1998), o conjunto de estudos tem se dirigido à aná- introdução da variável sistêmica e seu impacto na
lise de variáveis importantes, como as cláusulas conduta e nas escolhas de política externa configu-
democráticas no sistema interamericano e as deter- rariam aquilo que sugere o pensamento neo-realis-
minantes domésticas e sistêmicas que orientam a ta e o institucionalismo neoliberal (Balwin, 1993;
promoção da democracia por parte da política Grieco, 1993; Keohane, 1993b). Contudo, as idéias
externa brasileira. Por isso, nosso objetivo primei- aparecem não tanto como uma variável dependen-
ro é apresentar algumas idéias referentes a proces- te da estrutura, mas sim como uma expectativa
sos de causalidade sobre a formação das preferên- endógena aos atores.
cias democráticas como recurso de política A formulação do road map democrático foi
externa. apresentada, então, como uma prioridade para seto-
Partimos do pressuposto de que a formação res vinculados à arena externa brasileira: “é absolu-
da agenda democrática para a América do Sul – tamente necessário ter um mapa das forças profun-
como uma preferência soft que enfraquecia outras das que modelam a transição e que se revelam, ora
possibilidades baseadas prioritariamente em polí- explicitamente ora implicitamente, a cada negocia-
tica de poder – foi condição para a geração de ção específica, a cada encontro bilateral, a cada reu-
capital social positivo no Brasil e em seus vizi- nião multilateral” (Lafer e Fonseca, 1994, p. 50).
nhos sul-americanos. Mas, como se formou essa Com base nesse tipo de preocupação, que revelava
preferência pela democracia como instrumento incertezas sobre qual o caminho a seguir, um pro-
blema relevante para as agências formuladoras de
de política externa regional?
política externa no Brasil passou a ser a formação da
Os trabalhos de Goldstein e Keohane (1993),
preferência dentro do leque de idéias disponíveis:3
Peter Haas (1992) e Adler (1992), sustentam que,
“para compreender a formação das preferências,
em contextos internacionais de incerteza, idéias
precisamos compreender quais idéias estão disponí-
são poderosos mapas que guiam a procura por
veis” (Goldstein e Keohane, 1993, p.13).
novas formas de inserção internacional e adequa-
É necessário compreender, também, quais as
ção às novas condições emergentes, assim como
condições em que operam as idéias disponíveis.
podem induzir ao estabelecimento de novos
A identificação desse leque de idéias para os for-
padrões de comportamento e relacionamento
muladores de política externa brasileira foi facili-
entre Estados.
tada por três condições sistêmicas.
No sistema de polaridades definidas da
A primeira reside no fato de que o fim da
Guerra Fria
Guerra Fria, fortemente marcado pela polarização
ideológica, reduziu significativamente as opções
[...] do ângulo do pensamento institucional, os
valorativas disponíveis. A hipótese de alguns pen-
argumentos sobre a presença institucional do
Brasil tinham como ponto de partida necessário o sadores norte-americanos – que tiveram em Francis
sistema internacional que determinava escolhas Fukuyama um mentor intelectual destacado –
claras, à medida que estava estruturado num con- sobre a universalização da forma institucional de
flito global: ou adotávamos a posição de um dos democracia representativa euro-americana parecia,
lados, ou alguma forma de neutralidade (Fonse- em princípio, irrefutável. A política também havia
ca, 1998, p. 285). se globalizado via o valor da democracia ocidental
liberal. Isto é, num mundo polarizado ideologica-
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mente, como aquele do período da Guerra Fria, nismos normativos que prevêem a suspensão do
valia a definição de Carl Schmitt (1992) de que a sistema interamericano em países onde exista que-
relação básica da política é a dicotomia amigo-ini- bra da ordem constitucional e institucional demo-
migo. Contudo, na perspectiva analítica, com a glo- crática. A resolução 1080 foi aplicada durante a
balização unidimensional da política na base da década de 1990 no caso de quatro Estados mem-
crença no valor universal da democracia ocidental, bros: Haiti (1991), Peru (1992), República Domini-
um dos campos da metáfora política de Schmitt (o cana (1994) e Paraguai (1996), havendo ainda um
inimigo) tende a desaparecer. pedido de aplicação no caso das eleições peruanas
Mesmo com a crítica a esse tipo de pensa- de 2000, no regime de Alberto Fujimori. Passo mais
mento – desconfiava-se que fosse uma justificativa decisivo ainda foi a aprovação da Carta Democrática
ideológica para preparar a ação do hegemon no pelos países do continente, em setembro de 2001.
pós-Guerra Fria (cf. Amorim, 1994b, pp. 133-134) – Além disso, os países sul-americanos haviam
não houve dúvida de que a variação dos cons- reafirmado o “compromisso democrático” nas duas
traints valorativos sistêmicos (mudança de duas experiências integracionistas da região. No caso dos
alternativas doutrinárias para uma só) agiram como países do Mercosul, o sistema de cláusulas demo-
uma baliza cognitiva, na medida em que fornecia cráticas foi formalizado pelo Protocolo de Ushuaia,
aos decision makers internos parâmetros para son- de julho de 1998, e no caso da Comunidade Andina
dar qual era o grau de manobra disponível para (CAN), pelo Protocolo Adicional ao Acordo de
uma potência média como o Brasil, caso tentasse Cartagena sobre “O Compromisso da Comunidade
uma ação menos padronizada internacionalmente Andina com a Democracia”.5
do ponto de vista ideológico. A evidência dos A terceira e última condição sistêmica refere-
fatos levou, assim, em início dos anos de 1990, a se à aceitação normativa da idéia de democracia
que o discurso diplomático constatasse “o amplo como “valor universal dominante” que ajudou a
consenso em torno da superioridade da democra- estabelecer entre as elites brasileiras o consenso
cia representativa” (Amorim, 1994a, p. 24, grifos em torno dos vínculos causais entre identidade
nossos). democrática, poder regional e desenvolvimento.6
A segunda condição diz respeito à preferên- Essa percepção é consistente com a hipótese de
cia pela democracia como instrumento de política que as relações causais entre idéias e fatos “deri-
externa, que também foi influenciada por proces- vam sua autoridade do consenso de elites reco-
sos estruturais operados no sistema interamericano nhecidas” (Goldstein e Keohane, 1993). Tal mapa
desde a segunda metade dos anos de 1980 e, prin- cognitivo foi percebido (e reconhecido) pelas eli-
cipalmente, pela geração de um sistema normativo tes brasileiras em coerência com a tradição de
de cláusulas democráticas na Organização dos autonomia do país (qualquer que for o qualifica-
Estados Americanos (OEA).4 Nessa direção, alguns tivo aplicado a essa autonomia) e politicamente
estudos vêm apontando o surgimento, no sistema mais viável que aquele explicitado durante os
interamericano, de um regime internacional demo- anos do governo Collor de Mello (o chamado
crático que guia as expectativas e cria incentivos paradigma modernização pela dependência), que
de cooperação para os atores (Goldberg, 2001) e supunha uma volta ao paradigma americanista e
de um conceito de defesa coletiva da democracia um certo grau de alienação da soberania nacional
(Farer, 1996). A institucionalização dessas duas (cf. Soares de Lima, 1994).
noções teóricas iniciou-se em meados da década Dessa maneira, a sustentação da democracia
de 1980, quando o Protocolo de Cartagena das como mapa do caminho já aparecia, em início dos
Índias introduziu, como novos objetivos da OEA, a anos de 1990, fortemente ligada à crença de que
promoção e a consolidação da democracia no con- era muito importante reconhecer a “interdepen-
tinente, respeitando o princípio da não-intervenção. dência complexa” entre idéias e interesses. Essa
Um passo firme foi dado em 1991, no chamado interdependência sugeria uma releitura da hipóte-
Compromisso de Santiago do Chile, que produziu a se dos “3D” do embaixador Araújo Castro – idéia
Declaração de Defesa Coletiva da Democracia e a formulada em meados dos anos de 1960, em que
Resolução 1080 ou “cláusula democrática” – meca- a missão das Nações Unidas, e do Brasil nesta
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organização, passava pela realização de três condições nas quais deu-se a formação das prefe-
metas: desarmamento, desenvolvimento e desco- rências por uma agenda democrática como meio
lonização. Nas palavras de formuladores de políti- de política, resta saber como foi operacionalizado
ca externa contemporânea, a atualização da tese o discurso democrático na geração de capital, con-
dos “3D” enfatiza os conceitos de democracia, fiança e melhoria da imagem entre vizinhos sul-
desenvolvimento e desarmamento, “com seus des- americanos. Os casos das relações diplomáticas
dobramentos nas áreas de Direitos Humanos, com a Venezuela e com a Argentina (neste último
Meio Ambiente e da Segurança Internacional” em torno de políticas de segurança e desarma-
(Amorim, 1994a, p. 21). Foram essas idéias e valo- mento) servirão para ilustrar adequadamente essa
res que forneceram aos formuladores de política questão.
externa as coordenadas regulatórias do mapa para
a inserção do Brasil no mundo das polaridades
indefinidas que se abria com o fim da Guerra Fria. Relações Brasil-Venezuela:
Esses três fatores sistêmicos forneceram uma das imagens negativas à
explicação eficiente das motivações agregadas em cooperação estratégica
torno da idéia de democracia como meio de ação
política externa e dos cursos de ação a serem O caso da Venezuela é significativo, por várias
desenvolvidos. Serviram também como argumen- razões, para mostrar como se pode construir capi-
tos explicativos da escolha feita. A política exter- tal social positivo entre atores estatais onde ele não
na é uma das dimensões políticas nas quais é pre- existe. O Brasil comparte com a Venezuela, frontei-
ciso, com mais freqüência, explicar as razões da ras da ordem de 2.199km. Alguns autores (Cervo,
escolha. 2002; Visentini, 1995; Ramos, 1995) defendem que
talvez a relação bilateral mais sólida que o Brasil
De fato, pela sua própria natureza, a política exter- mantém hoje com seus vizinhos sul-americanos seja
na se sustenta, talvez mais do que outras políticas com esse país. Porém, durante os governos milita-
de Estado, em procedimentos explicativos já que res a Venezuela, como de resto quase todos os vizi-
vive também de atitudes simbólicas que buscam nhos sul-americanos, abrigavam identidades negati-
exprimir ideologicamente a globalidade dos inte- vas sobre o Brasil. Lembremos que a literatura
resses nacionais (Fonseca, 1998, p. 267). geopolítica e militar de intelectuais como Couto e
Silva (1967), Terezinha de Castro (1976) e Correa
Assim, a idéia de que existiam certos cons- Rocha (1965), assim como “O desastrado discurso
traints valorativos universais que agiam como feito por Richard Nixon em 1971 na Venezuela, afir-
marcos regulatórios de um novo mainstream de mando que para onde o Brasil se inclinasse o resto
relações internacionais serviu como metodologia do continente faria o mesmo” (Shiguenoli, 1999, p.
explicativa da prioridade dada ao curso de ação 85) haviam feito estragos na imagem e na percep-
em face da “globalidade dos interesses nacionais”. ção que uma boa parte dos países sul-americanos
Qual é a influência do tipo de ação que pri- tinham do Brasil, atribuindo-se ao Itamarati motiva-
vilegia idéias democráticas – no sentido de atingir ções subimperialistas e expansionistas baseadas em
outras metas, tais como confiança em relação a política de poder. No caso da Venezuela, um destes
seus vizinhos – e imagem positiva regional? A atua- autores (Correa Rocha, 1965) chegou a conceber a
ção da política externa gera imagens ambíguas hipótese pela qual o Brasil teria fixado sua frontei-
quanto às motivações brasileiras regionais, porque ra norte pelo Mar Caribe, objetivo para o qual o
algumas identidades negativas do passado conti- autor propõe uma divisão pela metade das Guianas
nuam a prevalecer. No entanto, o marco democrá- com a Venezuela. Na verdade esse tipo de propos-
tico em que se sustenta a ação política externa tem ta em vez de agradar a Venezuela alimentava mais
operado como um importante instrumento para temores do que confiança nas elites deste país.
desconstruir o estoque de capital social negativo Além das desconfianças geopolíticas exis-
preexistente até a chegada dos governos democrá- tiam também causas políticas. Não é de hoje que
ticos em meados da década de 1980. Mapeadas as os governos venezuelanos tentam usar o petróleo
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como recurso para alimentar uma pretensa lideran- proposta venezuelana, qual seja, a criação de uma
ça regional em áreas da América Latina, como nos multinacional latino-americana do petróleo, a
países andinos, na América Central e no Caribe. Petrolatina. Também não é de hoje que a diplo-
Essa pretensão era já muito marcante durante o pri- macia venezuelana sustenta esse objetivo.7 O Brasil
meiro governo do social-democrata Carlos Andrés assinou em Caracas, em 1981, em conjunto com a
Pérez (1974-1979), período em que os preços do Venezuela e o México, um protocolo para dar iní-
petróleo atingiram altas cotações mundiais. O cha- cio a essa idéia. Embora o projeto da Petrolatina
mado “milagre brasileiro”, junto com a política permanecesse engavetado nos cofres das chance-
pragmática externa do governo Geisel de diversi- larias desses países até ser resgatado pela adminis-
ficar relações comerciais e políticas independen- tração Chávez, o gesto diplomático brasileiro foi
temente da natureza ideológica dos países, tam- um importante passo para começar a mudar a
bém era motivo de desconfiança por parte das identidade negativa do Brasil subimperialista
elites venezuelanas, que anteviam disputas com o perante seu vizinho venezuelano. Em outras pala-
Brasil pela liderança nessas regiões. Finalmente, vras, as ações de reciprocidade específica nesta
entre as motivações políticas, ao contrário do pro- primeira fase fizeram-se na base da tolerância e
jeto de autonomia política do governo brasileiro do estímulo de interesses regionais, especialmen-
diante dos Estados Unidos (ou autonomia pela te do apoio do Brasil a projetos regionais vene-
distancia, como se denominou o paradigma que zuelanos baseados no seu poderio petrolífero.
orientou a política externa brasileira desde inícios Também esse tipo de reciprocidade reforçava, no
dos anos de 1970 até finais da década seguinte), plano dos atores sociais, os empresários, já que a
a política externa venezuelana, durante quase aproximação entre ambos os países procurava
todo o século XX, sempre definiu como estratégi- criar condições para o desenvolvimento de proje-
ca a parceria política com os Estados Unidos. tos empresariais destinados a “robustecer o
Como foi possível transformar relações de núcleo central das economias nacionais” (Cervo,
desconfiança em relações de confiança em que 2001, p. 9).
pese esse enfoque acumulado de capital social Com a redemocratização brasileira iniciada no
negativo na época da redemocratização? A recons- governo de José Sarney, uma nova idéia toma
trução do processo histórico de reciprocidade corpo, a de que a inserção mundial competitiva só
específica positiva permitirá compreender como seria possível por meio da integração regional sul-
isso foi possível. Naquele quadro de desconfian- americana. Isso supunha que os países sul-ameri-
ças e imagens negativas, o Brasil tentou uma pri- canos deixassem de pensar em seus modelos de
meira ação cooperativa com a Venezuela ao apoiar desenvolvimento como passíveis de serem atingi-
a política petrolífera de preços altos, que reforça- dos na visão nacional-desenvolvimentista, de “vol-
va o discurso da diplomacia venezuelana de valo- tados para dentro”, para coordenar ações coletivas
rizar as matérias-primas do Terceiro Mundo. Em e cooperativas regionais. Um mapeamento do dis-
compensação, a esse primeiro movimento coope- curso diplomático de decision makers de política
rativo a Venezuela acertou com o Brasil convênios externa desde o governo Sarney permite conferir
de cooperação em abril de 1978 nos ramos do uma constante: a percepção da América do Sul
petróleo, da petroquímica, da mineração e da como prioridade da política externa brasileira (cf.
siderurgia e, nesse mesmo ano, aceitou que a exis- Cardoso, 1993, p. 6; Amorim, 1994a, p. 16; Lafer,
tência de acordos regionais como o Pacto Andino, 2001b, p. 2; Silva, 2003, ou nas palavras de Lafer, a
de natureza econômica, não eram incompatíveis percepção de uma “força profunda da política
com acordos de cunho político sobre a adminis- externa brasileira” (2001b, p. 2). A construção desse
tração de recursos naturais, criando-se, assim, con- significado permitiu que alguns autores afirmassem
dições para a assinatura do Tratado de Coopera- que ao longo de sua história o Brasil foi desenvol-
ção Amazônica, de iniciativa brasileira. vendo a dupla identidade de país em desenvolvi-
O jogo seqüencial de ações cooperativas e mento e país sul-americano. “Mas a verdade é que
de reciprocidade manteve-se nos anos de 1980, foi preciso que essa dupla identidade, hoje tão
respondendo o Brasil positivamente a uma velha óbvia, fosse sendo construída no discurso e na
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 71

