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crs Catalogaciio elaborada pela Divisio de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina. Dados nternacionais de CatalogacZo-na-Publicacio (CIP) Ablle Ankersmit, Franklin Rudolf, A cscrita da histéria za natureza da representagaio historica J Franklin Rudolf Ankersmit ; tradutores: Jonathan Menezes...[etal.|. - Londrina : Fduel,2012, 338 p. Coletnea de textos originais de Franklin Rudolf Ankersmit. ISBN 978-85-7216-616-4 1, Historingrafia, 2, Linguagem ¢ historia. 3, Escrita ~ Histéria. 4. Iistéria — Filosofia. | Titulo. DU 930.2 © capitulo 2 foi traduride ow adaptado de “The Use of Linguage in the Welling of History", ublicado originalmente em Tislory and Tropology: The Rise and Full of Metaphor, por Frank Ankersmit. Copyright © 1994 by University of ( ‘adugio publicada com permissao da University California Press, "Tadosos direitos reservados. Os ea fornia Press. las 1 3 fora tradueridos ow alapacds, espectivamente, de" he linguistic tara ierary theory and historical theory’; originalmenie publicado em Historical representation, ¢“Feam language to experience’ originalmente publicado em Sublime historical experience, por Prank Arkeremit. Copyright © 2001, 2005 by Stanford University Press” Tradugn publicada com permissau da Stanford University Press, Todos os dicitos reservados, Oscapitulos 4,5, 6¢7 foram traduzidos ou adaptados,respectivamente, de “Reference and historical representation”, “Beyond the Linguistic Turn: historical eepres tation and experienes’, “Truth in history and literature” in history and time’ todos originalmente publicados em Meaning, Truth, and Referee in Historical Represeriaiion, por Prank Ankersmit, Copyright © 2012 by Cornell University. Tradugao. publicada com permissio da Carnell University Press, Tadas os direitos reservados. Direitos reservados 8 Fditora da Universidade Estadual ele Londri Campus Universitério Cabsa Postal 60001 '86088-909) Landrina ~ PR Fone/Pax: 433371 4674 e-mail edueleouel.be www.uelbrfeditora Impresso no Brasil ( Printed én Brazil Depésite Legal na Biblioteca Nacional 212 PREFACIO A EDIGAO BRASILEIRA Hegel certa vez observou que a palavra “Histéria” tem um duplo significado na maioria das linguas, podendo se referir tanto a “re gestae” (isto é, ao passado em si mesmo) quanto a “historia rerum gestarum” (a hist6ria que podemos narrar sobre o passado), Dois tipos de filosolia da hist6ria correspondem a este duplo significado da palavra. A chamada filosofia especulativa da historia é uma reflexao filoséfica sobre o passada em si mesmo. Ela leva em conta tudo 0 que aconteceu no passado ¢ entao tenta encontrar algum significado ali escondido. Um significado que se argumenta nao ser acessivel aos proprivs historiadores, uma vez que eles esto profissional mente contentes em descrever o passado ¢ se recusam em especular sobre o ignificado mais profundo do passado. Este é 0 tipo de filosofia da historia que vamos encontrar em Hegel, Marx, Spengler ou Toynbee. Embora todos possam ficar fascinados pelo maravilhoso ¢ desafiador panorama pintado pelos filésolos especulativos da histéria, ainda que fiquemos inter amente impressionades pela profundidade do conhecimento histérico por eles as vezes exibido, este tipo de filosofia da histéria adquiriu uma ma reputagio a partir dos anos 1950, A filosofia especulativa da histéria foi acusada de nos apresentar um pseudoconhecimento sobre o passado. Mais especificamente, afirmou- se que a filosofia especulativa da histéria era um ramo da metafisica, uma vez que suas pretensdes ao conhecimento nao eram tio falsas quanto inverificaveis, Por exemplo, quando Kant ou Hegel defenderam que histéria é a marcha da razio por meio do passado humano, 1g. cles tiveram o cuidado de formular sua alegagdo de tal forma que cada potencial contraexemplo poderia ser transformado em uma confirmagio de suas opinides. Evidentemente, o reconhecimento desta caracteristica da filosofia especulativa da histéria foi suficiente para desacredita-la aos olhos dos tedricos positivistas e de mentalidade cientificista de uns 40 ou 50 anos atras. E este ataque tem sido tao bem-sucedido que, mesmo com o surpreendente retorno da metafisica durante os. anos 1970, esta se manteve como uma abordagem ao passado a ser evitada tanto por historiadores quanto por filosofos. Iston s deixa com a chamada filosofia critica da histéria, inspirada na teflexao filoséfica sobre a “historia rerum gestarum’, isto & em como historiadores podem ser bem-sucedidos em narrar uma historia confidvel a respeito do passado. Isto transformou a filosofia da histor em um ramo da filosofia. Pois, se o epistemologista perguntou como um conhecimento do mundo é possivel ¢ que requisites precisa-se encontrar se queremos que uma declarago seja contada como verdadeira, @ filosofia critica da historia investigou como 0 conhecimento do passado é possfvel e como a Tinguagem do historiador @ pasado em si mesmo estao relacionados. ‘Trés fases podem ser discernidas na filosofia critica da histéria tal como se desenvolveu desde a década de 1950, A primeira fase pode ser ing law model), Comecou-se com a irrepreensivel observagao de que os associada com agora infame “modelo de cobertura legal” (cor historiadores nao apenas descrevem o passado, mas também tentam explicd-lo. E entao alguém se perguntou que requerimentos formai: uma explicagio histérica valida deve ter para satislaver. A ideia foi, grossciramente, que, para a explicagdo de um evento histérico F, duas coisas seriam necessérias. Em primeiro lugar, umalei geral da forma x(C, ©,)° xEsa seguir o estado de coisas x(C, ....C,) deveria ser observado em fatos histéricos reais. Se estas demandas fossem preenchidas, E (isto é, a consequéncia a ser causalmente explicada) poderia ser logicamente derivada por meio de uma lei de modus ponens,’ da lei geral e da declaragio x(C, .... C,) (isto & a causa do evento). Alguém poderia dizer, finalmente, que a lei x(C, .... C,) * xE “cobre” tanto causa como consequéncia—daio nomepeculiardo modelo. Esta foi indubitavelmente uma pura e convincente histdria sobre a explicacdo histérica. Ademais, a da hi: (aplieada), 0 que pareceu amenizar as preocupacées posi ela teve a vantagem de sugerir que a esc ria é uma ciéncia fivistas acerca da unidade da ciéncia. Pois a histaria entao poderia reivindicar o direito de uso dos mesmos métodos das ciéncias. Mas, o problema com o modelo de cobertura legal tem sido sempre que um olhar imparcial que os historiadores estéo fazendo. Na verdade, torna-se abundantemente claro que 0 modelo em. completo desacordo com a pritica da escrita da historia. E.simplesmente incomum qualquer conversa na escrita da histori sobre leis gerais sobre como elas se aplicam ao passado, Pior ainda, 0 modelo nao faz sentido também para as ciéncias, uma vez que 0 cientista nao justifica as teorias propostas por ele, derivando-as de uma “cobertura por leis” que deveriam ser dadas pre mente a ele, Assim, os dez a quinze anos de luta va para adaptar o modelo de cobertura legal a pratica histérica nio foram capazes de fazer com que 0 modelo paree esse sequer um, pouco melhor, Entao, 0 modelo foi silenciosamente abandonado nos anos 1960, embora tenha se perpetuado em sua agonia até o presente nos escritos de alguns teoristas da histdria, extraindo sua inspiragio das ciéncias sociais, tal como a sociologia ou a economia. Isto podeexplicara razio pela qual os teoristas da histéria migraram para a hermenéutica a fim de prestar contas para a explicacio histérica, © por que a teoria da histéria passou para um segundo estagio nos anos 1960, A suposigao crucial na hermenéutica ¢ a de que os historiaderes. nao dependem das leis histéricas para explicar © passado; eles o fazem, nas famosas palavras de R. G. Collingwood, “reencenando o passado- + Expresso em latim que designa uma lei de inferdneda,tipiea da ldgies cléssieg, que consists em se afirmar afirmanco [Nota do tradutor} 19 20 em sua propria mente’ Isto quer dizer que eles perguntam a si mesmos © que teriam feito se tivessem estado nos passos do agente histérico cujas acées eles investigam. Mas, este modelo também nao esteve livre de problemas. Adeptos do modelo de cobertura legal foram rapidos em dizer que isso tudo nao passou de mera heuristica. Pode bem ser que assim € que batemos em cima de nossas intuigées sobre o que pederia muito bem ser uma explicagao aceitavel das ages do agente histérico. Mas, como eles passaram a argumentar, depois que se da este primeiro passo, ter-se-4 de provar que suas intuigdes sobre o que faz uma pessoa fazer alguma coisa estejam corretas. E por isso, como eles ansiosamente pontuaram, vocé inevitavelmente precisara de uma lei geral ou alguma generalizagao estatistica sobre o comportamento humano, demonstrando que esta é mancira como seres humanos ordinariamente se comportam sob condicées relevantes. Embora o modelo hermenéutico tenha sido infinitamente mais refinado — como, por exemplo, no chamado argumento teleolégico ou no “argumento de conexio légica” ~ os hermencutas nunca tiveram éxito em produzir um contra-ataque realmente convincente as inquirigées dos adeptos do modelo de cobertura legal Esta era, mais ou menos, a situacio na teoria da historia quando Hayden White publicou, em 1973, scu imensamente bem-sucedido livro Meta-Histéria; a imaginacao histérica na Europa do século XIX, ¢, por meio dele, fez.a histéria entrar em uma terceira fase na qual ainda permanecemos. Dois aspectos do livro de White merecem nossa atengio aqui Em primeiro lugar, ele evadiu toda essa discussio entre adeptos do modelo de cobertura legal ¢ hermeneutas sobre a explicacao histérica, enfatizando a importincia cognitiva do texto histérico como um todo. Em outras palavras, ele nos lembrou © fato de que devemos sempre discernir trés niveis no texto histérico. Ha o mais elementar nivel, o da deserigao histérica, isto é 0 nivel no qual o historiador descreve estados de coisas individuais no passado. A seguir, ha o nivel da explicagio histérica, que sempre esteve em jogo na discussao entre adeptos do modelo de cobertura legal e hermeneutas. Mas, como White Pprossegue demonstrando, ha um terceiro + el ainda mais importante, que é © nivel do texto histérico como um todo, ne qual o historiador nos oferece certa representagao do passado. Pense, por exemplo, em como 0 livro de Jacob Burkhardt, A cultura do Renascimento na Itdlia, propée uma representacde da cultura italiana dos séculos XV e XVI como um “renascer” da Antiguidade Clissica. As deserigbes e explicagdes que podemos encontrar no texto sio meros componentes deste como um todo, ¢.a fungi deles é contribuir para este todo. Entéo o que hayia, no fim das contas, de errado com a discusso entre adeptos do modelo de cobertura legal e hermencutas é que eles sempre se mantiveram cegos, em relagdo a este tercciro nivel. E esta acusacio foi ainda mais pertinente uma vez que, desde um ponto de vista cognitive, este é 0 nivel que realmente conta. Nao é coincidéncia que historiadores eserevam livros mao apenas anotem declaragées individuais sobre 0 passado ou sobre como dois eventos isolados estado causalmente relacionados entre si, Isto porque os historiadores sabem que se trata de um livro come um todo em que eles apresentam a esséncia de suas concepgaes sobre o passado. Eu admite que certa quantidade de benevoléncia interpretativa seja necessiria para discernir tais afirmagées na Mete-Histria de White. Contudo, estou convencido de que estas fizeram parte das intengécs deste autor e, além disso, de que elas estéo corretas € que vao direto ao Ponto. Elas significaram uma decisiva mudanga de paradigma na teoria da histéria; tratou-se de uma tremenda melhora em relacdo As intiteis ¢ infrutiferas discussdes entre adeptos do modelo de cobertura legal ¢ hermeneutas. Eu tendo a ser, de alguma forma, mais critico, todavia, em relagdo a uma segunda parte da opus magnum de White. Pois, a fim de lidar com 0 texto historico como um todo, White desenvalveu uma rede estruturalista dentro da qual, de acordo com ele, todos os textos historicos poderiam se encaixar de um jeito ou de outro. A rede consistiu de quatro tropos, quatro “modos de pér em contflito”, quatro “modos de 24 argumento” ¢ quatro “modos de implicagae ideologica’” E a ideia foi que, tao logo o historiador optasse em favor de um desses tropes, também seria compelido a escolher um tipo de conflito, argumento e implicagio ideolagica. ‘Agora, podemos levantar duvidas acerca dos méritos dessa rede tropoldgica como tal ~ mas esta é uma questdo que deixarei de lado neste momenta. Existe, contudo, uma questao de maior significancia tedrica geral que nao podemos ignorar, Devemos notar que a teoria da historia de White, tal como desenvolvida em seu livro, focaliza exclusivamente o nivel do texto histérico, ou seja, ela nda deixa espago para uma analise da relacao entrea escrita da historia e aquela parte do passado em si que esta exposta no texto, Consequentemente, ela exclui a possibilidade de uma discus: de aspectos epistemolégicos dessa relagao entre a escrita da histéria eo passado. Por esta causa, nao podemos esperar que a teo! da histéria de White nos informe acerca do problema epistemoldgice de por que um texto histérico pode fazer melhor justiga ao passado do que outro. Ou, colocando de outro modo, a teoria da historia de White € indiferente 4 questio do sucesso representacionalista. Neste sentido, a Meta-Histdria de White tem sido uma ctimplice, na teoria da historia, da notéria concepgao de Derrida de que “nie ha nada fora do texto’, visto que, em ambos os casos, um foce exclusive no texto convida a uma negligéncia daquilo sobre o que ele é e de como 0 texto ¢ 0 mundo estio relacionados. Isto pode explicar por que tantos comentaristas inferiram uma posigdo cética ou relativista da teoria da historia de White, F, de fato, justificadamente sustentar que uma abordagem histérica pode ser verdade que White nao esclarece © porqué podemos melhor do que outr Mas isto ndo acontece, pois a teoria de White deveria ser vista explicitamente numa posigao cética ou relativista. O fato é que White nao direciona nenhum de seus escritos para a questo de como o texto histérico se relaciona com 0 passado. A significdncia de sua teoria 6 portanto, exclusivamente historiogréfica, Isto para dizer que ela pode nos ajudar a entender como o significado é gerado no texto hist6rico e como deveriams ler e interpretar textos histéricos na medida em quc eles passam a existir. Mas sua teoria nao nos oferece um guia sobre como decidir entre abordagens diferentes de uma parte do passado - e nem nunca pretendeu ser tal coisa. Assim, minha visio poderia ser a de que a teoria da historia de. White é imensamente valorosa ao historiador interessado na escrita da histdria, mas que nao trard nenhuma resposta para a questo da cxisténcia de uma melhor forma de explicar o passado, A intengdo principal deste livro ¢ a de remediar esta situagao, Na primeira parte, a énfase recairé na chamada Virada Linguistica, ow seja, no reconhecimento de que nenhum aporte a questao da verdade deveria ser levado a sério porque é cego em relagdo a0 qua alinguagem pode trazer a verdade. A Virada Linguistica foi introduzida na filosofia da linguagem por Quine, Este havia enfatizado que as alegacdes de verdade nao podem ser decididas por meio da comparagdo-de pedacos da verdade com pedagos do mundo, como foi sugerido pelo empirisma, Pelo contririo, as alegagdes de verdade tendem a se agrupar em conjuntos tedricos que fogem de um confront direto com a realidade Metaforicamente falando, a cocréncia da linguagem ¢ sua afinidade com © holismo linguistico desafiam o modelo empirista de uma confrontagao direta entre linguagem ¢ realidade, Num pri cira momento, portanto, o helismo de Quine é aqui transferide para © dominio da escrita da histéria com base na hipdtese de que conceitos histéricos, - tais como o de sindicalismo, © de revolugao industrial ou o da “era do globalismo” -, compéem es es conjuntos da forma como so expressos pelos textos utilizades para apresentar abordagens individuais do sindicalismo etc. Assim, 0 aparato conceitual desenvolvido e utilizado na escrita da histéria pode Scr propriamente analisado em termos do texto histérico come um tade de, talvez, milhares de sentengas sobre alguma parte do passado. Todo enlendimento da escrita da historia é apenas parcial ¢ insatisfatério, uma ‘vez que se mantém cego ao texto como um todo - pois 0 texto como 23 um tedo determina o significado de conceitos histéricos. E qualquer abordagem da verdade histérica demanda e pressupde uma anilise de como os conceitos histéricus vém 4 tona e de como decidimos sobre sua capacidade de contribuir para nosso conhecimento do passado. Ems -gundo lugar, 0 faco no texto histérice como um todo efetua uma aproximacio entre meu argumento nos ensaios apresentadas neste livro e a doutrina historicista de Leopold Von Ranke e Wilhelm Von Humboldt sobre a chamada “ideia histérica” Eles conceberam a “ideia Orica” como uma espécie de enteléquia,’ inerente em fendmenos Aricos, que determina como eles se desenvolvem no decorrer de sua histéria. Assim como afirmou Aristételes, que devemos postular uma enteléquia como uma semente de carvalho que determina seu desenvolvimento até se tornar um grande e poderoso carvalho. Admitidamente, ninguém ird sentir hoje qualquer simpatia pela enteléquia de Aristdteles ¢ por como ela foi posta cm uso na doutrina historicista da ideia histérica. Defendo, contudo, que se transformamos esta nogdo de Ranke e Humboldt de uma teori sobre 0 fenémeno histérico em uma teoria sobre conceitos histéricos usados para descrever e discutir tal fenémeno, obteremos uma mais bem-sucedida teoria da pritica da escrita da historia explicando-a melhor de que qualquer um de seus (nossos) rivai Em terceiro lugar, este texto histérico € considerade uma representacao do passado no sentido em que costumamos dizer que um retrato € uma representaco de seu modelo ou que nossos parlamentos representa 0 eleitorado. Em todos os casos, algo que esté ausente (0 passade, a pessoa retratada ou o eleitorado) passa a estar presente por meio darepresentagao. O conceito de representagio tem sido investigado por diversos teoristas ~ especialmente por Arthur Danto em uma série de estudos brilhantes. O que estes teoristas tem escrito sobre representagio pode fazer com que obtenhamos um insight mais satisfatério sobre a Vem do rego entelechefa, que significa aguilo que € perfeito. No pensamento de Aristiteles #¢ ‘opie a “poténcia” (ou seria a sua realizagio) ~ dai ad enciagie que ele faz entre poténcés © realidade. F sindnimo de“ate’, coma movimento que tende 3 sua perfeigio [Nota do tradutor). natureza dos conceitos histéricos ¢ de como eles sio utilizades pelos historiadores. De fato, a nogo de representagio indubitavelmente sera nosso melhor guia no futuro da filosofia da histe: Frank Ankersmit Universidade de Groningen, Outubro de 2011 APRESENTACAO No ano de 2009, organizamos uma série de semindrios, nos quais historiadores, participantes do grupo de pesquisa em Epistemologias é Metodologias da Histéria, eram convidados a oferecer, cada um 4 sua maneira, uma resposta aos desafios da teoria da historia e da historiografia contemporanea. O resultado deste trabalho foi publicado, recentemente, num livro nomeado Epistemologias da histéria: verdade, linguagem, realidade, interpretagio ¢ sentido na pés-modernidade Percebemos que importantes temas da historiografia contemporanea foram ressaltados nesta obra coletiva, bem comoas principais referencias teéricas a cles pertinentes. E foram esses temas e referencias que reconhecemos circulando no pensamento ¢ nos textos do historiador holandés Frank R. Ankersmit. Propusemos a cle uma entrevista que deve: ser_publicada, inicialmente, como apéndice ao livro suptacitado. Posteriormente, 0 projeto editorial e de pesquisa ganhou uma nova dimensao, a tal ponto que criamos um grupo de trabalho para a tradu¢ao de uma selecio de textos de Frank Ankersmit. Ao longo dos tiltimos anos, dedicamos-nos aessa tarefa, sempre em contato com o historiador holandés. E este trabalho que agora apresentamos ao ptiblico brasileiro, a leitor interessado nos principais temas da teoria ¢ da historiografia contemporanes Textos inéditos e que expressam as preocupagées mais atuais da escrita da hist6ria, acompanhados por uma entrevista, também inédita, de Frank Ankersmit_ Para quem conhecia, unicamente, a produgio deste historiador holandés, disponivel no Brasil, até a presente data, se surpreenderd com o Ankersmit desta coletanea, Contudo, o problema posto por ele, desde seus textos mais conhecidos, continuaatual, a saber: a linguagem tomada como um problema ¢, mais ainda, um problema que o historiadar deve enfrentar. Dito em outras palavras, o problema da narratividade esta posto, em Ankersmit, do comego ao fim. Nesse sentido, podemos dizer que é bastante expressivo o percurso trilhado pelo historiador holandés, eleindica a incorporagao intelectual de um racionalismo mais duro, tanto na dimensao da pesquisa, quanto da representagio. Fa forma escolhida por ele para dar expressiio ao seu pensamento, particularmente nesta coletdnea, ¢ indicativa dessa rigidez. Sabemos que pensar na linguagem como um problema nos sugere, também a pensar na questéo de como, afinal, eu conto uma histor . Ankersmit sabe disso, e desse pecado nao ha décadas nesses territérios, 0s problemas da filosofia da linguagem com pode ser acusado. Ele articula, com a intimidade de quem tran: os da historiografia. Como uma espécie de guia, oferecemos ao leiter um mapa intelectual dos problemas propostos pelo historiador holandés ao longo deste livro. Capitulo 1: O uso da linguagem na escrita da historia A partir da questéo: como o conhecimento historiogréfico & possivel, que remonta Kant em seu aporte filosdfico & epistemologia, porém que a entende como uma pergunta equivocada, Ankersmit nao tentara demonstrar a possibilidade do conhecimento histérico, reforgando o status cientifico da historiografia moderna, mas partird do reconhecimento da inexorivel subjetividade do historiador, e de que a histéria nao é uma ciéncia, nem produzconhecimento no sentido proprio da palavra e, por firm, de que isso nao é tao ruim quanto pode parecer 4 primeira vista. Isto serd defendido, primeiramente, pela consideracio da declaragao geral (isto ¢, a forma linguistica que ordinariamente associames com a expressdo do conhecimento cientifico) e, segundo, da narrativa histérica (isto é a forma linguistica empregada pelos historiadores). Concluir-se-d, assim, gue se a historia tem uma epistemologia prépria, esta nao teria um carter de conhecimento, mas de uma “organizacdo do conhecimento’, que, por sua vez, traduz-se em uma proposta de como © passado poderia ser visto. Capitula 2: Virada Linguistica, teoria literdria e teoria da historia No capitulo seguinte, “Virada Linguistica, teoria literdria e teoria da historia’, Ankersn Permanece ocupando-se do tema transversal da escrita da histéria, levando agora em consideragio a questia da relacdo entre a chamada Virada Linguistica e a introducado A teoria literdria, somo um instrumento para a compreensdo da escrita da histéria Postula, dessa forma (1) que ha uma assimetria entre as reivindicacées da Virada Linguistica e os da teoria literdria; (2) que a confusao entre esses dois tipos de reivindicay © tem side mais infeliz, sob a perspectiva da teoria histérica; ¢ que (3) a teoria literdria tem muito a cnsinar sobre a escrita da histéria ao historiador, mas nao tem qualquer tipo de influéncia sobre os tipos de problemas que sao tradicionalmente investigados pelos tedricos da histéria. Ainda assim, chega a conclusso de que qualquer um que desejar escrever uma historia sobre a escrita da histéria nao deve deixar de fora a questao de sua relacdo com a teoria litera Capitulo 3: Da linguagem para a experiéncia No capitulo intitulado “Da linguagem para a experiéncia’ Ankersmit toma como ponto de partida as leituras de Rorty, Gadamer ¢ Derrida a respeito da possibilidade (ou nao) da linguagem dar conta da experiéncia do mundo. Critico do transcendentalismo linguistico, 30 © autor opta pela experiéncia come tnica maneira de se projetar o passado sobre o presente. Para Ankersmit, os acontecimentos passados sdo textos que nao possuem significados intrinsecos, tais significados sdo atribuidos a eles pela mente que Ié, Por isso, diz Ankersmit, “|. a historia que o historiador conta sobre a transigao de uma maneira de experenciar o mundo para outra mais tardia ¢ uma historia que toma lugar no proprio tempo de vida do historiador”. Afirmat ivamente, © autor finaliza seu texto acreditando que depois de jogarmas fora as teorias transcendentalistas de explicagio do passado seremos “[..-| presenteados com um novo tipo de escrita da historia’ Capitulo 4: Experiéncia histérica: além da Virada Linguistica Diferentemente da ingénua concepcao do século XIX de uma historiografia que pretende provocar a ilu de que estamos olhando para opropriopassado em vez. deum texto, no século XX, particularmente a partir da publicacio de Meta-histéria de Hayden White, entendemos que nao olhamos por meio de textos, mas para eles. Estadescoberta abriu. caminho para reconhecimento de que 0 texto histérico gera significado histérico, ao mesmo tempo em que regulamenta as possibilidades criativas do historiador. A preocupagdo com a linguagem, principal marca do pensamento historiografico contemporaneo, € ao mesmo tempo, um convite a um olhar nao linguistico da histéria, Buscando ir além, ¢ nao contra a Virada Linguistica, Ankersmit explora 0 conceito de experiéncia histérica. Guerras, revolugdes, descobertas cientifieas — em suma, grandes acontecimentos, que conformam a experiéncia histérica coletiva — poderiam ser contrastados a experiéncia cotidiana e ao olhar individual sobre passado, capaz de subitamente apreender a indelével marca de que as coisas jA ndo so como outrora Capitulo 5: Representagéo e Referéncia Tracando um paralelo entre metafora e representacdo, o pensador holandés sugere que a historia possui o poder de caracterizar uma Tepresentagao do passado, como algo. Esta ideia o leva a afirmar que as criagdes dos historiadores (como, por exemplo, o Renascimento) nos convidam a ver periodgs histéricas como aquilo que associamos a estes conceitos. Ou seja, a historia representa o passado, criando sentidos que necessariamente exigirao do leitor tomar certa atitude com relacdo a certos acontecimentos sujeitos, ou conceitos. Conceber o texto hist6rico como representa¢ao é, para Ankersmit, crucial para uma compreensao adequada da representacao histori , € Tequer a aceitagdo de que o passado funciona como uma tela em branco, em que o historiador projeta significados Capitulo 6: Verdade na histéria e na literatura Esse ensaio lida com o papel da narrativa em ambas, ficgio ¢ escrita da historia. Admite-se que 0 tépico nao é nada original, pois vem sendo trabalhado por muitos desde Roland Barthes até Hayden White. Ambos enderegam o inter se na dimensio literdria da escrita da historia. Todavia, aqui propée-se também o caminho inverso: investigar a contribuicao da escrita da histéria para um melhor entendimento do romance, ou pelo menos de algumas variantes dele. Capitulo 7: Sobre historia e tempo Neste capitulo, Ankersmit se dedica a um debate de suma importincia para o trabalho historiografico, como o titulo deixa evidente, Diferentemente de grande parte dos historiadores, que considera questao do tempo de crucial importancia para o seu trabalho, Ankersmit pensa que a temporalidade é sempre um ponto de partida importante, mas as suas marcas devem desaparecer para que o trabalho 31 32 do narrador seja considerado bem-sucedido. O tempo teria um papel paradoxal, pois de um lado ele ¢ imprescindivel como ponto de partida da historiografia, por outro, as suas marcas devem desaparecer do texto para que os demais historiadores reconhegam a competéncia narrativa de um profissional desse campo. Que historiador profissional estaria disposto a reconhecer como historiografia bem feita um trabalho que se limitasse a apresentar uma sequéncia cronolégica de fato: Capitulo 8: Entrevista com BR. Ankersmit A entrevista que realizamos com Ankersmit enriquece por demais a visio que podemos ter de sua perspectiva tedrica. Por meio dela, podemos obter esclarecimentos para pontos complexas de seu trabalho, além de sermos introduzidos nos temas mais recorrentes de scus escritos, Poderiamos arriscar a dizer que, 3 medida que 0 confrontamos com nossas perguntas e curiosidades, vemos desvelar-se & nossa frente uma faccta surpreendente de nosso personagem. Esperamos que o leitor também seja pego de surpresa com suas respostas! Gabriel Giannattasio Jonathan Menezes Alfredo Oliva Maria Siqueira Santos Gisele lecker de Almeida CaPiTULO 1 O USO DA LINGUAGEM NA ESCRITA DA HISTORIA InrRopuGAo: O ILUMINISMO E AS VISOES ROMANTICISTAS DA REALIDADE SOCIAL A historiegrafia moderna tal como conhecemos é o resultado da vitoria do Romantismo sobre a visao iluminista da ordem social A concepgao do Iluminismo sobre a realidade sécio-histérica encontrou sua expresso mais caracteristica nas chamadas filosofias de lei natural dos séculos XVII ¢ XVIIL A filosofia da lei natural presume que a ordem natural pode ser descoberta na realidade social; esta ordem natural deveria ser o principio orientador na organizagao da sociedade politica. A filosofia da lei natural apenas é possivel se uma intrinseca harmonia entre individuo ¢ sociedade for implicita ou explicitamente acordada. Todavia, esta condigio para a passibilidade desta filosofia ndo apenas foi sabrepujada pelos prdprios fildsofos da lei natural, mas também escapou da atengdo de muitos comentaristas medernos. Uma excecdo ¢ Spragens, discutindo a filosofia da lei natural de Hobbes, ele esclarece esta ideia de uma “preestabelecida” harmonia entre individuo e sociedade por meio da seguinte analogia: * -Ostermos fhuminismo ¢ Romantismo sio-utilizados-aqui para designar apenas is mais conspicuas tendéncias nesses trés perindos, Desde as obras de F. Meinecke, Die Entstehung des Historismus (Munique, 1936), ¢ BH Reill, The German Enlightenment and the Rise of Historiciem (Berkeley, 1975), tomnou-se conhecimenta comum que as origens de uma visio historista da reatidade Sécin-histirica rade remontar aié a inicio do século XVIIL ‘A presente tealidade politica pela qual inicio minha anilise, ele (Hobbes) diria, é um pouco como a situagao de um relogio quebrado. © relojoeiro, quando vem para conserté-la, deve desmonté-lo ¢ depois remanta-lo apropriadamente, com as partes dispostas desta ‘yez de acordo com a sua natureza, Da mesma maneira, argumentaria Hobbes, eu me remeti a uma sociedade destruida ¢ desordenada pela guerra civil, desmontando-a em suas partes constitutivas fundamentais, e recompondo-a imaginativamente em um todo ordenado que ¢ consonante com a natureza daquelas parte: A principal hipotese é portanto, qué assim como as partes de um relégio, a natureza de individuos humanos é tal que cles podem, em principio, ser “colocados juntos” com um tode de uma sociedade pol perfeito esta em completa harmonia com a ordem politica perfeita. A a em bom funcionamento. Para Kant (1969), 0 individuo humano histéria eventualmente ira alcangar esta identificagao do individue humano com a sociedade politica. O egoismo humano, que alguém pode acreditar ser uma obstrugao a completa socia racao do individuo humano, & a0 contrario, a causa efficiens do processo, pois seres humanos racionais vero que s¢ identificar com a ordem social é um interesse do proprio egoista’ Assim, na filosofia de lei natural sempre houve um tipo de transparéncia na relacdo entre 0 individuo e a ordem social, de tal forma que uma nao contém quaisquer elementos estranhos a outra. Cada uma é fundamentalmente enigmatica quando vista da perspectiva da outra, Nao se deveria inferir disto que a filosofia de lei ista ¢ idilica da natural nos apresenta uma visio excessivamente otim: sociedade; fildsofos de lei natural podem, as vezes, ser um tanto quanto cinicos. A ideia é meramente que problema da relacao entre individuo sociedade, a principio, permite uma solugio racional. © Romantisme, com sua descoberta da autotranscendéncia romantica das definigées concebiveis do individue humano, exprimiu 4 ruptura final com as concepgées da filosofia de lei natural iluminista. SPRAGENS, LA. The Politics of Motion: the World of Thomas Hobbes. Kentucky, 1973, p. 153. © KANT. L “idee au einer allgemeinen Geschichte in weltbigerlicher Absicht. Tr: KANT I Ausgewiallte Kleine Schriften, Hamburg, 1969, Veja também: VLACHOS, G. La pevsée politique dde Kant. Paris, 1962, p. 193-225, © individuo, pelo menos no que se refere a como a esséncia de sua individualidade é concebida, deixou a ordem social, ¢ 0 conflito entre o individuo ¢ a sociedade tornou-se irremediavel ¢ permanente. A falha da Revolugao Francesa em sua tentativa de criar uma sociedade politica de acord com a filosofia de lei natural, a grotesca desproporgio entre seus nobres ideais, as realidades da guilhotina ea lei do 22 Prairial foram as expresses histéricas desta clivagem entre o individuo ¢ a sociedade.' Ambos foram reconhecidos como tendo uma autonemia prépria: 0 individuo nao poderia criar a sociedade a sua propria imagem e vice | ¢, indiscutivelmente, a mais dramalica ocorréncia na histéria do ocidente nos tltimos séculos. versa. A separacio do individuo da ordem soc O choque de ondas que ela enviou no decorrer dos séculos ainda pode ser sentido, e os traumas por ela causados na consciéncia do homem ocidental esto conosco até os dias atuais.? Seu despertar gerou uma nova consciéncia da ordem sécio- hist6rica que foi tanto mais profunda quanto menos autoconfidente que a iluminista que a precedeu. A filosofia da historia de Hegel pode servir de ilustragio deste ponto. Na filosofia da historia de Hegel, a separagao do individuo da ordem social tomou a forma do insight de que podemos pretender uma coisa e alcangar outra coisa. A ordem social caloca a si mesma, por assim dizer, entre as intengdes ¢ os resultados de nossas agoes. Consequentemente, ha uma indeterminagdo sistemdtica na relagio entre nosso pensar sobre ¢ nossa ago na realidade social, por um lado, ¢ seus resultados na ordem social, por outro. * , portanto, duvidasa se & certo ver as origens do liberalisme no individualisma da filasofia dla Iei natural dos séculos XVIII ¢ NIX. Isso jf foi demonstrado em ‘The origens of totalitarian democracy, de JL. Talmon (Londres, 1952). que individualisme do século XVII estava longe de ser comparivel com tendénciastotalitirias. Um verdadeito liberalismo antitotalitirio exige o reconhecimento formal de outras coletividades, A descoberta desta esfera corre em paralelo com a evoluyin aqui esbogada ¢ & em sitims anilise, baseada na definicio Remintica do individuo, Uma definisio nie ambigua de liberdade civil foi dada apenas por Benjamin Constant em seu De la liberte dis anciens compart a celle cles moderne (Pais, 1819). * Uma das consequénciax foi a divisio do indivicuo-entre um eu publica © um eu privado, Este desenvolvimento foi belamente descrito por Richard Sennet em seu livto: The fall of public man, Edigdo em portagués: SENNET, RQ deciinio do homem piiblico: as tiranias da intimidade. Sio Paulo: Cia das Letras, 2001. 