auto-imagem dos brasileiros ao longo do século ção e não pela distância – os “temas globais” que
XX” (Lamazier, 2001, p. 51). Assim, no discurso da se inseriram, em novos termos, na agenda inter-
política externa brasileira contemporânea, sobretu- nacional pós-guerra fria (Lafer, 2001b. p. 2).
do com a defecção da tão próxima política externa
mexicana, hoje em dia, do Nafta e dos Estados O mais importante a destacar é que nesta
Unidos, houve um esforço sistemático dos gover- fase se consegue desconstruir a primeira das iden-
nos brasileiros, desde Itamar Franco, “em redefinir tidades negativas que mais criavam obstáculos
a cooperação regional em termos de América do para uma ação cooperativa entre a Venezuela e o
Sul antes que [em termos] de uma identidade Brasil, a saber, a de que o Brasil seria um país
Latino-americana ” (Hurrel, 1998, p. 257). com motivações subimperialistas. “A imagem de
A partir do governo Sarney, passa-se a explo- um Brasil expansionista, hegemônico e domina-
rar fortemente o caminho integracionista sul-ameri- dor modificou-se drasticamente e as expectativas
cano, tendo sido definida a Venezuela pela frontei- positivas afloraram” (Cervo, 2001 p. 9).
ra norte e a Argentina pela fronteira sul como as Porém, ainda restava desconstruir mais duas
duas relações estratégicas a serem cultivadas para imagens: primeiro, a de que a liderança venezue-
atingir esse objetivo. Instâncias de comportamento lana no processo de integração regional andino
confiável começaram a ser seladas quando o presi- era incompatível com a liderança regional integra-
dente Sarney conseguiu promover a idéia entre cionista sul-americana promovida pelo Brasil; e,
seus pares venezuelanos de que o pathway inte- segundo, a idéia de que as metas de política exter-
gracionista era o melhor caminho para atingir três na venezuelana eram mais compatíveis com uma
objetivos: desenvolvimento nacional, defesa da política de aliança estratégica com os Estados Uni-
democracia e inserção competitiva internacional. dos do que com o Brasil, que ocupava um lugar
Ainda durante o governo Sarney, o governo brasilei- periférico no olhar das elites venezuelanas. Esses
ro assinou, em 1996, os Protocolos de Cooperação dois objetivos foram trabalhados intensamente
com a Argentina de Raul Alfonsin (1984-1988), e, durante toda a década de 1990 pela política exter-
com a Venezuela, durante o governo do social- na brasileira, desde o segundo governo do demo-
democrata Jaime Lusinchi (1984-1988), o Protocolo crata-cristão Rafael Caldera e na administração
de Caracas, em 1987, a partir dos quais se preten- Hugo Chávez. Observemos, então, como se deu
dia fazer deslanchar os processos integracionistas esse processo diplomático.
na América do Sul. Durante a administração de Itamar Franco
O reforço normativo que serviu como mapa no Brasil e de Rafael Caldera na Venezuela fir-
cognitivo da estratégia brasileira de aproximação maram-se algumas das bases que compatibiliza-
com vizinhos como Argentina e Venezuela foi o riam o projeto brasileiro de integração sul-ameri-
argumento de formuladores de política externa dos cana com o projeto de integração sub-regional
anos de 1990, segundo o qual o Brasil estava poli- andino e de desenvolvimento nacional venezue-
ticamente amadurecido para evoluir das “clássicas lano. Esse projeto tinha por base três eixos de
fronteiras [para] modernas fronteiras de coopera- ação: desenvolver ações de integração fronteiriça
ção” (Lafer, 2001b, p. 2).8 Destaca-se no conceito e energética; desenvolver os fluxos bilaterais de
de “fronteiras de cooperação” primeiramente a comércio; e finalmente, investimento entre ambos
mudança nas formas de produção e representação os países, com proveito para os setores empresa-
do significado do espaço brasileiro como algo não riais e criação de uma zona de livre comércio sul-
só instrumental, mas também substantivo em face americana.
dos interesses regionais de integração regional. O primeiro eixo – integração de fronteiras –
Em segundo, o conceito é consistente com a cren- teve início com o reforço de políticas de povoa-
ça nos mento em estados como Amazonas e Roraima, do
lado brasileiro, e estados como Amazonas, Delta
[...] investimentos no soft power da credibilidade Amacuro e Bolívar, do lado venezuelano. Em
realizados pelo país no correr da década de 90, ambos os lados das fronteiras comuns, os dois paí-
ao tratar de maneira construtiva – pela participa- ses desenvolveram políticas recíprocas e comple-
72 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 61

mentares. À iniciativa brasileira do Programa Calha inclui o aumento do fluxo de comércio, investi-
Norte, a Venezuela responderia, em meados dos mentos no setor petroquímico, compra e venda de
anos de 1990, com o programa Prodesur. Ambos tecnologias e outros tópicos. Porém,
tinham objetivos em comum, tais como a melho-
ria da qualidade de vida das populações locais, a O acordo guarda-chuva tem outras implicações e
proteção do meio ambiente e o desenvolvimento derivações. O Brasil, via BNDES, deverá aumentar
da potencialidade econômica das regiões fronteiri- sua presença como acionista da Corporação Andina
ças. Um empreendimento cooperativo de grande de Fomento (CAF), banco de desenvolvimento dos
países andinos, e chegar a 20% de participação no
envergadura na integração física foi realizado no
principal agente de investimento do Hemisfério Sul.
segundo mandato do presidente Fernando Henri-
Total do desembolso brasileiro: US$ 400 milhões
que Cardoso. Ainda, foi reinaugurada a rodovia BR-
em dois anos. Cada país-membro da CAF pode
174, cujo trecho Manaus-Santa Helena de Uairén financiar até quatro vezes o seu aporte para aplica-
(primeira cidade fronteiriça venezuelana), liga o ções no próprio país. No caso, US$ 1,6 bilhão. Se
Brasil a Caracas. A Venezuela já havia feito sua for projeto binacional, a aplicação pode multiplicar-
parte inaugurando a BV-8, pela qual se fornece se por oito – ou US$ 3,2 bilhões. Ao governo a CAF
energia elétrica a Boa Vista, advinda das usinas do faz chegar sua intenção de investir US$ 25 bilhões
Rio Caroní venezuelano. Os interesses do Brasil em toda a região nos próximos quatro anos” (Carta
neste mecanismo de integração física são eviden- Capital, 2003, p. 32).
tes: inserção de produtos no mercado venezuelano
e de escoamento de produtos brasileiros pelos por- O terceiro eixo – criação de uma zona de
tos caribenhos da Venezuela, como La Guaira e livre comércio sul-americana – atingiu dinamismo
Puerto Cabello, localizados ao norte deste país. De acentuado, sobretudo a partir da administração
outra parte, desenvolveu-se uma política de inte- Hugo Chávez, tendo como resultado um aumen-
gração energética bastante assertiva nas relações to sem precedentes da confiança entre esses dois
entre a Venezuela e o Brasil. As estatais de eletrici- países, além de operar um câmbio substancial
dade – Eletrobras do Brasil e Edelca da Venezuela sobre as alianças estratégicas tradicionais da
– vêm aproveitando o fato de a Venezuela ter algu- Venezuela em política externa. O Brasil seria um
mas de suas principais usinas hidrelétricas instala- dos países que passaria a ocupar um lugar estraté-
das na região sul – na fronteira com o Brasil – para, gico nas relações externas da Venezuela. Lembre-
desta maneira, poder abastecer de energia os esta- mos que desde o século XIX as desconfianças em
dos brasileiros dessa região, como Roraima, relação à política externa do Brasil sempre foram
Amazonas e Amapá. uma espécie de constante. O próprio Bolívar,
Quanto ao segundo eixo – fluxos bilaterais de naquele século, não incluiu o Brasil nos seus pro-
comércio –, desde 1995 a promoção dos fluxos jetos da Gran Colômbia. E com o início da fase
comerciais e de investimento e as compras de petrolífera nos anos de 1920, a prioridade em
petróleo da Venezuela vêm aumentando significa- política externa – para a Venezuela – sempre
tivamente, já superando, hoje, a Argentina entre os foram os Estados Unidos.
fornecedores latino-americanos. Os fluxos comer- Assim, uma das mudanças mais significativas
cias incrementaram-se entre 1988 e 1995 a uma taxa nas relações de cooperação Brasil-Venezuela tem
promédio interanual de 8,2%, registrando-se uma a ver com o lugar do Brasil na política externa
taxa interanual positiva para a Venezuela de 27,4% venezuelana: o país passou a ocupar um lugar
e, portanto, uma balança comercial positiva para estratégico no planejamento da política externa
este país (Cisneros et al., 1998, p. 9. Em contrapar- venezuelana. Essa inflexão foi operada na base
tida, faz parte da estratégia venezuelana atrair o das possibilidades que os projetos de integração
Brasil como sócio de investimentos na Corporação sul-americana ofereciam para a Venezuela. Em
Andina de Fomento (órgão financiador da Comu- que pese desconfianças iniciais de que uma apro-
nidade Andina de Nações). Nesse sentido, a Vene- ximação mais estreita com o Mercosul veria diluí-
zuela e o Brasil assinaram, durante o primeiro ano das as tentativas integracionistas da região andina,
do governo Lula, um acordo guarda-chuva que o Brasil conseguiu atrair a Venezuela para seus
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 73

projetos sul-americanos e com isso conseguiu uma como condicionante da interdependência global;
redefinição positiva nos planos da política externa d) a prévia integração da América do Sul como
venezuelana. condicionante da integração hemisférica; e) a per-
A diplomacia comercial venezuelana, seguin- cepção da nocividade da Alca, caso se estabeleça
sem os condicionantes anteriores e sem a recipro-
do uma política de continuidade iniciada na
cidade comercial efetiva; f) reservas ante o aspec-
segunda gestão de Rafael Caldera (1994-1998), des-
to militar do Plano Colômbia; g) o repúdio a qual-
locou seu interesse integracionista para a “fachada quer presença militar norte-americana e a seus
amazônica”, especialmente no que se refere ao vôos na Amazônia; h) a decisão de não privatizar
aprofundamento de seus vínculos comerciais, ener- o setor petrolífero (2001 p. 19).
géticos e políticos com o Brasil e com o Mercosul.
“Registre-se que o ex-Presidente Fernando Henri- Ressalta também Cervo que durante as admi-
que Cardoso acolheu e deu seguimento ao desejo nistrações Caldera, Chávez e Cardoso, de 1994 ao
de Chávez de mudar o olhar da elite venezuelana: presente, “o empenho pessoal dos chefes de
mirar o Cruzeiro do Sul e não a Estrela Polar” (Car- Estado foi o motor principal da cooperação que
ta Capital, 2003).9 engrandeceu nas esferas da ação política e eco-
Atualmente, o relacionamento entre Venezue- nômica” (2001, p. 21).
la e Brasil é favorecido pelo entusiasmo da admi- Um fato que sem dúvida reforçou o estoque
nistração Chávez de integrar o Mercosul com a de capital social acumulado entre ambos os países
Comunidade Andina, como reconhece abertamen- foi a atitude do Brasil na crise política venezuelana
te um documento oficial da chancelaria venezuela- durante os anos da administração Chávez, especial-
na, “especialmente pela significação estratégica do mente com a condenação do breve golpe de Estado
Brasil e pelas aspirações nacionais [da Venezuela] que derrubou Hugo Chávez em abril de 2002 (ainda
de ingressar no Mercosul” (Ministério de Relacio- no governo Fernando Henrique Cardoso). A pro-
nes Exteriores de Venezuela, 2005). Nesse sentido, posta do simbólico Grupo de Amigos da Venezuela,
seguindo a seqüência inaugurada por Bolívia e sob a iniciativa do governo, Lula buscava resguardar
Peru, a Venezuela transformou-se, durante a última uma política de Estado que tinha sido construída ao
Reunião de Cúpula do Mercosul (julho de 2004), longo de mais de duas décadas e na qual a política
no terceiro país da Comunidade Andina de Nações externa brasileira foi capaz de transformar três iden-
(CAN) a ser admitido como membro associado ao tidades negativas enraizadas na percepção das eli-
Mercosul. A opção preferencial da Venezuela pelo tes venezuelanas (expansionismo, desconfiança
Brasil foi muito bem resumida numa frase de con- diante dos planos de integração brasileira e uma
teúdo simbólico relevante do presidente venezue- visão periférica do Brasil na política externa vene-
lano, em que afirma: “os bons negócios a gente zuelana) em empreendimentos concretos e positi-
reserva para os amigos. O nosso amigo é o Brasil” vos de confiança nesses três aspectos.
(Carta Capital, 2003, p. 30). O caso venezuelano mostra que é possível
Comentando estas amplas coincidências construir estoques de confiança entre atores esta-
entre ambos países, Amado Luiz Cervo, resumiu tais em áreas nas quais ainda não existam. No
assim o relacionamento diplomático: entanto, o Brasil ter priorizado o processo de inte-
gração no Cone Sul na década de 1990 e o fato
Com efeito, em que pesem diferenças de estilo na de que as relações entre o Brasil e a Venezuela já
ação externa, nenhum outro país da América do Sul eram bastante cooperativas até o final da década de
apresenta relativamente ao Brasil, no início do
1980 tornaram os dois países convergentes a partir
milênio, tantas variáveis comuns na sua visão do
do governo de Rafael Caldera (1994-1998) e mais
mundo e em sua estratégia externa quanto a
plenamente a partir do governo de Hugo Chávez,
Venezuela. A convergência se estabelece em torno
dos seguintes parâmetros: a) o conceito de globa- empossado em 1999. Como foi possível que atin-
lização assimétrica como correção ao conceito de gissem esse ponto de cooperação, levando em
globalização benéfica; b) o conceito político e conta que, até o final dos anos de 1970, prevale-
estratégico da América do Sul; c) o reforço do ciam fortes percepções de desconfiança? Preten-
núcleo central robusto da economia nacional demos analisar esse resultado a partir de três ele-
74 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 61

mentos: identidade, interesses encapsulados e por Ramos “é possível afirmar que a nova integra-
idéias compartilhadas. ção entre o Brasil e a Venezuela guarda em si duas
Quanto à identidade, deve ser destacado que mensagens: uma selecionada e uma secundária”
a diplomacia brasileira compreendeu bem, na sua (1995, pp. 103 e 105). Na mensagem selecionada
estratégia de aproximação com a Venezuela, os “o interesse venezuelano aparece com a possibili-
elementos que definem a identidade da política dade de se solucionar crises econômicas internas
externa venezuelana e a necessidade de tornar e de se diminuir a dependência e a dívida exter-
congruente essa identidade com a sua própria. Foi na” (Idem, ibidem). Na opção secundária, a inte-
isso que permitiu uma seqüência de movimentos gração venezuelana com o Brasil “reveste-se de
cooperativos que não foram, em nenhum momen- potencialidades desagregadoras, restos do reflexo
to, incompatíveis com os “interesses encapsulados”. do que teria representado o Brasil para as nações
Mas os estudiosos da política externa da Venezuela vizinhas durante determinados momentos da his-
destacam que ao longo dos últimos cinqüenta anos tória latino-americana: um país com pretensões
dois foram os elementos que caracterizaram a iden- hegemônicas” (Idem, ibidem). Em reciprocidade,
tidade da política externa venezuelana: a inserção como afirmado por um estudioso da história cul-
petrolífera internacional do país e a defesa da tural brasileira, a Venezuela responderia positiva-
democracia (Romero, 2002; Villa, 2004). mente “às aspirações legítimas do Brasil em ocu-
O Brasil conseguiu conciliar de maneira efi- par posição de influência no âmbito internacional
caz sua identidade de país em desenvolvimento e dadas as suas dimensões” (Mendible, 1995).
sul-americano com sua compreensão de que, Quanto às idéias compartilhadas, as estreitas
para a Venezuela, em qualquer tempo seria vital a relações bilaterais construídas entre a Venezuela e
defesa de uma política elevada dos preços de o Brasil durante a década de 1990 tiveram como
petróleo em razão de sua dependência fiscal a ponto de interseção a visão recíproca de a que
esse recurso. Foi assim que procedeu a diploma- estabilidade institucional democrática é “condição
cia brasileira em finais da década de 1970, o que essencial para o fortalecimento da integração
se manteve no governo de Chávez, que fez da regional” (“Comunicado de Brasília”, 2000, p. 128).
recuperação dos preços internacionais do petró- Essa visão é compatível com a segunda caracterís-
leo sua principal meta externa. Em contrapartida, tica da identidade da política externa venezuelana
o Brasil conseguiu obter importantes vantagens – defesa da democracia. Assim, os interesses foram
em termos de integração física, energética, comer- acompanhados por idéias compartilhadas, especifi-
cial e em termos de investimentos. Na administra- camente sobre a democratização do poder. Nesse
ção Chávez, a balança comercial, que era negativa sentido, a idéia do fortalecimento das instituições
em relação ao Brasil até finais da década de 1990, democráticas procura o duplo objetivo de um ins-
transformou-se em positiva, e empresas brasilei- titutional building democrático doméstico e de
ras, como as de cerveja e empreiteiras, fazem hoje um institutional building democrático regional.
investimentos importantes na Venezuela. Esse Um fator que reforçou a formação das con-
argumento demonstra que a confiança gerada pela vergências entre o Brasil e a Venezuela como
reciprocidade específica e positiva não é isenta da recurso de política externa foi o argumento da
procura de interesses que levem a ganhos mútuos. democratização do sistema internacional tão recor-
Em relação aos interesses encapsulados, é rente desde o final dos governos militares, o que
possível creditar o aumento da confiança da Vene- coincidia com os desejos de democratização inter-
zuela, com o Brasil e com o Mercosul, a compor- na. Consistente com sua identidade de país demo-
tamentos estratégicos “encapsulados”: a Venezuela crático, a Venezuela desde os anos de 1960 prega-
fez da diversificação das exportações em propor- va a doutrina Betancourt11 de não reconhecimento
ções equilibradas para diferentes mercados uma de governos autoritários, mas de governos eleitos
estratégia adequada, na medida em que tornou o mediante normas constitucionais e pela vontade
país menos dependente de um único mercado e, popular. Por outro lado, a democratização no
portanto, menos vulnerável às contingências de Brasil foi calibrada por decisores da política exter-
mercado dos Estados Unidos.10. Como sustentado na e por suas elites como um elemento domésti-
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 75