35 36 Esta conexdo implica que na historia mundial, gragas as ages de seres humanos individuais, algo mais é alcangado do que o pretendido ¢ o que foi trazido maior do que se sabia ou se desejava aleangar. Esses individuos perceberam qual era seu interesse, mas algo mais foi adquirido, que thes era inerente, mas que nao havia sido reconhecido ¢ nao era parte do que por eles fora projetado! ‘Todo nosso conhecimente, tanto de nds mesmos como da ordem social, nao prevenira a ordem social de invariavelmente ser distorcida — as vezes além do reconhecimento - em relagao a come se pretendia nela agir. O individuo ¢a sociedade tornaram-se estranhos um para o outro. A primeira vista, alguém pode esperar que a realidade sécio- histérica tenha agora sido reduzida uma vee mais ao status de um desconhecido arcanum, como foi durante a Idade Média. Devido a concentra¢ao do homem medieval no link “vertical” entre o individuo e Deus ow a Civitas Dei e sua concomitante cegueira concernente ao “link” horizontal entre os individuos na realidade sdcio-histérica, faltou a este homem um instrumento conceitual adequado para o entendimento do mundo social em que vivia? Pode parecer que o Romantismo tera consequéncias andlogas aquelas do Agostinianismo. Nao ao contrério do que este ultimo hax feito, o Romantisme teria jogado o individuo de volta ao seu préprio universo individual, enquanto transforma a realidade sécio-histérica em um segredo impenetravel. Como todos sabem, esta suposicdo dbvia nio es! de acordo com os fatos, Pense no proprio Hegel. Gragas a sua conviceao idealistica de que a histéria foi formada pelo mesmo instrumento que 0 individuo em sua disposigio para entender a realidade sdcio-histrica — a Razio - Hegel foi bem: sucedido em construir uma ponte no vazio que ele demonstrou existir entre esta realidade ¢ 0 individuo. Contudo, em certo sentido, a suposicdo esta correta. Paradoxalmente, foi precisamente esta transicao das certezas do [luminismo para a atormentada luta do Romantismo © “Tradugie do slemio. HEGEL, G. W. F, Vorlesuigen iiber dée Philosophie der Welgeschichle. Die vvernun in der Geschichte. Hamburg: Felix Meiner Verlag, 1970, p. 88, POCOCK, |. |. A. The Machiavellian moment. Princeton, 1975; veja especialmente o capitulo 2 Veja também: HADDOCK, i. A. An introduction to historical thought, London, 1980, pL. com @ natureza da realidade sOcio-historica que deu a luz a historiografia moderna. Q passado se tornou estranho, irrevogavelmente fechado em si mesmo ¢, por conseguinte, interessante, A descoberta da distancia entre o individuo e a realidade sécio-histérica fez 0 homem acidental consciente de seu passado com uma intensidade até entio desconhecida. O passado tornou-se um enigma, ¢ a historiografia moderna foi criada para ir de encontro ao desafio. Isto, contudo, é apenas parte da histéria, « nao a parte que nos interessa aqui, pois, ao invés de explicar como a historiografia moderna veio a existéncia no comego do século XIX, devemos levantar uma questo mais tedrica de como o conhecimentg histérico & possivel. A Romintica Weltanschauung (ideologia) nao dominou efetivamente a possibilidade de adequar conhecimento da histéria ¢ sociedade? Somos confrontados aqui com um problema que talvez nunca tenha sido trabalhado a contento, desde a vitéria do Romantismo sobre o Huminismo que deu origem a este problema. As ciéncias sociais tentaram evitar © problema agarrando-se a0 dogma iluminista da transparéncia da ordem social, ¢ elas encontraram um poderoso aliado em teorias eticamente inspiradas com a mesma descendéncia; 0 vazio entre fato ¢ valor nao forma um obstdiculo a alianca deles, uma vez que as ciéncias sociais e a ética possuem em comum uma afinidade com a declaracao geral. A historiografia, contudo, nao poderia sair tao facilmente; nao Poderia negar suas origens romantistas ¢, mais especificamente, sua metodolagia ficou no caminho de seu seguimento da mesma estratégia das ciéncias sociais (embora, com certo grau de regularidade, tanto historiadores quanto filésofos da historia tenham, nao obstante, tentade fazer). Como corolirio, tanto historiadores quanto fildsofos da histéria estiveram frequentemente conscientes de que havia alguma coisa peculiarmente problematica sobre sua disciplina e costumeiramente expressaram sua dificuldade falando sobre o que eles chamaram a inerradicdvel subjetividade do historiador. Embora historiadores ¢ 38 filésofos da histéria tenham reconhecido as consequéncias, para a confidencialidade de sua disciplina, da expulsio do sujeito do conhecimento da ordem social, raramente eles abordaram o problema em sua raiz. Com maior frequéncia, reivindicaram o status cientifico da historiografia por meio da tentativa de demonstrar como o conhecimento histérico ¢ possivel. Citando Collingwood, “Histéria, entéo, é uma ciéncia, mas uma ciéncia de um tipo especial’ Tanto a hermenéutica de Dilthey come a de Collingwood intentaram responder a questiio kantiana de como o conhecimento historico, sendo distinto do conhecimento da realidade fisica, é possivel. Entretanto, como veremes adiante, esta abordagem epistemolégica de Kant esta equivocada, e por esta razio os problemas filosdéficos com os quais a historiografia nos confronta nunca foram resolvidos satisfatoriamente, mesma tendo sido feitas imameras sugestdes uteis ao longo de um século ¢ meio, pois a inelutavel verdade é que a historia nao é uma ciéncia e ela no produz, conhecimento no sentido proprio da palavra, ¢ veremos que isto nao é tio ruim quanto se pode supor inicialmente. Esta controvérsia sera analisada adiante, considerando, primeiro, a declaragio geral (i.c., a forma linguistica com a qual ordinariamente associamos a expressio do conhecimento cientifico) e, segundo, a narrativa histérica (ie. a forma linguistica empreendida pelos historiadores). O PARADIGMA ILUMINISTA: A DECLARACAO GERAL fi universalmente reconhecido de que ha uma grande uniformidade junto as aces dos homens, em todas as nagdes ¢ cras, ¢ de que a natureza humana se mantém a mesma, em seus princfpios € operagdes. Cs mesmos motives sempre produzem as mesmas agdes. Os mesmos eventos siio acompanhados das mesmas causas? * COLLINGWOOD, RG, The idea af history. London, 1970, p. 251, Para uma discussio compreensiva das visOes relevantes de Collingwood, veja: DUSSEN, J, Van der. History as science: the philosophy of Collingwood. The Hague, 1981, cap. 7. HUME, D. Enguiries concerning the human tenderstandiaeg ans concerning the principles ef morals, ‘Oxford, 1972, p. 83. Esta declaracio feita por David Hume € caracteristica do iluminismo e da filosofia de lei natural iluminista. Deve ser enfatizado que declaragdes como esta, ao contririo do que parece, sempre implica duas cois as ao invés de apenas uma. Supunha-se que aceitamos a declaracio de Hume tal como esti; a seguir tenta-se formular estas leis gerais governando a agio humana, mas enti descobrimos que cada filésofo de lei natural ou cientista social individualmente aparece com um conjunto diferente de leis gerais, a0 passo que todos esses con juntos aparentam ser mutuamente incompativeis. Neste caso, a tinica possivel conclusao é de que no foram encontradas leis gerais. Para a descoberta de leis gerais, requer-se que as declaragdes que as descrevem sejam intersubjetivamente aceilaveis, c isto ndo apenas para tim, mas também para voce e qualquer outro. Em outras palavras, a declaragao geral requer um sujeito geral, ou um sujeito do conhecimento intercambidvel, A declaracao geral ¢ o sujeito geral ¢ intercambiavel do conhecimento sto dois lados de uma mesma moeda. Este mundo governado por leis gerais, que pode ser descoberto pelo sujelto do conhecimento geral ¢ intercambiavel, é, a principio, pelo menos, um mundo sem segredos impenetriveis. Mesmo o mais dbvio limite de conhecimento humane, o sujeito humano transcendental do conhecimento em si mesma, pode ser transgredido aqui, uma vez que a generalidade do sujeito do conhecimento garante a possibilidade de um conhecimento geral. Pode ser que as ciéncias sociais falhem conosco que tenhamos de recorrer a filosofia. Provavelmente a filosofia tenha uma chance de sucesso aqui, pelo fato de que nao acreditamos que os problemas que inspiraram Descartes, Kant, ou Wittgenstein tenham sido problemas sem sentido, prova que esta é a forma como Pensamas. © sujeita do conhecimento esta, por assim dizer, “em casa’, aqui, no mundo por ele investigado; nenhuma parte deste mundo excede ‘os limites do que ele poderia conhecer. Este é 0 paradigma querido de Hume, pelos filésofos da lei natural dos séculos XVII e XVIII ¢ seus descendentes modernos, os cientistas sociais. Conhecimento é 39 conhecimento de leis gerais que esté sob possessio de um sujeito de conhecimento generalizado, Este paralelismo entre o estado geral de coisas por um lado, que é conhecido por um sujeito de conhecimento geral ¢ intercambiavel per ‘outro, implica a transparéncia da linguagem. Entrelacados entre o estado geral de coisas descrito pela declaragdo geral por um lade, ¢ o sujeito do conhecimento geral por outro, os significados gerais das palavras da linguagem permanecem fixos, ¢ a linguagem nao tem a chance de ser criativa ou imaginativa. Como 0 peso de papel através do qual vemos 0 texto por debaixe, a linguagem aqui é um meio neutro por meio do qual 0 sujeito do conhecimento percebe uma realidade sécio-histérica que é construida com o mesmo “material” que ele. E como o conhecimento da realidade sécio-histérica pode ser possivel se a linguagem ficou no caminho de nossa percepgao da realidade? Sendo a realidade social ¢ 0 sujeito do conhecimento “coextensivos’, por assim dizer, a linguagem é derivativa e ndo pode reivindicar um status independente para si mesma. A telacio entre linguagem e realidade é fundamentalmente nto problemitica - isto Epistemologia ¢ o departamento da filosofia que supostamente deve um problema que em principio pode ser resolvido, resolver o problema e ndo ha raz4o para duvidar que seja igual a sua tarefa. Em suma: como muitos outros fizeram, Kant fez a pergunta sobre como o conhecimento é possivel ¢ atribuiu 4 epistemologia a tarefa de responder esta questo. Propus que déssemos um passo atras aqui e perguntei, em contrapartida, como a epistemologia ¢ possivel, conclui que a generalidade partilhada da declaracio geral e o sujeito do conhecimento generalizado responderam a esta questo “pré-kantiana’ Ea escolha seja pela ou contra a epistemologia é, em altima anilise, politica, uma vez que ela depende de como a rclaco entre o individuo, a outro ea ordem social é concebid: 0 PARADIGMA ROMANTISTA: NARRATIVA HISTORICA O historiador organiza as esséncias hist6ricas, Os dados do passado sfo a massa a qual é dada uma forma pelo historiador, por empatia. Por causa disto, a historia é determinada pelos principios de empatia © organizagda, ¢ & medida que estes principios ainda nao estao |, artefatos histéricos, no sentido préprio da palavra, nao sée possiveis, ¢ descabrimos apenas os tragos de atos acidentais de empatia onde a mente descontrolada exerceu sua influéncia,"” Esta declaracao foi feita por Novalis em 1798, exatamente cinquenta anos depois de Hume ter feito a declaracao citada no inicio da segio anterior. Aqui entramas em um novo ¢ completamente diferente mundo. Do historiador nao mais é exigido descobrir ¢ expressar Conhecimento (geral), mas organicd-lo. A linguagem utilizada pelo historiador nao mais € vista como um passivel e imutavel meio, mas como um individuo inconstante adaptando-se ds circunstincias cada vez que um individuo historiador retrata ou fotograla parte do passado, A declaragéo geral pode ser vista como estenografia para um numero (infinito) de declaragées singulares, as quais so comparaveis de tal maneira, que a generalizacio torna-se posstvel, Quer estejamos preocupados com declaragées tedricas, indutivas ou empiricas, nao tem importancia nesta conexio. Como € 0 caso da declaracio geral, um grande ntimero de declara¢ées singulares “vai dentro” da narrativa histérica. A diferenga, contudo, é que, no caso da narrativa histérica, © numero de declaragdes é sempre finito; este numero pode ser apurado com absoluta preciso e, além disso, na medida em que seu contetido estd em questao, as declaragdes de uma narrativa histérica nao possuem similaridades sisteméticas. Se acontecer de essas similaridades existirem, ¢ por pura coincidéncia, Essas consideragSesjé sugerem que a declaragao ingular é um tipo de intermedidrio entre a declaragdo geral eanarrativa, Sea declaragao geral descreve ou refere-se a um recorrente “ Tradugao do alemio. NOVALIS |F. von Hardenberg], Blithenstaub, Ins NOVALIS, Werke in seinent Band, Mimchen: F Brackmann Verlag, 1981, p. 469. Al 42 estado geral de coisas (isto pode ser devido a maneira como a declaragio é formulada) haverd maior afinidade com a declaracao geral; se nao, € uma parte natural de uma narrativa. Podemos chegar a conclusio de que © contraste realmente interessante nao é, como ordinariamente se acredita, o contraste entre a declaraco geral e a singular, mas entre € declaracao geral ¢ a narrativa historica. Aqui a linguagem ¢ utilizada para dois propdsitos um tanto quanto diferentes — como sera mostrado adiante. A declaragio singular deve servir a dois senhores ¢ esta, assim, em certa medida, essencialmente incompleta ou insaturada. Entio, vamos nos concentrar sobre a narrativa ao invés de olhar para a declaragao singular. Podemos imediatamente descobrir uma interessante assimetria entrea declaragao geral eanarrativa. A declaracdo geral é uma generalizacao de uma declaragio singular e pode ser obtida por meio de operagao formal simples. A relagio entre as declaragées geral ¢ singular é de tipo formal e dedutivo. A declaracao singular individualiza a declaracio geral. Mas a narrativa histérica, consistindo em um largo mimero de declaragdes singulares diferentes, apenas pode ser individualizada tomando cada uma delas em conta. O nimero de declaragdes singulares, tacitamente referido pela declaragio geral, & infinito, eainda apenas uma ¢ suficiente para definir a declaracao geral e vice-versa. Contudo, o ntimero de declaragdes singulares contides junto Anarrativa histérica ¢ finito, e todos cles devem ser considerados a fim de individualizar a narrativa historica especifica contada pelo historiador. Qu: hé uma inverso na relagio entre a declaragio singular ¢ a geral por um lado, e a narrativa histérica por outro; devido 4 de ambas as declaracGes, pode-se dizer que a declaragio geral define a singular, ao passo que a declaracdo singular define a identidade da narrativa do historiador, A parte do mesmo elemento de formalizacao presente ein todas as declaragbes gerais - embora nao caracteristico de cada uma delas — nenhum elemento novo é introduzido quande vamos. da declaracao singular para a declaragao geral. Contudo, cada vez que a linguagem é usada narrativamente, algo nove ¢ dinico sera criado. ‘Todavia, também podemos afirmar um paralelismo nas diferencas entre a declaracéo geral ¢ a narrativa. A declaracao geral sugere o generalizado, intercambiavel sujeito do conhecimento; e a narrativa, 0 dual. Sendo herdeiro do Romantismo, o historiador individual tem sido ejetado de uma realidade sécio-histérica partilhada Por todos nés: cada historiador individual habita uma “casa” sdcio- hist6rica diferente daquela de seus colegas historiadores. Haver uma disparidade sistematica entre 0 que um historiador diz ou pensa sobre esta realidade e as opinides de outros historiadores a ela concernentes, Cada tentativa de definir (parte da) realidade histrica pode satisfazer alguns historiadores, mas nunca todos cles. Em outras palavras, o link entre linguagem (ie, narrativa) ¢ realidade nao pode ser fixado de uma maneira aceitdvel a todos os historiadores, tornando-se, assim, o conhecimento de um sujeito do conhecimento generalizado. © fato de que o debate ¢ a discussao tém um lugar muito mais proeminente na historiografia do que em outras disciplinas e que o debate historiografico raramente, ou nunca, resulta em concepgoes partilhadas de uma vez por todas, por todos os historiadores, nao deve ser visto como uma triste deficiéncia da historiografia que precisa ser remediada, mas como uma consequéncia necessaria dos instrumentos linguisticos utilizados pelo historiador. Tudo isso pode ser ilustrado por meio de conceitos histéricos tipicos como @ Renascenga ou a Guerra Fria. Como apontei em outro jugar, tais conceitos nao se referem A realidade histérica em si, mas a interpretacSes narrativas do passado." O termo a Renascenga refere-se a uma interpretagio narrativa e nao a realidade hist6rica, ainda que as declaragSes contidas na narrativa do historiador @ fagcam. Dessa forma, nio é de se surpreender que conotagies de termos come a Renascenga estejam sujeitas a continua reformulagao, Requerer que aquela especifica definicao do termo deveria ser aceita de agora em diante por todos os historiadores pederia significar 0 fim imediato de uma importante * ANKERSMIT, E R. Narrative logic: a semantic analysis of the historian’ language. The Hague, 1983, p. 169-179, 43 ¢ interessante discussao historiografica. Portanto, palavras como a Renascen ha uma € a Guerra Fria mostram-nos que na historiografi frouxidao ou indeterminagio sistematicas na relagao entre linguagem e realidade. E esta indeterminagao nao reflete algum lamentayel estado de coisas na historiografia que deve ser superado a tedo custo, mas 6a condigao para a possibilidade de qualquer historiografia. Para resumir uma vez mais, na historiografia a linguagem nao mais um meio passivo como o peso de papel ou um espelho, mas fa sentir presente de tal forma que nao possa ser ignorada. Na histéria, a linguagem adquire uma substancialidade propria; de fato — como veremos adiante - a narrativa histérica é uma coisa no sentido préprio se da palavra. A linguagem narrativa nao tem a transparéncia da linguagem do -ntista (social), mas irresistivelmente atrai a atengo do leitor para si mesma, Devido a esta opacidade, a linguagem narrativa assemelha- se a bem escolhida palavra: em ambos os casos, podemos admirar os instrumentos linguisticos que tém io usados na fala sobre a re: dade, e em ambos os casos 0 uso da linguagem nao tem outra mela sendo alcangar este efeito. Isto pode também servir para justificar o papel proeminente exercido pelas consideragdes estilisticas na historiografia. Na historiografia, estilo ndo é apenas mais uma ornamentacdo, mas loca a esséncia do que o historiador deseja transmitir. Peter Gay estava correto ao dizer que 0 estilo diz respeito no apenas & maneira, mas também a importancia do discurso histérico. Contudo, se a narrativa tem uma substancialidade propria, se ela é em si mesma uma coisa tal como o fendmeno do passado nela descrito, nenhum laco epistemolégico pode ser concebido a fim de prender a narrativa a realidade histérica. Nao ha lacos epistemoldgicos entre as coisas, apenas entre as coisas ¢ a linguagem. Podemos agora imaginar o que faz da historiografia uma ocupagao tao proveitosa — é que ela é uma. Como poderia uma disciplina sem uma epistemologia possivelmente se parecer? GAY, P.O estilo na histo Gay). Sto Paulo: Cia das Letras, 1990. (veja.a intredugdo ea conelusio de ConstRutivismo Foi reconhecido anteriormente que a historiografia apresenta seus problemas epistemoldgicos especiais, embora estes geralmente fossem vistos como problemas dentro ao invés de sobre uma abordagem epistemolégica para 0 conhecimento histérico. Oakeshott (1978), Collingwood (1981) e€ Goldstein (1976) argumentaram que a verdade das declaragdes sobre © passado nunca podem ser verificadas conclusivamente, uma ver que o passado ndo mais existe. Consequentemente, nunca se pode comparar o passade real as. declaragdes que © historiador produziu a seu respeito. Collingwood tentou resolver © problema dizendo que o historiador “reencena” o passado em sua propria mente e, assim, faz o passado contemporaneo a simesmo de modo que possa fazer declaracées verdadeiras e verificaveis aseu respeito!* Mais relevante aos atuais propdsitos, contudo, ¢ a forma como Oakeshott (1978) € Goldstein (1976) tentaram lidar com o problema epistemoldgico."' A ideia ¢ a de que 0 passado em si mesmo nunca pode ser um ingrediente no processo de aquisigao do conhecimento hist6rico ou na discussdo histérica, uma vez que o passado por sua natureza nao pode ser mais observado. O passado no mais existe ¢, assim, niio pode ser um objeto proprio da investigacao. Temos a nossa disposicao apenas tracos que 0 passado nos deixou em forma de documentos, inscrigdes, pinturas, construgées ¢ assim por diante. Como corelirio, tude o que temos sao construgdes produzidas pelos historiadores a partir destes tracos (por esta razao o termo construtivismo éutilizado para descrever a posigao de Oakeshott e Goldstein). Até mesmoa palavrareconstrutivismo pode estar fora de lugar, a medida que ela sugere um paralelismo entre 0 passado em si mesmo e a reconstrugao do passado pelo historiador, » Vander Dussenen atizou quea teoriada “reencenagao” de Collingwood nasceu deconsideraciies epistemoligicas. Veja: VAN DER DUSSEN, W. J. History as a seience: the philosophy of RG. Collingsrood. The Hague, 1981, p. 143. 4 OAKESHOTT, M. Experience and its modes, London, 1978, cap.3.GOLDSTEIN, L. | Historical mowing. London, 1976, que nunca poderd ser verificada. Entao, 0 construtivismo enfatiza, tal como a posigao narrativista esbocada na segao anterior, a autonomia da historiografia no que concerne ao passado em si mesmo, ¢ por isso.0 construtivismo demanda nossa atengio. A fim de delinear a posicéo construtivista com mais precisio, Goldstein (1976) faz distingdo entre a infraestrutura ea superestrutura da escrita historia. A superestrutura é a narrativa histérica em si mesma, as estruturas linguisticas que encontramos em livros de histéria ou em artigos em revistas historicas. A infraestrutura compreende a totalidade dos métodos ¢ técnicas empreendidos pelo historiador no curso de sua jornada, desde sua primeiraaproximagie com os documentos histéricos, até a derradeira produgdo da superestrutura (paleologia, numismidtica, cronologia etc.).!* De acordo com Goldstein (1976), a superestrutura da historiografia nao se alterou notavelmente desde os dias de Tucidides, enquanto todo o progresso na historiografia foi devido a evolugées novos desenvolvimentos no nivel da infraestrutura. Em fungao de tais desenvolvimentos, o progresso mostrou-se possivel na historiografia, ¢ quando, por consentimento comum, um fragmento de escrita histérica & julgado como sendo melhor (ou pior) que outro, isto sempre pade ser explicado pelo olhar para suas infraestruturas. Nesta infraestrutura, @ nao na correspondéncia com uma realidade histérica nao mais existente, é que se baseiam as decisées concernentes aaceitabilidade das construgdes historiograficas produzidas pelo historiador, ‘Varias objecdes foram dirigidasao construtivismo. O construtivismo de Oakeshott foi criticado por Meiland na base de que ele confundiu “conhecimento de p” com “evidéncia para p”. Oakeshott rejeitou a possibilidade do conhecimento historico, uma vez que demandou que o “conhecimento de p” de fato, legitimo como “evidéncia para p": a saber, que seu objeto édado aqui eld. Contudo, segundo a andlise padrao de que “A sabe que p’," esta declaragao implica que: 1) “A acredita que © GOLDSTEEN, |. J. Histarical knowing. London, 1976, cap. 5. \ Wejar DATO, A. C. Analytical philosophy of inowlige. Cambridge (Ing.). 1968 p. 73. 732) “p é verdade”; e 3) “A tem evidéncia para p’,¢ isto significa que ha uma diferenca entre “saber que p” ¢ “ter evidéncia para p’.” “Evidéncia para p” é sempre evidéncia para o “conhecimento de p", que nao deve ser confundido com p. ‘Com mais frequéncia, 0 construtivismo € atacado com base nos mesmos argumentos que podem ser usados contra 0 verificacionismo. Verificacionismo ¢ uma teoria a respeito do significado das declaragées. De acordo com ela, o significado da declaragao de que p € equivalente a0 significado daquelas declaragdes ¢ capaz de verificar aquele p. Nio surpreende que a rejei¢ao do verificacionismo é 0 mais ébvio ponto de partida para uma critica do construtivismo como defendida por Oakeshott e Goldstein; tanto verificacionismo quanto construtivismo demonstram uma mudanga da declara¢io em si mesma para a evidéncia que temos de verificar a verdade da declaragao. Um bom exemplo da «titica do construtivismo ao longo destas linhas pode ser encontrado em um artigo escrito por P. H. Nowell-Smith." Ele acusa Goldstein de confundir o referente de uma declaracio com a sua verificacio. O referente de uma declaracao € 0 estado de coisas (histérico) a que ela se refere; a verificacao da declaracio ¢ a evidéncia que temos para sua condigo de verdade. A diferenca entre ambos nio necesita de amplificagio. Se, contudo, referéncia e verificacéo sao justapostas, o resultado éa ideia de que historiadores nunca se referem ao passado, mas. apenas a evidéncia que eles possuem para verificarem declaragées sobre 9 passado. E esta, de fato, é a posicdo que Goldstein deseja defender. Contudo, um construtivisme, nao da infraestrutura, mas da superestrutura, ndo esta sujeito a tal criticismo. A fim de sustentar tal afirmacdo, deixe-nos primeiro responder a questio de que se assemelharia a uma marca do construtivismo. A superestrutura € uma construgao linguistica consistindo de muitas declaragdes singulares sobre 6 pasado, cada uma dessas declaracées descreve o passado, entio © MEILAND, |. W. Skepticism and historical loowledge. New York, 1965, p. 41-63, * NOUWELL-SMITH, PH, “The constructionist ‘Iheory of History", Inc History and Theory, Beiheft 16, 1977, p. 1-38 48, podemos supor inicialmente que a narrativa do historiador é também uma descrigdo do passado. Isto, contudo, nao é satisfatorio. Tomemos. duas narralivas histéricas acerca do mesmo topico (por exemplo, a Revolugao Francesa) e¢ assumamos, ademais, que ambas contenham. descrigées verdadeiras desta parte da histéria francesa. Contudo, em tais situagdes, acontece frequentemente que historiadores ainda preferem uma narrativa em detrimento da outra. Temos duas opgdes, primeira: temos de manter que tal preferéncia ¢ infundada uma vez. que ambas as narrativas sdo descritivamente inquestionaveis. Esta op¢do esta, porém, em conflito com tudo o que sabemos sobre historiografia ¢ sobre a discussao historica. Segunda: a narrativa do historiador como um todo tem uma capacidade descritiva propria da qual tomamos conta quando estamos comparando duas narrativas (sobre a Revolucao Francesa, por exemplo). Mas, se desejamos colocar desta maneira, devemos estar aptos a fazer com que a sugestio, de que hé alguma correspondéncia entre a narrativa ¢ 0 passado, faca sentido. Apenas se tal correspondéncia existir € que podemos decidir sobre os méritos descritivos das duas narrativas stéricas, Todavia, esta ideia de uma correspondéncia entre as duas narrativas historicas e a realidade historica é redundante e nao esclarece nada sobre como decidimos acerca dos méritos relativos de ambas as narrativas. Pois, a controversia entre essas duas narrativas da Revolucao Francesa no pode ser decidida pelo estabelecimento puro e simples (da maneira como se pode fazer com declaragdes singulares) a que melhor correspende ao passado. Nao ha, em acréscimo as duas narrativas, uma terceira coisa, isto é, uma régua objetiva, para medir a correspondéncia entre cada uma delas e 0 passado em si mesmo: narrativas sio tudo o que temos.” O passado real pode nos prover de argumentos para preferir uma narrativa histérica em detrimento da outra, mas na discus 0 "Em uma veia similar, Mink escreve: “A alternativa & abandanar o remanescente da ideia de ‘uma Fisldria Universal, que sobrevive come uma pressupesigdo,a saber, aidcia de que ha uma realidade historica determinada, 0 referente complexo para todas a8 narrativas sobre “a que veedadeiramente acanteceu, 3 histéria nfo contada cm relagio a qual as histérias narrativas se aproximamy. Ver: MINK, IO, "Narrative Form as a Cognitive Instrument’: I: CANARY, R11; KOVICKI, H. (EAs). The writing of histary. Madison, 1978, p. 148. historiografica ele nunca é comparado com narrativas in toto de um modo que possamos confrontar realidade com declaragies singulares a fim de estabelecer sua verdade ou falsidade. A medida que o passado real apenas um argumento e nunca é conclusive ao ponte de finalizar o debate historiografico, eia de uma correspondéncia entre narrativa histérica © passado real nao nos levard a lugar algum se quisermos entender a escrita narrativa da histéria. Quando muito, podemos dizer que cada narrativa hist6rica é uma tentativa ou proposta de definigao, em um caso especifico, a correspondéncia entre linguagem e realidade histérica. Mas, se fazendo isto, define-se correspondéncia em termos de adequacio historiografica ao invés de explicar a Ultima em funcio da primeira (c este pode ter sido 0 tinico argumento convincente para a introdugao da negao de uma correspondencia entre [parte do] passado ea narrativa histérica como um todo). Para concluir, se vemos a narrativa histérica como uma conjungio de declaragdes ou como um todo, em nenhum caso. podemos falar significativamente de correspondéncia entre realidade histérica e narrativa hist6rica. Construtivismo, come uma teoria sobre a autonomia da narrativa em relacao ao pasado, estd correta em desencorajar nossa crenga em uma correspondéncia entre linguagem histérica e realidade. © argumento anterior mostrou o que € certo e o que é errado no construtivismo. Tal como foi definido por Oakeshott (1978) ¢ Goldstein (1976), 0 construtivismo € uma teoria a respeito das declarages da narrativa do historiador. Contudo, a fim de evitar objecdes como as de Meiland (1965) e Nowell-Smith (1977), construtivismo deveria ser interpretado como uma teoria sobre a narrativa do historiador como um todo. A superestrutura de Goldstein, narrativa, € uma construgio linguistica composta de muitas declaragdes singulares individuais. Melhor do que qualquer outro termo pode fazer, 0 termo construtivismo reflete 0 fato de que ¢ tarefa do historiador edificar essas construgdes linguisticas cujas caracteristicas logicas nao podem ser reduzidas Aqueles scus componentes constitutivos. 50 Esta interpretagio construtivista da historiografia também nos da uma resposta & questio de como a linguagem é utilizada pelo historiador: o historiador usea linguagem, isto é, declarages singulares individuais, a fim de construit uma narrativ: . De um modo impreciso, pode-se dizer que declaragdes singulares sao usadas para expressar conhecimento (sobre o passado). Mas isto é impreciso, na medida em que tais declaracées, de fato, sdo conhecimento (do passado). E nada pode ser usado para expressar o que ele 6; 0 que desejamos atingir por meio de x ¢ diferente de x em si mesmo. No maximo, podemos dizer que declaragdes singulares so usadas para expressar verdade, pois a declaracdo verdadeira nao éa verdade mesma. Uma ver que concedemos a narrativa hist6rica um status & parte e diferente daquele da declaragao- singular, é-nos permitido dizer que, de acordo com © construtivismo aqui advogado, 0 historiador usa a linguagem no sentido proprio € vyerdadeiro da palavra. 0 USO DA LINGUAGEM NA ESCRITA DA HISTORIA Mas, devemos perguntar: por que a historiografia fa uso da linguagem da maneira afirmada pelo construtivismo? Se nao podemos ef que a narrativa histérica nos dé um relato verdadeiro sobre 0 passado mesmo que todas as suas declaragdes sejam verdadeiras, em que a narrativa de historiador corresponde a parte do passado, tampouco que hé leis epistemolégicas que ligam a narrativa ao passado, temos toda razdo em ser curiosos sobre como a narrativa do historiador, contudo, consegue ampliar nossa visio do passado. De fato, a resposta para esta questio jéi foi dada ao final da tltima , quando foi argumentado que a narvativa do historiador € uma tentativa ou proposta de definicao da relagao entre linguagem erealidade. Quando um historiador constréi sua narrativa, ele seleciona aquelas declarages que pensa serem melhores guias para um entendimento do- passado. Ele acredita que sua selecdo seja a melhor proposta de como 0 passado deveria ser visto. Sendo propostas, as narrativas histéricas nao transmitem conhecimento cognitivo (embora as declaragSes que elas contém tenham esta capacidade). Nao importa quao boa seja minha razZo para sugerir uma proposta a vocé, minha proposta ¢ um conyite para que vocé faca alguma coisa e nao a afirmagao de que algo ¢ 0 caso. Propostas ndo sio nem verdadeiras, nem falsas; elas nao afirmam que a realidade ¢ igual (embora a natureza da realidade va influenciar, ow mesmo determinar) ao contetido de nossas propostas. Estas propostas ‘S40, essencialmente, meios de demonstragdo da realidade histérica. Demonstragdes & propostas sao ambas 0 meio-termo entre ser bascado no conhecimento e ter ou obter conhecimento. Ambas sao mai compreensivas que o conhecimento: demonstrando ( passado) ¢ sugerindo uma proposta (de come o passado deveria ser visto) formam uma estrada para o conhecimento do passado e uma indicativa de como lidar com ele. Como Novalis sugeriu: clas organizam nosso conhecimento sem encerrar um conhecimento, em si mesmas. De modo similar, podemos dizer que os paradigmas de Kuhn, a parte de serem baseados no conhecimento, apresentam uma proposta de como deveriamos lidar com a realidade fisica ou demonstram como isto deveria ser feito, enquanto a “ciéncia normal” coleta o conhecimento que pode ser obtido pela aceitacao de um paradigma. A medida que 0 conhecimento histérico é sempre condicionade por estas propostas nao cognitivas ou maneiras de demonstrar o passado, seria injusto sustentar que elas sao meramente instrumentos para a obtencio de conhecimento do passado. Inferindo da declaracao de que a éum instrumento para atingir b, que @ é apenas um meio a partir do qual b é derivado, ¢ colocar questées de importancia secundaria acima daquelas de primeira importancia; ¢ estas propostas ndo cognitivas de como 0 passado deveria ser visto realmente so a espinha dorsal da escrita narrativa da historia. Ainda mais significativo é 0 fato de que os historiadores raramente, ou nunca, trabalham com grandes detalhes as 52 implicagdes cognitivas de suas propostas de como o passado deveria ser visto. Isto nao é porque os historiadores sao muito preguicasos para fazé- Jo. Duas razdes podem ser dadas: primeira: trabalhar estas implicagdes seria primariamente apenas uma especificagio mais detalhada da proposta em questao; segunda: trabalhar estas implicagGes nao nos levaria a um nivel no qual um conhecimento intersubjetivamente aceitével pode ser esperado. A meméria da proposta nunca ira se perder. De certo modo, contude, o historiador sempre permanecera preso ao seu proprio mundo histérico e esta é a razao pela qual essas propostas historiograficas sofrerio uma pequena “cisio” no dominio do conhecimento cognitivo. E, ainda mais importante, devemos nos perguntar se estamos corretos em exigir de uma disciplina que se saberes devam sempre tomar forma de conhecimente cognitivo e nunca de uma proposta. Nao ¢ frequentemente uma bem considerada proposta mais util a nds do que o conhecimento de que algo € 0 caso? Estas consideragoes podem ser usadas para explicar outro fato sobre a historiografia. Como vimos na se¢io 2, o conhccimento cognitive requer um intercambiavel sujeito do conhecimento — ¢ ainda, propostas estiia sempre conectadas com os individuos que as sugerem. Uma proposta que ¢ aceita unanimemente por todos perde a propriedade de ser uma proposta: ela se tornou uma regra e propostas nao sao regras. Uma parte essencial da natureza das propostas € que elas nao sao universalmente aceitas, enquanto elas sao, todavia, sujeitas a discussio racional. O fato dea dissensao entre os historiadores ser de uma natureza muito mais dramatica ¢ permanente que em outras disciplinas nao deveria, portanto, preocupar-nos nem nos surpreender, A afinidade da narrativa com o historiador individual (em contraste com o sujeito geral do conhecimento), conforme citado na secdo 1, é também demonstrado pela propriedade da narrativa de ser uma proposta, ‘O desacordo entre os historiadores nos conduz.a um problema final a ser aqui considerado. Foi sugerido repetidamente que o fato de que a narrativa é essencialmente uma proposta, nao descarta a possibilidade de um debate racional, Mas como isto pode ser? Ordinariamente, a discussio cientifica parece valer & pena, uma vez que ambos 0s participantes afirmam no debate estar nos dizendo o que a realidade e estamos na posicio de comparar estas pretensées de conhecimento com a realidade em si mesma, Entretanto, propostas nao podem ser comparadas 4 realidade mesma; entio, 0 que nos capacita a distinguir entre uma proposta sensata ¢ uma insensata? A fim de responder a esta questio, devemos comegar com 0 reconhecimento de outro aspecto da narrativa histrica. A narrativa consiste de declaragées. Quando discutimos os méritos de uma narrativa histérica, fazemos por meio de outras declaragdes, cujos termos sujcitos referem-se 4 narrativa em questao, Em tais discussées a narrativa histérica € algo a respeito do que se fala, mas cla nunca faz uma aparicgo por si mesma nas declaracées utilizadas. Declaragdes de uma narrativa nio fazem parte das declaracées. Deste ponto de vista, narrativas histéricas sao similares 4s coisas extralinguisticas que conhecemos da vida cotidiana, como cadeiras e casas. Se falarmos sobre uma cadeira ou uma casa, as palavras usadas para denotar tais coisas aparecerao em nossa linguagem, mas nunca aquelas coisas em si mesmas. Parece razoavel definir as coisas como aquelas entidades sobre as quais podemos falar sem que estas nunca tenham feito parte da linguagem. Deve ser observado que esta é uma definicao da palavra coisa e nao uma proposta para uma ontologia especifica. Uma definigao da palavra coisa afirma o que serd verdadero sobre as coisas, independente da ontologia preferida. Contudo, se aceitames a definigio dada hi um momento atras, as narrativas hist6ricas sao coisas, como cadeiras ou casas. Este € um resultado interessante 4 medida que ele indica que, aparte da linguagem e das coisas - ordinariamente reconhecidas como sendo- as Gnicas categorias - ha ainda uma terceira categoria que combina caracteristicas de cada uma das anteriores. Podemos representar este estado de coisas por meio do diagrama a seguir: 54 I. Linguagem TIL, Realidade | O lado direita do diagrama (categorias II ¢ II) sempre foi central para a discussiio filoséfica. Todos os problemas filoséficos agrupados em torno dos tépicas da verdade, referencia, epistemologia ¢ a validade de declaragdes-gerais devem ser localizados aqui. Contudo, ha também estas propostas narrativas que nao se referem nem correspondem 4 realidade, e apenas podem ser referidas na linguagem sem sequer ter feito parte daquela linguagem. Ainda essas propostas narrativas sempre sdo expressas em linguagem. Portanto, elas ndo podem ser reduzidas & categoria TI ou & TI ¢ merecem, assim, um lugar préprio em nosso diagrama, Nao estou dizendo que as categorias I ¢ II esgotaram todos os possiveis usos da linguagem; sé desejo assinalar que, se investigamos © uso narrativo da linguagem, uma distincao deve ser feita entre as categorias Te II. Além disso, ha uma importante conexao entre os lados dircito ¢ esquerdo do diagrama, Em certos casos, pode