co útil para a convergência de identidades positi- ça e auto-interesse são compatíveis se este é


vas com seus vizinhos sul-americanos, e isto foi mediado por concepções de mundo cooperativas.
importante no caso da Venezuela. Como sustenta Vejamos então como é possível gerar capital
Fonseca: social entre atores estatais no campo da política
de armamento e segurança, entendidos pela teo-
A identidade modela-se historicamente. Há ria realista como o núcleo duro das metas dos
momentos em que coincidem as transformações Estados. Seria muito difícil estabelecer arranjos
internacionais e as internas como ocorreu clara- cooperativos, já que o desarme significaria uma
mente com a democratização. O sistema ociden- espécie de comportamento irresponsável do esta-
tal fecha o espaço para o autoritarismo e, inter- dista porque o Estado ficaria a mercê da política
namente, as forças sociais contestam o regime
de poder de Estados concorrentes. No entanto, de
(1998, pp. 275-276).
acordo com estas percepções racionalistas que fri-
sam a desconfiança entre atores, é possível susten-
Tal convergência de identidades era consis-
tar que foi possível construir a confiança entre o
tente com a idéia de que a existência de um con- Brasil e os vizinhos sul-americanos sobre tais variá-
junto de valores universais, ou mapa cognitivo, veis hard core, especialmente na questão da não
para a conduta da política externa deveria ser proliferação de armas no plano regional, da coo-
tomado como marco regulatório normativo, em peração militar e das políticas de segurança.
relação ao qual metas de desenvolvimento do
país eram passíveis de serem atingidas. Esse dis-
curso doutrinário foi bastante veiculado pela Relações Brasil-Argentina:
diplomacia durante toda a década de 1990, tal capital social na democratização
como sustentou o então p presidente Cardoso: “O
Brasil que entra no século XXI é um país cujos Como já demonstramos anteriormente, os
objetivos prioritários de transformação interna, de vizinhos sul-americanos por décadas têm enxer-
desenvolvimento, estão em consonância com os gado o Brasil como um país continental com pre-
valores que se difundem e se universalizam no tensões ou subimperialistas ou expansionistas. Na
plano internacional” (2000, p. 6). verdade, desmanchar essa identidade e/ou capital
Enfim, a idéia democrática como recurso de social negativo na esfera regional não tem sido
política externa permite adiantar a conclusão de que fácil porque, tomando emprestado o argumento
é possível criar capital social positivo entre Estados de Oliveiros Ferreira, o temor conspirativo sobre
quando concepções normativas cooperativas do as intenções imperialistas brasileiras arraigou-se
mundo são compartilhadas por atores estatais. Esse muito fortemente nos ministérios de relações exte-
impacto na conduta externa dos países pode ser riores de países vizinhos:12 “num ponto, forçoso é
compreendido pela premissa de Schumpeter reconhecer que a política externa de ontem e de
(1984), segundo a qual ao analisarmos os com- hoje tem alguma coisa em comum: o temor de que
portamentos e as estratégias dos atores políticos a a América espanhola, nossos vizinhos, considerem
democracia aparece como um método prioritário que as ações do Itamarati tenham como objetivo
quando os atores participantes de um conflito têm afirmar a hegemonia do país no continente”
como intuito final resolver o problema de forma a (Ferreira, 2001, pp. 39-40).
tolerarem as posições um do outro e a chegarem O segundo caso significativo que estudare-
a uma solução democrática. Esse nos parece ter mos é o das relações entre Brasil e Argentina, que
sido o caso das relações diplomáticas entre o também mostra como é possível construir capital
Brasil e a Venezuela nos anos da redemocratiza- social positivo mesmo entre atores estatais histori-
ção brasileira. A condição schupemteriana torna camente rivais. Tal caso é significativo por várias
possível um desmanche teórico da idéia dos neo- razões. Como sustentam alguns comentadores, am-
realistas (Grieco, 1993; Mearsheimer, 2001) de que bos os países mantêm a mais velha rivalidade na
a cooperação entre atores estatais é incompatível América do Sul (Burr, 1955; Mello, 1996), que per-
com o auto-interesse. Em outras palavras, confian- correu o século XIX e se alastrou por todo o sécu-
76 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 61

lo XX, atingindo o clímax nos governos militares da entre os dois parceiros regionais nem sempre invia-
década de 1960 e 1970. O Brasil e a Argentina dis- bilizou pontos de cooperação; além disso, um míni-
putam influência regional desde sua consolidação mo histórico de confiança foi emergindo, tendo
como Estados autônomos. A linguagem da balança como ponto de partida a fase final dos governos
de poder prevaleceu em disputas sobre territórios militares. Em 1979, Brasil, Argentina e Paraguai assi-
de 1825 até 1828 e na disputa pela influência sobre naram um acordo que finalizou mais de trinta anos
o nascente Estado do Uruguai de 1840 a 1950. O de disputa sobre a construção da usina de Itaipu.
Brasil ajudara na derrocada do ditador argentino Antes, em 1978, a Argentina e o Brasil tinham dado
Rosas em 1952 e, durante os anos do Barão do Rio mostras de cooperação militar ao disporem suas
Branco no comando do Ministério de Relações armadas à realização de exercícios conjuntos numa
Exteriores no Brasil, houve vários momentos de operação conhecida pelo nome de “Fraterno”.
tensão por causa do aumento do arsenal de armas Dando seqüência ao jogo cooperativo, em maio de
adquiridas por ambos os países. As percepções e 1980, o general Figueiredo visitou a Argentina,
as rivalidades foram alimentadas ainda mais duran- sendo o primeiro presidente a fazê-lo desde 1935.
te a Guerra do Chaco (1932-1935) pelas descon- Nesse encontro assinaram acordos sobre produção
fianças brasileiras sobre o papel argentino nesse conjunta de armamentos, além de cooperação e
conflito. Ainda, durante os anos dos governos mili- transferência de materiais nucleares. Em agosto
tares as desconfianças em torno das intenções geo- desse mesmo ano, o presidente militar argentino
políticas do Brasil em relação à Argentina chega- Jorge Videla retornou o gesto diplomático de
ram ao paroxismo com o projeto da construção da Figueiredo ao visitar Brasília. Nessa ocasião, sete
Usina do Itaipu no final dos anos de 1980.13 O acordos e protocolos nucleares foram assinados. A
resultado foi a construção de acervos de imagens cooperação foi ampliada em 1981, com a assinatu-
fortemente negativas entre ambos os países, nos ra de acordos adicionais entre a agência brasileira
quais se embutem plenas desconfianças sobre as (Nuclebrás) e a agência argentina nuclear (Narc).
intenções geopolíticas recíprocas. Outro passo significativo de aproximação deu-se
Apesar das imagens negativas e das descon- certamente durante a Guerra das Malvinas, quando
fianças sobre as intenções regionais brasileiras, o Brasil apoiou as reivindicações argentinas, inclu-
quando se observam os campos em que tem exis- sive fornecendo aviões durante o desenvolvimento
tido mais convergência nos últimos vinte anos, é do conflito bélico entre a Argentina e a Inglaterra.
surpreendente apontar que, no início do novo milê- Essa primeira fase de aproximação foi
nio, a maior cooperação entre esses países residem importante porque permitiu aos decisions makers
em matérias como desarmamento nuclear e coope- perceberem qual era o limite do conflito entre
ração militar. O caso das relações entre o Brasil e a ambos os países e que a concorrência regional na
Argentina sobre as políticas nucleares questionam a Bacia do Prata, embora historicamente legítima,
assertiva neo-realista de que os Estados não renun- era compatível com a cooperação em temas sen-
ciam nunca às capacidades militares ofensivas síveis como segurança e desenvolvimento de
(Mearsheimer, 2001). Vale lembrar “que a política armamento nuclear. De sua parte, o governo bra-
nuclear de cada país tinha por inspiração a conso- sileiro percebeu que as imagens geradas por sua
lidação do poder de cada um e o conseqüente intelligentzia geopolítica nos anos do regime
aumento de sua segurança” (Vargas, 1997, p. 45). militar tinham sido contraproducentes, pois gera-
Como foi possível transformar a linguagem e o his- vam temores e desconfianças com seu principal
tórico de relações que tanto frisaram o poder regio- concorrente sul-americano, e que era necessário,
nal militar no sentido de gerar capital social e con- portanto, desconstruir tal imaginário: “Falar da
fiança entre dois países no que diz respeito a temas emergência do Brasil como uma grande potência
tão sensíveis e perpassados historicamente pela e da geopolítica de Golbery havia servido para
construção de identidades negativas e pressupos- aumentar os temores hispano-americanos” (Hurrel,
tos de intenções geopolíticas? 1998, p. 237).
Como argumento inicial pode-se sustentar Nos anos da redemocratização, com os gover-
que a existência de imagens externas negativas nos de Alfonsin e Sarney, as interações cooperativas
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 77

aumentaram. Ambos os presidentes assinaram em Brasil. Nessa direção cooperativa os porta-vozes