acontecer que as propostas que encontramos do lado esquerdo sao geralmente aceitas ou. nao reconhecidas como tais, ou repetidamente tomam a mesma forma. Em tais casos, a proposta pode perder suas caracteristicas, tornando. se, entéo, uma regra concernente em como a realidade deve ser vista ¢, portanto, de como a linguagem deve estar conectada com a realidade. entdo teremos nos mo" io do lado esquerdo para o lado direito do diagrama. Um exemplo pode, esclarecer esta sugestdo: interpretacgdes. narrativas do passado ganham um nome proprio, a expressdo guerra ‘fria refere-se, assim, & certa interpretagao da histéria politica desde, digamos, 1944 a 1960 (cd estou eu ignorando as diferencas entre as interpretagdes individuais propostas por historiadores do periodo), Embora a referéncia seja feita ao passado, nas declaracdes contidas em tal interpretacao narrativa, a expresso a guerra fria se remete a tal interpretacio ¢ nio ao passado em si mesmo. Ademais, suponhamos que por um longo tempo todos os historiadores estiveram de acordo que a proposta de como o passado deveria ser visto & razoavel, Em tal situacdo, a questio de se realmente houve ou nao uma Guerra Fria terd se tornado igualmente boba, tal como a questao de se realmente houve um individuo chamado Harry Truman que foi presidente dos Estados Unidos, Uma proposta universalmente acordada foi engessada em um fenémeno histérico 0 qual ¢ parte do passado em si mesmo. Uma nova convengao foi adotada acerca de como a linguagem deveria estar conectada as palavras, e de agora em diante a expresso guerra fria nao mais lado. referird a uma coisa do lado esquerdo, mas a uma coisa do ito de nosso diagrama,” © argumento tem duas importantes implicacdes. Primeira: sugere quea filosofia da linguagem anglo-saxd moderna sempre tio facilmente tomou como certo o tipo de coisas que acreditamos existirem: uma & Taramente interessada na questae sobre o que nos faz preferir reconheeer uma coisa ou um tipo de coisa acima de algum outro conjunto, Foucault (1973) estava certo quando observou que nosso inventario da realidade pode mudar drasticamente com o tempo, uma vez que a questao acerca de que a realidade contém esta sujcita ao debate racional, e esta € uma importante tarefa da filosofia para esclarecer a matureza de tais debates." Que (tipos de) coisas que acreditamos compor o inventario da realidade so sempre resultado de uma interpretagao essencialmente histérica da realidade e nunca um mero dado. A ciéncia nos fala a respeito da propriedade das coisas; a histéria di a nossas percepgées a coesdo necessdria para reconhecer (tipos de) coisas, A separacao entre linguagem e realidade (0 lado direito do diagrama) e o reconhecimento ® Para uma exposici Nijhoff, 1983, p. * FOUR mais detalhada, ja: ANKERSMIT, E Narrative Logic, The Hague: Martinus 169. 1M. The onder of things, New York: Routledge, 1973, p.av-axiv, de certas coisas na realidade sao resultado ¢ estagio final de uma percepgao histérica da realidade. Mas desde que usamos a linguagem do historiador, nenhuma separacdo clara entre linguagem e realidade é possivel, uma vez que a linguagem ainda contém termos como guerra jria, que possui caracteristicas de ambas. Isto provavelmente explica a curiosa tendéncia de tantos historiadores e fildsofos da historia em atribuir 8 linguagem o que é verdadeiro sobre a realidade e vice-versa A outra implicagao ¢ esta: na segao 1, associei 0 reconhecimento do carater histérico da realidade com a.afirmagae de Hegel de que muito na. histéria nao pode ser reduzido a ago humana intencional. A discussio anterior demonstra que nao deveriamos interpretar esta declaragao de Hegel como uma teoria que refere-se aquilo que a realidade (histérica) contém. Nao é assim que, em acréscimo as agdes humanas intencionais, 0 passado também contém os resultados no intencionais da agdo humana intencional -— 0 tipo de coisa que o Tuminismo falhou em perceber, Fm contrapartida, a afirmacio de Hegel deveria ser Vista como uma teoria sobre a linguagem (historica). A linguagem pode ser usada para falar sobre a acdo humana intencional (aqui, linguagem corresponde a realidade de uma maneira relativamente nao problemética), Além do mais, a linguagem pode ser usada para falar sobre estes resultados nao intencionais da ago humana intencional. Contudo, neste caso, a linguagem nao mais é usada para descrever 0 passado, mas para interpreté-lo. As coisas referidas dentro deste uso da linguagem nie sio parte do passado c sim de um “universo narrativista’. Consequentemente, a secessao do individuo romantista (ic, 0 historiador moderno) da ordem social (do Iluminismo) nao significa que os historiadores atingiram agora uma parte até entao negligenciada da realidade que ird, todavia, sempre se manter em inescrutavel segredo perante eles. A questo nao é a descoberta de uma nova parte do passado, mas de uma nova dimensio para o uso da linguagem (historiografica). L. “What are historical facts” be MEYERHO! © Um bom exemplo encentea-se em: BECKER, HL (Ed.). The philosophy of history in our ime, 1959. Neste artigo, fatos ea interpretacao de latos sg identified entee si Ela reflete a descoberta da dimensio do debate histérico referente a Propostas feitas no que concerne a como o passado deveria ser visto, E verdade que 0 conhecimento aceitavel a todos os historiadores niio pode ser encontrado aqui - e isto explica como 0 vazio entre 0 individuo romantista e a ordem social veio a existéncia. Entretanto, as implicagées dramiticas eameagadoras da visdo que se tem desse vazio instransponivel desaparecerao se estivermos conscientes da natureza e consequéncias dessa nova maneira de falar sobre a realidade socio-histirica, resultante dessa nova dimensao da linguagem: ela simplesmente criou o “espaco l6gico” que torna a sso histérica eo debate histérico possive Porém, discussao ¢ debate assumem que possuimos 0 critério para decidir quem esta certo e quem esta errado. Qual seria o propésite da discussao se as propostas que esttio sendo discutidas se provém como sendo completamente arbitrarias? Como o leitor ird lembrar, este foi o problema que deu inicio 4 minha exposigao do fato de que propostas narrativas sao coisas. E uma propriedade das coisas a de possuir certa unidade e coesa ao se uma coisa nig possui tais propriedades cla poderia ser uma coisa, mas um mero agregado, Dessa forma, tal como as coisas ordindrias, narrativas histricas deveriam ter tanta unidade € coesio quanto possivel. Dividimos a realidade em (tipos de) coisas as quais tm um maximo de unidade e coesio (e podemos discutir significativamente o nivel de sucesso abtido no empreendimento); de modo similar, as coisas narrativistas criadas pelo historiador no universo narrativista deveriam ter esse maximo de unidade ¢ coesao. Isto explica porque historiadores ¢ fildsofos da histéria, especialmente aqueles da tradicgo do historicismo alemio desde Ranke,” sempre requereram que o historiador trouxesse a unidade ¢ a coesio daqueles diferentes aspectos ou partes do passado por ele investigados. A tinica objecao que alguém pode formular contra esta sugestio historista® € que tal unidade * Historismo no podesor confundido com historicismn, Desde livro de Kar] Popper, The Poverty. of Historicism (London, 1957), v term bistoricisme-é ordinariamente reservado para se referir as filosofias especulativas da historia Jveja nota 24] Em nota presente na introdugao de seu livro History and tropology (1994), Ankersmit apresenta o seguinte exclarecimento (perfeitamente aplicivel neste caso) sobre estes termos: 57 58 coe: no residem no passado em si mesmo nao podem, assim, ser “descobertos” pelo historiador camo se sempre tivessem estado la. O historiador ¢ quem conjere esta unidade ¢ caesao ao passado por meio de sua proposta narrativa de como o passado deveria scr visto. Unidade © coesio nao sio propriedades do passado, mas da narrativa histérica proposta para a interpretagdo do passado. Os méritos relatives as narrativas histéricas, desta feita, sio- apurades por meio de uma avaliagdo de sua unidade ¢ coeréncia internas. Mas, podemos perguntar a seguir: onde encontramos esta unidade e coeréncia? Nesta conexéo devemos fazer distingdo entre duas formas de olhar a narrativa do historiador: 1) narrativa vista como. uma conjungie de declaragdes separadas e singulares; 2) narrativa considerada em sua totalidade. A pr ira vista, pode parecer dbvio que a primeira forma de enxergar a narrativa do historiador sera mais bem- sueedida em descobrir a unidade ¢ coeréncia da narrativa. Certamente, € verdade que as declaragées da narrativa historica deveriam ser mutuamente conectadas de uma forma coerente € inteligivel. Se uma narrativa histérica passeia de um assunto a outro ¢ suas declaragées sio misturadas de uma forma imprevisivel, certamente estaremos justificados em chamar tal narrativa de incoerente. No entanto, esse tipo de (in)coeréncia nao ¢ tipica de narrativas (hist6ricas ou nao); qualquer um que escreve um tratado matematice, um sermao, um romance, um livreto etc., tem de satisfazer a exigéncia de um uso coerente da “0 teem historiemo seré wtlizade para se referir ao tipo de teoria histGrica desenvolvica por Ranke ¢ Humboldt, por exemplo, cujas declaragies teGricas principais foram coletadas por G. G, Iggers e K. Von Moltke (Eds.). In: The theory and practice of history, New York, 1973. (Conforme Mandelbaum, ‘historismo’ pode ser definido como “a conviegao de que um adequado entendimento da natureza de qualquer fenémeno e uma adequada avaliacio de scu valor devem ser obtidas consideranda-as em termos do lugar que ocupam ¢ 0 papel desempcnhado junto a sum processo de desenvolvimento’: Veja MANDELBAUM, M. History. man c reason. Baltimore, 1971. ‘Historismo’ dessa mancira entendido é, de modo nenhum, idéntico a histericfsme, 0 qual no sentido do uso de Popper do termo, refere-se a concepgbes da histéria com o objetivo de prever o future. Filosofias cspeculativas da historia sdo historicistas ¢ o vazie entre historisme e historicismo ¢ tao profundo quanto aquele existente entre modernism € ps rivwdesnisiiy (o] ‘© pos-mademnisma esta relacionade com o Modernisme assirit comme o historisme esté pata 6 Jhaminismo’, Ver nota de rodupé 11, cm: ANKERSMIT, F, History and tropology: the xe aad all of the metaphor. Berkeley: University of California Press, 19%, p. 02. [Nota do tyadutor] linguagem. Entao, consideremos a segunda abordagem. Se ensejamos discutir o problema da unidade ¢ da coeréncia de uma narrativa como um todo, devemos, em primeiro lugar, ser capazes de identificar a Proposta feita na narrativa em questao a qual declara como a passado deveria ser visto. Vimos que a narrativa historica é essencialmente uma Proposta, entio a coeréncia narrativa apenas pode ser discutida se soubermos como descobrir sobre a natureza das propostas em questao, A dificuldade ¢ que a natureza dessas propostas apenas se torna clara em contraste com outras propostas de génera. Se tivermos apenas a narrativa sobre, por exemplo, a Revolucio Francesa, seremos incapazes de determinar qual proposta feita é sobre come deveriamos olhar para a Revolucio Francesa, Em tal caso, podemos até mesmo esquecer que essa narrativa incerpora uma proposta ao todo e virmos a concebé-la como um reflexo do passado real da mancira sugerida pelo paradigma iluminista. Essas propostas sio sempre maneiras de ver o passado, € se nos ¢ oferecida apenas uma maneira de olhar para o passado, isto facilmente se transformaré em uma convicgio concernente a como o passado realmente foi. O nivel da unidade e coeréncia da narrativa é, portanto, um caso relative: podemos apenas chegar a conclusées concernentes a ele comparando a narrativa em questio com outras sobre 0 mesmo (ou intimamente relacionado) assunto, Por conseguinte, a unidade € coeréncia narrativas sempre vém “de fora’, por assim dizer: elas nao tém sua fonte tanto na narrativa em si - pelo menos nao exclusivamente — como acentece na controvérsia envalvendo varias narrativas sobre um mesmo tépico. Isto esti, obviamente, de acordo com a exigéncia prévia de que o conhecimento histérico nao deveria ser visto como conhecimento cognitive, no sentide proprio da palavra, mas, ao invés, como um estégio em um debate continuo. Como corolirio, ndo ha critério fora da apresentagao narrativa do passado que nos possibilita estabelecer, de uma forma “narrativamente independente”, uma unidade e coeréncia histérica narrativa. O passado em si mesmo nos fornecerd 60 argumentos nestes debates historiograficos, mas munca o pasado em si € 0 que sera decisiv Por fim, este apelo final ao debate historiografico significa qu nossa investigacao filoséfica da escrita narrativa da historia deve chegar ao fim aqui. Nao é tarefa do filésofo da histéria, mas dos historiadores formularem, seja implicita ou explicitamente, regras gerais a respeito de quais consideracées deveriam ser decisivas na discussao historiografica Ao filsofo da histéria apenas é permitido dizer que unidade ¢ cocréncia compéem o critério formal para a avaliagio dos méritos relatives das narrativas histéricas; j& sobre qual contetido material deveria ser oferecide a este critério formal fica para os historiadores decidirem. ConcLusio Deixe-me resumir. Vimos que a concep¢ao romantica do lugar do individuo (historiador) na (ou fora da) ordem social foi a condigao necessdria para um auténtico reconhecimento dos insondaveis ¢ fascinantes segredos do passado. Desde entio, a estranheza do passado tem sido a condigao para nosso autoconhecimento como herdeiros de uma longa evolucdo histérica. Paradoxalmente, a estranheza ¢ 0 tinico espelho no qual podemos reconhecer a nés mesmos. Quanto mais fazemos 0 mundo (por exemplo, 0 pasado) fora de nds, estranho, alienigena ¢ impenetravel, mais profundo se tornaré o conhecimento sobre nds mesmos, Este insight de que um estranhamento da realidade € 0 preco que temos de pagar pelo autoconhecimento foi, acredito, uma das principais fontes do desespero romantico (para o Iluminismo, autoconhecimento era a condigéo para uma crenga otimista na integracdo do individuo com a sociedade). A historiografia moderna extraiu sua inspiracao desta fonte. Traduzido nos termos dos instrumentos linguisticos que temos a nossa disposi¢ao para a transmissio do conhecimento da realidade, a vitria do Romantismo sobre a filosofia da lei natural iluminista significa uma virada da declaracéo geral para a narrativa histérica, HA uma assimetria na relagao entre a declaragao geral ea narrativa. A declaracdo geral (como a declaragao singular) é, ou expressa, conhecimento o qual na narrativa é usado apenas para ganhar insight. O insight histérico nao lem um carater cognitivo, mas € essencialmente uma proposta de como o passado deveria ser visto. Nao é um conhecimento, mas uma organizacao de conhecimente. O que € tao interessante sobre o uso narrativo da linguagem ¢ 0 fato de que aqui a rela¢ao entre linguagem e realidade € sistematicamente desestabilizada; a linguagem narrativa pode perturbar esse balanco entre linguagem e realidade, uma vez que ela tem uma autonomia propria. A linguagem narrativa se libertou de suas amarras 4 realidade (histérica) e construiu por si mesma uma plataforma da qual ela pode funcionar como um drbitro no debate concernente em como a linguagem e a realidade deveriam estar relacionadas uma 4 outra. As certezas das regras epistemoldgi do debate historiografico. Tso ¢ muito interessante porque uma das mais conspicuas caracteris as contribuiram para a abertura -as da presente filosofia da ciéncia é uma tendéncia similar em ampliar o vazio entre linguagem ¢ realidade. Quando Kuhn usa o terme incomensurdvel, ele quer enfatizar que em certas fases na evolucio da ciéncia, no se pode apelar a realidade fisica em sia fim de definir a natureza do desacordo entre os cientistas. Em tais s uagdes, a linguagem “histérica” é 0 tinico recurso que temos; dai o abandono de Rorty (1980) da epistemologia em favor de uma hermenéutiea inspirada por Gadamer* Asituagao na qual a ciéncia se encontra debaixo de taiscircunstancias €endémica na historiografia. A narrativa historica ¢ o uso da linguagem pelo historiador sao, portanto, nao apenas de interesse de historiadores ¢ filésofos da histéria, mas de filésofos da linguagem em geral. Um dos RORY, R. Philosophy and the mirror of nature. New Jersey: Princeton, 1980, part 3. Veja também: BERNSTEIN, R. J. Reyoned objectivisin and relativism, Oxford, 1983, 61 62 fatos mais fascinantes sobre linguagem é que ela nao apenas expressa conhecimento, mas pode ser wsada (no sentido legitimo da palavra) para a construcio de entidades linguisticas que sio ambas, linguagem e coisas. E essas entidades linguisticas so as matrizes para a geragao de novo conhecimento. CAPITULO 2 LINGUISTICA, TEORIA LITERARIA E TEORIA DA HISTORIA Em 1973, Hayden White publicou a sua, agora famosa, Meta- Histéria, O livro é geralmente aludido como sendo um ponto de virada, como € mais adequado para uma teoria sobre a tropologia, na historia da teoria da historia. Obviamente, ¢ preciso ser apenas superficialmente consciente da evolugao da teoria da historia apés a Segunda Guerra Mundial, a fim de reconhecer que esta se tornow uma disciplina fundamentalmente diferente desde a publicagio da obra magna de White. Diferentes questdes passaram a ser levantadas, diferentes aspectos da escrita da historia passaram a ser investigados e nao seria exagero dizer que, gracas a White, o tipo de historiografia que agora € objeto de estudos tedricos ¢ muito diferente daquele que a geracdo precedente de historiadores acreditava ser exemplar. Estamos agora a quase quatro décadas depois, ainda no come¢o de um nove milénio, de modo que este, sem dtivida ¢ um momento apropriade para avaliar o que foi ¢ 0 que nao foi obtido. A fim de fazé- lo, abordarei, mormente, a questao da relacaio entre a chamada Virada Linguistica, de um lado, e a introducae 4 teoria literdria como um instrumento para a compreensao da escrita da historia, de outro. Minha conclusao sera (1) que ha uma assimetria entre as reivindicagées da Virada Linguistica e os da teoria literdria; (2) que a confusao entre estes dois tipas de reivindicacdo tem sido mais infeliz desde @ perspectiva da teoria histérica; ¢ (3) que a teoria literéria tem muito a ensinar ao historiador sobre a escrita da histéria, mas nfo tem qualquer forma de influéncia sobre os tipos de problemas que sao tradicionalmente investigados pelos tedricos da histéria. A Virapa LinGuistica £ A TEORIA DA HISTORIA A revolu¢ioproduzida por Whitena (coria historicacontemporanea tem sido frequentemente associada a chamada Virada Linguistica. E corretamente, visto que a principal tese deste autor tem sido que nosso entendimento do passado é determinado nao s6 por aquilo que nele ocorreu, mas também pela Hinguagem utilizada pelo historiador para falar dele - ou, como ele mesmo prefere colocar, que o passado é tanto “produzido” (pela linguagem do historiador) quanto ¢ “descoberta” (nos arquivos). Nao obstante, quando White faz esta afirmagio, ele as vezes tem algo em mente que ¢ diferente do argumento das fildsofos para a Virada Linguistica. Para uma apreciagao satisfatéria do que a revolugio de White provocou na teoria da histéria, valeré 4 pena identificar essas diferengas e considerar suas implicagbes, “Por ‘filosofia linguistic’ me refiro a visio de que problemas filoséficos sio aqueles que podem ser resolvidos (ou dissolvidos) também pela reforma da linguagem, ou por um melhor entendimento da linguagem que usamos atualmente”; assim escreveu Richard Rorty na introducio de sua influente colegio sobre a Virada Linguistica. Problemas filosdficos nascem quando, na famosa formulacio de Wittgenstein, “a linguagem sai de férias” e comega a criar um pseudomundoadicional ao mundo com o qual a linguagem tem de lidar em seus dias ordindrios de trabalho. De inicio, isso pode parecer um reforco & posigao empirista: o programa filoséfico linguistico nao nos * RORTY, R, “the linguistic turn: recent essays in philosophical method”: Chicago, 1967p. € veja também p33 recomenda julgar todos os problemas filoséficos camo iluséries, isto é nao redutiveis tanto A construgdo de uma linguagem ideal (que nao pade gerar problemas pseudofiloséficos) quanto a investigaco empirica? E isso nao esta de acordo com a ortodoxia empirista, como jd formulada por David Hume (1972),’ de que toda crenea verdadeira pode ser reduzida a verdade analitica ou empirica? Obviamente, esta intui¢do nao estd toda errada: alguém precisa apenas pensar em Linguagem, verdade e légica, de Ayer”, a fim de perceber que ¢ possivel ser um empirista ser um advogado da Virada Linguistica. Mas a Virada Linguistica pode ser apresentada em um nivel mais profunde como tendo implicagdes antiempiristas. Empiristas ¢ advogados da Virada Linguistica podem amigavelmente viajar juntos até A estagio da necessidade de distingao entre a fala ea fala sobrea fala. Ambos irdo argumentar que a falha em fazer essa distingao deu origem a diversos pseudoproblemas que ocuparam a filosofia tradicional. Contudo, apés ter alcangado tal estagio, cada um seguiré sua propria rota, © empirista tender a identificar essa distingao com a distingao. entre verdade sintética ou empirica (0 nivel da “fala”) e verdade analitica (o nivel da “fala sobre a fala”). Mas aqui, os mais radicais advogados da Virada Linguistica irdo expressar suas dividas, eles irao pontuar que essa identificagio peca contra a propria reivindicagio empi a medida que ela ndo pode ser reduzida, seja A verdade empirica, seja a verdade analitica — entio, mesmo em pressuposicdes empiristas, tal identificagdo deveria ser estigmatizada previamente como um nao comprovado “dogma do empirismo”. A seguir, eles irio enfatizar que a identificacdo esta profundamente em desacordo com o que sabemos a respeito do curso das coisas nas ciéncias: aqui, a fala sobre a fala Na famosa formulagio de Hume, “quando coreeiios pelas livrarias, convencidos desses principios, que devastacao devemios fazer? Se tomamos qualquer Volume nas mios;dedivindade ouescola metafsica, por exempluy deixe- nos perguntar, ele contém qualquer raciocinio abstraio concernente a quantidade ou nimero? Nao, Ele contém qualquer raciocinie experimental concernente @ uma questio de fato © & existéncia? Nao. Jogue-o ento no fogo; porque cle ado pode conter nada senio sofisma ¢ ilusio’. Ver: HUME, D. An enguiry concerning human understanding. Edited by L.A. Selby-Bigge, Oxford, 1972, p. 16 ™ AYER, A. J. Linguagern, verdade ¢ légica. Lisboa: Fditorial Presenga, 1991 66 frequentemente ser parte da aquisicao de um conhecimento empirico. Esse € 0 procedimento que Quine chamou de “ascensdo seméntica’ E, a fim de ilustrar o que tinha em mente com essa nogao, ele da o seguinte exemplo, apontando que “a teoria da relatividade de Einstein nao foi aceita somente por suas reflexdes em relacao ao tempo, luz, corpos celestes, ¢ perturbagées do merctirio [assim, 0 nivel da fala], mas por suas reflexdes teéricas em si, como discurso, ¢ sua simplicidade em comparaco com teorias alternativas [assim, o el de fala sobre a fala" F, evidentemente, Quine nao estava aqui advogando um retorno a uma filosofia pré-linguistica, a medida que ele propde como a “ascensio linguistica’, do primeiro ao segundo nivel, pode contribuir ao conhecimento empirico ~ e estes pressupostos sobre a distingao entre os dois niveis tém sido ignorados tao frequentemente pela filosofia pré- linguistica. Em um classico ensaio de 1951, “Dois dogmas do empirismo”, Quine ja havia utilizado a Virada Linguistica para um alaque frontal ao empirismo. O dogma em questdo é descrito como “crenca em uma clivagem fundamental entre verdades que sio analiticas, ou balizadas em significados independentes do fato, ou em verdades que sao sinttéticas ou balizadas no fato’” © dogma em questao ¢ a reivindicagao empirista de que 1) toda crenga verdadeira pode ser retracada em duas fontes de verdade (isto é primeiramente, 0 que sabemos sobre experiéncia empirica; segundo, o que podemos derivar de premissas verdadeiras pela analitica dedutiva); 2) de que mio ha fontes de verdade; e 3) de que a verdade empirica pode sempre ser distinguida da verdade analitica, Quine defendeu que existem declaragbes verdadeiras que podem encaixar-se em ambas as categorias, e que, portanto, a distingdo entre verdade sintética c anali a ndo € tio clara como as aguas tanto quanto. s de Quine, podemos pensar, porexemplo,a lei de Newton deacordo coma qual forga os empiri stas pretendiam que fosse. Para ilustrar as intengoe: * QUINE, W. V.O. Word and object. Cambridge (Ma), 1972, p. 272 * QUINE, WV. 0, “Twodogmas of empiricism’ Jn: From « logicaf point of view. Oxford, 1971, p. 20 (atifo meu). produto da massa vezes a aceleragio, Podemos dizer que a declaracao € empiricamente verdadeira pois esta de acordo com o comportamento observado dos objetos fisicos. E que, entdo, cla é uma verdade empirica ou sintética (a ser situada no nivel da “fala”). Mas podemos tarnbém dizer que a lei € uma verdade conceitual a respeito das nogdes de fora, massa ¢ aceleragao. Entao ela ¢ também uma verdade analitica 4 medida que é verdadeira por causa do significado dos conceitos (a ser situada no nivel da “fala sobre a fala”). Resumindo as implicagées do argumento de Quine contra a distingao entre empirica ¢ analitica, Rorty escreveu: © livro “Os dois dogmas do empirismo” de Quine desafiou esta distingao, com a nogaio padrao (comum a Kant, Husserl ¢ Russell) de que a filosofia permanece sendo, para a ciéncia empirica, de estudo da estrutura para estudo do contetide, Dadas as ditvidas de Quine (semelhantes a de Wittgenstein nas Investigagdes filosdficas) de como dizer quando estamos cedendo a compulsae da “linguagem’” ao invés da “experiéncia’, fica dificil saber em que sentido a filosofia separou © questionamenta “formal’, para entdo ter © carter apodictico desejado."! Assim, a implicagao crucial éque nem sempre podemos estar certos se nossas crengas possuem suas origens na “compulsio da experiencia” = na qual a realidade empirica mostra ser 0 caso - ou na “compulsio da linguagem’, na qual se cré com base em um argumento @ priori, filoséfico ou analitico, Isto é também porque se pode falar sobre uma Virada Linguistica: de modo contrario convicgio empirista, o que acreditamos ser verdade pode, pelo menos, as vex r interpretada como uma declaragao sobre a realidade e como uma declaracio do significado da linguagem ¢ das palavras que nela usamos. Assim, a linguagem pode ser uma produtora de verdade née menor do que a realidade. Agora, um argumento antiempirista similar pode ser defendido na perspectiva da escrita histérica também. Mais do que isso, como veremos oportunamente, a relevancia da Virada Linguistica é muito ™ RORTY, R. Philosophy and the mirror of nature. Oxford, 1980, p. 169. maior para as humanidades do que para as ciéncias. Pense em um estudo da Renascenga ou do Iluminismo. Entdo, assim como no caso da lei de Newton, alguém pode dizer pelo menos duas coisas sobre tal estudo. primeiro lugar, poderia ser argumentado que uma investigagao histérica da parte relevante do passado ¢ a base empirica para a visio especifica sobre a Renascenga ow o Huminismo, Mas poder-se-ia dizer, igualmente, que tal estudo nos pres nei: com uma definicdo— ou com uma proposta de defini¢ao - da Renascenga ou do Iluminismo. Outros historiadores escreveram outros livros a respeito da Renascenca ou de Iuminisme e associaram-nos com uma série de aspectos diferentes da parte relevante do pas: diferente da Renascenca e do Iuminismo. F se é dessa forma que eles do ~ ¢ esta éa razdo pela qual eles vieram com uma definigao decidiram defini-los, entao tudo o que cles vinham dizendo a respeito deve ser (analiticamente) verdade, desde que o que foi dito puder ser analiticamente derivado do significado dado aos termos Renascenca ou Tuminismo. Sera, assim, uma verdade conceitual, tal como a lei de Newton pode ser interpretada como uma verdade conceitual. Q mesmo pode ser dito a respeito de termos como “revolugio?, “classe social’, e, de modo semelhante, até mesmo de termos nao ambiguos e bem definides como “paz” ou “guerra” Tomemos o termo “revolugdo”. Em scu renomado livro ‘Ihe anatomy of revolution (A anatomia da revolugio), Crane Brinten (1965) aberdou quatro revolugées: a Revolugao Inglesa dos anos 1640, a Revolugado Americana, a grande Revolugdo Francesa e a recente — ou presente - revolugao na Rissia.* Como 0 titulo do livro jé sugere, Brinton queria discernir algumas fei¢des ¢ padrdes que sao partilhados por todas as revolugdes. Ele as encontrou, maiormente, no fato de que todas elas parecem ter superado a fase do Antigo Regime por meio do reino dos moderados c 9 reino subsequente dos extremistas, até a fase final do “Ihermidar’. Nesse sentido, uma analise comparativa das revolugSes permitiu que Brinton descobrisse algumas verdades empiricas sobre elas. ° BRINTON, C. The anatomy of revolution. New York: Vintage Books, 1965, p. 7. fase final da revolugdos o dkcimo primeira més do calendérin revalucionsrio {julho ngs da cilera ou ardor [Nota do tradutor}. Contudo, o problema da sistematizacdo de fenémenos tais como FevolugGes é que eles parecem depender tanto daquilo que alguém, de fato, encontra no passado quanto de como decide definir @ palavra “tevolugao”. Essa observacio jé {oi exemplificada pela escolha de Brinton em discutir as revalugdes. Ele entao inclui a Revolugio Americana na lista derevolucGes a serem analisadas, enquanto historiadores marxistas, Por exemplo, irdo argumentar que esta ndo foi uma legitima revolugao, a medida que nela faltou o aspecto da luta de classe, que os marxistas veemn como condicao sine qua non para que algo seja contado como uma revolugio. Se Brinton tivesse adotado uma definigao diferente para a palavra “reyolucio” ele provavelmente teria terminado com diferentes resultados empiricos sobre revolugdes. Em seguida, o que Brinton faria com um conflito social semelhante a suas revolugdes em todos os asp tos relevantes, exceto pelo fato de que é impossivel fazer distincao entre 0 reino dos moderados e o dos extremistas? Recusar- se-ia ele a ver ste conflito social como uma revolugdo por causa disso; 6U, ao contrario, veria cle aqui uma ocasifo para rever suas tipolo, de revolugio? Ambas as op¢des parecem estar abertas aele e isso sugere poderosamente a equivaléncia entre a compulsio da linguagem e a da experiéncia nesse tipo de anilise social ¢ histérica, Assim sendo, tanto no caso da resisténcia marxista contra a vi isdo de revolugSes sem Iuta de classes quanto no caso das revolugdes desmentindo as tipologias de revolugdes de Brinton, deparamo-nos de novo com a questo “o que é uma revolucio?”. E quando historiadores tm de lidar com aporias desse tipo, questes de significado e questdes de fato empirico tendem a tornar-se indistinguiveis. Isto nao & contudo, uma fraqueza da escrita da histér ea verdade de re se misturam € precisamente para o que precisamos da pois como saber lidar com casos em que a verdade de dicto escrita da histéria* A tentativa de resolver esses dilemas sacrificando um tipo de verdade pelo outro poderia significar o fim da escrita da * 8 comm na linguistica, bem como na fllsofia da linguagem 0 uso dessas duss expresses pink demarcat importantes distingbes. Assim, “de dicta” significa “da palavea’ e "de re” significa “da coisa [Nota do tradutor|. historia enos roubaria um indispensavel instrumento para compreender © mundo social em que estamos vivendo. Ainda mais ilustrativo é 0 exemplo a seguir: em seu livro Social origins of dictatorship and democracy (Origens sociais da ditadura ¢ democracia, de 1993), Barrington Moore também d senvolve uma andlise comparativa da revolucao, de uma forma infinitamente mais profunda que a de Brinton, Em uma resenha bastante perspicaz, Theda Skecpol (1973; 1974) discutiu o conceito de Moore da chamada “revolugao burguesa’, como exposto no presente tratado m: magistral sobre a revolucao, Fla aponta que, para Moore, revolugdes burguesas sio, respectivamente, a Revolucdo Puritana de 1640, a Revolucao Francesa ¢ a Guerra Civil Americana. Note que, Moore, diferente de Brinton, nao considera a Revolugio Americana de 1776 como tendo sido uma “real” revolugio e atribui tal honra (se for uma honra) apenas a Guerra Civil. Na histéria, o que ordinariamente é chamado de revolugao pode, para certos historiadores, ndo ser uma revolucado, enquanto o que ordinariamente nao é considerado uma revolugao pode ser defendido por alguns come sendo uma. Em seguida, Skocpol observa que, quando. Barrington Moore contrasta a “revolucio burguesa” com as revolugoes, fascista ¢ comunista, ele o faz ndo identificando uma explicagao variavel independente de porqué em alguns casos se tem uma revolucao burguesa (e, em outros, uma fascista ou comunista), mas meramente olhando para os resultados das revolugées, ou seja, observando se uma revolucao termina sendo burguesa, ou sendo fascista ou comunista. E. como se vocé estivesse dizendo que alguma coisa ¢ uma mac ou uma péra, quando essa coisa prova ser unta macd ou uma péra, sem deixar claro o que faz uma maga ser uma maga ¢ o que faz uma péra ser uma péra. Nomear, entio, comeca a funcionar como um procedimento quase explicativo, & medida que uma inexplicdvel escolha do que deveria ser chamado de revolugio burguesa passa a ser, entio, a base para a explicagao da natureza das revolugdes, E Skocpol, portanto, corretamente conclui que o que Barrington Moore fez aqui “sofre de uma ldgica inter-relacianada ¢ de dificuldades empiricas”.* Ainda mais sincera é 0 filésofo da histéria holandés Chris Lorenz (quem, alids, nto é menos simpatico ao método comparativo dé Moore do que Skocpol), quando escreve que as generalizagées de Moore sobre as “revolucdes burguesas” séo verdades conceituais ao invés de empiricas* De acordo.com a mengio anterior, eu gostaria de enfatizar que nio ha nada necessariamente errado com isto, pois, nos escritos histéricos, seremos, muitas vezes, achados (quer gostemos ou nao) no nivel em que nio poderemos distinguir entre verdades de dicto e verdades de re. Nesse nivel, as decisGes tomadas irao determinar, em grande medida, a maneira como vemos 0 passado. Os tipos de critéria que sao decisivos aqui nao sdo redutiveis a questoes de verdadeiro ou falso ~ visto que elas Sao, essencialmente, decisées sobre que lista de verdades se ira preferir em detrimento de outras listas de verdades para uma melhor descrigio da(s) parte(s) relevante(s) do passado. Verdade, aqui, nao é 0 drbitro do jogo, mas o seu suporte, por assim dizer. Outro critério além do verdadeiro ou do falso deverd ser invocado — eé uma supersticao empirista dizer que nao ha outro tipo de critério que possa ser levantado e que, dessa forma, tudo sera relegado a preconceito, irracionalidade ¢ arbitrariedade. Como foi sugerido através tanto pelo exemplo da lei de Newton como pelo que podemos ver no caso de Renascenga ou Iluminismo, o fato da lei de Newton ou declaracoes a respeito da Renascenca ou [luminismo poderem ser construidos ao mesmo tempo como empirica ou analiticamente verdadeiros nao implica que nao possamos dar bons (ou pobres) argumentos em favor de nossa visio sobre a lei de Newton ou de uma conceituacao especifica sobre Renascenga ou Iluminismo. O debate histérico é uma prova suficiente do fato de que existem critérios racionais, além do critério da verdade, A critical review of Barrington Moores Social Origins of Dictatorship and Politics anal Society 4, 1973-1974, p. 14. Veja também 5,6. (Grifo nosso). % LOREN?, C, Koistruktion ser Vergangenheit. Eine Einfihrang in die Geschichtstheorie. Cologne, 1997, p, 273, 72 aos quais podemos apelar 4 medida que nos movemos para este nivel, Ebem possivel que nao seja assim tao facil identificar tais critérios para uma discus: 10 histérica racional, porém, seria “irracional” ver, nesse infeliz. fato, razao suficiente para simplesmente desistir da busca Por tais critérios. A relutancia empirista em reconhecer outros critérios além de critério da verdade deve, portanto, lembrar-nos do exemplo daquele homem cego, que afirma nao poder haver uma mesa no quarto onde esta apenas por ser incapaz de enxergé-la. Assim, como parece ter ficado claro com esse exemplo, de qualquer angulo que escolhermos para observar a Virada Linguistica, cla jamais podera ser interpretada como um ataque a verdade, ou como uma licenga ao relativismo, pois nao questiona a verdade em nenhum sentido, apenas o critério empirista de distingio entre verdade empirica eanalitica. Consequentemente, se alguns tedricos da historia estiverem incli dos a ler na Virada Linguistica um argumento em terno do que tém chamado de “relativismo linguistico’, no deveriamos segui-los, pelo menos nisso. Como tem ficado claro pela Virada Linguistica, a possibilidade de haver diferentes “linguagens” para se falar da realidade histérica nao é menos um argumento a faver do relativismo histérico que o fato de que podemos descrever © mundo em ingles, francés, alemao ou japonés, Obviamente, pode muito bem ser que o significado das palavras nessas linguas nao correspondam exatamente entre si — mas ainda que esse inegavel fato possa dar vazio ao dificil problema da tradugio de um texto de uma lingua para outra salva veritate,” nao deve ser entendido como um argumento contra a possibilidade de expressar a verdade em qualquer uma dessas linguas. Isto apenas poderia ser pensado na assungdo