novembro de 1985 acordos sobre cooperação nu- mais graduados do Itamarati construíram contem-
clear e abriram o processo de negociação de inte- poraneamente o discurso reiterativo segundo o
gração econômica (que, entre 1986 e 1989, incluiu qual “a parceria estratégica entre Brasil e Argentina
24 protocolos sob o Programa de Cooperação e é a pedra angular da política para a América do
Integração Econômica – Pice), seguido pelo Progra- Sul” (Amorim, 2004).
ma de Integração e Cooperação e o Tratado de Porém, nos governos do ex-presidente
Cooperação e Desenvolvimento. No marco desses Carlos Menem da Argentina (1989-1999), houve
acordos, os dois governos decidiram criar grupos de uma evidente assimetria de perspectivas sobre o
trabalho envolvendo burocracias nucleares. Dos 24 lugar que cada país ocupava em seus projetos de
protocolos assinados no Pice, os de número 11 e 19 política externa. Vale lembrar que nesses dez
tratavam do intercâmbio de informação no caso de anos de governo, Menem optou pelo chamado
acidentes nucleares e do desenvolvimento de pes- “realismo periférico”, que apesar de coincidir com
quisa conjunta, assim como previam visitas técnicas os objetivos econômicos de integração no
em ambos os países. Outro passo que mostrou um Mercosul adotava um alinhamento político sem
aumento significativo de estratégias cooperativas foi restrições com os Estados Unidos. Como notam
a transformação, em 1988, dos grupo de trabalhos Russel e Tokliatan, comentando a política externa
num Comitê Permanente de Assuntos Nucleares. do governo:
Dessa forma, as condições políticas e técni-
cas estavam amadurecidas para consolidar a reci- O lugar reservado ao Brasil nesse paradigma [rea-
procidade específica positiva, no sentido empre- lismo periférico], que se derivava logicamente de
suas premissas, foi o de um simples “sócio” eco-
gado por Axelrod (1984). Significativo nessa
nômico, e não de um “aliado estratégico”. Assim,
direção foram as visitas dos presidentes Sarney e
aos importantes avanços produzidos no plano
Alfonsin aos locais onde se desenvolviam os res- doméstico, que aumentaram a interdependência
pectivos programas nucleares no Brasil e na Ar- entre os dois países, não correspondeu um
gentina. “Muito mais enfaticamente, a confiança aumento das convergências no campo da política
foi atingida pelas visitas de Sarney [às instalações externa (2003, p. 89).
nucleares] facilitadas pela Argentina em 1987 e
1988 e pela visita de Alfonsin a até então oficial- Deve-se atentar, porém, que o capital social
mente desconhecidas [instalações nucleares brasi- e a geração de identidades positivas não têm um
leiras] em Aramar” (Hurrel, 1998, p. 241). significado cristalizado. Como reconhece um dos
Todavia, é necessário atentar para algumas formuladores da política externa brasileira nos
divergências diplomáticas que poderiam eventual- anos de 1990, o ex-ministro Celso Lafer (2003, p.
mente impor limitações importantes ao jogo coo- 118) “a confiança como capital social pode ser um
perativo seqüencial entre Brasil e Argentina e que bem renovável ou não” entre países. Esses tipos
mostram bem a dinâmica diplomática de conflito de capital social podem ser construídos tanto posi-
e cooperação em política externa. O discurso tiva como negativamente, sendo resultados de um
tanto da diplomacia presidencial como dos chan- processo de interação seqüencial histórica, em
celeres do Itamarati tem insistido, desde o gover- que não é incomum a manutenção entre vizinhos
no Sarney (com Abreu Sodré) até o governo Lula territoriais de acervos imagéticos no âmbito do
(com Celso Amorim), sobre a necessidade de esta- poder. Nesses casos, as identidades negativas for-
belecer uma aliança estratégica com a Argentina, madas no passado são fatores que limitam e criam
visando ao duplo objetivo explícito de conciliar os importantes constrangimentos à cooperação O
objetivos econômicos da integração à procura da posicionamento argentino nos governos Menem é
estabilidade democrática nos países do Mercosul e uma outra forma de constatar que identidades em
da região sul-americana como um todo. Certamen- comum podem certamente levar ao surgimento
te um dos objetivos latentes da política externa de comunidades de segurança, contudo a profun-
brasileira consiste em atenuar, via cooperação re- didade de identidades históricas divergentes (ou
gional, as desconfianças argentinas em relação ao negativas) pode se transformar em obstáculos
78 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 61

relevantes à cooperação, já que vez por outra são tava outro lugar que não a fronteira sul com a
recuperados de seus acervos e mobilizados como Argentina. Nesse aspecto, a Argentina fez um mo-
recursos de política externa. vimento seqüencial de reciprocidade em relação
Todavia, em que pesem as diferenças nas ao Brasil, abandonando a concepção geopolítica
políticas externas do Brasil e da Argentina duran- de “fronteiras vazias”, pela qual políticas de po-
te a era Menem, a idéia de integração regional, voamento, de valorização econômica e de cons-
com pressupostos democráticos, pode ter sido um trução de infra-estrutura para transporte rodoviá-
poderoso ponto focal para objetivos cooperativos rio foram descuidadas nas fronteiras com o Brasil,
em comum e que permitiu a continuidade e o como parte dos temores à geopolítica de expan-
aprofundamento de empreendimentos cooperati- são brasileira. Hoje, tal política foi revista pela
vos em áreas sensíveis como segurança e desar- Argentina em conseqüência do processo de inte-
mamento. Assim, durante o governo Collor (1990- gração física estimulada pelo Mercosul.
1991), esses dois países assinaram, em 1990, a Acentuando as dinâmicas cooperativas, que
Declaração de Guadalajara, ou Declaração sobre tiveram como marco os tratados do Mercosul, im-
Uso Exclusivamente Pacífico de Energia Nuclear. plementaram-se as chamadas Medidas de Incre-
Essa declaração estabeleceu as bases para a cria- mento de Confiança (MIC). Tais medidas englobam
ção da Agência Brasileira-Argentina de Contabi- simpósios entre os Estados maiores das forças ar-
lidade e Controle (ABACC). Os dois países avan- madas de ambos os países, os exercícios conjuntos
çariam um pouco mais nos compromissos de não entre as armadas dos países do Mercosul, a imple-
proliferação ao assinarem um acordo mais amplo, mentação do Programa de Cooperação e Integra-
em dezembro de 1991, o Acordo Quadripartite, ção Aeronáutica Argentino-Brasileiro e o Programa
entre Brasil, Argentina e a Agência Internacional de de Co-Desenvolvimento do avião CBA-123 entre a
Energia Atômica (AIEA) e a ABACC, para a criação empresa aérea brasileira Embraer e a argentina
de um sistema de monitoramento e salvaguarda Fama (Giaccone, 1994). A assinatura, em abril de
nucleares. Juntamente com os esforços de institu- 1996, de um acordo mais amplo sobre cooperação
cionalização do Mercosul pelo Tratado de nuclear e pesquisa espacial, assim como a assinatu-
Assunção de 1991, ainda durante o Collor o Brasil ra do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP)
deu um passo importante para esse incremento de pelo Brasil em 1988 (a Argentina já havia assinado
confiança quando encerrou suas pretensões de esse tratado em 1995) completam a escalada coo-
desenvolver armas nucleares, simbolizando essa perativa em termos de segurança e controle de
opção estratégica na clausura do campo de testes armamentos.
da Serra do Cachimbo. Esses acordos firmaram as Como essa projeção positiva poderia ser
bases para a completa implementação do Tratado de explicada a partir de uma perspectiva de capital
Tlatelolco, de controle de armas nucleares no conti- social? A nosso ver, três fatores são cruciais a esse
nente americano, assim como para o Acordo de respeito: 1) o papel das idéias compartilhadas e
Mendoça de setembro de 1991, do qual participou do auto-interesse; 2) o histórico de reciprocidade
também o Chile, incluindo o controle de armas quí- específica positiva; e, 3) a criação de normas de
micas e biológicas. transparência e monitoramento, que geraram um
Ainda na década de 1990, aprofundaram-se sistema de princípios de autogovernança e con-
as ações em matéria de segurança e desarma- fiança, institucionalizados em mecanismos de con-
mento, aumentando os níveis de confiança entre fidence buiding.
Brasil e Argentina, além de sinalizar uma diminui- O primeiro fator sugere o impacto da visão
ção das suspeitas que, em matéria de geopolítica, compartilhada da democracia como valor global
haviam alimentado ambos os países durante o entre a Argentina e o Brasil. Nesse nível sistêmi-
regime militar. Em meados dessa década, o Brasil co, as visões brasileira e argentina eram consisten-
deslocou contingentes completos de tropas da tes com a de suas elites governantes. Como trans-
fronteira sul em direção à fronteira norte na parece o discurso diplomático de um de seus
Amazônia num claro sinal de que para as elites formuladores, essas coincidências são plenamente
militares e políticas brasileiras a ameaça represen- coerentes com “os valores que se difundem e se
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 79

universalizam no plano internacional” (Cardoso, idéias específicas podem simplesmente refletir os


2000, p. 60) e que visam ao estabelecimento de interesses dos atores” (Goldstein e Keohane,
padrões de cultura cívica transnacional no sentido 1993, p. 11). Mas quando combinado com idéias,
afirmado por Ikenberry (2002) para o caso dos o auto-interesse pode sustentar metas legítimas
Estados Unidos.14 O impacto da idéia de democra- em política externa. No caso brasileiro, além de
cia sobre a conduta da política externa e sua matizar entre seus vizinhos sul-americanos as
capacidade de veiculá-la como recurso político preocupações com os hipotéticos planos expan-
para atingir metas como segurança e desarma- sionistas, o auto-interesse procurava a institucio-
mento podem ser compreendidos não só pelo nalização de normas regionais que estabeleces-
fato de que crenças fornecem guias para os Esta- sem relações causais da democracia com outras
dos “sobre como atingir seus objetivos”, mas tam- metas de política externa. Sob a liderança brasi-
bém por que, de acordo com Waltz (2000, pp. leira em 2002, a Reunião de Presidentes da
106-108), tanto indivíduos como estadistas ten- América do Sul em Brasília tentava justificar o vín-
dem a selecionar idéias e comportamentos que, culo causal entre desarmamento, desenvolvimen-
socializados internacionalmente, se mostram to e democracia.
bem-sucedidos. O exemplo do sucesso de países
da Europa Ocidental, enfatizando a interdepen- Reconhecendo que a paz, a democracia e a inte-
dência entre democracia e bem-estar social, a gração constituem elementos indispensáveis para
regulação dos nacionalismos e os problemas de garantir o desenvolvimento e a segurança na região,
segurança regional, talvez tenha animado as elites os presidentes destacaram a importância da Decla-
ração do Mercosul, Bolívia e Chile como Zona de
brasileiras e argentinas, desde os governos Sarney
Paz e livre de armas de destruição em massa. Assi-
e Alfonsin, respectivamente, com o objetivo de
nada em Ushuia, em julho de 1998, o Compromis-
que, dada a condição de país em desenvolvimen- so Andino de Paz, Segurança e Cooperação, con-
to, a eficácia de ações individuais com tendência tido na Declaração de Galápagos de dezembro de
a procurar soluções para o problema da seguran- 1998. Nesse espírito, os presidentes acordaram criar
ça dependa de uma assunção do núcleo do dis- uma Zona de Paz Sul-americana (“Comunicado de
curso democrático global na forma de “liberalismo Brasília”, 2000, p. 126).
qualificado”. Está claro para as elites brasileiras
que formulam a política externa para a América Quanto ao histórico de reciprocidade especí-
do Sul que a identidade negativa do “subimperia- fica positiva, a combinação de idéias e do auto-
lismo brasileiro”, construída de longa data, mas interesse dos atores é importante também para
acentuada nos anos do regime autoritário pós-64, explicar por que o Brasil sempre destacou durante
só pode ser desconstruída seguindo-se um curso os anos de 1990 a incompatibilidade entre demo-
de ação que privilegie a atenuação dos acervos cratização e pesquisa nuclear com fins bélicos:
imagéticos do poder, substituindo-os por um na-
cionalismo cívico no sentido mencionado por [...] o raciocínio com o qual [pretendeu-se] justifi-
Ikenberry (2002). Isto é, o enraizamento em ideais car a predisposição a aceitar a renúncia à pesqui-
democráticos e em regras de direito compartilha- sa e desenvolvimento de foguetes escondia, estou
das fornece uma via potencial para a liderança certo, a convicção, embora não se tornasse explí-
cito, de que qualquer esforço maior nesse senti-
branda em âmbitos regionais por ser menos pro-
do seria inútil porque a crise fiscal obrigava a cor-
penso às políticas de poder.
tar investimentos na área militar – além daquela
A combinação de idéias e do auto-interesse outra convicção de que, como pretendia o chan-
em torno de outros objetivos da política externa é celer Lampreia, a redemocratização torna inviá-
importante também para explicar o surgimento de vel qualquer proposta destinada a cuidar do equi-
confiança entre a Argentina e o Brasil. Pode-se pamento das Forças Armadas em termos
concordar com a afirmação de que “o interesse modernos (Ferreira, 2001, p. 27, grifo nosso).
próprio dos atores estabelece o fundamento de
todos os esforços confiáveis” (Locke, 2001, p. Certamente, pensar no impacto que teve a
261), ou com a afirmação de que “escolhas de redemocratização na geração de confiança não é
80 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 61

incompatível com o reconhecimento da importân- de do processo de redemocratização e a impor-


cia dos fatores sistêmicos ou de alguns fatores ins- tância de sua defesa conjunta. Assim, a coopera-
titucionais domésticos que também pressionaram ção bilateral passou a desempenhar um papel de
no sentido de que a aproximação entre o Brasil e a escudo comum contra as ameaças domésticas ao
Argentina fosse uma iniciativa regional diplomática processo de redemocratização. Embora essas
necessária. A partir de uma perspectiva neo-realista, ameaças fossem maiores na Argentina – onde o
os constrangimentos sistêmicos, tais como as pres- movimento militar dos Caras pintadas tentou
sões externas da Agência Internacional de Energia quebrar a institucionalidade democrática no final
(AIEA) e dos Estados Unidos, poderiam sugerir que da década de 1980 –, o governo brasileiro perce-
ambos os países estivessem tentando criar uma beu que o amadurecimento da redemocratização
agenda positiva de cooperação nos anos da Guerra no país dependia em muito da consolidação da
Fria. Ou de um ponto de vista institucional, a deci- democracia na vizinha Argentina. “Acreditar na
são de abandonar projetos de construção de arma- redemocratização foi importante para redefinir os
mento nuclear ou desenvolver tecnologia nuclear interesses, as dentidades e um senso comum de
também poderia ser explicada pelo fato domésti- propósitos” (Hurrel, 1998).
co de que os poderosos ministérios de relações O terceiro fator – autogovernança e confiança
exteriores dos dois países (Itamarati, no Brasil, e – explica-se pelo fato de que foi possível construir
San Matin, na Argentina) tinham visões coinciden- confiança e capital social positivo devido à institu-
tes sobre a integração sub-regional em bases demo- cionalização de um sistema de normas de autogo-
cráticas e mutuamente favoráveis sobre as políticas vernança de confidence building sobre desarma-
de controle de armamentos. Essa visão comparti- mento e segurança. A criação de confiança advém
lhada entre ambas as corporações de política exter- de um histórico de reciprocidade especifica positi-
na teria muita influência sobre os grupos técnicos de va que paulatinamente foi institucionalizado desde
trabalho que elaboraram os planos de controle e meados dos anos de 1980. Sem esse histórico de
desarmamento na época da redemocratização reciprocidade positiva teria sido pouco provável a
(Hurrel, 1998). Em contrapartida poderia ser argu- geração de confiança e a institucionalização desta.
mentado com razão que os custos financeiros para Em conseqüência, criou-se um bem-sucedido siste-
desenvolver tecnologia nuclear bélica era muito ma de normas de autogovernança e de monitora-
alto e que a escolha foi no sentido de redirecionar mento15 ou de mecanismos recíprocos de confiden-
esses recursos para outros aspectos funcionais às ce building entre ambos os países, o que permitiu
metas do desenvolvimento. a estabilidade e a continuidade dos empreendi-
Porém, sem negar a importância das variá- mentos cooperativos. As confidence building mea-
veis sistêmicas, a influência das corporações de sures objetivam criar transparência, mecanismos de
política externa e dos custos financeiros envolvi- monitoramento nos procedimentos e nas operações
dos, também foi importante porque a redemocra- militares, diminuir as assimetrias de informações
tização havia gerado condições políticas entre entre os Estados membros de um regime de nor-
Brasil e Argentina para a institucionalização de mas no tratamento de problemas de segurança e
normas de cooperação na agenda de desarma- desarmamento. A institucionalização do histórico
mento. Em outras palavras, o auto-interese dos de reciprocidade e do jogo seqüencial de coopera-
atores não é incompatível com a percepção de ção incluiu, além das ações já referidas durante os
interesses em comum. E o processo de redemo- anos de 1990, os intercâmbios permanentes entre
cratização deflagrou percepções cognitivas entre os staffs dos Estados maiores militares dos dois paí-
atores que permitiram a compreensão recíproca ses e a continuidade dos grupos de trabalho bina-
de interesses apesar das diferenças na política cionais em matéria nuclear. Também essas de nor-
externa. Um aspecto fundamental foi que o pro- mas de confidence bulding abrangeram a
cesso de democratização pode ter fornecido para institucionalização dos canais de comunicação
a Argentina e o Brasil uma visão comum de inte- entre os dois presidentes, os altos funcionários
resses e identidades e, sobretudo, fez com que (seguindo o caminho europeu do segundo pós-
compreendessem a vulnerabilidade e a fragilida- Guerra Fria), consultas sobre a participação em
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 81

peacekeeping e o estabelecimento da cooperação ções pacifistas doutrinárias sejam a única dimensão


na tríplice fronteira (Argentina-Brasil-Paraguai) para explicativa das escolhas em política externa, mas
tratar aspectos de narcotráfico, contrabando e ter- que elas são importantes no contexto do pós-
rorismo. Dessa maneira, Brasil e Argentina criaram Guerra Fria em termos de procedimentos explica-
condições institucionais de autogovernança com a tivos da política externa, sobretudo para os atores
construção de um framework de normas de con- que procuram justificar tal ação ou escolha para o
fiança em matéria de segurança e desarmamento. público doméstico. Esses procedimentos explicati-
Tais condições permitiram o estabelecimento de: 1) vos transformam-se em atitudes simbólicas que
medidas de coordenação e monitoramento de polí- visam a legitimar e viabilizar ideologicamente a
tica nuclear; 2) “novos hábitos de comunicação”, globalidade dos interesses nacionais, como nos
incentivos para a mudanças de atitude e de per- lembra Fonseca (1998).
cepções e novos padrões de interação estratégica”; Entre essas atitudes simbólicas, sem dúvida
e, 3) consenso de interesses a ser atingido via coo- não se pode negar a ponte que liga credibilidade,
peração, mesmo se tratando de aspectos sensíveis à confiança e imagem externa à aderência a regimes
segurança nacional, como o projeto de energia de não proliferação de armas. Essa sentença é mais
nuclear. verdadeira para o caso de temas sensíveis, em que
Analiticamente é possível afirmar que a partir normas de segurança internacional, baseadas em
desses desenvolvimentos históricos a Argentina e o confidence building, requerem transparência e
Brasil estabeleceram as bases para a formação de monitoramento na execução de regimes que regu-
uma comunidade minimalista ou fraca de seguran- lamentam a matéria, requisitos esses para os quais
ça (loosely coupled security community), no senti- as democracias estão, em princípio, mais predis-
do descrito por alguns teóricos quando afirmam postas a aceitar e em melhores condições de aten-
que as “sociedades mantêm expectativas confiáveis der. Em síntese, em que pesem tanto as assimetrias
de mudança pacífica” (Adler e Barnet, 1998a, p. de políticas externas como a permanência de ima-
30). Ambos os atores compartem minimamente gens negativas construídas no passado, a demo-
valores, identidades e significados comuns, prati- cratização levou a uma variação significativa do
cam a reciprocidade específica, característica esta conteúdo dessas duas variáveis, permitindo a
que implica em certo grau de interesse de longo construção de um capital social positivo entre a
prazo, assim como na geração de um senso de res- Argentina e o Brasil. Isto quer dizer que as ima-
ponsabilidade e obrigação em comum, e, ainda, gens negativas e as desconfianças se amorteceram
alimentam expectativas de solução de conflitos e que as divergências hoje incidem sobre quais
que descartam os recursos de poder baseados na seriam os melhores meios econômicos e quais
força (power-based). alianças políticas seriam mais privilegiadas para a
No entanto, se do ponto de vista conceitual o inserção do país no mundo globalizado.
procedimento explicativo da política externa brasi- Na verdade, o pathway sugerido pela demo-
leira nem sempre é o mais esclarecedor em relação cracia como recurso de ação da política externa na
a essas temáticas,16 deve-se reconhecer que a esco- geração de capital social positivo pôde ajudar a
lha do “mapa do caminho” democrático abre por- resolver dois dilemas de ação coletiva vivenciados
tas para resolver o dilema de como continuar man- pela política externa brasileira. Ao assumir que os
tendo suas aspirações de liderança regional sem sistemas sul-americanos podem se organizar de
que isso seja percebido pelos vizinhos sul-ameri- maneiras variadas sob o que denominamos “libe-
canos como a continuidade de um objetivo expan- ralismo político qualificado”,17 o Brasil construiu a
sionista. Como reconhecem os setores ligados à base para promover a estabilidade democrática
corporação diplomática, o pathway democrático como instrumento útil de cooperação regional sul-
significa um efetivo soft power de credibilidade americana sem ser percebido por seus vizinhos
para a política externa (cf. Lafer, 2003), o qual ate- como um país exportador de valores democráticos
nuaria suspeitas de que no futuro o governo pode- homogeneizadores que não levam em conta as
ria optar pelo recurso do tipo based-power. Não especificidades nacionais. De outra parte, o “libe-
estamos sugerindo que a democracia e as declara- ralismo político qualificado” assegurou uma coe-
82 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 61