russeliana de que ha apenas uma lingwagem — isto ¢, a linguagem da ciéncia ~ que poderia permitir-nos expressar a verdade, Nao obstante, pode ser que certas linguagens histéricas nos deem acesso mais fé il A verdade do que outras. E deve ser acrescido * Um problema que certamente teremos de encarar na discussio historica, na medida em que a discussio histirica possa ser deserita coma um conflile entre diferentes inguagens” (ou vocabulérias). Porém, lidar com essa questo & algo «jue sai fora de escopa da presente ensaio, que (a) uma discussio sobre a adequagao dessas linguagens ¢ algo que faz parte do debate histérico e que, (b) come parece ter ficado claro, tais discussdes, para serem situadas no nivel da “fala sobre a fala’, nao devem ser reduzidas ao nivel apenas de acordo com o qual os empiristas esto dispostos a reconhecer. Foi observado, momentos atras, que a Virada Linguistica tem importancia tanto para a histéria como para as ciéneias. Mas nao ha ditvidas de que sua significancia é muito maior para a histéria do que paraas ciéncias. Visto quea indeterminagao da verdade pela experiéncia e da verdade pela compulsao da linguagem ira crescer a tal ponto que sera mais dificil estabelecer qual parte da linguagem corresponde a qual pedaco da realidade. Quanto menor foro espago para asincertezas nessa correspondéncia, menor sera nossa capacidade de ir a0 encontro da indeterminacao identificada pela Virada Linguistica. Agora, o sucesso explica-se indubitavelmente por sua inigualvel capacidade de manejar a referéncia; ou seja, em definir o significado de suas palavras econceitos em termos experimentais, ou pelo menos em termos de qual realidade (fisica) investigada mostra ser o.caso. Fm outras palavras, se retomarmos a distingdo de Frege entre “Sinn” ¢ “Bedeutung, entre significado e referéncia, pode-se dizer que as ciéncias foram eminentemente bem- sucedidas em terem excessivamente expandido a dimensdo de ‘Sinn” em detrimento de “Bedeutung” (embora, mesmo nas ciéncias, a antiga dimensao nunca esteja completamente ausente). Segue que a ascensao da compulsio pela experiéncia sobre aquela da linguagem sera bem mais pronunciada nas ciéncias que nas humanidades. A ciéncia tem uma afinidade eletiva muito maior com o nivel da “fala” ¢ da escrita da histéria que com o nivel da “fala sabre a fala’. Mas isso nao implica tampouco que tenhamos de ser céticos quanto a escrita da histria ou quanto a discusséo da perspectiva da verdade (como tanto os defensores quanto os detratores da Virada Linguistica na teoria da historia tendem a argumentar). A tnica inferéncia legitima admitida pela Virada Linguistica é a de que, na historia, a 74 verdade pode ter suas origens ndo menos na compulsio da linguagem do que naquela da experiéncia, Os empiristas tendem a cometer esse efro ea ficar alarmados com as alegadas implicacées do relativisme na Virada Linguistica, em fungao de sua crenga de que a compulsao- pela experiéne é 0 unico constrangimento em nosso caminho para a verdade e confiavel conhecimento que deve ser levado em conta - e, ainda, se alguém abracar esse preconceito (¢ isso nada mais é do que um preconceito), em seguida, esse alguém teria de seguir a ideia de que a escrita da historia flutua sem rumo no mar dorelativismo e do viés moral. € politico. (Assim como 0 cartesiano, em sua cren¢a na Razdo como a unica fonte confidvel da verdade, provavelmente condenaria a confianca empirista como o golpe de morte ao som da investigacio cientifica). Mas, tao logo, também damas lugar as compulsées da linguagem, pelos constrangimentos de um uso significative da linguagem, ndo haverd mais razao para condenagbes tao dramiticas e precipitadas da escrita da historia. Estou bem consciente de que esses comentarios otimistas sobre a escrita histérica serio considerados pela maioria das pessoas como profundamente contraintuitivos. Seguramente, elas argumentarae que a verdade é bem mais atingivel nas ciéncias que na escrita histérica com suas disputas interminaveis, com seus dtalogues des sourds (didlogos de surdos), com seus frequentes mal-entendidos, suas discussées abrasivas e, via de regra, mal focadas. Hles veri nessas, admit amente, angustiantes caracteristicas do debate histérico, ambos sinal ¢ prova de como a verdade é muito mais dificilmente apreendida na histéria que nas ciéncias. E, come parece resultar, se a trajetéria para a verdade ¢ muito mais érdua ¢ muito mais longa na historia que em qualquer outro lugar, que outra conclusdo se abre para nds além da de que o historiador geralmente permanece em lugares onde a verdade nao esté para ser encontrada ¢ na duvidosa companhia dos inimigos da verdade? Mas, apesar de termos toda razio em concordar com essa lamentagao acerca dos desconfortos didrios do debate histérico, nao deveriamos aceitar 0 diagnostic no qual ela est fundada. A verdade simplesmente nao esta em jogo aqui, Para melhor clucidar isso, retornemos a0 exemplo dos livros sobre a Renascenga ¢ o lluminismo: come o protagonista da Virada Linguistica argumentaria, o debate sobre a Renascenga serd principalmente um debate sobre como ela pode ser definida (em termos da descriggo que 0 historiador pode dar da parte relevante e aspectos da Renascenga na civilizagao italiana dos séculos XIV e XV. E aqui dos séculos XV e XVI é, admitidamente, verdade par definigdo. Mas é lo que entdo é dito sobre a civilizacao italiana verdade, porque a estrutura logica de tal abordagem da Renascenca é tudo, ¢ apenas tudo, 0 que o historiador vem utilizando em declaragoes para descrever @ Renascenga, somado a forma longa ¢ complexa na qual © historiador em questio propée a definigia do Renascimento. Posto de modo diferente, cada consideracao histérica sobre a Renascenga ¢ verdadeira desde que possa ser logicamente derivada da forma como ‘do se propée a defini-la. E a verdade, assim, nao o historiador em que: esta em jogo no desacordo sobre essas definigdes — 0 que esta em jogo € quais verdades so mais titeis para se entender a natureza do periodo em questao do que outras. Semelhantemente, no podemos utilizar a verdade como sendo 0 critério pelo qual nos vemos habilitados a determinar se devemos definir o ser humano come um bipede com Pernas ou come criatura dotada de raza@o - ¢ perceber qual das duas definigdes €a mais util dependerd de em qual tipo de canversasao sobre anatureza humana desejamos nos engajar. Mas, repito, isso mio exclui a possibilidade de discutirmos significativamente sobre como podemos melhor definir a Renascenca.* Uma definigao certa da Renascenga pode nos ensinar mais acerca do que havia em termos de interesse na civilizagao italiana no periodo relevante que alguma definicio rival. E alguém pode ter bons ¢ convincentes argumentos para defender sua preferéncia por uma definigdo ao invés ™ Veja uma defesa mais técnica deste arguments ew seu livru: Narrative Logic. A Semantic Analysis of the Historian's Language. he Hague/faston, 1983, 75 76 de outra(s). Mais uma vez, is discussGes que podem surgir sobre a questdo de como melhor definir a Renascenca nao podem ser definidas pelo recurso a condicées de verdade. Isto, pois, de certa forma, todas sio verdadeiras; ¢ isso pode tornar claro por qué o critério da verdade € de tio pouca ajuda aqui. A verdade nao é decisiva aqui, mas sim a questo de qual definigao da Renascenca pode ser mais bem-sucedida ao inter-relacionar de modo significative diferentes aspectos do periodo em questio. DesCRIGAO E REPRESENTAGAO Podemos reformular 0 que vimos anteriormente em termos da distingdo entre descricdo ¢ representagao. Diante da distincio entre ambos, parece no haver uma real significancia tedrica: pois ambos os termos si sugestives de um relato de uma parte da realidade. E isso pode levar-nosa ver os termos “descrigdo” e “representagao” como sendo mais ou menos sindnimos. Contudo, se olharmos mais detidamente, algumas diferengas interessantes irdo se apresentar. ‘Como cu discuti em outro lugar,” a diferenga ldgica mais notavel entre ambos é a que segue. Em uma di scricao tal como “este gato é& guir uma parte a qual se refere - “este “8 preto’, nds podemos sempre di gata” — uma parte que atribui certa propriedade ao objeto referido — preto” — em meu exemplo. Tal distingdo nao se faz possivel acerca deuma fotografia ou pintura de um gato preto, Nao podemos identificar com precisao absoluta na imagem as partes que se referem cxclusivamente ao. gato preto (como esta sendo feito pelo termo substantivo na descrigao) e aquelas partes que lhe atribuem certas propriedades — como a de ser como € feito na parte predicativa da descricao. Ambas, referencia preto - € predicagao, assumem o mesmo lugar € ao mesmo tempo em pinturas. ® ANKERSMIT, FR, Tests and pictures. ns ANKERSM philosophy of history. Londen, 1995. E Motuphilozophy, 31, 2000, p, 148-169, R: KELLNER, H. (ds). The new ‘Representation as the representation of experience” in E assim ocorre com a escrita da historia. Suponhamos, uma ver mais, que temos em maos um texto sobre a Renascenga ¢ estamos lendo um capitulo, pardgrafo ou sentenga isolada sobre a pintura renascentista. Deveriamos dizer, entao, que tal capitulo, paragrafo ou sentencga relere-se & Renascenca no sentido de escolher apenas alguns objetos histéricos, ou a parte do passado a qual, em outras partes do texto, certas propriedades so atribuidas? Ou deveriamos dizer, ao invés, que © capitulo, pardgrafo ou sentenga atribui uma propriedade a um objeto que foi identificade em outro lugar. E, se assim for, onde e como esse objeto foi identificado? Deste modo, o que nos permite distinguir esse objeto de outres objetos intimamente relacionados como o Maneit ‘ou 0 Barroco? Todas questées que ndo podem ser respondidas. nao ¢ meramente uma questao de a historia ser uma ciéncia inexata na qual a preciso absoluta quanto a se atingir a referéncia é impossivel. Porque esta é realmente uma questdo de principio. F 0 principio em questio ¢ que, na escrita da histéria ¢ no texto histérico, referéncia ¢ atribuicdo sempre andam juntas. Mas isto ainda nio é tudo. Pode ser objetado que o mero fato de que referéncia ¢ predicagao sempre andam juntas na (pictérica e historica) representacdo de modo algum exclui a possibilidade de que referencia € predicacao sejam ambas encampadas pela representacio. Com toda certeza, pintura ou fotografia deste gato refere-se a ele e também atribui a ele a propriedade de ser preto — e, de modo similar, um livro sobre a Renascen¢a nao faria referéncia a certos aspectos do passado enquanto, admitidamente, ao mesmo tempo atribui certas propriedades a ele? O fato de que ambasas operacées esto sendo executadas simultaneamente pela representacio & certamente uma interessante observacéo sobre a natureza da representagaio, entao a abjegio pode continuar, mas isto rende nado mais do que uma observacio prosaica de que ha uma lastimavel vagueza na representacio se esta for contrastada com sua contraparte mais sofisticada, qual seja, a descricdo. Porém, fazer tal objecio poderia ser subestimar a representagao € suas complexidades: 7 78 Tepresentagao € muito mais que uma mera tentativa do que uma imperfeita estacao mediana entre um encontro desestruturady com a realidade e a as certezas da verdadeira descricdo. Deixe-nos, pela causa do argumento, assumir por um momento que um texto sobre a Renascenca “refere-se” ao passado, Devemos Perguntar, entio,a qual passado exatamente ele se refere. Baqui emergira um desacordo, Diferentes textos escritos por diferentes historiadores “referem-se” a coisas diferentes, A Renascenca de Burckhardt difere- se da Renascenga que Michelet, Baron, Huizinga, Burdach, Goetz, Brandi ou Wolfflin tinham em mente." E tais diferengas nao sio meras incertezas ocasionadas pela falta de preciso peculiar a escrita da historia. Porque ¢ precisamente nessas difereneas ¢ nessas incertezas que todo pensamento histérico ¢ toda compreensao histérica articulam entre si. Poderia nao haver nenhuma discussie histérica ¢ nenhum progresso na compreensao histérica caso todos soubessem o que foi a Renascenga ¢ a que o termo se refere ou nao se refere. Seguramente, h4 certo periodo histérico, certa civilizagao em certo pais a partir das quais todos fazem associagées quando ouvem a expresso “a Renascenca’. Mas, embora essa seja uma condicdo necessaria, ¢ insuficiente para se fixar referéncia, A fim de trazer isso 4 tona ¢ evitar confusao, deveriamos, portanto, utilizar um termo alternatiyo a fim de evitar o terme “referencia” quando discutimos a relagio entre a palavra “Renascenca” e aquela parte da realidade passada com a qual a associamos. Proponho, ao invés, 0 uso do termo “acerca da”, que resultaria na seguinte distincao terminolégica, nao obstante tanto descricdes quanto representacées se mantenham em relagéo com a realidade, uma descrigao sera para se referir a realidade {por meio de sua terminologia), enquanto uma representagao (como um toda) sera acerca da realidade, E onde a “referéncia” for fixada objetivamente, isto é& por um objeto na realidade denotado pela terminologia da descrigdo, “acerca da” sera essencialmente instavel € nao fixa, uma ver que é definida diferentemente pelas descrigdes © Para uma brilhante expasicio dessas diferencas, veja: NORDHOLT, H. Schulte, Het beet ler Renaissance (A imagem do Renascimento). Amsterdam, 1948. contidas no texto de cada representagio. Isto nao implica que devemos ficar desesperados em relacdo a representagio e lamentar a auséncia de certezas de descrigao e referéncia. Pois “acerca da” nos da 0 “espaco légico” no interior do qual o pensar ¢ a discussio histérica sao possiveis; no qual “referéncia” toma o lugar de “acerca da’, a compreensao histérica perde vigor ¢ a ciéncia assume 0 controle. A discussio sobre qual conjunto de descrigdes (encampado em uma representacao) pederia melhor representar um pedaco da realidade é substituida agora por uma discussio sobre quais predicados da realidade sao verdadeiros Isto pode clarear por que a Virada Lingui stica, como foi discutido previamente, é tao essencial para um correto entendimento da escrita da histéria, Eu me referi 4 noco de Quine de “ascensdo semantica’, que foi definida como um discurso no qual o nivel da “fala” e da “fala sobre” comecam a ser combinados, E é na fusdo entre esses dois niveis 0 da que a indeterminagao da “compulsio da linguagem” e a “compulsti experiéncia’, que tanto interessa ao advogado da Virada Ling ica, anunciam a si mesmas. E é exatamente na fusao entre a “fala” e a “fala sobre a fala” que o entendimento e o debate histéricos devem ser tuados. Por um lado, 0 texto histérico contém o nivel da “fala” (isto é, 0 nivel no qual o historiador descreve o passado em termos de declaragoes individuais sobre eventos histdricos, assuntos estatais, ligagdes causais etc.). Por outro, é também composto pelo nivel no qual a discussao que toma lugar é sobre que porgao da linguagem (isto ¢, qual texto histérico) melhor representa ou corresponde a tal parte da realidade passada. Este é 0 nivel da “fala sobre a fala’, em que podemos, por exemple, indagar a nés mesmos qual melhor definicao se tem dado ao conceito de “Renascenga’, ou “Revolugao’, a fim de chegar a um entendimento étimo de certa parte do passado. Antes de prosseguir, sera util responder a uma objegao dbvia. Pode ser sugerido que, em tudo isso, eu tenha transformado um mero problema pritico em um problema tedrico. © problema pratico é que “coisas” como a Renascenga ou a Revolugao Francesa nao sao tao faceis de identificar como so, por exemplo, a Estétua da Liberdade ou a Torre Eiffel. Porém, esta é uma mera diferenga de nivel e nao de principio, E segue-se que nao ha necessidade de introduzir distingdes légicas finas quando nos movemos de descri¢des da Estitua da Liberdade para representagdes de, digamos, algo como a Renascenga. £ clare que descricao ¢ representagao sao similares do pento de v 86 porque a Re no inventério do mundo que a Estitua da Liberdade, que acontece de a logico — e & ‘cenga & um objeto de anélise muito mais complexo preferirmos a palavra “representagio” no primeiro caso ¢ a palavra “descrigo” no Ultimo caso. Ademais, jé que se pode prosseguir na objegio, pense em uma representagdo pictérica, por exempla, da fotografia ou pintura do gato preto que discutimos anteriormente. O representado (o gato preto) no seria um alvo que nos foi dado para que possamos ter acesso 4 adequacado de sua pictérica representagao de modo muito similar ao poder de decidir sobre.a verdade ou falsidade de descrigdes tais como a que diz: “Este gato é preto”? Em ambos os casos, nao seria meramente uma questao de identificar corretamente o objeto da descrigo ou representagao € de estabelecer, em seguida, se o que é dito sobre o objeto em questao corresponde ou nao ao que vemos? Eu nio diria que no hd verdade nesta visio. Na préxima segio, devo explicar onde estio 0 certo eo errado quando se discute certos tipos de declara¢ao sugerindo uma espécie de escalonamento entre descrigdo ¢ representacao, Para o momento, porém, desejo enfatizar que, mesmo no caso da representagio pictérica, a questao pode ser mais complicada do que aquela da fotografia do gato preto. Pense na pintura de um retrato. Quando um artista pinta um retrato, tendemos a acreditar que a rcalidade retratada ¢ objetivamente ou intersubjetivamente dada a nés (tal como quando um fotdgrafo tira uma foto do gato preto). A pessoa que esta sentada (modelo) oferece ao pintor uma presenca fisica, e pode parecer que nao pode haver desacordo sobre sua natureza exata. 