rência ideológica com os valores políticos ociden- significa que devamos ter como pressuposto a
tais e certa margem de autonomia ante os Estados existência de condições para a sua geração. Esse
Unidos, ao mesmo tempo em que sinalizava para parece ser o maior ponto de vulnerabilidade na
os vizinhos sul-americanos a mesma possibilidade política externa brasileira, que tem por base a con-
de escolha sem que houvesse uma idéia rígida de solidação institucional democrática na América do
democracia globalizada, como sugerem os teóri- Sul. A fragilidade da implementação de uma agen-
cos do “fim das ideologias”. Em segundo lugar, da democrática no continente, visando a fortalecer
possibilitou esclarecer, para as elites brasileiras, a o projeto de integração regional e a confiança
natureza política das condições político-institucio- mútua, não decorre tanto de sua capacidade de
nais nas quais é possível procurar interesses polí- ação e iniciativa política – esta, existe de fato,
ticos e econômicos regionais de maneira mais efi- como mostraram as atuações da política externa
ciente, e a um só tempo ser ideologicamente desde o golpe de Fujimori no Peru, em 1992, até
coerente com a normatividade liberal global, isto as crises políticas na Bolívia em 2003 e 2005. A
é, sem grandes lacunas entre a economia liberal e principal limitação parece recair sobre as condi-
a natureza do sistema político doméstico.18 ções políticas em que se desenvolvem as demo-
cracias regionais ou democracias delegativas,
como tem sido chamada por alguns autores.19 O
Considerações finais baixo grau da continuidade e da institucionaliza-
ção das chamadas regras do jogo em vários países
O que têm em comum os casos estudados? da região, em especial no conjunto dos países da
Compartem a importância do reconhecimento de Comunidade Andina, impossibilita um mínimo de
que o auto-interesse é compatível com a satisfação congruência entre a racionalidade formal (expri-
recíproca, o que sugere que a construção de capi- mida juridicamente em constituições, cláusulas ou
tal social entre Estados é mais do que um jogo ra- decretos) e a prática efetiva da democracia.
cionalista de soma-zero, permitindo, por sua vez, a Também as identidades negativas do passa-
desconstrução de imagens negativas. Outro ponto do são um grande obstáculo à implementação de
comum constitui um aspecto significativo ignorado uma agenda democrática para a América do Sul.
pelas teorias de relações internacionais means- Em que pesem os esforços brasileiros por melho-
tream: a geração de confiança entre atores estatais rar sua imagem, e mesmo sustentando a necessi-
é possível a despeito da natureza anárquica do sis- dade do princípio de não intervenção, exemplos
tema internacional. E, finalmente, os casos analisa- mais recentes, como o caso boliviano,20 mostram
dos mostram que há duas condições para gerar a que as elites desses países continuam muito sen-
confiança: 1) histórico de reciprocidade positiva; e síveis a discursos e imagens do passado sobre as
2) compartilhamento de visões de mundo normati- intenções expansionistas do Brasil. Em outras
vas cooperativas, pois, caso contrário, na hipótese palavras, o discurso da democratização da região
da partilha de visões negativas, a geração de con- e da estabilidade das regras constitucionais veicu-
fiança seria uma meta muito difícil de ser atingida. lado pela política externa brasileira ainda não
Entre as visões normativas compartilhadas nos dois resolve satisfatoriamente o problema das inten-
casos, a possibilidade da agenda democrática como ções reais da política externa brasileira nas per-
recurso de política externa configurou-se como a cepções de alguns de seus vizinhos.
principal alternativa. Nesse ponto, o discurso de- Também é verdade que não é suficiente
mocrático da política externa brasileira tem sido o que o caminho democrático esteja institucionali-
mais importante recurso para a transformação das zado em cada país. Um importante requisito é
desconfianças em confiança dos países sul-ameri- que as metas prescritas devem contar com “a
canos em relação ao Brasil. existência de um conjunto de crenças comparti-
É viável pensar a agenda democrática em lhadas” (Goldstein e Keohane, 1993) sobre as
termos de geração de capital social positivo? A qualidades sem par do mapa que serve de guia
afirmação de vantagens na implementação de às ações.21 Essas crenças podem estar emergindo,
uma agenda democrática na América do Sul não porém temos elementos empíricos para sustentar
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 83

tal hipótese? Em primeiro lugar, as relações bila- recurso de poder soft na América do Sul, uma vez
terais cooperativas com a Venezuela, que datam que a região é definida como um dos elementos
de bem antes da chegada de Chávez ao poder, formadores da identidade externa brasileira. Certa-
mostram que é possível construir uma relação de mente, a tradição normativa, independentemente
confiança se as relações cooperativas tiverem de ser o certificado de “grociano” o mais adequado
continuidade em ações concretas. Em segundo, a para expressar o conteúdo doutrinário pelo qual se
ação coletiva sugere um mínimo de esforço de baliza a ação externa, tem sido aproveitada bastan-
coordenação. Nesse sentido, no que diz respeito te bem para desenvolver esse papel. O apelo à tra-
ao Brasil, se as cúpulas sugerem algum tipo de dição normativa ou doutrinária grociana cumpre
ação coletiva substantiva, a Reunião de razoavelmente a função de satisfazer o público
Presidentes da América do Sul de setembro de interno, caso a opinião pública não compreenda
2000, realizada em Brasília, destacou a democra- qual é o lugar do interesse nacional na ação exter-
cia representativa como “fundamento da legitimi- na em curso, como é comum acontecer no exercí-
dade dos sistemas políticos” e uma interconexão cio de agendas externas baseadas em princípios.
entre “paz, estabilidade e desenvolvimento da Também as razões explicitadas pela matriz norma-
região” (“Comunicado de Brasília”, 2000, p. 128). tiva satisfazem um público externo, que aceita com
Embora possamos reconhecer que tais parâ- menos resistência a idéia da exportação da estabili-
metros empíricos sejam ainda uma evidência fraca dade democrática como um bem público regional,
para responder ao problema da ação coletiva em contraste com a do imperialismo brasileiro, cuja
baseada em idéias compartilhadas, existe pelo imagem esteve tão enraizada nos vizinhos sul-ame-
menos um elemento importante a ser destacado: ricanos durante quase todo o regime militar.
“a teoria das relações internacionais sugere ser Uma vantagem considerável dos formulado-
necessário um acordo básico entre atores para res da política externa brasileira para os objetivos
levar uma política à frente ou existência de um da consolidação da agenda democrática é a bem-
ator com suficiente capacidade de alavancagem” sucedida transição democrática no país, que teve
(Vigevani, 2000, p. 3). A maior capacidade do seu ponto alto na passagem do governo de
Brasil em termos regionais não é só um dado geo- Fernando Henrique Cardoso para o de Luis Inácio
gráfico, é também um dado político. Daí sua Lula da Silva. Essa exitosa transição pode ser ope-
maior capacidade de alavancar visões de mundo racionalizada como recurso de ação externa, isto
que, de outra maneira, seriam percebidas pelos é, como modelo a ser seguido por alguns países
atores regionais como um bem público regional da região e que certamente aumenta a potenciali-
em construção, capaz de gerar confiança entre dade de credibilidade sobre suas intenções não
Estados na base de expectativas recíprocas sobre predatórias, mas sim benéficas da política externa
as vantagens da democratização regional como brasileira.
elemento-chave do relacionamento diplomático.
No entanto, deve-se ter cautela quanto a hipó-
teses que tratem a precondição democrática como
BIBLIOGRAFIA
o objetivo final da política externa brasileira na
região sul-americana. Talvez a melhor síntese dessa
ADLER, Emanuel. (1992), “The emergence of coope-
cautela, e que expressa o frágil equilíbrio entre
ration: national epistemic and the internatio-
idéias e interesses, esteja resumida no discurso
nal evolution of the idea of nuclear arms
diplomático contemporâneo de “não intervenção,
controls”. International Organizations, 46
mas sem indiferença”, esboçado por formuladores
(Issue I): 101-145.
contemporâneos de política externa (Amorim,
2004), asserção essa que baliza bem os limites pos- ADLER, Emanuel & BARNET, Michael. (1998a),
síveis de uma ação baseada em princípios. “Security communities in theoretical pers-
Todavia, a metodologia explicativa da políti- pective”, in E. Adler e M. Barnett (eds.),
ca externa em bases normativas cumpre um desta- Security communities, Cambridge, Cam-
cado papel para justificar a democracia como bridge University Press.
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POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 87

site www.mre.gov.br. à reciprocidade difusa. A característica desta é o fato


de uma das partes ter a possibilidade de não rece-
SOARES de LIMA, Maria Regina. (1994), “Ejos ana- ber recompensas diretas, mas usufruir os “resultados
líticos e conflitos de paradigmas en la gerais satisfatórios do grupo do qual faz parte [...] [,
política exterior brasileña”. América ao passo que] um modelo de reciprocidade difusa
Latina/Internacional, 1 (2): 253-281. só pode se manter por meio de um amplo sentido
de obrigação” (Keohane, 1993, p. 209).
_________. (2000), “Instituições democráticas e
política exterior”. Contexto Internacional, 2 Goldstein e Keohane esclarecem que “quando nos
22 (2): 265-302. referimos a idéias neste volume falamos de crenças
– compartilhadas por um grande número de pes-
SCHUMPETER, J. A. (1984), Democracia, socialis- soas – acerca da natureza de seus mundos e que
mo e capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar. têm implicações para a ação humana. Tais crenças
VARGAS, Everton V. (1997), “Átomos na integração: englobam desde princípios morais gerais até acor-
dos sobre uma aplicação específica do conheci-
a aproximação Brasil-Argentina no campo
mento científico” (1993, p. 7).
nuclear e a construção do Mercosul”.
Revista Brasileira de Política Internacional, 3 Lembremos que, nesse contexto, realizou-se no Rio
40 (1): 41-74. de Janeiro, em abril de 1992, o encontro chamado
de “Agenda da Conferência sobre a Nova Ordem
VIGEVANI, Tullo. (2000), “Reflexões sobre a reu- Internacional”, organizado pelo Instituto Nacional
nião presidencial sul-americana”. de Altos Estudos-Fórum Nacional e coordenado por
Panorama da Conjuntura Internacional, Luciano Martins e João Paulo Reis Velloso. O
ano 7 (2): 1-3, out.-nov. encontro contou com a participação de Helmut
Schmitt (ex-primeiro ministro da Alemanha) e de
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crática na agenda da OEA no pós-Guerra Estados Unidos, além de destacados intelectuais do
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_________. (2004). “Política externa na adminis- 4 Uma posição discordante a esse consenso foi a nota
tração Hugo Chávez”. Política Externa, 13 oficial do governo venezuelano de Hugo Chávez: “As
(1): 99-119, jun.-ago. reservas do presidente Chávez centram-se nos dois
parágrafos do texto firmado pelos governantes, ambos
VISENTINI FAGUNDES, Paulo G. (1995), por incluir a frase ‘democracia representativa’ a que o
“Venezuela e Brasil na política internacio- Chefe de Estado opõe-se abertamente, porque a cha-
nal”. Samuel Guimarães Pinheiro (org.), mada democracia representativa é uma armadilha que
Brasil e Venezuela: esperanças e determi- levou o povo venezuelano à violência. O Mandatário
nação na virada do século. Brasília, venezuelano adere ao conceito de democracia partici-
Ipri/Fundação Alexandre Gusmão. pativa, que complementa, reforça e amplia a demo-
cracia representativa com base no pluralismo político,
WALTZ, Kennetz. (2002), Teoria das relações no exercício da soberania exercida pelo povo, no cará-
internacionais. Lisboa, Gradiva. ter alternativo, no regime pluralista de partidos e de
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_________. (1995), “Construing international poli- www.mre.gov.ve, em 30/6/2005). Entretanto, a OEA
tics”. International Security, 20: 71-81. não somente rechaçou o conceito de democracia par-
ticipativa como também assumiu plenamente o con-
ceito de democracia representativa.
Notas 5 O “Comunicado de Brasília” da reunião de presi-
dentes da América do Sul manifesta esta preocu-
1 A reciprocidade específica é definida por oposição pação ao se dispor a “realizar consultas políticas na
88 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 61