0 modelo pode parecer o mesmo para qualquer pintor, ou para qualquer pessoa que Ihe esteja olhando cuidadosamente. Mas observe, em seguida, que, se uma pessoa for pintada por diferentes pintores, ter-se-4 como resultado tantas pinturas ou representacoes diferentes quantes pi tores. Nossa reagao inicial a este estado de coisas seri a de que algumas pinturas so mais precisas € com uma abordagem mais minuciosa que outras. Uma intui¢io, alia: que pode mais contraintuitivamente conferir 4 fotografia a honra de ser 0 ultimo marco de exceléncia artistica - que ja serve como adverténcia acerca da conclusio a seguir. Sabemos bem que nao julgamos retratos (exclusivamente) com base em sua precisio fotograifica. Um bom retrato deveria, antes de tudo, dar-nos a personalidade da pessoa representada. Contudo, esta personalidade é apenas um dado objetivo, tal como a natureza da Renascenga ou da Revolugao Francesa (isto é exemplos de representagao histérica com a qual lidamos ha pouco). Em ambos os casos, tanto ne do retrate como no da escrita historica, deparamo- nos com um movimento de uma superficie (intersubjetiva) para baixo, em camadas cada vez mais profundas da realidade.” Nossa apreciagio de um retrato pode muito bem iniciar com o critério da precisio fotografica, mas dali partir-se- para niveis cada vex mais profundos de avaliagio, dando-nos acesso a personalidade do modelo. E quase a mesma coisa é verdadeira acer da escrita historica, Enquanto (a suma de) uma descric¢do, o texto histérico deve ser irrepreensivel, esta é a “superficie? por assim dizer. Mas um texto histérico dando-nos descricées corretas do passado é suficiente: o texto deve também nos dar a “personalidade” do periodo (ou um aspecto dela) com 0 qual lidamos. E, assim como. com a fotografia, logo que tivermos rompido a superficie do que intersubjetivamente foi dado, e tao logo tenhamos, assim, entrado nos niveis mais profundos da realidade, nao ha uma marca dbvia (e intersubjetivamente dada) na qual devemos parar ou, de modo inverso, a partir da qual somos convidados a penetrar mais © Isto deve servir como resposta a objec feita por Zammito de que hl una assimetria entre representagio pictorica e bistériea, ¢ de que tal fate foi insuficientemente considerado em minha propasta de utilizar 2 representago pictarica como meio de elucidar a matureza da representagio bistorica. Ver: ZAMMITO, J. “Ankersmit’s postmodernist historiography”. In: History.and Theory 37, 1998, p. 341 fundo, E, de novo, esta é uma restrigio que tem sua tinica origem ¢ escopo de acdo no nivel da representacio: a realidade mesma nao nos prové um critério para esse tipo de consisténcia representativa, nem em como aplicé-la, A implicagao crucial de tudo isso & a seguinte: deveriamos ser cautelosos cm relagao a intuigdo comum de que representagao é uma variante da de: tado & Jo, uma conclusio que sugere que o repre: intersubjetivamente dado exatamente da mesma mancira a todos nds apenas se tomamos cuidado em olhar na diregdo correta. A intuigio esta correta apenas para a “superficie” daquilo que vemos. Mas tio logo desejamos olhar mais profundamente para a realidade, ela se torna opaca e com multicamadas; as camadas se perdem na escuridio € obscuridade & medida que vamos mais fundo, descendendo daquela “publica” ou quase intersubjetiva superficie da realidade. E este nao da realidade, mas a. A representagao faz € um pronunciamento ontoldgico sobre a nature sobre come a representacdo nos faz pereelx a realidade revelar-se 2 si mesma nesta infinidade de camadas; ¢ a tealidade se adapta de acordo humildemente. Este olhar para dentro da natureza da representagdo pode ser explicado se reconhecermos que toda representagao tem que satisfazer certas regras, critérios ou normas de escala, coeréncia ¢ consisténcia; ¢ estas regras todas vivem suas vidas sentado, exclusivamente no mundo da representagao ¢ no no do rep) Apenas representagées podem ser “coerentes” ou “consistentes”; faz muito pouco sentido falar de uma “realidade coerente” como uma “realidade verdadeira’. Porém, no nivel da representacao, estas regras elc, sio indispensives paisagem nao pode pintara cascade drvores individuais detalhadamente, ¢ 40 Mesmo tempo reduzir a paisagem em primeiro plano a um simples borrio sugestivo. E, como Haskell Fain (1973) precisamente observou ha trinta anos, quase o mesmo é verdadeiro para a Por exemple, © pintor figurativo, pintando uma fa da historia.” A representacao em si mesma esta ligada a certas camadas, por assim dizer — as possibilidades so consequentemente limitadas. PAIN, Haskell ctween history andl philosophy, Princeton, 1973, Novamente, isso nfo tem nada a ver com a verdade. Uma pintura ou texto histérico que ignoram essas regras, critérios ou padrdes para coeréncia € consisténcia representativa nao nos convidam a defender crengas equivocadas sobre a realidade. Um historiador que comeca sobre o GNP* da Gra-Bretanha em 1867 e, entdo, prossegue falando sobre processos ocorridos na informando corretamente seus leitor mente de Charles Darw em 1863 ndo peca contraa exige ia de dizer a verdade sobre o passado; acusar-no-cmos, ao invés, de nos apresentar uma narrativa histérica incoerente. E uma teoria histérica insensivel a esta dimensao de sua escrita, ¢ intimando que todos os problemas tedricos sobre ela podem, em ultima instancia, ser reformulados como problemas sobre a verdade, é to iniitil e ineficaz quanto uma estética argumentande que a precisdo fotografica é tudo 0 que precisamos a fim de avaliar os méritos da representagio pictorica da realidade possivel de ser admirada em nossos museus. O resultado final dessas consideragées ¢ o de que existe na repres nlagao uma correspondéncia entre o representado e a sua representa¢ao, que nao tem uma contrapartida ou equivalente na descrigdo. A descrigio ndo conhece essas restrigées de coeréncia € consisténcia as quais, inevitavelmente, entram em cena 3 medida que nos movemos da simples descrigao para as complexidades da representacao. Ha, assim, algo peculiarmente “idealista” sobre representagio, no sentido de que como decidimos conceituar a realidade no nivel da representa¢ao (da realidade) determina o que iremos encontrar no nivel do representado (isto é, naquele da realidade mesma), Isto ndo deve ser tomade, contudo, como se o pensamento ou a representagao de fato pudessem “reproduzir” ou “criar” a realidade - tal coma, admitidamente, alguns narrativistas os desconstrucionistas extremos tém o hdbito de afirmar - mas apenas que uma decisdo referente ao primeiro nivel determinard o que havemos de encontrar no segundo nivel. Sigla para designar o termo cen inglés Cross National Product (Produto Nacional Bruto), que é -ovalor mereantil para 6 praduto anual preveniente dos bens ¢ seevigos suprides pelos cidadios ativos de um pais [Nota do traduter]. 83 ‘Todavia, a sugesto de idealismo é reforgada pelo fato de que a realidade (ou o representado) permancceri sendo um caos desde que tal de Jo nao seja tomada e nenhum nivel de representacdo seja destacado a fim de colocar ordem nesse caos. Neste sentido, e apenas ni sentido, a alegacio pseudoidealista de que a representagdo determ o representado pode ser defendida. Colocado de modo diferente, os contornos da realidade, embora nao a realidade em si mesma, apenas podem ser definidos se forem representados por intermédio de uma Tepresentagao. Forgar uma decisio quanto a saber se esses contornos tém a sua origem na realidade ou na mente é tao inttil ¢ enganose quanto saber sc a América existiu antes de seu povo comegara propor @ nome “América”. Fm certo sentido, sim, mas, em outro, ndo - ¢ devemos aceitar essa ambiguidade, Finalmente, a Virada Linguistica nao deve ser associada apenas com uma exigéncia de uma distingao entre verdades sintética ¢ analitica, mas também de um método filosdfico. O método filoséfico em questiio é de que muitos, se nao todos, problemas filoséficos podem ser resolvidos, ou, ao contririo, ser dissolvidos, por uma cuidadosa anilise da linguagem na qual esses problemas foram declarados m uma frase, a linguagem pode nos enganar ¢ ¢ tarefa do fildsofo da linguagem mostrar aonde a guagem nos conduziu ao erro. Desse ponto de vista metodolégico, a Virada Linguistica tem outra licdo a nos ensinar acerca das difereng: entre descri¢ao e representacao, centre “referencia” e “ser sobre” De um ponto de vista gramatical nao ha diferenga entre as declaragées “este gato é preta” ¢ “a Renascenca marca o nascimento da mente moderna’. E. isto tem levado muitos filésofos (empi istas) a, erroneamente, acreditar que a ldgica dessas duas declaragées é igualmente idéntica. Entretanto, ca do em contraste com o que sugere a similaridade gramatical, a Id ultimo tipe de declaragao é altamente complexa se apropriadamente analisada. A declaracio é ambigua ¢ ambos os seus sentidos possuem diferentes niveis de significado. Deixe-me esclarecer isso. No que diz respeito & ambiguidade, a declaracdo pode, em primeiro lugar, nao estar se referindo a uma representagZo da Renascenga em particular, mas expressar ao que é mais ou menos considerado um denominador comum em relago ao qual as pessoas costumeiramente associam o termo “Renascenca’. Assumamos — como uma coisa razoavel a se fazer - que haja tal denominador comum. Neste caso, o termo Sujeito da declaragao referir-se-a a este denominador comum ea questa sobre se tal declaragao corretamente o descreve decidira sua verdade ou falsidade. Segue-se que este denominador comum 6, obviamente, uma representagado de parte do passado (embora provavelmente seja uma parte severamente truncada). Como tal ela pode desproblematicamente “ser sobre” © passado {no sentido em que tenho utilizado este termo). Mas isto nao é tudo. Se realmente existe esse tal de denominador comum issim, uma justaposicae substancial sobre como todas os falantes irao usar a palavra Renascenga (que pode ser sumarizada na visio de que a Renascenga nos deu 0 nascimento da modernidade) — a declaracao sera analiticamente verdadeira, desde que meramente expresse 0 que jA faz parte do significado (aceito) da expressio “a Renascenga’. Isto entao, onde tal declaracao diferir-se-4 da uma verdade sintética tal como “Este gato é preto”, apesar das similaridades gramaticais entre ambas. Por outro lado, ela ira agora partilhar com a verdade sintética a capacidade de se “referir” realidade. Pois, se todos os falantes relatarao 0 mesmo conjunto de palavras sobre os mesmos aspectos da realidade, entao os aspectos em questao irao se coagular a coisa a qual nos “referimes” por meio deste conjunto de palavras." Aqui, “ser sobre” terd o tom de “referéncia” ~ mas mesmo isto nao faz da declaragio uma de tipo descritivo. Enquanto descrigdes sao sinteticamente verdadeiras ou falsas, esta é analiticamente verdadeira ou falsa, dependendo se ela corretamente expressou o (denominador comum do) significado da frase “a Renascenga’, ou niio.* * Para uma anilice desta considera;ao sobre a ontologia histériea ¢ sobre“o que ha na realidade hnistorica, veja meu livro: Narrarive logic. A semantic analysis of the historian’ language, The Hague, 1983, p.155-169. Veja também: LORENZ, C, “Can histories be true’ Ir History and Theory 37, 1988, p. 311. note 5, queoferece um breve nesumo-da ideia. © A fimde evitara objegio de queo uso aqui da disting3o entre verdade sintética eanalitica etd em desacordo coma investida de Quine contra que cle rotulou “o primeiro dogma do empirismo’. lembro ao leitor que Quine nao estava argumentanda contra o significado das termos “verdade 86 Em segundo lugar, o enunciado “a Renascenga marca o nascimento da modernidade” pode ser 0 resumo da sentenga de uma representagio bastante especifica da Renascenea. O carater apoditico da declaragao refletira ou expressard a concordancia do falante com esta representagdo especifica. Neste sentido, a declaragao expressa o que Russell, chamou um pouco enigmaticamente, de “atitude proposicional” do falante: qual seja a de que o falante acredita que a representagao em questao da Renascenga € do tipo sensivel, admissivel e plausfvel. Assumindo que o falante sabe sobre o que esté falanda, a declaragao serd analiticamente verdadeira desde que, nesse caso, aquilo que ¢ atribuido 4 Renascenga sera verdadeiro na base do significado do que a representagao em questio propde conceder 4 frase “a Renascenga’, Segue como corolario, nesse caso, que © termo sujeito do enunciado nao “se refere”, tampouco é “sobre” a realidade (de alguma parte do passado). Mas a atitude proposicional do falante é tal que ele acredita que a representagdo em questo seja sensivel, admissivel e plausivel (e ele, pode ou nao ter boas razécs para crer assim ~ mas éssa nao é.a questao no presente contexto), ou, em outras palavras, ele acredita que a representagdo em questao € 0 melhor caminho para se acoplar a linguagem (um texto) a (uma parte ou aspecto especifico da) realidade histérica, Dessa perspectiva, 0 enunciado deve ser situado no nivel da “fala sobre a fala”: trata-se de um pronunciamento (implicito) sobre como devemos falar da realidade, sobre qual pedaco da linguagem melhor corresponde a qual pedago da realidade. Mas tudo isso pode, é claro, apenas ser justificado na base do que for dito a respeito do passado no nivel da que as descri¢ées individuais contidas pela representagéo em questéo fala’, isto é, no nivel do afirmam sobre o passado. Nessa direcdo, 0 enunciado em questio envolve tanto o “ser sobre” (ie., o nivel representacional que deve ser identificado com o texto histérico especifico para o qual o termo sujeito do enunciade “se refere”) quanto 4 “referéncia” (na medida em que o termo sujeito do enunciado “se refere” a uma representacao e desde que snalitic? ee mas contra aafirmagio empirista de que cada verdade é redutivel qualquer um destes do a referéncia seja feita a realidade passada por meio dos termos sujcitos das descrigdes contidas pela representacao). Agora, todas essas sutis, porém necessarias, distingdes so totalmente perdidas quando alguém brutalmente e sem rodeios agrupa (com o empirista) descricdo (e “releréncia”) ¢ representacdo (e “ser sobre”) em nao outra base sendo a das similaridades gramaticais de enunciados como “Este gato ¢ preto” e “A Renascenca marca 0 nascimento da modernidade”. Tudo sso faz da escrita da histéria a disciplina fascinante que é - e, ademais, tudo 0 que a disciplina de historia ainda tem a ensinar @ filosofia da linguagem, uma ligdo ou duas ~ perde-se de vista. Isto sera claborado em maiores detalhes no tépico seguinte. Tanto quanto se deveria evitar 0 outro extreme e projetar sobre as descrigdes o que pertence exclusivamente a natureza da representagio ~ como recentemente fez Berkhofer.” Pois entdo, mesmo os enunciades descritivos mais simples sio apresentados como tendo a mesma indeterminagao no que se refere a realidade passada, como jéafirmamos sobre o nivel da representagdo, ¢ o resultado & um ceticismo tao sem fundamento quanto absurdo. Contudo, como adiante seri esclarecido, devemos nos guiar por um prudente meio-termo entre, de um lado, a tentativa empirista de colocar todas as representacdes histéricas na sodémica cama da descrigdo e, de outro, os exageros de Derrida. Certamente o empirista esta correto em muito do que pensa ser objetavel ‘ou mesmo ridiculo no culto orgiaco da palavra do desconstrucionismo de Derrida. Certamente, o des ‘onstrucionista esta correto quando argumentando contra o empirista que a linguagem tem sua contribuigio propria 4 compreensao histérica. Ambos esto corretos, em certa medida, e ambos esto errados. Devemos, assim, investir nossas energias intelectuais em explorar o juste millieu (justa medida) entre o Scylla € o Charybdis” do empirismo e 0 desconstrucionismo de Derrida. E “ BERKTIOFER, R. Beyond the grea story:history as text and as discourse. Cambridge (Ma), 1995, ix monstrox maritimos da mitologia grega descritos por Homero cm Odiss¢ia [Nota do tradutor] © Referéncia metaférica do autor a 87 isso se pode fazer atribuinde tanto A descrigdo (e “referéncia”) quanto & representacdo (e “ser sobre”) 0 que lhes é devido, enquanto, ao mesmo tempo, reconhecemos as limitagaes de cada um. Mas, infclizmente, a teoria histérica contemporanea tem uma enredada inelinacdo para o extremismo que efetivamente barra o caminho para um compromisso frutifero ¢ inteligente. Deixe-me concluir este tépico enfatizando que a indeterminacio reivindicada para o relacionamento entre linguagem histérica e realidade histérica nado deveria nos obrigar a cortar totalmente os lagos entre ambas. Nos enunciados descritivos individuais de uma representagdo, a referéncia ¢ feita a eventos passados, ¢ assim por diante; a representac3o, como um todo, “é sobre” parte de uma especifica realidade do passado. Porém, “ser sobre” deve ser diferenciado de “referéncia’, uma vez que a indeterminagao na relagao entre linguagem e realidade, caracteristica da representagao, estd ausente no caso da referéncia. Em ambas devem ser diferenciadas da correspondéncia formal entre uma representagao histérica especifica (linguagem) ¢ 0 que ela representa (realidade}, o que sera mais detidamente investigado no tépico final deste capitulo. Finalmente, acima de tudo, dever-se-ia evitar confundir “indeterminagao” com “arbitrariedade” em todas as discussGes historicas - a possibilidade de um argumento racional sobre como melhor ligar linguagem historica ¢ realidade histérica - visto que ambas pressupdem e requerem um “espago Iégice” aberto por esta indeterminagao. CONTRA OS EMPIRISTAS Em sua excelente pesquisa de teoria histérica contemporanea, Munslow faz uma distingdo entre os aportes reconstrucionista, construcionista e desconstrucionista do conhecimento térica. O reconstrucionista mantém uma “crenga fundacional no empirismo € no significado histérico”; construcionismo refere-se a abordagem sociocientifica 4 historia; ¢ o desconstrucionismo “accita que o contetido da histdria, como o da literatura, é definido em grande parte pela natureza da linguagem utilizada para descrever e interpretar esse contetido tal como ¢ pela pesquisa em fontes documentais” Sera 6bvio que a principal diferenga entre esses grupos de tedricos ¢ o nivel no qual defendem uma variante do puro empirismo. Desconstrucionistas (pelo menos os mais sensiveis entre eles) reconhecem que tanto a compulsio da experiéncia quanto a compulsdo da linguagem tém seus papéis a desempenhar na compreensio histérica, nao obstante es empiristas (sejam reconstrucionistas ou construcionistas) admitam somente a compulsio da experi ssa implica que o énus da prova reside entre os empiristas; eles deveriam demonstrar que todos os casos Mos quais o desconstrucionista apela para a compulsao da linguagem sao finalmente restringidos 4 compulsio da experiéncia. Assim, ao invés de vociferadamente acusar o desconstrucionista de irracionalismo irresponsavel (pelo qual os empiristas tentam esconder sua nudez tedrica), 05 empiristas fariam melhor esclarecendo como as muitas diferengas tedricas ¢ praticas entre a histéria ¢ as ciéncias podem ser explicadas sem comprometer seu empirismo. Um espantoso exemplo de preconceito empirista esta na sentenga com a qual Richard Evans finaliza sua dentincia do que ele indiscriminadamente agrupa come sendo teoria histérica “pds- modernista’ Apés ter enumerado alguns autores pés-modernistas (eu também fui incluido na lista) e depois de té-los ancorado a uma resumida sentenca de suas visdes, ele prosseguiu escrevendo: Eu olharei humildemente ao passado ¢ direi apesar deles todos: realmente aconteceu, ¢ nds realmente podemos, se formos bastante escrupulosos, cuidadosos e auto-criticos, descobrir como ele ocorreu ¢ alcangar alguma tenacidade, embora sempre menos que conclusées finais sobre o que tudo significou.” © MUNSLOW, D, Devonstrttting history, New York, 1997, p. 18-19, “ ENANS, R, J. defiance of history: London, 1997, p. 253.

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