hipótese de ameaça de ruptura da ordem demo- 16 A nosso ver, Oliveiros Ferreira tem razão quando
crática na América do Sul”. afirma que “essa [relação entre liderança e hege-
monia] possivelmente nem acadêmica seja; diplo-
6 Segundo pesquisa do Núcleo de Pesquisas de
maticamente coloca os governos vizinhos em situa-
Relações Internacionais da USP (Nupri), que trata
ção embaraçosa, pois devem chamar seus PhD
da percepção das elites brasileiras sobre o Mercosul
para lhes explicarem qual é a diferença entre um
e sobre a política externa brasileira, mais de 57%
país considerar-se líder (“alguma liderança”) mas
das elites acreditam que “a atuação externa do não querer que o vejam como pretendendo ser
Brasil [especialmente na América do Sul] visa garan- hegemônico. Gramsci talvez sirva como tema de
tir a prosperidade interna” (Albuquerque, 1997). teses acadêmicas, mas não seguramente para
7 A administração Chávez tem retomado a idéia com cimentar ações diplomáticas” (2001, p. 39).
o nome de Petrosul. 17 A perspectiva de liberalismo qualificado adotada
8 O conceito de “fronteiras de cooperação” é atri- significa que tanto os valores como a organização
buído por Celso Lafer ao embaixador Luiz Felipe institucional de sociedades democráticas não preci-
de Seixas Correia. sam se ajustar rigidamente ao modelo dos Estados
Unidos ou da Europa Ocidental. Existem variações
9 Segundo a fonte, até 2002 a Venezuela representa- possíveis de organização institucional que expres-
va US$ 1,5 bilhão (ou seja 6% do comércio vene- sam gradações de funcionamento da democracia
zuelano), muito pouco comparado com a liberal em correspondência com as especificidades
Argentina, com quem mantém um volume de negó- nacionais ou regionais.
cios de US$ 9 bilhões (Carta Capital, 2003, p. 30).
18 De acordo com a pesquisa do Núcleo de Pesquisas
10 Por outro lado, tendo em conta a possibilidade em Relações Internacionais da USP (Nupri), o pen-
desse interesse, é possível interpretar dessa manei- samento das elites consultadas é de que a lideran-
ra a intensa atividade diplomática que vem ocor- ça regional é plenamente congruente com a convi-
rendo desde de 2001 em relação à China, que vência pacífica com seus vizinhos sul-americanos.
incluiu a reciprocidade de visitas de Chávez e Jian Se 92,3% das elites enxergam o Brasil como uma
Zeming, assim como a assinatura de um “Plano liderança regional, quase o mesmo percentual
estratégico energético China-Venezuela, 2001-2011 (91,6%) acredita que o país “busca cooperar para
para o fornecimento de energia a esse país e com uma convivência pacífica” (Albuquerque, 1997).
vistas a incursionar no restante do mercado asiáti-
19 Guillermo O’Donnell denominou “democracia
co” (cf. Ministerio de Relaciones Exteriores, 2002).
delegativa” aquela que corresponde a um modelo
11 Assim chamada em referência a seu formulador, mais realista de democracia: baixa definição e ins-
Rómulo Betancourt, primeiro presidente da era titucionalização das práticas democráticas e pouca
democrática venezuelana, iniciada em 1959. transparência no exercício das regras do jogo elei-
toral. Outro elemento notável desse arranjo
12 Essa imagem do Brasil é bastante incompatível democrático é o mito de que o presidente, uma
com o pensamento das elites brasileiras. De acor- vez eleito pela maioria, pode agir de qualquer
do com a pesquisa do Núcleo de Estudos em maneira, bastando para isso invocar e relembrar o
Relações Internacionais da USP (Nupri), 91% das percentual de votos que recebera. Também fazem
elites entrevistadas discordaram da afirmação de parte desse modelo real a ausência de um meca-
que o “Brasil pretende exercer hegemonia” na nismo vertical e horizontal (entre os poderes públi-
América do Sul. (Albuquerque, 1997). cos) de accountability e a definição unilateral da
13 Na visão conspiratória de militares argentinos não agenda por parte do presidente da República e
era incomum escutar que os brasileiros estavam seus principais assessores, sem levar em conta a
construindo a usina com propósitos de no futuro voz de grupos de interesses e de outros segmentos
usá-la, muito provavelmente, como uma bomba de públicos, como partidos e o Congresso. Além dis-
água (cf. Shiguenoli, 1999). so, temos as constantes acusações trocadas entre o
presidente e o Congresso sobre quem é responsá-
14 Ver páginas iniciais deste artigo. vel por determinada crise. O produto da soma des-
15 O conceito de autogovernança e monitoramento é ses elementos políticos é uma imensa solidão no
de Locke (2003, p. 261). poder por parte do presidente da República, o
que pode se transformar em vazio de poder,
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 89

resultando em perda de legitimidade quando


ainda está por vezes na metade do mandato.
“Como institucionalizar uma democracia que faz
diretamente o oposto daquilo que foi prometido?”
(O’Donnell, 1991).
20 Imagens sobre o subimperialismo brasileiro volta-
ram a surgir fortemente na Bolívia entre setores
nacionalistas como resultante dos amplos e agres-
sivos investimentos em gás e petróleo feitos pela
estatal brasileira do petróleo – Petrobrás.
21 Com exceção da Venezuela de Hugo Chávez, o
restante dos países sul-americanos, assim como de
todos os que integram o sistema interamericano da
Organização dos Estados Americanos – OEA, ado-
tam de maneira oficial o conceito de “democracia
representativa”.
RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 221

POLÍTICA EXTERNA BRAZILIAN FOREIGN AFFAIRS: POLITIQUE EXTÉRIEURE


BRASILEIRA: CAPITAL SOCIAL E SOCIAL CAPITAL AND THE BRÉSILIENNE: CAPITAL SOCIAL
DISCURSO DEMOCRÁTICO NA DEMOCRATIC DISCOURSE IN ET DISCOURS DEMOCRATIQUE
AMÉRICA DO SUL SOUTH AMERICA EN AMÉRIQUE DU SUD

Rafael Duarte Villa Rafael Duarte Villa Rafael Duarte Villa

Mots-clés: Politique extérieure bré-


Palavras-chave: Política externa Keywords: Brazilian foreign
silienne; Capital social; Argentine;
brasileira; Capital social; Argentina; affairs; Social capital; Argentina;
Venezuela; Intérêt personnel.
Venezuela; Auto-interesse. Venezuela; Self-interest.

A idéia de democracia e demo- Brazilian elites as well as Les idées de démocratie et de


cratização, com objetivo de gerar foreign policy-makers have long démocratisation ont longtemps été
capital social positivo e confiança shared a common belief that the un consensus parmi les élites brési-
entre o Brasil e seus vizinhos sul- ideas of democracy and democrati- liennes et les formulateurs de politi-
americanos, revelou-se tanto para as zation should serve as some “road que étrangère, qui considèrent ces
elites brasileiras como para os for- map” to foreign policy-making. In idées comme une sorte de “trajet”
muladores de política externa um areas such as security, regional inte- pour la formulation de la politique
“mapa do caminho” em termos de gration, and disarmament, the goal étrangère brésilienne. Dans les
segurança e integração regional e de has been to generate a positive domaines de la sécurité, de l’intégra-
política de desarmamento. Assim, social capital as well as to build trus- tion régionale et du désarmement, le
sob o impacto de idéias sugeridas ting relations with Brazilian neighbors but politique du Brésil a été la création
por novas visões de mundo, a políti- in South America. Therefore, under d’un capital social positif et la cons-
ca externa brasileira transformou um the impact of ideas brought about by truction de relations de confiance avec
fator de política interna – a organiza- new world visions, Brazilian foreign ses voisins en Amérique du Sud.
ção democrática do sistema político policy has changed a domestic policy Ainsi, et sous l’impact des idées
– em condição e recurso de sua polí- feature – the democratic rearrange- issues de nouvelles perceptions du
tica externa sul-americana. O resulta- ment of the political system – into a monde, la politique étrangère brési-
do foi uma melhoria na imagem e na condition and resource for foreign lienne a transformé une donné de
credibilidade na política regional sul- policy-making towards South politique intérieure – la réorganisa-
americana, ou seja, um incremento America. The result has been a fine tion démocratique du système politi-
na “confiança”. Este é o argumento improvement of Brazilian image and que - en une condition et des res-
desenvolvido aqui, baseado numa credibility in the regional South sources pour la formulation de la
metodologia que aproveita trechos American scenario. In other words, politique étrangère vers l’Amérique
extraídos do discurso diplomático there has been a significant incre- du Sud. Le résultat a été une amé-
dos próprios formuladores da política ment in “trust” towards Brazil. This lioration significative de l’image et
externa brasileira contemporânea e argument has been developed based de la crédibilité du Brésil dans le
nas reconstruções históricas de rela- on extracts and transcripts from offi- scénario régional sud-américain.
ções diplomáticas do Brasil com dois cial diplomatic speeches from Autrement dit, une hausse importan-
países sul-americanos, Venezuela e Brazilian foreign policy-makers as te en ce qui concerne le niveau de
Argentina, nas décadas de 1980 e well as a historical reconstruction of confiance par rapport au Brésil a eu
1990. Brazil’s diplomatic relations with two lieu. Cet argument a été développé
South American countries. Our study à partir d’extraits et de transcriptions
was based on two cases: Brazilian- du discours diplomatique officiel
Venezuelan and Brazilian-Argentine des formulateurs de politique étran-
relations in the 80’s and the 90’s. gère brésilienne, ainsi que de la
reconstruction historique des rela-
tions diplomatiques du Brésil avec
deux de ses voisins sud-américains.
Ce travail a été développé à partir
de deux objets d’études : les rela-
tions Brésil-Argentine et Brésil-Vene-
zuela pendant les années 80 et 90.

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